Cerca de 2500 soldados ucranianos e paramilitares do batalhão Azov renderam-se na última semana em Azovstal, pondo fim a um cerco de várias semanas, levado a cabo pelas forças militares russas, em Mariupol. Os prisioneiros foram transportados para territórios controlados no Donbass, marcando definitivamente a conquista da cidade.
«Tendo saído escoltados para território inimigo depois de entregarem as armas», não há outra forma de descrever o ocorrido do que «rendição», defendeu Daniel Oliveira, numa coluna de opinião publicada na sexta-feira, no Expresso.
No entanto, a comunicação social ocidental, incluindo a portuguesa, não tardou em alinhar as suas penas com a posição pública emitida pelos gabinetes de propaganda do Governo ucraniano, procurando não dar uma conotação negativa ao acontecimento.
Após semanas de resistência, encobriu-se a derrota, recorrendo a «eufemismos»: «fim da resistência»; «terminada a missão de defesa»; «soldados ucranianos retirados» ou «enviados para territórios sob controlo de Moscovo» e até «operação coordenada pelas forças russas e ucranianas».
A jornalista palestiniana Shireen Abu Akleh faleceu esta quarta-feira, depois de ser atingida com um disparo na cabeça, quando cobria um raide das forças israelitas em Jenin, no Norte da Cisjordânia ocupada. O Ministério palestiniano da Saúde afirmou em comunicado que Abu Akleh, repórter da Al Jazeera de 51 anos, foi levada de urgência para um hospital próximo, onde faleceu. Ali Samoudi, produtor da mesma cadeia televisiva, foi atingido a tiro nas costas e encontra-se em situação estável, segundo referiu o ministério. Em declarações à agência WAFA, Samoudi disse que se encontrava com Abu Akleh e outros jornalistas nas escolas do campo de refugiados de Jenin, e que todos usavam coletes à prova de bala com a indicação «imprensa» quando foram atacados por soldados israelitas. O produtor da Al Jazeera acusou as forças israelitas de os terem atingido de forma premeditada, na medida em que sabiam que todos os que se encontravam naquele local eram jornalistas e que ali não havia elementos armados ou confrontos. Desta forma, Samoudi desmentiu as declarações de um responsável do Exército israelita a uma rádio em que negava qualquer responsabilidade dos militares na morte da jornalista. Também a jornalista Shatha Hanaysha, que estava perto de Abu Akleh quando esta foi atingida, confirmou que os soldados israelitas dispararam contra eles, mesmo estando bem identificados. Governo palestiniano, partidos políticos e diversas organizações condenaram os factos ocorridos em Jenin. O primeiro-ministro, Mohammad Shtayyeh, afirmou que Abu Akleh foi morta «quando exercia o seu dever jornalístico de documentar os crimes horrendos cometidos pelos soldados da ocupação contra o nosso povo». O Ministério dos Negócios Estrangeiros acusou Israel de ter atingido Abu Akleh e Ali Samoudi de forma «intencional e deliberada», e relacionou o facto com a implementação da política do governo israelita de matar a tiro os palestinianos. Por seu lado, o responsável da pasta dos Assuntos Civis, Hussein al-Sheikh, disse que «se voltou a cometer o crime de silenciar a palavra, e a verdade é silenciada por balas da ocupação». Responsáveis da Al Jazeera manifestaram-se «chocados e tristes», e o chefe do canal nos territórios ocupados, Walid al-Omari, afirmou que aquilo que se passou em Jenin «foi um assassinato premeditado por parte do Exército de ocupação». Em Janeiro deste ano, a WAFA afirmou que, em 2021, foram registadas 384 situações de abuso por parte das forças israelitas contra jornalistas que trabalhavam nos territórios ocupados da Palestina. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Jornalista da Al Jazeera morta a tiro durante ataque israelita a Jenin
Palestinianos denunciam assassinato
Contribui para uma boa ideia
A ausência de sentido crítico (quando não a consciente intenção de partilhar propaganda) em boa parte das redacções portuguesas e ocidentais, assim como de um número demasiado elevado de jornalistas, não pode deixar de alarmar todos os que reconhecem na comunicação social um dos mais fundamentais pilares da vida democrática de qualquer país.
A rendição de Azovstal ocorreu apenas alguns dias depois do assassinato da jornalista palestiniana Shireen Abu Akleh, às mãos das forças militares de ocupação israelitas. Esta situação expôs, mais uma vez, a cumplicidade dos jornais lusos, que se apressaram a divulgar, em letras garrafais, todas as mentiras divulgadas pelo Governo israelita, que insinuavam intensos tiroteios entre as suas forças militares e palestinianos que nunca existiram.
A mediática indiferença
É um fenómeno parecido com a suspensão da descrença. As centenas de jornalistas que acompanham a guerra na Ucrânia (o único lado ao qual temos acesso é o ucraniano, desde que foi imposta a censura dos órgãos de comunicação russos no espaço europeu), parecem ter perdido o sentido crítico e a isenção, condições necessárias a acederem à condição de jornalistas.
Sem a presença dos deputados da oposição, suspensos por Zelensky, o resultado da votação era um dado adquirido. Partidos acusados de tendências «pró-russas» serão proibidos em definitivo, para lá da lei marcial. A vida do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acaba de ficar relativamente mais fácil. Seguindo o método dialético de Manuela Ferreira Leite (numa teoria formulada aquando da sua liderança do PSD), de vez em quando, o melhor mesmo é suspender a democracia durante seis meses, «mete-se tudo na ordem e depois, então, venha a democracia». A pretexto da lei marcial, Zelensky proibiu hoje 11 partidos políticos, do centro à esquerda, na Ucrânia, incluindo o maior da oposição. A extrema-direita, por seu lado, não vê qualquer restrição à sua actividade. «Primeiro vieram buscar os comunistas (...)», lembrava Bertolt Brecht, e agora, por fim, levam o que restava do centro/centro-esquerda ucraniano. O processo de «descomunização», em marcha desde 2015, que resultou na ilegalização e perseguição do Partido Comunista da Ucrânia, aproveita o contexto da guerra para afastar os restantes rostos da oposição anti-NATO/anti-corrupção ao governo de Zelensky. Sob pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», uma narrativa rapidamente adoptada pelos meios de comunicação ocidentais, 11 partidos, com ou sem assento parlamentar, foram impedidos de exercer a sua função principal numa democracia: exercer a representação política dos seus eleitores e militantes. O Ministério da Justiça terá agora de «tomar imediatamente medidas abrangentes para proibir as actividades desses partidos políticos». A explicação dada pelo presidente ucraniano, numa declaração proferida hoje, 20 de Março, na qual anuncia o prolongamento da lei marcial por um novo período de 30 dias, falha na prova dos factos. Muitos destes partidos, acusados de pró-russos, participam activamente na defesa da Ucrânia. Há pouca margem para interpretar esta acção que não seja a de afastar o que resta da oposição ao seu mandato, e aos interesses que ele serve. A Plataforma de Oposição - Pela Vida, que nas eleições parlamentares de 2019 ficou em segundo lugar, com 13,05% dos votos e 43 assentos no parlamento, não só denunciou publicamente a invasão da Rússia, chegando mesmo a expulsar um deputado por não o fazer e remover um vice-presidente com ligações a Vladimir Putin, como incitou à participação nas milícias de defesa do país. Nada impediu a suspensão. No caso do Socialistas, trata-se de um pequeno partido político pró-União Europeia [ver foto em caixa] que defende a reintegração da Crimeia na Ucrânia, ao mesmo tempo que defende a nacionalização de vários importantes sectores da economia ucraniana e o combate à corrupção nas instituições governamentais. O verdadeiro crime destas formações políticas, algumas com quase 30 anos de actividade, foi, em alguns casos, continuarem a defender posições anti-NATO ou representarem as populações russófilas do país, enquanto outros, apoiantes do projecto europeu, se limitam a defender uma solução pacífica para o conflito no Donbass e se opõem aos ímpetos privatizadores do governo de Zelensky. O projecto iniciado em Maidan, em 2014/15, concluiu finalmente uma das suas principais ambições políticas: afastar todos os grupos partidários que contestem a hegemonia dos interesses económicos norte-americanos na Ucrânia. Para além da Plataforma de Oposição - Pela Vida, também os partidos Sharia, Nosso, Bloco de Oposição, Oposição de Esquerda, União das Forças de Esquerda, Estado, Partido Socialista Progressista da Ucrânia, Partido Socialista, Socialistas e Bloco de Volodymyr Saldo, foram suspensos. A necessidade de uma «política de informação unificada» levou Zelensky a assinar um decreto que funde todos os canais de informação, públicos e privados, num único órgão informativo, sob gestão da presidência da república da Ucrânia. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Zelensky, no entanto, decidiu ir mais longe. Depois da experiência do último mês, com a suspensão de todos os partidos políticos da oposição de centro e centro-esquerda (sem nunca tocar nos sacrossantos direitos dos partidos da extrema-direita), o parlamento ucraniano deliberou proibir, em definitivo, a oposição. Nas suas redes sociais, Olena Shuliak, presidente e deputada do partido Servo do Povo (pelo qual Zelensky se fez eleger) manifestou a sua satisfação pela aprovação da proposta: «Finalmente vamos parar de tolerar o 'mundo russo' dentro dos nossos círculos políticos, que só trazem destruição à Ucrânia». A pretexto de se tratarem de partidos «pró-russos», o novo projecto de lei (n.