Mais de uma centena de docentes, bolseiros, investigadores e docentes concentraram-se ontem, às 17h, frente à Reitoria da Universidade do Porto (UP), para exprimir o seu repúdio pela forma como o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) está a ser aplicado naquele estabelecimento de ensino superior.
A concentração foi convocada pela Comissão de Requerentes ao PREVPAP da UP, formada na sequência de reuniões promovidas pelo Sindicato de Professores do Norte (SPN) com requerentes daquele estabelecimento de ensino superior e do profundo descontentamento por estes manifestado com a forma como o PREVPAP está (ou não está) a ser aplicado na UP.
A Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), o SPN e a Federação Nacional dos Professores (FENPROF), apoiaram o protesto, no qual participaram bolseiros, investigadores e docentes em representação de outras universidades onde se verificam problemas semelhantes. Também o BE e o PCP se fizeram representar na concentração.
A maioria dos presentes envergou t-shirts de cor preta onde se podia ler «Somos U.Porto» e «Precários para sempre?». Muitos manifestantes trouxeram impressões de artigos científicos de sua autoria, espalharam-nos pelo recinto, em frente à concentração, e uniram-nos numa espécie de «cordão» envolvente da acção de protesto. Foi uma forma original de lembrar aos órgãos de gestão da UP o contributo diário, para o prestígio da instituição, de bolseiros e investigadores que aquela mantém, por vezes há largos anos, em situação de precariedade.
No final foi lida, votada e aprovada uma moção, dirigida ao Reitor da UP, que expõe a negativa situação existente e expressa as exigências dos docentes, bolseiros e investigadores em situação precária, que será entregue às entidades e ministérios representados nas Comissões de Avaliação Bipartida dos Centros de Tecnologia do Ensino Superior (CAB-CTES) a fim de os confrontar com a realidade vivida pelos requerentes ao PREVPAP e o descontentamento destes com a forma como tem vindo a ser desenvolvido o trabalho das CAB-CTES.
Precariedade na Universidade do Porto: um retrato desapiedado
O AbrilAbril falou com a Comissão de Requerentes. Isabel Pereira Gomes, bolseira de Gestão de Ciência e Tecnologia (BGCT) da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, confirmou que «cerca de 520 docentes, investigadores e bolseiros da UP» requereram a regularização do seu vínculo, ao abrigo do PREVPAP.
Num breve balanço em Janeiro de 2019, «apenas 5 requerimentos de docentes», dos 243 analisados pela CAB, foram aprovados para regularização, com a maioria dos requerimentos (93%, precisa a moção aprovada na concentração) a nem sequer serem admitidos para apreciação. Não apenas os aprovados como os admitidos «são um número insignificante» relativamente aos trabalhadores em situação precária.
O quadro fica mais sombrio se compararmos a execução nacional do PREVPAP com os resultados da UP: esta tem 22,6% dos requerentes a nível nacional e apenas 2,7% de vinculados, ou seja, a taxa de vinculação de precários na UP é 10 vezes inferior à média nacional.
O caso mais sério, diz-nos Isabel Pereira Gomes, é o dos investigadores que trabalham em centros de investigação que «de facto são verdadeiras extensões da universidade mas foram formalmente constituídos como entidades privadas sem fins lucrativos», numa discutível operação de «engenharia financeira» praticada por diversas administrações universitárias a partir dos anos 80 do século passado.
«A universidade», conclui, «arreiga-se do trabalho destes investigadores mas desconhece-os quando se trata de lhes reconhecer a vinculação», mesmo com largos anos ao serviço da universidade, «através de sucessivos contratos de bolsas ou intercalados com contratos de trabalho, sem as devidas garantias e direitos associados às necessidades permanentes que representam e suprem no âmbito da formação e da investigação na UP».
«Os Institutos de Investigação», refere-se na moção aprovada na concentração, estão «sedeados na UP», a sua direcção «é nomeada pelo Reitor, por determinação estatutária», sujeitam-se a «um regulamento geral aprovado pelo Reitor», a «uma relação hierárquica com o governo da UP», a quem devem uma obrigatoriedade na prestação de contas». Mais: «estes Institutos são listados nos estatutos da UP». Mais ainda: «a própria UP reconhece que – e a moção passa a citar o próprio sítio da universidade – “dada a grande proximidade de funcionamento e ampla cooperação, estas entidades são verdadeiras extensões da U. Porto, considerando-se que integram o que se designa por ‘Universo da Universidade do Porto’».
A moção aponta o nível elevado de precariedade e «o baixo número de regularizações de situações de trabalho claramente precário» como o resultado directo «de uma opção da Universidade do Porto, que escolhe não reconhecer o valor e a importância dos seus recursos humanos, alguns deles com ligação às instituições há largos anos».
Se esta situação «tem implicações gravíssimas nas vidas e nas famílias destes investigadores precários, designadamente nas suas perspectivas de futuro e na sua protecção social», tem também «repercussões preocupantes na capacidade da UP se estabelecer como uma referência internacional na investigação».
Os docentes, investigadores e bolseiros, considerados pela Reitoria como «uma mais valia na produção científica e na qualidade da formação produzidas», não podem ser considerados “dispensáveis” quando se trata de regularizar o seu vínculo.
E que se tratam de necessidades permanentes da UP não oferece dúvidas, como pode ler-se no próprio sítio da universidade, onde se fala de «investigadores talentosos» que «colaboram regularmente entre si» em «alguns dos mais inovadores projectos de investigação desenvolvidos em Portugal» e estão distribuídos por «51 centros de investigação [...] dispersos pelos três pólos da U. Porto».
«O PREVPAP é um programa cujo objectivo é o combate à precariedade também no Ensino Superior e na Ciência», conclui o documento, apontando o dedo aos interventores institucionais no processo, por parte do governo e da universidade. O primeiro «não pode faltar ao compromisso publicamente assumido», e a segunda «não se pode escudar no argumento de que as verbas para a contratação não estão garantidas. Se há falta de financiamento, os Reitores devem reclamar do governo o cumprimento dos acordos que foram firmados».
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