|Forças Armadas

Sobre os equívocos, a ética e a legalidade

O chamado «acordo de cavalheiros», promovido entre órgãos de soberania e chefias militares e destituído de legalidade, beneficia o infractor na escolha do novo CEMA que, afinal, antes de ser já o é!

Marinheiros portugueses operam sob o olhar do Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), almirante António Maria Mendes Calado (D), durante o primeiro exercício nacional da série ESCAPEX na Base Naval de Lisboa, no Alfeite, Almada, a 17 de Setembro de 2020
CréditosAntónio Cotrim / LUSA

O processo de exoneração do almirante Mendes Calado do cargo de Chefe do Es­tado Maior da Ar­mada (CEMA) foi publicamente interrompido pelo Presidente da República, que alegou a existência de equívocos, entretanto esclarecidos, segundo o lacónico comunicado publicado na página da Presidência.

Na intervenção pública da passada terça-feira, o Comandante Supremo das Forças Armadas deixou entender a existência de um acordo envolvendo a Presidência da República, o Governo e o CEMA, quanto à data de abandono de funções do almirante Mendes Calado e sobre quem o substituirá.

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Demissão do CEMA: uma falsa partida

A verdade é que a tão falada bazuca ainda não rebentou, mas os estilhaços já se fizeram sentir nos ministérios da Defesa e dos Transportes.

Militares da Marinha Portuguesa perfilados no desfile militar durante a cerimónia comemorativa dos 700 anos da criação formal da Marinha, em Lisboa. 12 de Dezembro de 2017
CréditosTiago Petinga / Agência LUSA

O anúncio da demissão do almirante Mendes Calado do cargo de Chefe do Es­tado Maior da Ar­mada (CEMA), reconduzido pelo Governo, em Março passado, para um mandato de dois anos, acabou por ser clarificado pelo Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas.

Assim, à surpresa do anúncio da exoneração e de algum burburinho em torno das recentes reuniões Conselho do Almirantado, segue-se o espanto de, por um lado, se ficar a saber da combinação prévia, entre o PR o Governo e o CEMA, para a saída deste antes do prazo estipulado no sentido de abrir caminho para alguém. Por outro, esta evidente descoordenação entre Governo e PR quanto à data do anúncio da anunciada exoneração.

Em qualquer caso, a clarificação desta situação por parte do PR não apaga o facto de a ex-futura exoneração do CEMA ficar marcada pela re­cusa do Mi­nis­tro da De­fesa Na­ci­onal e do Chefe do Es­tado Maior Ge­neral das Forças Ar­madas (CEMGFA), em nomear o contra-al­mi­rante Oli­veira e Silva para o cargo de Co­man­dante Naval, cujo nome havia sido proposto pelo almirante Mendes Calado.

De facto, parecem ter razão todos quantos alertaram para a perturbação que a entrada em vigor das alterações à Lei de Bases da Organização das Forças Armadas viria a introduzir na interacção entre os diversos intervenientes na estrutura superior das Forças Armadas, e em eventuais situações de conflitualidade, como parece ser o caso.

A verdade é que a tão falada bazuca ainda não rebentou, mas os estilhaços já se fizeram sentir nos ministérios da Defesa e dos Transportes.

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Trata-se de uma situação que não só configura um atropelo à transparência que deveria presidir a estes processos de nomeação como também suscita dúvidas quanto à sua legalidade. Isto é, no mesmo momento em que se fica a saber que o CEMA abdicará oportunamente das suas funções, é também conhecido o nome do seu sucessor, num processo à margem da Lei de Bases da Organização das Forças Armadas que, no seu artigo 19.º, sobre a nomeação dos Chefes de Estado-Maior dos ramos, determina:

1 — Os Chefes de Estado-Maior dos ramos são nomeados e exonerados pelo Presidente da República, sob proposta do Governo, a qual deve ser precedida de audição, através do Ministro da Defesa Nacional, do CEMGFA.

2 — O CEMGFA pronuncia-se, nos termos do número anterior, após audição do Conselho Superior do respectivo ramo.

3 — O Governo deve iniciar o processo de nomeação dos Chefes de Estado-Maior dos ramos, sempre que possível, pelo menos um mês antes da vacatura do cargo, por forma a permitir a substituição imediata do respectivo titular.

Mais uma vez, as Forças Armadas vêem-se envolvidas em duvidosos comportamentos éticos, depois de outros episódios pouco abonatórios, como, por exemplo, o de tenente-general da Força Aérea em funções no Estado-Maior General das Forças Armadas, que viu a sua exoneração antecipada na tentativa de os chefes militares evitarem a passagem à reserva do major-general do Exército que ia ocupar aquele posto, ou a demissão arbitrária de um vice-almirante que exercia funções na estrutura superior da Marinha e que, depois de recorrer aos tribunais, acabaria por ver anulada a sua exoneração.

Entretanto, ficamos na expectativa de posteriores desenvolvimentos deste imbróglio, também para perceber se este «acordo de cavalheiros» firmado no início do ano fica por aqui ou se, por um lado, envolve também o cargo do Chefe do Estado-Maior do Exército, cujo mandato termina em meados deste mês e, por outro lado, se terá repercussão na duração do mandato do almirante Silva Ribeiro e na sua sucessão.

Esperemos para ver...

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