º 7172-1) permite a ilegalização de partidos, a cessação dos mandatos de representação, sejam ao nível local ou nacional, e o confisco de toda a propriedade registada pelos partidos visados. A Assembleia Geral da ONU adoptou, de forma esmagadora, a resolução que a Rússia apresenta há vários anos contra a «glorificação do nazismo», que voltou a não contar com o apoio dos países da NATO. Por iniciativa da Rússia, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada» foi aprovada esta quinta-feira, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 49 abstenções. Entre as abstenções, inclui-se a de Portugal, a dos estados-membros da União Europeia e dos países que integram a NATO. A resolução proposta pela Rússia apela aos estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) para que «eliminem todas as formas de discriminação racial por todos os meios adequados», incluindo a via legislativa, e expressa «profunda preocupação sobre a glorificação, sob qualquer forma, do movimento nazi, do neonazismo e de antigos membros da organização Waffen-SS». De acordo com uma nota publicada no portal na ONU, o texto refere-se, também, à «construção de monumentos e memoriais», e à «celebração de manifestações em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo» – algo que ocorreu nos últimos anos em países como a Ucrânia, a Letónia, a Estónia, a Lituânia e a Polónia. Grigory Lukiantsev, director-adjunto do Departamento de Cooperação Humanitária e Direitos Humanos do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, disse que a adopção da resolução será um contributo real para a erradicação do racismo e da xenofobia, refere a TASS. Cerca de mil pessoas participaram no desfile do Dia do Legionário em homenagem aos mais de 140 mil letões que integraram unidades nazis. A diplomacia russa classificou a marcha como uma «vergonha». O Dia do Legionário, a 16 de Março, é assinalado na Letónia desde os anos 90, para homenagear e evocar aqueles que fizeram parte da Legião da Letónia na Waffen Schutzstaffel (Tropa de Protecção Armada, mais conhecida como Waffen-SS). A marcha deste ano, em Riga, contou com a participação de alguns veteranos legionários, que integraram a 15.ª e a 19ª divisões de Granadeiros da Waffen-SS, bem como de apoiantes e neonazis. O evento anual, que tem sido criticado a nível internacional como uma forma de «glorificação do nazismo», também mereceu oposição interna, com alguns manifestantes a exibirem cartazes em que classificavam a Legião como uma «organização criminosa» e a lembrar que «lutaram ao lado de Hitler», segundo refere o periódico Haaretz. A Embaixada da Rússia no país do Báltico condenou a marcha de homenagem aos legionários da Waffen-SS, que classificou como «uma vergonha». Na sua conta oficial de Twitter, a Embaixada afirmou, no sábado: «Que vergonha! Veteranos da Waffen-SS e apoiantes estão novamente a marchar com honra no centro de uma capital europeia. E isto acontece na véspera do aniversário dos 75 anos da libertação de Riga dos invasores nazis!» Também a Embaixada da Rússia no Canadá se manifestou no Twitter contra o desfile realizado em Riga: «Veteranos da Waffen-SS nazis e apoiantes marcham desafiantes e livremente no dia 16 de Março em Riga, Letónia, recohecidos pelas autoridades como heróis nacionais. Uma realidade ignorada por muitos no Ocidente que não pode ser descartada como "propaganda do Kremlin".» A Waffen-SS, que foi criada como um ala armada do Partido Nazi alemão, foi considerada uma organização criminosa nos julgamentos de Nuremberga, após a Segunda Guerra Mundial, pela sua ligação ao Partido Nazi e envolvimento em inúmeros crimes de guerra e contra a Humanidade. A Legião da Waffen-SS da Letónia foi fundada em 1943. Muitos dos seus membros viriam a integrar depois, juntamente com combatentes da Lituânia e da Estónia, os chamados Irmãos da Floresta, que até 1953 lutaram contra as tropas soviéticas nos países bálticos. Em Julho de 2017, a NATO publicou um vídeo que apresenta, com visível dose de heroísmo, essa guerrilha anti-soviética, sem mostrar grande preocupação pelo facto de, nessas forças, estarem integrados muitos legionários das SS nazis ou os que, nos países bálticos, haviam colaborado com as forças invasoras nazi-fascistas. Então, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, pediu que «se veja com respeito as páginas trágicas da história e se repudie tão repugnante acção da Aliança Atlântica». Disse ainda esperar que «não seja necessário recordar os assassinatos massivos perpetrados por muitos dos membros dos Irmãos da Floresta». Por seu lado, a representação da Rússia junto da NATO considerou que o material fílmico constitui uma nova tentativa de reescrever a história, para a colocar de acordo com os processos políticos nas ex-repúblicas socialistas do Báltico, onde prolifera o neofascismo e o nacionalismo. Moscovo tem reafirmado a sua preocupação sobre o surgimento de grupos neonazis e acerca de políticas que glorificam colaboradores com o nazismo na Ucrânia, na Polónia e nos Estados Bálticos – países onde, refere a agência Sputnik – são frequentes as marchas em louvor de destacadas figuras fascistas. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Acrescentou que o texto sublinha a inadmissibilidade de «glorificar os envolvidos nos crimes do nazismo, incluindo o branqueamento de ex-membros da organização SS e das unidades Waffen-SS, reconhecidas como criminosas pelo Tribunal de Nuremberga». A representação diplomática dos Estados Unidos junto das Nações Unidas tem votado sempre contra a resolução apresentada pela Rússia, alegando que se trata de um documento que legitima as «narrativas de desinformação russa» e «denigrem os países vizinhos sob a aparência cínica de travar a glorificação do nazismo». No contexto da votação realizada há um ano, o embaixador norte-americano afirmou ainda que a resolução é contrária ao «direito de liberdade de expressão», a que também os «nazis confessos» têm direito, tal como estipulado pelo Supremo Tribunal dos EUA. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A decisão foi aprovada com o voto favorável de 330 deputados. Apenas 17 votaram contra. O parlamento da Ucrânia (ou Rada) continua a funcionar, desde finais de Março, com um número reduzido de deputados (num total de 450), já que várias dezenas estão impedidos de cumprir o mandato para o qual foram eleitos por milhões de ucranianos, no mesmo sufrágio que legitima Zelensky. Qualquer partido que adopte posições, como parte da sua linha programática, que justifiquem, considerem legal e neguem o ataque da Rússia à Ucrânia, ou aceitem a conduta de militantes «pró-russos» nas «zonas temporariamente ocupadas» (em que se incluem as populações separatistas do Donbass e Crimeia), será imediatamente proibido. A capote desta lei, fica permanentemente proibida a defesa partidária do direito à autodeterminação dos povos do Donbass e da Crimeia, zonas com grandes populações russófonas e que votaram maioritariamente, em 2019, num dos partidos que será agora proibido: a Plataforma de Oposição - Pela Vida. Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza. O fascismo nasceu como um novo produto ideológico das direitas do século XX, com uma origem e uma génese específicas na Itália do pós-I Guerra Mundial. Conquistou, contudo, o seu lugar na História justamente porque ganhou dimensão internacional, fascizando o corpus doutrinal de outras direitas em muitos contextos nacionais diferentes.1 Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário2 no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista). «Produtos de um processo degenerativo do sistema liberal, em cuja história se inscreve, o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, considerados justamente prototípicos do fenómeno à escala internacional, ascendem ao poder cumprindo as normas legais de um liberalismo autoritário no âmbito de uma transição autoritária (do sistema liberal para a ditadura fascista)» Nos estudos do fascismo desenvolveram-se, entre muitos, dois debates clássicos que permanecem muito úteis para discutimos a extrema-direita que dele é herdeira. Em primeiro lugar, a distinção entre fascismo-movimento e fascismo-regime, isto é, entre os períodos e os contextos em que ele (ainda) não se constituiu como regime e ideologia de Estado e os que, sobretudo depois da nazificação da Alemanha a partir de 1933, tal acontece um pouco por toda a Europa; nos nossos dias, isto significa estudar a diferença entre as direitas radicais na oposição e no poder. Em segundo lugar, a aplicabilidade do conceito a uma grande variedade de casos nacionais – fascista foi apenas o partido e o regime de Mussolini?, ou devem também ser considerados como tal o nazismo, o franquismo, o salazarismo, o regime ustasha na Croácia, entre muitos outros? –, e contextos históricos – o fascismo teve a sua época, como lhe chamou Thomas Mann, e esta terminou definitivamente com a derrota militar nazi de 1945?, ou, sob muito variadas formas, foram e são neofascistas ou pós-fascistas movimentos, partidos e formas de governo que se desenvolveram/impuseram uma vez passada a época do fascismo, desde as extremas-direitas europeias mais clássicas (francesa, italiana, alemã), às formas ideológicas e orgânicas presentes em ditaduras reacionárias dos últimos 75 anos (sobretudo as latinoamericanas e as duas ibéricas nas suas versões adaptadas a um mundo de que havia desaparecido já qualquer esperança de uma Nova Ordem fascista), até às direitas radicais (demasiado) frequentemente descritas como populistas do século XXI? Diferenças de contexto, comunidade ideológica e perceção de continuidades são questões essenciais tanto para analisar as experiências políticas da época do fascismo (1922-45), como para discutir as direitas extremas dos nossos dias. A posição maioritária, e que vem ganhando contornos hegemónicos, é a de sublinhar