[2] A UE pode ter uma estrutura militar independente da NATO e dos EUA?

A União Europeia pode aliviar as tensões e desconfianças se, em vez de alocar recursos militares na Europa Oriental, tomar medidas para uma acertada política de imigração.

«É bom lembrar que Merkl disse que a União Europeia não pode confiar nos EUA para lidar com ameaças externas»
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A aprovação, no passado dia 13 de Julho, pelo governo alemão de um Livro Branco do Ministério da Defesa aponta para a criação de uma União Europeia Militar, afirmando claramente que um exército pan-europeu, sob controlo alemão, é essencial para garantir a segurança e capacidade de agir da Europa.

O documento propõe uma sede conjunta civil-militar da União Europeia (UE) operacional, um conselho formal dos Ministros da Defesa, e o fabrico coordenado e partilha de equipamento militar e de material. A Alemanha, na prática, sem a aprovação desta orientação na UE, já deu passos na sua concretização nos últimos anos. Em 2015, a 11.ª Brigada Aérea holandesa foi integrada numa nova divisão alemã de forças de reacção rápida, e em Março deste ano, a 43.ª Brigada Mecanizada holandesa foi colocada sob comando alemão, juntando-se à 1.ª divisão blindada alemã. Também foram feitos acordos para a plena integração das unidades navais de ambos os países.

A progressão da ideia pode levar a que a Noruega, que não integra a UE, colabore enquanto a Suécia e a Finlândia, membros da UE que não integram a NATO, poderão optar por uma aliança sem ser transatlântica.

É bom lembrar que Merkl disse que a União Europeia não pode confiar nos EUA para lidar com ameaças externas: «A UE não pode contar com a parceria transatlântica com os EUA para lidar com ameaças externas». Mas as declarações de Hollande nesta quinta-feira, depois da reunião com Renzi e Merkl, apontam para uma defesa comum colectiva sem ir mais longe.

O Brexit trouxe, entre outras consequências, o renascer da ideia, de décadas, da criação de uma União Europeia Militar que pudesse ser independente da NATO e dos EUA. Os ingleses sempre foram os mais críticos desta ideia, ao lado dos EUA, mas a saída do Reino Unido da UE altera a situação. A UE deixa de ter no seu seio o mais fervoroso adepto do atlantismo e a NATO perde a inevitabilidade da pertença dos estados-membros.

O documento do governo alemão revela algumas tendências contraditórias sobre o futuro da defesa europeia e questiona o papel da Alemanha: se o seu principal papel é no quadro da NATO ou no novo exército europeu.

Os EUA sentem o peso orçamental que a sua presença na Europa exige mas sabem que reduzir a presença militar significa reduzir a influência política. A opinião pública alemã não é clara sobre esse seu papel de liderança. E na Europa, a 2.ª Guerra não está tão distante que faça esquecer as consequências de um grande poderio militar alemão, que aliás se tem vindo a reforçar.

«A UE não pode contar com a parceria transatlântica com os EUA para lidar com ameaças externas»

Angela Merkl

O secretário-geral da NATO, na Cimeira de Varsóvia, opôs-se à «independência» militar da UE por ela ir enfraquecer os recursos da NATO. Mas, para quem pense que essa estrutura europeia, mesmo fora do quadro da NATO, possa perder o seu carácter agressivo e expansionista, aconselha-se a que meta os pés na terra. Vários países europeus tiveram uma intervenção militar muito activa nas agressões mais recentes no Médio Oriente e Norte de África e não o fizeram a contragosto, nem foram de arreata pelos EUA. Foram os interesses económicos, a apropriação de recursos energéticos e não só, e opções geoestratégicas que os levaram a essas intervenções.

A globalização construída pelo capitalismo traduziu-se numa forma muito superior de domínio da política pelas grandes multinacionais, para quem pouco interessam os interesses próprios dos povos americano e europeu. E para quem interessam pouco disputas transatlânticas para «épater le bourgeois». Por enquanto é esta a situação mas importa estar atento a mudanças que coloquem a questão noutros termos. Por exemplo, se a Rússia e a China puderem desenvolver em seu torno, com igualdade de direitos dos intervenientes, blocos de países através da cooperação e desenvolvimento, que façam gorar as perigosas ameaças de guerra que os EUA estão a desenvolver na Europa Oriental, no Médio Oriente e nos Mares do Sul da China. Esses movimentos estão em curso em duas dessas regiões mas quanto à Europa Oriental, na Cimeira de Varsóvia, registou-se o ensurdecedor silêncio da cumplicidade dos dirigentes europeus.

É certo que muitos americanos questionam a necessidade de pagar a «free riders» (penduras) europeus. Entendem que os europeus deviam fazer muito mais para melhorar a sua própria segurança. O governo dos EUA afirmou que a Ásia é a primeira das prioridades de política externa. E alguns comentadores defendem que, dadas as circunstâncias, a transformação do braço europeu da NATO numa estrutura de defesa da UE seria uma solução lógica. Para eles a Europa precisaria de uma única força de combate - não de uma variedade de exércitos nacionais que operam sob os auspícios da NATO para servir os interesses dos Estados Unidos.

Sublinham ainda que a NATO se tem revelado ineficaz. A aliança não está envolvida no conflito mais importante para o futuro da Europa - a guerra na Síria, e demonstra que não está pronta para responder a novas ameaças e desafios, tais como a luta contra o terrorismo.

A Europa, segundo esses comentadores, enfrentaria múltiplas «ameaças» na sua vizinhança estratégica provenientes do Sahel para o Corno de África, passando pelo Oriente Médio, Cáucaso e até novas linhas de frente na Europa Oriental. Os EUA teriam que se livrar de outras ameaças. Os interesses não coincidiriam e a Europa teria que criar a sua própria força militar para recuperar influência política perdida.

É certo também que no próprio seio do governo alemão existem correntes favoráveis ao restabelecimento de relações com a Rússia, semelhantes às que existiam no tempo do chanceler Schroeder. Entre os que têm essa atitude, estarão, segundo alguns comentadores, o ministro da Economia e Energia da Alemanha, Sigmar Gabriel, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Frank-Walter Steinmeier. Ambos classificam a normalização das relações russo-alemãs como um objetivo de longo prazo. Mas, até se chegar lá, Sigmar Gabriel fala regularmente sobre a necessidade de levantamento das sanções contra a Rússia e manifesta-se a favor do projeto Nord Stream-2 (1), enquanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros faz uma avaliação crítica do aumento da presença militar da OTAN em países da Europa Oriental.

Esta mudança teria, certamente, a oposição de governos da UE do Leste e Europa Central. Teriam de confiar na pacidade de defesa da União Europeia mais do que fazem agora, remetidos que estão a ser moços de fretes dos EUA. Mas a França, a Alemanha e alguns outros estados líderes que pagam a maior parte das despesas da Segurança, encontrariam nisso bom «argumento» para os convencer a ter outra atitude, a prazo.

A União Europeia pode aliviar as tensões e desconfianças se, em vez de alocar recursos militares na Europa Oriental, tomar medidas para uma acertada política de imigração, cuja crise resulta essencialmente da acção directa dos EUA e dos grupos terroristas que eles criaram e recriam, e também, também no plano da segurança tornar mais efectiva a luta contra o terrorismo, encarando ainda a cooperação militar com a Rússia.




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