|forças e serviços de segurança

A polícia e o policiamento

Apesar da Constituição da República distinguir a segurança interna e a defesa nacional, tem-se assistido por parte dos governos a uma vontade em manter militarizadas algumas forças policiais.

Polícias controlam a entrada de passageiros no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, a 17 de Março de 2020
CréditosTiago Petinga / LUSA

É um complexo de acontecimentos distintos mas que aparentam estar interligados dando origem a situações destemperadas: vigência do Covid-19; terceira fase de desconfinamento; assassinato do negro George Floyd em Minneapolis/EUA; lançamento da nave espacial Space X, numa iniciativa privada (Elan Musk)/pública (NASA).

Sem dúvida que a pandemia tem vindo a marcar o comportamento das pessoas, por vezes, algo desconcertadamente. Vejamos o caso do Trump, que aproveitou o lançamento do Space X para enaltecer a sua iniciativa de demonstrar que América é great, não necessitando de qualquer colaboração russa. É certo.

No entanto, note-se que foi um astronauta russo quem deu as boas vindas aos dois astronautas na Estação Espacial Internacional (onde, há meses, estão dois russos e um americano). Esta estação não é um exclusivo americano. Não faz pois sentido a afirmação de Trump, já que não consta que os russos lancem foguetões do território americano. É interessante salientar que esta forma de estar do presidente americano tem lugar num momento em que anda completamente desvairado, raiando um psiquismo deficiente, numa provocação contra o governo da República Popular de China, atribuindo-lhe a «criação do coronavírus», com propósitos de dominação político económica mundial – acusação essa que a entidade chinesa interpreta como uma afronta para a guerra fria.

Como se isto não bastasse, dá-se o assassinato do negro George Floyd, em Minneapolis, por um agente de polícia branco, acontecimento que atiçou o protesto dos americanos contra o racismo imperante nas forças de segurança americanas. Segundo o noticiário da BBC – a América está a ferro e fogo.

Fica fora do âmbito deste escrito, estarmos a comentar analiticamente estes acontecimentos no seu conjunto e entrelaçado. Na refrega deste último incidente, o jornal Público de 1 de Junho (p. 28) reporta a morte de Floyd e o evento em que dois carros da polícia de Nova Iorque investem contra uma multidão que protestava. Cita então Arthur Rizer, investigador e responsável1 do Instituto R. Street, com sede em Washington D.C, e filiais na Florida, Texas, Califórnia, Alabama e Ohio – uma organização conservadora que se dedica à formação e gestão de políticas de segurança. Questionado, referiu que «criamos um mundo, em que não nos limitamos a militarizar a polícia – estamos a equipar os policiais como soldados. Porque é que ficamos surpreendidos quando eles agem como se fossem soldados?». Está tudo dito e explicado. Pelos vistos, a questão não se confina apenas, e já era muito, ao acto racista, mas tem a enformá-lo uma concepção militar da segurança.

Trata-se de uma situação que dá que pensar. Em Portugal, o agente da PSP Manuel Morais denunciou há um tempo a existência de manifestações de racismo e xenofobia nas forças policiais. É sabido como a problemática da segurança ao nível europeu está a ser influenciada gradualmente pela infusão militarista da NATO, onde o papel dos EUA predomina. É também sabido das imensas notícias que têm vindo a público quanto ao reforço de meios para controlo dos cidadãos – acesso a metadados, novas plataformas tecnológicas para controlo de quase tudo, algumas das quais desenvolvidas a pretexto do surto epidémico, etc.

Apesar da Constituição da República distinguir a segurança interna e a defesa nacional, estando aquela a cargo da entidade policial e esta da entidade militar (salvaguardados os estados de exceção e a implícita colaboração das Forças Armadas com áreas civis), tem-se assistido, por parte de sucessivos governos, a uma vontade em manter militarizadas algumas forças policiais (GNR e Policia Marítima) que, por imperativo, deveriam ser de natureza civil.

Faço votos para que neste contexto não haja qualquer transmissão desta americanice.

  • 1. Pelas áreas de justiça criminal, direitos civis, segurança nacional e cibersegurança.

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