a diferença entre as novas extremas-direitas, que julgamos conhecer melhor porque com elas vivemos, e aquelas que há cem anos cunharam o nome de fascismo. Antes de mais, esta parece-me a atitude intelectual mais fácil de assumir: em contextos inegavelmente diferentes, os objetos que neles encontramos parecem-nos também eles diferentes, pelo que a perspetiva com que, à partida, os abordamos é a da verificação da diferença face a outros objetos que já conhecemos, antes de mais por não termos sido contemporâneos dos objetos do passado, que nos são inevitavelmente mais estrangeiros (como lhes chama David Lowenthal) que os do presente. Dizia Eric Hobsbawm que «a maioria dos seres humanos opera como os historiadores: só retrospetivamente conseguem reconhecer a natureza da sua experiência.»3 É evidentemente difícil conseguir dar um nome adequado ao que vivemos enquanto o vivemos. Por outro lado, muita da discussão que hoje fazemos sobre a natureza da extrema-direita é a mesma que se vem fazendo há décadas sobre a natureza dos regimes autoritários da época do fascismo, e resulta, afinal, de saber-se que grau de flexibilidade é admissível no uso das categorias políticas. Por norma, aqueles que negam que ditaduras de direita do período de entre guerras, como a salazarista, tenham sido versões nacionais de um fascismo como fenómeno internacional, não se perguntam se são hoje igualmente democráticos regimes tão diferentes como o indiano ou o francês, e se já o era o sistema político norteamericano em 1776 ou em 1865. A pergunta nada tem de retórico uma vez que a Ciência Política mainstream tende a dar-lhe uma resposta positiva em todos os casos, ao mesmo tempo que entende que eram tão comunistas e totalitários (para usar um vocabulário hegemónico que não é o meu) o regime soviético em qualquer dos seus ciclos históricos, o dos Khmeres Vermelhos ou a Revolução Cubana, entre muitos outros exemplos. Porque se aplica, então, um grau tão amplo de flexibilidade para falar de democracia ou de comunismo e uma perspetiva tão restritiva para falar de fascismo? A resposta é simples: porque se aceita quase sempre trabalhar com conceitos genéricos de democracia e de comunismo e, pelo contrário, se recusa fazer o mesmo com o fascismo. «se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo?» Para o que aqui nos ocupa, a questão é saber se, e quais, direitas extremas dos nossos dias são neofascistas, isto é, se são a versão do fascismo adaptada às condições específicas (mas muito diferentes entre si) de sociedades do século XXI marcadas pelo agravamento generalizado da desigualdade social e da perda de representatividade dos sistemas políticos. Nesta nova fase da globalização capitalista que coincide com o triunfo do neoliberalismo desde os anos 1980, são a retórica ocidentalista e o racismo culturalista dos nossos dias, empapados do Choque de Civilizações de Huntington, herdeiros do discurso da decadência do Ocidente de Spengler4 dos anos 20 que enformou a mundivisão fascista? A normalização do discurso xenófobo e racista, agravada com a chamada crise dos refugiados da última década (especialmente dos anos 2015-16), partilha a mesma mundivisão do fascismo na sua época? Há ou não continuidade entre o racismo politicamente organizado da primeira metade do século passado e o dos nossos dias, que alimenta movimentos políticos que, nos países mais ricos do Ocidente, se estruturam especificamente em torno do discurso xenófobo (contra o imigrante ou o refugiado, contra as minorias muçulmanas e ciganas), disfarçado de culturalismo determinista (hoje a «inassimilabilidade» do muçulmano ou do cigano, antes a do judeu)? Não pretendo fazer aqui uma discussão detalhada em torno da terminologia mais adequada para categorizar a extrema-direita que vem avançando por todo o Ocidente, não desde o Brexit ou a eleição de Trump, em 2016, mas desde pelo menos há 25 anos, desde que a direita radical começou o assalto ao poder nos países pós-comunistas, na Europa ocidental, a começar pela Itália, com a chegada de Berlusconi ao poder (1994) aliado (como por toda a parte acontece com a direita clássica) com a extrema-direita, ou nos EUA, quando a radicalização à direita do Partido Republicano levou ao poder George W. Bush (2000). Limito-me a contestar a validade do uso (em geral, puramente confrontacional) da categoria de populismo, mesmo que adjetivado como sendo de extrema-direita, expressão que, mimetizando o uso vulgar do totalitarismo, presume que existem tantos populismos quantos discursos antissistémicos se fizerem à esquerda e à direita; bem como a aplicabilidade do conceito de pós-fascismo para sob a sua capa se reunirem movimentos que «já não são fascistas [porque] surgiram depois da consumação da sequência histórica dos fascismos clássicos», dos quais «se emanciparam, ainda que na maioria dos casos o conservem como matriz». Impressiona-me que um historiador como Enzo Traverso, apesar de reconhecer que «Mussolini e Hitler chegaram ao poder por via legal», aceite que «a vontade [deles] de derrubar o Estado de Direito e apagar a democracia estava fora de discussão» permite marcar uma diferença essencial com a atitude da extrema-direita dos nossos dias, que, segundo Traverso, «quer transformar o sistema a partir de dentro, enquanto o fascismo clássico queria mudar tudo»5. Neste âmbito, se a chegada da extrema-direita ao poder significa «mudar o sistema a partir de dentro», deve presumir-se que a mudança deixa mais ou menos intacta a natureza democrática do poder? Deixou Orbán intacta a democracia? E Bolsonaro, ou Duterte? Se não se trata de «mudar tudo», como designar, então, as alterações que todos eles, chegados ao poder por via constitucional exatamente como Hitler e Mussolini, vão introduzindo? Mesmo não afirmando querer pôr em causa a natureza liberaldemocrática dos regimes, a extrema-direita no poder (e fora dele) ataca liberdades e direitos individuais e coletivos, coloniza o poder judicial, as forças de segurança e militares, propõe a ilegalização de forças políticas, a perseguição de organizações/movimentos associados a minorias étnicas, e assume práticas ultrassecuritárias contra inimigos internos (as minorias, os migrantes) e externos. Chamar, como está em voga, iliberal (como Fareed Zakaria) a este processo político parece-me muito menos adequado que nele reconhecer o liberalismo autoritário típico dos estados em transição para o autoritarismo. Um regime em transição muda inevitavelmente de natureza ao fim de algumas etapas; uma democracia em transição autoritária deixará sempre de ser democrática a menos que o processo seja revertido. Não creio ser razoável definir o ritmo da transição como indicador da natureza diferente do horizonte final da transição; a democratização social, como processo transicional que também é, produziu resultados muito diferentes e muito incompletos em países aos quais, em geral, vejo pouca gente recusar chamar democracias. Da mesma forma, a tese que deduz que as diferenças estruturais dos contextos históricos do fascismo na sua época (1922-45) e aquele em que hoje se expande a extrema-direita são obstáculo suficiente para não a podermos considerar neofascista, deveria para ser aceitável obrigar quem a sustenta a recusar falar hoje de democracia em contextos tão radicalmente diferentes do da Atenas do século V a.C.; ou, por comparação com o contexto bolchevique de 1917-18, chamar comunista aos partidos que, em estados liberaldemocráticos, disputam eleições e chegam a partilhar o poder sem propriamente subverter «por dentro»... E chegamos ao antifascismo. Sem se assumir haver uma continuidade entre as direitas extremas de há cem anos (fascistas) e as de hoje (neofascistas), não será viável estratégia alguma de reativação do antifascismo como cultura política e frente social de resistência ao ataque às três grandes conquistas de 1945: a construção da democracia social e a gradual (ainda que, uma vez mais, sempre incompleta) emancipação das classes trabalhadoras; a fundação da democracia sobre a rejeição radical das mundivisões racistas que conduziram a Auschwitz, da dominação colonial e da opressão de todas as minorias étnicas; a emancipação das mulheres de todas as culturas e de todos os continentes, de metade da Humanidade, motor das batalhas por outras emancipações, bem mais tardias, das subjetividades oprimidas definidas em torno da identidade sexual. Sem constituir em si mesmo um movimento político e social próprio, o antifascismo foi uma plataforma de resistência à expansão do fascismo e à subsequente dominação por ele imposta. O que, contudo, marcou a sua identidade na história foi a tomada de consciência de que, quer na Guerra de Espanha (1936-39), quer quando se começou a percecionar coletivamente a possibilidade efetiva de derrotar a Nova Ordem fascista, a luta antifascista era irreversivelmente uma luta pela reconstrução da democracia muito para lá dos estritos objetivos de liberais imperialistas como Churchill, De Gaulle ou Roosevelt, que lutaram contra o expansionismo de Hitler, Mussolini e Tojo mas que não pretendiam nem descolonizar, nem democratizar mais do que a reposição reformada dos termos estruturais do liberalismo oligárquico de 1939.6 «Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história.» Fornecendo uma explicação convincente para a ascensão e a derrota do nazifascismo, hegemónica entre 1945 e os anos 70, o antifascismo e a memória coletiva por ele embebida sofreram um ataque generalizado com o avanço do neoliberalismo e a implosão do mundo soviético, justamente porque podiam reivindicar ter conseguido derrotar o fascismo como experiência histórica limite na história da violência como prática política, responsável pelo conflito mais mortífero e o modelo de genocídio mais eficaz e industrializado da história. Como aliança historicamente contingente entre as duas grande famílias ideológicas que, por motivos diferentes, se reviam na Revolução Francesa (o liberalismo e o socialismo), e de uma terceira que o fazia relativamente à Revolução Russa (o comunismo), a aliança antifascista das Nações Unidas (a designação que os aliados de 1941 se deram a si próprios) dividiu-se mal a ameaça fascista foi militarmente eliminada, em 1945, e em torno das mesmas questões que tinha dividido as suas componentes no passado (a dominação burguesa, a natureza intrínseca da desigualdade capitalista, a resistência liberal à democratização social, o imperialismo). É ainda nesse ciclo que nos encontramos: forças políticas muito diferentes podem partilhar (ou melhor, ter partilhado) uma mesma cultura antifascista, mas legitimamente não partilham os mesmos modelos de sociedade. Instrumento central para a defesa de um conjunto articulado de pressupostos democráticos sem os quais se vive automaticamente em ditadura socialmente reacionária, o antifascismo-movimento só se reativará quando os democratas percecionarem coletivamente o perigo, a ameaça (neo)fascista. Se continuarem convencidos que Le Pen, Salvini, Abascal e Ventura, como antes Trump ou Bolsonaro, não passam de figuras efémeras de um ressentimento punitivo e irracional com os quais se pode coexistir porque não querem, ou não conseguem, destruir os regimes liberaldemocráticos dentro dos quais operam, a luta política continuará a ser feita sem recurso ao frentismo antifascista – o mesmo que demorou a mobilizar, uma quinzena de anos passados sobre a ascensão de Mussolini ao poder. O novo ciclo histórico em que entrámos, de neuropolítica7, ansiedade coletiva, recessão económica sem precedentes e securitização global que a gestão política da pandemia tem vindo a acentuar, parece, aliás, ter tudo para facilitar transições autoritárias e dificultar a mobilização antifascista. Só saindo deste ciclo politicamente neurótico e retomando em força, e com urgência, as batalhas democráticas que continuam por fazer, é que conseguiremos apreender o neofascismo em toda a sua natureza. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Na mesma sessão, anunciaram os deputados Yaroslav Zhelezniak e Olha Sovhyria (o primeiro do partido Holos, da direita liberal, e a segunda do partido de Zelensky), foi aprovado um projecto de lei que proíbe a tomada de posições entendidas como sendo «pró-russas» na aplicação de mensagens instantâneas Telegram. Este é o segundo momento, no período que se seguiu ao golpe de estado de 2014, em que partidos políticos são proibidos na Ucrânia, depois da ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia em 2015 (à altura com 32 deputados, eleitos por 2 687 246 eleitores). Zelensky dá continuidade ao seu trabalho na área da representação, interpretando, à letra, o poema de Bertold Brecht: «Primeiro vieram buscar os comunistas (...)». Apenas resta saber, após a nova vaga, qual será o próximo grupo político a ser perseguido no país. Por enquanto, a extrema-direita não vê ser entreposto qualquer entrave à sua acção política e paramilitar. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
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Só isso explica a relativização, por exemplo, do caso de Denys Kireev, escolhido pela Ucrânia para participar nas negociações de um cessar-fogo e posteriormente assassinado pelos serviços de segurança ucranianos, sem julgamento.
A ausência de provas não impediu o nosso jornalismo de aceitar, acriticamente, as informações divulgadas pela Ucrânia (de que se tratava de um traidor), e muito menos nos fez questionar o assassinato sumário.
O mesmo se aplica ao caso dos irmãos Kononovich, dirigentes da Juventude Comunista da Ucrânia e opositores políticos de Zelensky (especialmente activos na luta contra a privatização dos campos agrícolas ucranianos, vendidos a multinacionais estrangeiras).
Sequestrados pelos serviços de segurança nos primeiros dias da guerra, motivando protestos por todo o mundo, nenhum órgão de comunicação social referiu o caso, ignorando a detenção de opositores políticos.
A censura é má, mas esta é a nossa censura
«Na Ucrânia, a caça aos espiões e terroristas levou a um controlo das populações», enquanto «os excessos cometidos por algumas das suas tropas [ucranianas] ou alguns legionários são ocultados», referia Edgar Morin, filósofo francês, num artigo publicado no Diário de Notícias, a 7 de Março de 2022.
O Regulamento 2022/350 do Conselho Europeu suspende «todas as licenças de radiodifusão» de canais de informação russos, atropelando os príncipios inscritos na Constituição da República Portuguesa. «É proibido aos operadores difundir ou permitir, facilitar ou de outro modo contribuir para a radiodifusão de quaisquer conteúdos pelas pessoas colectivas, entidades ou organismos» definidas pelo Conselho Europeu. Os cerca de 447 milhões de habitantes da União Europeia estão, desde o início do mês de Março, impedidos de aceder a conteúdos da Russia Today (RT) e da Sputnik, órgãos de comunicação social russos. Várias organizações humanitárias reclamam uma solução pacífica para a guerra na Ucrânia, em clara oposição à corrida armamentista que se vem anunciando um pouco por todo o mundo. A deliberação assumida, ontem, pela ampla maioria dos deputados do Parlamento Europeu (PE), na resolução contra a guerra da Ucrânia, contrasta com as posições assumidas por dezenas de organizações humanitárias por toda a Europa. «O PE reitera que os estados membros da UE devem aumentar os seus gastos na área da defesa (...), para fortalecer a base europeia dentro da NATO, aumentando, desta forma, a segurança da NATO e da União Europeia», defende o ponto 22, seguido pelo parecer de que «os estados membros da UE devem acelerar a provisão de armas defensivas à Ucrânia» (ponto 25). É difícil saber em quantos graus de farsa já vamos. A invasão militar russa abriu um novo mundo de oportunidades aos investidores da desgraça, apostados na eminente corrida ao armamento. O mundo pode ter sido apanhado de surpresa pela invasão militar russa da Ucrânia, mas os especuladores cheiram uma oportunidade à distância. No dia 26 de Janeiro, quase um mês antes da intervenção, a secção de investimento do motor de busca Yahoo!, anunciava as sete melhores acções da área da defesa (vulgo, armamento) para investir neste período de conflito. A perspectiva da realização de exercícios militares no âmbito da União Europeia (UE), a partir de 2023, consolida o nebuloso caminho da constituição de um exército europeu. A reunião conjunta dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da UE, que decorreu no início desta semana, aponta para a organização de exercícios militares regulares, a partir de 2023, no sentido de aumentar a capacidade de intervenção militar e de projecção de forças da União, «quando e onde for necessário». Intenções que, segundo José Goulão em «União Europeia, aparelho de guerra», «cabem na “bússola estratégica”, um plano sobre as ambições de “defesa e segurança” da União Europeia para os próximos cinco a dez anos e que deverá ser aprovado durante o mês de Novembro». Acrescenta o autor que, na sua reunião de Setembro, «os ministros da Defesa dos Estados da União Europeia concluíram existir uma necessidade de criar unidades de guerra europeias com activos de milhares de militares que poderão ser utilizadas em “missões específicas”». A criação do exército europeu, de que alguns não querem falar e outros se mantêm em negação, visa, por um lado, aumentar a capacidade de a UE agir com autonomia, enquanto braço armado da NATO e, por outro, dar alguma resposta às crescentes exigências de Washington de um maior esforço económico-militar europeu na Aliança Atlântica. Um estudo sobre o impacto ambiental dos sectores militares europeus aponta para uma pegada de carbono anual equivalente às emissões de pelo menos 14 milhões de carros. Promovido pelo Grupo Confederal da Esquerda no Parlamento Europeu e de autoria conjunta do Observatório de Conflitos e Meio Ambiente e Cientistas pela Responsabilidade Global, o estudo conclui que o chamado Pacto Verde Europeu «completa e propositadamente» ignorou tudo o que tem a ver com o impacto climático da militarização. A realização deste estudo, que estima o impacto ambiental dos sectores militares europeus, aponta para uma pegada de carbono anual equivalente às emissões de pelo menos 14 milhões de carros e revela ainda grandes lacunas nos relatórios de emissões militares. A Europa acolhe oito das 30 maiores corporações do mundo em vendas militares. O exército francês é identificado como contribuinte de um terço da pegada de carbono total dos sectores militares da União Europeia (UE) e a indústria de tecnologia militar da Polónia tem as maiores emissões de gases de efeito estufa. Entretanto, o estudo não aborda o impacto das acções militares na biodiversidade dos países atacados nem as consequências a longo prazo, que tanto as suas populações como os seus ecossistemas têm de suportar. Outro aspecto não abordado no estudo, tem a ver com as «instalações militares abandonadas». Em Portugal, na antiga base militar dos EUA nas Lages e seis anos depois da saída dos americanos, continua por efectuar a descontaminação do solo e da água. Aliás, esta foi uma das questões levantadas pela eurodeputada Sandra Pereira durante a apresentação deste estudo. A deputada comunista no Parlamento Europeu quis também saber, por um lado, se «a melhoria do desempenho ambiental das máquinas de guerra é suficiente para realmente reduzir o impacto das operações militares no meio ambiente». Por outro, considerando os investimentos em armas cada vez mais modernas e com efeitos letais massivos, se «não é irónico que a União Europeia faça políticas amigas do ambiente», enquanto investe, cada vez mais, numa «indústria que só destrói». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Também a Multinews, que cita o El Pais, dá nota de que a organização dos exercícios militares seriam da responsabilidade das unidades nacionais, passando em 2025 para a égide da «unidade do Estado-Maior da UE», que foi criada em 2017 com o objectivo de se tornar num quartel-general. O Estado-Maior da União Europeia, comandado por um general de três estrelas, funciona no âmbito do Comité Militar, um órgão de aconselhamento político-militar da UE que reúne os responsáveis militares dos respectivos Estados: no caso português o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA). Aliás, um quadro que tem muito a ver com as recentes alterações às leis de Defesa Nacional (LDN) e de Organização das Forças Armadas (LOBOFA), aprovadas por PS e PSD, demonstrando uma sólida convergência naquilo que é estruturante, nomeadamente no cumprimento dos objectivos militaristas da União Europeia e da Aliança Atlântica. Alterações, cujo objectivo passou por concentrar no CEMGFA poderes que estavam atribuídos aos chefes dos três ramos das Forças Armadas, permitindo-lhe uma maior autonomia de decisão face aos restantes chefes militares, no âmbito da sua participação nestes fóruns internacionais. Recorde-se que em 2018, nove países europeus (Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estónia, França, Holanda, Portugal e Reino Unido) assinaram uma carta de intenções para a criação da chamada Iniciativa Europeia de Intervenção que, segundo o presidente Macron, deverá ser «encarregada de enviar rapidamente tropas para cenários de crise perto das fronteiras da Europa». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. É fascinante a previdência do capital especulador. O inferno para o qual foram atirados os povos da Ucrânia (e no qual já viviam as populações do Donbass), não deixa de constituir a oportunidade de um bom negócio. O lucro habita num outro plano, alheio a moralidades ou a qualquer decência humana, retirando dividendos até da morte, sem misericórdia. Lamentavelmente, o capital confirmou o seu poder de previsão e mais não fez do que antecipar o inevitável comportamento dos estados. Olaf Scholz, chanceler alemão, eleito pelo Partido Social-Democrata (SPD), anunciou ontem um reforço de 100 mil milhões no orçamento de defesa da Alemanha, um caminho que os restantes países europeus se preparam para reproduzir, como já o confirmou João Gomes Cravinho, ministro da Defesa Nacional. «Admito que todos os países europeus tenham de repensar um pouco a sua abordagem em relação ao investimento militar, vão ter de reforçar», assumiu o ministro, em declarações à RTP. A corrida ao armamento parece já ser uma inevitabilidade: os estados-membros da União Europeia começarão a enviar armas, munições e mísseis para a Ucrânia (António Costa anunciou granadas, munições e espingardas G3) ao passo que um referendo na Bielorrússia, realizado no domingo, determinou que o País rasgaria o compromisso de ser uma nação livre das armas nucleares. O Departamento de Estado dos EUA aprovou o primeiro grande negócio de venda de armas aos sauditas na administração de Biden, algo que pode revelar a intenção de Riade de prolongar a agressão ao Iémen. Num comunicado emitido quinta-feira passada, o Pentágono deu conta da aprovação, pelo Departamento de Estado norte-americano, da venda de 280 mísseis ar-ar à Arábia Saudita, no valor de 650 milhões de dólares, para que Riade pudesse fazer frente a ameaças actuais e futuras. Para o académico norte-americano Richard Falk, especialista em direito internacional e relações internacionais, o primeiro grande negócio de vendas de armas da era Biden aos sauditas, «os chamados mísseis defensivos ar-ar», constitui «um sinal preocupante das intenções sauditas de prosseguimento das suas políticas cruéis de devastação do Iémen». Numa entrevista à PressTV, Falk, que foi professor na Universidade de Princeton durante mais de três décadas, afirmou que «a posse de uma defesa anti-mísseis mais segura permite aos sauditas continuarem a sua intervenção armada no Iémen, e possivelmente noutros locais, com menor temor de ataques de retaliação». Richard Falk destacou as «relações especiais» entre Washington e Riade, afirmando que os EUA procuram defender os interesses sauditas e desviar as críticas que são dirigidas a Riade nas Nações Unidas. «Os Estados Unidos estão a usar a sua influência geopolítica para proteger a Arábia Saudita da crítica na ONU e noutros lugares, gozando novamente com os compromissos colectivos de segurança e com a proibição incondicional da Carta das Nações Unidas do uso de força não defensiva. Estas relações especiais deixam claro que as relações internacionais continuam a ser moldadas pela primazia da geopolítica e não pelas normas internacionais», disse o académico. Um relatório recente revelou que os EUA foram responsáveis por mais de um terço da venda de armamento a nível mundial nos últimos cinco anos, enquanto os sauditas foram os que mais importaram. As exportações de armas que tiveram como origem os EUA, entre 2016 e 2020, representaram 37% de todos os negócios registados pelo Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SIPRI, na sigla em inglês). Metade das exportações norte-americanas de armamento teve como destino o Médio Oriente, e a Arábia Saudita foi de longe o principal parceiro de negócio no período referido, representando quase um quarto de todas as vendas dos EUA (24%). O instituto sediado em Estocolmo afirma que, entre 2016 e 2020, as exportações de armas dos EUA aumentaram 15% em comparação com o período 2011-2015. A Rússia foi o segundo maior exportador de armas a nível global, representando um quinto do total de exportações registadas (com menos 22% de vendas que no período 2011-2015). Várias empresas francesas especializadas em treino militar participam na formação de oficiais sauditas e nunca deixaram de o fazer desde o início da guerra de agressão ao Iémen, revela uma reportagem. A notícia foi divulgada esta segunda-feira no portal da cadeia iemenita al-Masirah, que cita uma reportagem realizada conjuntamente pelos órgãos Lighthouse Reports, Arte e Mediapart, em parceria com o EUobserver. De acordo com a investigação, o DCI Groupe, detido maioritariamente pelo Estado francês, está a dar treino de artilharia a membros da Guarda Nacional da Arábia Saudita numa escola militar em Draguignan, no Sudeste de França. As mesmas fontes revelam que a multinacional francesa Thales Group e a filial francesa da RUAG, com sede na Suíça, estão envolvidas no treino de tropas sauditas, facultando-lhes o equipamento de simulação necessário à operação do sistema de artilharia Caesar, desenvolvido pela França, e que pode atingir quase meio milhão de iemenitas. A al-Masirah refere ainda uma reportagem do meio de comunicação Disclose, de acordo com a qual um cargueiro deverá carregar munições para o sistema Caesar. O mesmo órgão revelou que a França irá entregar mais de cem caesars à Arábia Saudita até 2023. Este sistema de artilharia é produzido pela Nexter Systems, uma empresa estatal francesa de fabrico de armamento. No final de 2018, 48 destes sistemas móveis estavam posicionados na fronteira da Arábia Saudita com o Iémen. A reportagem refere que um documento interno filtrado pela agência militar francesa de inteligência – DRM – já então alertava para os riscos que os Caesars representavam para a população civil no Iémen. «A população abrangida por potencial fogo de artilharia: 436 370 pessoas», referiu o documento, datado de 25 de Setembro de 2018. O mesmo documento dizia que os Caesars também desempenham um papel no apoio às «tropas lealistas e Forças Armadas sauditas no seu avanço em território iemenita». No ano seguinte, o fogo da artilharia das forças da coligação liderada pelos sauditas atingiu um mercado iemenita perto da fronteira, provocando a morte a 89 civis. Em Setembro, o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, debruçando-se sobre o Iémen, sublinhou que a venda de armamento apenas serve para perpetuar o conflito. «Se não fosse o negócio das armas, a guerra não se prolongaria como está a acontecer, a guerra não continuaria a destruir o povo do Iémen como o tem feito», disse Ardi Imseis, um dos autores da reportagem. A comunicação social britânica já tinha revelado informações semelhantes sobre a ampla participação de empresas do Reino Unido na monitorização dos ataques aéreos e na preparação de aviões, armas e munições da coligação invasora, refere a al-Masirah, notando que o mesmo é válido para os EUA, cujo envolvimento se tornou público e documentado. Para a cadeia iemenita, esta reportagem vem confirmar que a «coligação» liderada pelos sauditas foi desde o início uma fachada para as potências ocidentais, que dirigem as operações que atingem o Iémen. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A França, com 8% das vendas, é o terceiro maior exportador. Seguem-se a Alemanha (5,5%) e a China (5,2%), para fechar a lista dos cinco países que mais armas venderam entre 2016 e 2020. Na parte inferior do «top dez» situam-se Reino Unido, Espanha, Israel, Coreia do Sul e Itália. O SIPRI nota que, por comparação com 2011-2015, os últimos cinco anos registaram um pequeno decréscimo no volume de vendas de armamento (menos 0,5%), pondo fim a mais de uma década de aumentos sucessivos. Foi a primeira vez desde o período 2001-2005 que o volume de trocas de armas entre países – um indicador da procura – não registou um aumento por comparação com o período anterior de cinco anos. Os países do Médio Oriente registaram o maior aumento de importações de armas a nível mundial entre 2016 e 2020, importando mais 25% que nos cinco anos anteriores. Arábia Saudita (61%), Egipto (136%) e Catar (361%) registam os maiores aumentos. Quatro dos dez maiores importadores de armas são desta região, que representa 33% das importações a nível global: aos três países referidos juntam-se os Emirados Árabes Unidos. Só a Arábia Saudita representa 11% de todo o volume de armas importadas mundialmente nestes cinco anos. A coligação liderada pelos sauditas recorreu a bombas de fragmentação de fabrico diverso ao longo da guerra de agressão contra o Iémen, desde 2015, provocando centenas de vítimas civis. «As informações e os dados que temos mostram que foram utilizados oito tipos de bombas de fragmentação, de fabrico norte-americano, britânico e brasileiro, durante a guerra no Iémen», revelou Ali Sofra, director-geral do Centro Executivo de Desminagem do Iémen, informaram este domingo os canais de notícias al-Maloumeh e al-Masirah. O responsável precisou que a Arábia Saudita e os seus aliados lançaram 3179 bombas de fragmentação no Iémen desde o início da campanha de agressão, em Março de 2015, e que as vítimas civis, na sua maioria mulheres e crianças, são mais de mil. Muitas delas perderam a vida quando se encontravam em campos agrícolas e áreas de pasto. «A monarquia árabe utilizou esse armamento, cujos efeitos são intrinsecamente indiscriminados, nos ataques aéreos que levou a cabo nas províncias de Saada, Saná, Hajjah, Hudayda, Jawf, Amran, Taizz, Dhamar e Mahwit», disse ainda Sofra, citado pela HispanTV. Em Junho do ano passado, o Ministério iemenita dos Direitos Humanos alertou para os riscos que este tipo de armamento colocava à população civil, uma vez que é pouco preciso, abrange extensas áreas e constitui um perigo mortal para os civis mesmo depois de terminado o conflito. O Ministério acusou então a coligação liderada pela Arábia saudita de ter usado milhares de bombas de fragmentação em áreas residenciais, provocando inúmeras vítimas mortais. A Organização das Nações Unidas (ONU) condenou a utilização destas munições no Iémen, considerando que se trata de «um crime de guerra». Em 2010 entrou em vigor a Convenção contra as Bombas de Fragmentação, que havia sido assinada dois anos antes por mais de uma centena de países. Num tweet publicado esta segunda-feira, Ali Sofra criticou as organizações internacionais e de direitos humanos por evitarem falar sobre a existência de ataques aéreos e a utilização de bombas de fragmentação no Iémen. «Quaisquer vítimas de bombas de fragmentação no Iémen não são referidas nos seus relatórios anuais humanitários e de direitos humanos», escreveu, citado pela PressTV. Joe Biden, o presidente recentemente empossado dos EUA, um dos grandes fornecedores de armamento à coligação liderada pelos sauditas e um dos principais envolvidos no Ocidente, juntamente com o Reino Unido, na guerra de agressão ao Iémen, anunciou na quarta-feira da semana passada o congelamento da venda de armas à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos, cujo volume de negócio tinha incrementado fortemente sob os auspícios de Donald Trump. Na sexta-feira, a Itália – um de vários países ocidentais envolvidos na venda de armas à Arábia Saudita e que muito lucram com a guerra de agressão ao Iémen – anunciou o fim da exportação de armamento à Arábia Saudita e e aos Emirados Árabes Unidos. Luigi Di Maio afirmou que se tratava de um «acto necessário», de uma «clara mensagem de paz do nosso país» e que, para a Itália, o «respeito pelos direitos humanos é um compromisso inquebrável». Se for para valer, mais vale tarde que nunca. A guerra e o martírio do povo iemenita começaram há seis anos. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Os EUA foram responsáveis por mais de metade das armas exportadas para a região (52%), seguindo-se a Rússia (13%) e a França (12%). A região do mundo que mais armas importou foi a Ásia e Oceânia (42%). Índia, Austrália, China, Coreia do Sul e Paquistão foram os países que mais armas importaram na região. O SIPRI afirma que é cedo para dizer se uma recessão associada à pandemia de Covid-19 pode fazer abrandar os negócios de armas. «O impacto económico da Covid-19 podia levar alguns países a diminuir as importações de armas nos próximos anos. No entanto, ao mesmo tempo, mesmo no auge da pandemia, em 2020, vários países assinaram grandes contratos de armamento», releva o SIPRI. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Questionado sobre se este negócio «é consistente com a promessa do governo dos EUA de liderar a diplomacia com vista a pôr fim ao conflito no Iémen», Falk respondeu que não, rejeitando a declaração como uma alegação «falsa». «Esta é uma afirmação claramente falsa», acusou, acrescentando que os mísseis ar-ar protegem o espaço político nacional saudita, dando ao reino a liberdade de fazer a guerra fora de seu território com expectativas substancialmente reduzidas de ver o seu país atacado. «Por outras palavras, o objectivo do armamento defensivo é muitas vezes isolar a guerra ofensiva da retaliação e, dado o historial saudita, esse parece ser o caso», frisou Richard Falk. «Tal militarismo parece fazer aumentar a capacidade de combate da Arábia Saudita e não apresenta nenhum incentivo para acabar com o conflito no Iémen pela via diplomática. Se a intenção fosse uma mudança no sentido da diplomacia, poderia ter sido sinalizada oferecendo às forças opositoras iemenitas capacidades militares equivalentes ou condicionando a venda dos mísseis a um esforço de boa-fé para resolver o conflito através de negociações. Não houve nenhum esforço tangível ou credível nessa direcção», acrescentou. O académico norte-americano criticou a incapacidade da ONU para pôr fim ao conflito no Iémen, afirmando que «estamos a assistir a mais um caso em que a ONU e a segurança internacional são incapazes face aos alinhamentos geopolíticos que se dedicam a encontrar soluções militares para conflitos políticos». «Nesta perspectiva, não há um ponto final à vista para o conflito e o sofrimento humano no Iémen, e é provável que não surja nenhum, a não ser que a Arábia Saudita se sinta ameaçada por outras fontes ou enfrente pressões internas significativas. A morte dos iemenitas, infelizmente, não faz parte dos cálculos políticos realizados pelos cínicos criadores dos objectivos da política externa de Riade», sublinhou. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Sopram ventos adversos. EUA, União Europeia e Rússia continuam a recusar-se a assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares: cada passo, cada conflito, será (mais ainda) determinado pelo poder da bala, pela distância do míssil, a ameaça da morte. Era indispensável, neste momento, retomar o caminho definido pela constituição da república portuguesa: acabar com os blocos político-militares, recuperar o caminho do desarmamento, defender o direito à autodeterminação de todos os povos. De parte a parte, o caminho continuará a ser determinado pelos interesses das elites e dos grandes grupos económicos, doa a quem doer, sofram os povos da Ucrânia, do Iémen, da Palestina... A escalada armamentícia será sempre a solução para quem tem tudo a ganhar, já o prejuízo, caberá aos povos do mundo. Que caminho tão longo... Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A solução armamentícia foi reforçada ontem pelo enorme consenso das grandes famílias políticas europeias, da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas ao Partido Popular Europeu, passando pelas bancadas dos grupos políticos de extrema-direita: Identidade e Democracia (em que participa Frente Nacional francesa e a Liga Norte italiana) ou o partido Fidesz, de Viktor Órban. Segundo o Conselho Dinamarquês para os Refugiados (CDR), a escalada só «trará sérias consequências humanitárias para a população civil». «Os esforços diplomáticos devem prevalecer sobre a intensificação da conflito armado já existente, impedindo o agravar do sofrimento humano», afimou Charlotte Slente, secretária-geral do CDR, em declarações feitas nos dias que se seguiram à invasão, «todas as partes envolvidas no conflito devem acordar um cessar-fogo duradouro, é a única maneira de proteger os civis e impedir a violação dos seus direitos». «Às populações deve ser concedido o direito de se moverem livremente, e as associações de apoio devem ter o acesso, sem limitações, a todos os que precisem de ajuda», defende também o Comité Internacional de Resgate. Na mais drástica das hipóteses, o mundo «tem de se preparar para o pior, investindo em ajuda humanitária, dentro e fora da Ucrânia», não gastando milhares de milhões de euros a afogar a região em armas. Num comunicado divulgado ontem, a Oxfam, uma das maiores organizações não-governamentais de luta contra a pobreza no mundo, reiterou os compromissos da carta das Nações Unidas: «Os membros da Organização deverão resolver as suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo a que a paz e a segurança internacionais, bem como a justiça, não sejam ameaçadas». A todos deve ser concedido o direito ao asilo, mas isto também tem de se aplicar «a todos os outros povos que fogem de conflitos armadas, seja na Ucrânia ou as populações do Iémen e do Afeganistão», reforça o comunicado da Oxfam. Nestes momentos, de grande perigo para a vida humana, «temos de nos unir em torno da nossa humanidade comum, na busca da paz e dos direitos humanos. No 46.º aniversário da proclamação da República Árabe Saarauí Democrática, Brahim Ghali alertou para a «perspectiva agressiva» de Marrocos e apelou a um maior envolvimento da União Africana. A perpetuação da ocupação marroquina, a sua «perspectiva agressiva e expansionista» e as suas «alianças duvidosas» irão conduzir toda a região a uma «perigosa tensão e desestabilização», denunciou este sábado o presidente saarauí e presidente da Frente Polisário, Brahim Ghali. Num discurso a propósito do 46.º aniversário da proclamação da República Árabe Saarauí Democrática (27 de Fevereiro de 1976), Ghali alertou para «a indulgência e a autocomplacência» das Nações Unidas no que respeita à «aplicação da lei», bem como a «cobertura» que França dá à «flagrante violação da legitimidade internacional» no Saara Ocidental por parte do Estado marroquino. Numa carta ao seu secretário-geral, a Frente Polisário responsabilizou as Nações Unidas pela protecção dos civis saarauís que têm estado a sofrer a «violência brutal» perpetrada pelas forças de ocupação. Ao dirigir-se a António Guterres, o representante permanente da Frente Polisário junto das Nações Unidas, Sidi Omar, afirma que vem chamar a sua atenção e a do Conselho de Segurança para o «agravamento alarmante da situação dos direitos humanos nos territórios do Saara Ocidental sob ocupação ilegal de Marrocos». No texto da missiva, enviada esta quarta-feira, descreve-se uma série de abusos graves e ataques violentos nos últimos dias e semanas, por parte das autoridades marroquinas, que exemplificam o agravamento referido, e pede-se à ONU que assuma a protecção e a segurança dos civis saarauís, no contexto das responsabilidades que detém no processo de descolonização do território africano. «As Nações Unidas não podem ficar de braços cruzados a ver como o Estado ocupante de Marrocos intensifica os seus ataques atrozes e aterrorizantes contra os civis saarauís e defensores dos direitos humanos, à vista da Missão das Nações Unidas no território», afirma-se no texto, divulgado pelo Sahara Press Service. O representante da Frente Polisário lembra que, «tal como alertou em cartas anteriores, desde a nova agressão militar contra as zonas libertadas do Saara Ocidental, a 13 de Novembro de 2020, o Estado ocupante de Marrocos tem estado a empreender uma outra guerra de represálias contra os civis saarauís, que são continuamente submetidos a uma crueldade inenarrável e desumana, bem como a práticas degradantes». Diversas organizações de defesa dos direitos humanos têm estado a dar o alerta para a situação de Sultana Khaya e a sua família, uma vez que continuam a sofrer «as mais horrendas formas de violência física e psicológica às mãos dos agentes de segurança marroquinos», refere o documento. O presidente da República Árabe Saarauí Democrática, Brahim Gali, lamentou a «inacção» da ONU e do seu Conselho de Segurança perante a acção repressiva das forças marroquinas nas zonas ocupadas. Em missivas enviadas aos titulares de ambos os organismos, o também secretário-geral da Frente Polisário condenou nos «termos mais enérgicos as práticas de intimidação e represália do aparelho de segurança marroquino contra cidadãos saarauís indefesos». Brahim Gali responsabilizou a ocupação marroquina pela «escalada e as represálias nas zonas ocupadas saarauís», tendo referido que «a intimidação e a tortura física e psicológica» sofridas hoje pela família da defensora dos direitos humanos Sultana Sidi Brahim Khaya, na cidade ocupada de Bojador, «é apenas um exemplo da opressão, do abuso e das práticas que os civis saarauís padecem diariamente nas cidades ocupadas», informa o Sahara Press Service. Nas cartas dirigidas ao secretário-geral da ONU, António Guterres, e a Barbara Woodward, actual presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), Gali lembrou a «guerra de agressão e retaliação travada nestes dias pelas autoridades de ocupação marroquinas». A este propósito, afirmou que se vem juntar à «história de crimes de genocídio e assassinato que o Estado ocupante de Marrocos tem vindo a praticar contra a população civil saarauí desde o início da invasão e da ocupação militar do território, a 31 de Outubro de 1975». Assim, o presidente da República Árabe Saarauí Democrática lamentou «a inacção da Secretaria Geral da ONU e do CSNU, bem como o seu «silêncio vergonhoso» perante as «acções agressivas» e «práticas bárbaras» que têm lugar nas cidades ocupadas do Saara Ocidental, «à vista da ONU e da sua missão na região». A ONU devia assumir a «responsabilidade jurídica e moral para com o povo saarauí, especialmente os civis que vivem nas zonas sob ocupação ilegal marroquina, recorrendo a mecanismos de protecção internacional e ao desenvolvimento de medidas práticas», afirmou Gali. Em declarações à agência Algerian Press Service (APS), a defensora saarauí dos direitos humanos afirmou que «as autoridades marroquinas de ocupação pretendem eliminá-la fisicamente», na sequência de várias tentativas, iniciadas a 13 de Fevereiro último com «uma agressão selvagem à casa onde ela e a sua família vivem», na cidade ocupada de Bojador. Sultana Khaya fez um apelo às organizações internacionais de direitos humanos para que «proporcionem a protecção necessária aos civis saarauís indefesos das práticas repressivas do regime marroquino». À agência argelina, a activista saarauí relatou com detalhe a agressão perpetrada pelas forças de ocupação contra a casa da sua família, que está a ser assediada há mais de três meses e se encontra proibida de receber qualquer tipo de visita. «As cidades ocupadas do Saara Ocidental tornaram-se uma grande prisão, como resultado da escalada das forças de ocupação marroquinas contra os civis indefesos, após a sua violação do cessar-fogo e do reinício da guerra, a 13 de Novembro de 2020», denunciou Sultana Khaya. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Como parte desta campanha de «terror constante», no passado dia 10, dezenas de agentes à paisana e homens violentos patrocinados pelo Estado marroquino atacaram a casa de Sultana Khaya, na cidade de Bojador, roubaram os seus pertences, agrediram-na e detiveram três defensores dos direitos humanos que lá se encontravam, que, denuncia a carta, foram levados para um local remoto e torturados. Na madrugada de dia 12, num novo episódio da campanha de terror contra a família de Sultana Khaya, agentes de segurança marroquinos invadiram novamente a sua casa, tendo-a agredido fisicamente a si e à sua irmã, e submetido-as a um tratamento degradante e humilhante, aponta a missiva. Sidi Omar refere-se também à situação dos presos políticos saarauís, em que se inclui o grupo de Gdeim Izik, que é «alarmante devido às condições deploráveis em que estão encarcerados nas cadeias» marroquinas e «às práticas degradantes e de retaliação a que são submetidos por parte da administração penitenciária de Marrocos». «No momento em que [vocês] mantêm o esforço para nomear um novo enviado especial para o Saara Ocidental, o Estado ocupante de Marrocos está a intensificar a repressão nos territórios ocupados e, assim, a minar qualquer perspectiva de relançar o processo de paz», afirma o texto. A este respeito, a Frente Polisário reafirma que «nenhum processo de paz será possível enquanto as forças ocupantes persistirem, com total impunidade, na sua campanha de terror e represálias contra os civis saarauís e os defensores dos direitos humanos, bem como nas suas tentativas de impor à força um estatuto de "facto consumado" no território». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Isto «não faz mais que alimentar e encorajar a intransigência e a arrogância da parte marroquina na sua escalada de práticas coloniais agressivas e provocadoras», criticou o chefe de Estado, acrescentando que «o povo saarauí não pede o impossível», mas a «aplicação do direito» e das «resoluções das Nações Unidas», refere o Sahara Press Service. Neste contexto, recordou as responsabilidades que a ONU tem na protecção dos civis saarauís numa zona de conflito armado, também «acelerando o fim do processo de descolonização da última colónia em África». Referindo-se ainda ao papel das Nações Unidas, o dirigente saarauí disse que o organismo «se contentou com a gestão da crise em vez de a resolver» e que «marginalizar o papel e a responsabilidade da sua missão para o referendo no Saara Ocidental» tinha levado a «potência ocupante» a violar o cessar-fogo, em Novembro de 2020, e, depois aos confrontos militares. O presidente da República Saarauí solicitou também maior envolvimento à União Africana (UA) na resolução do conflito e reafirmou a disposição da parte saarauí para cooperar com a organização continental com vista à implementação de decisões. Numa conferência virtual, o movimento africano de solidariedade com o povo saarauí instou vários organismos a proteger os civis da repressão marroquina e a acelerar a libertação do Saara Ocidental. O apelo às Nações Unidas, à União Europeia (UE), à União Africana (UA) e ao Comité Internacional da Cruz Vermelha foi lançado no contexto da conferência virtual realizada esta quarta-feira para celebrar o 45.º aniversário da proclamação da República Árabe Saarauí Democrática (27 de Fevereiro de 1976). O evento contou com a participação de dignatários africanos, representantes de partidos políticos, sindicatos, organizações não governamentais, académicos, representantes de organizações juvenis, mulheres e órgãos de comunicação de dezenas de países, que expressaram o seu «apoio firme e inalterável à legítima luta do povo da República Saarauí pela sua independência e liberdade», informa o portal ecsaharaui.com. O movimento solidário africano fez um apelo «a todos os panafricanistas, amantes da paz e da liberdade para que permaneçam ao lado do povo da última colónia africana, já que África nunca será livre enquanto um dos seus países for ocupado e brutalizado». Neste sentido, os participantes instaram também os países africanos, os partidos políticos, sindicatos, organizações de mulheres e de jovens, e os meios de comunicação africanos a dar mais visibilidade e atenção «à heróica resistência do povo africano do Saara Ocidental» «A nova geração de África não pode permitir que os nossos irmãos e irmãs do Saara Ocidental fiquem abandonados nesta luta pela liberdade», lê-se no comunicado final do encontro, que pede à UA que assuma a sua responsabilidade de impor o respeito pela sua Acta Constitutiva e, assim, obrigar Marrocos a pôr fim à ocupação ilegal de partes do território da República Saarauí. No que respeita aos recursos naturais, os participantes pediram «à UE que ponha fim à violação da sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a exploração ilegal dos recursos naturais no Saara Ocidental», considerando que o bloco europeu, ao fazer acordos comerciais com Marrocos, contribui directamente para a ocupação ilegal e as violações dos direitos humanos nos territórios ocupados. «A UE devia fazer parte da solução para o conflito e não do problema», sublinharam. Sobre os acontecimentos mais recentes e actuais, o movimento africano solidário recordou que «o Saara Ocidental é uma zona de guerra desde 13 de Novembro de 2020, devido à violação marroquina do cessar-fogo e ao ataque contra civis saarauís na região de El Guerguerat, informa a mesma fonte. Os participantes instam o Comité Internacional da Cruz Vermelha e a Comissão de Direitos Humanos e dos Povos da UA a intervir de imediato para proteger os civis saarauís das «violações sistemáticas de direitos humanos por parte de Marrocos nos territórios ocupados» e, ao abordarem a situação dos presos saarauís nas cadeias marroquinas, solicitaram a «libertação incondicional de todos os presos políticos e lutadores pela liberdade». Ao assinalar o 45.º aniversário da proclamação da RASD, o movimento africano de solidariedade com o povo saarauí comprometeu-se a continuar a apoiá-lo na «sua legítima luta pela liberdade e a independência», bem como a reforçar a coordenação para «promover todas as iniciativas e acções africanas nesse sentido». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. No seu discurso, o chefe de Estado agradeceu a todos os amigos e aliados que têm acompanhado e apoiado o Saara Ocidental e o seu povo na luta pela independência. Ghali enviou saudações especiais à Mauritânia, à Argélia («orgulho de revoluções e povos») e à África do Sul («país da liberdade, país de Nelson Mandela e da luta contra o apartheid»), refere o Sahara Press Service. Agradeceu ainda «a todos os povos do continente africano que abraçaram a nossa causa» e saudou o movimento de solidariedade com o povo saarauí em Espanha, na Europa e no mundo. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Florence Gillette, chefe da delegação do Comité Internacional da Cruz Vermelha em Kiev, assumiu, igualmente, uma posição em contraste com a assumida pela maioria dos deputados europeus: «Após oito anos de conflito, as populações não precisam, certamente, de mais violência, morte, destruição e desespero. Apelamos a todos os Estados que não poupem esforços e usem sua influência para evitar uma escalada do conflito, cujo custo e consequências para a população civil excederiam as capacidades humanitárias disponíveis». Certo é que serão os mais vulneráveis, lembra a Oxfam, os primeiros a sofrer as consequência da invasão russa da Ucrânia. Em ambos os lados, são eles que «vão perder os seus trabalhos e o acesso a serviços indispensáveis, serão eles a sentir as maiores dificuldades em lidar com o dia a dia». Nomeadamente as crianças, os mais velhos e doentes, os desempregados, as pessoas que já se encontram antes do conflito, em situação de pobreza. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. O Regulamento 2022/350 do Conselho Europeu foi aplicado depois da aprovação da resolução de condenação da guerra na Ucrânia, no dia 1 de Março. Este documento, a reboque de uma preocupação legítima com as vítimas do conflito, impôs a corrida ao armamento, o reforço do papel da NATO na Europa e a censura de órgãos de comunicação social. A «transmissão ou distribuição por quaisquer meios como cabo, satélite, IP-TV, fornecedores de serviços Internet, plataformas ou aplicações de partilha de vídeos na internet, quer novos, quer pré-instalados», está completamente proibida desde então. Os deputados do PCP no Parlamento Europeu (PE) denunciaram hoje, em comunicado publicado na sua página nas redes sociais, o extravasar de competências da União Europeia, que efectivamente se sobrepôs às leis fundamentais dos países que a integram. O artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que versa sobre a liberdade de expressão e informação, determina que «todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações». A Agência Nacional do Cinema (Ancine) do Brasil proibiu que os seus funcionários exibissem o filme A Vida Invisível, do realizador Karim Aïnouz, inscrito para concorrer aos Óscares. Funcionários da Ancine disseram, de foram anónima, à revista Veja, que a exibição do filme estava prevista para a próxima quinta-feira, num evento de capacitação anual dos colaboradores. Contudo, a Secretaria de Gestão Interna, liderada por Cesar Brasil Gomes Dias, informou internamente que o evento não poderia ser realizado devido a problemas técnicos com o projector destinado à exibição da obra cinematográfica. Questionado pelos funcionários, o responsável pela manutenção do equipamento assegurou não haver nenhum problema técnico com o aparelho. O filme em causa tem no seu elenco a actriz brasileira de 90 anos Fernanda Montenegro que, em Setembro último, foi apelidada pelo actual secretário de Cultura, Roberto Alvim, de «sórdida» por «deturpar os valores mais nobres da civilização, denegrindo a sagrada herança judaico-cristã». A comunidade artística brasileira tem-se unido contra a chamada «guerra contra o marxismo cultural» lançada pelo governo de Jair Bolsonaro, que tem defendido a censura da actividade cultural no país. O mandatário admitiu, em Julho, a possibilidade de extinguir a Ancine, caso não a possa usar para impor «filtros» nas produções audiovisuais e, em Agosto, acrescentou que desejava um presidente na agência com perfil evangélico. Em Setembro, a Ancine suspendeu o apoio financeiro à participação de realizadores brasileiros em festivais estrangeiros, incluindo em seis festivais portugueses. Já em Outubro, foi notícia que o banco público Caixa Económica Federal começou a aplicar um sistema de censura prévia a projectos realizados nos seus centros culturais, por todo o Brasil, exigindo pormenores do posicionamento político dos artistas, o seu comportamento nas redes sociais, a par de outras imposições de carácter polémico, sobre as obras em exibição, como «manifestações contra a Caixa e contra Governo». Membros do júri do Festival de Cinema de Marraquexe, em Marrocos, reuniram-se no passado fim-de-semana num acto contra a decisão da Ancine de retirar cartazes de filmes brasileiros da sua sede, no Rio de Janeiro, e de dificultar a sua divulgação no site da Agência. Com camisolas alusivas aos filmes visados pela decisão da Ancine, personalidades de várias nacionalidades participaram na acção de protesto, designadamente o brasileiro Kleber Mendonça Filho, director de Aquarius e Bacurau, e as actrizes Tilda Swinton e Chiara Mastroianni. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A resolução colide frontalmente com o que está definido na lei fundamental da república portuguesa, em que «o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura», uma herança da luta contra o fascismo em Portugal. Normalizar a proibição de «conteúdo caluniador e falsas narrativas sobre a UE, a NATO e a Ucrânia», como versa a resolução, é abrir as portas para normalizar a censura de qualquer oposição política, seja em que país fôr. Qualquer jornalista, activista, whistleblower ou artista pode, agora, ser legitimamente acusado de ferir a narrativa do poder político vigente, sem respeito pela verdade dos factos. «É obrigação do jornalista divulgar as ofensas» às restrições no acesso às fontes de informação e as «tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar»,determina o 3.º ponto do código deontológico dos jornalistas. Esta incongruência, um claro desrespeito pelos direitos fundamentais dos países que compõe a União Europeia, levou os deputados do PCP no PE a solicitar, à Comissão Europeia, mais informação sobre a «legitimidade e fundamentação da imposição de censura a órgãos de comunicação social nos Estados-Membros, em desrespeito pelos respectivos preceitos constitucionais e competências». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
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A normalização da censura, pouco ou nada reportada pelos maiores órgãos de comunicação social, e da perseguição e repressão política, que tem vindo a escalar na Ucrânia, com a proibição de partidos políticos com assento em quase 50% da assembleia, representa mais um passo para o descrédito do papel do jornalismo, em Portugal e no mundo.
E isso exige uma voz crítica. Uma voz que não se limite a repetir as narrativas dos comunicados, que seja capaz de avaliar essa informação, que procure confrontá-la com outras fontes, com outras perspectivas. Muitos limitaram-se a repetir a agenda propagandística (e contra-propagandística) da Ucrânia, acreditando em todo o género de cenários, muitos deles a roçar o absurdo, tais como o do fantasma de Kiev. Isto tudo, sem procurar quaisquer tipo de provas ou de confirmação dos factos: uma «grave falta profissional» de acordo com o código deontológico.
O jornalismo não cumpriu a sua função, ignorou a repressão da opinião contrária, e seguiu em frente rumo ao descrédito, transfigurado em mero amplificador dos interesses políticos dos países «alinhados».
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