As empresas prescindiram do direitos autorais do medicamento Molnupiravir enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) continuar a classificar a Covid-19 enquanto uma ameaça à saúde pública. O Molnupiravir é administrado de forma oral e combate os sintomas leves e moderados da doença, em adultos com risco de desenvolver manifestações muito graves ou em risco de hospitalização.
O anúncio de que os EUA estão disponíveis para apoiar a suspensão das patentes de vacinas contra a Covid-19, seguiu-se de uma declaração de submissão da UE, que até agora recusava esta opção. Num volte-face, o anúncio feito esta quarta-feira pelos EUA pode vir a repercutir-se numa decisão sobre a suspensão de direitos de propriedade intelectual das vacinas de combate à Covid-19 no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC), de acordo com a excepção ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, na sigla em inglês) para situações de emergência. A próxima reunião do conselho TRIPS realiza-se na segunda metade de Maio e só haverá nova discussão a 8 e 9 de Junho, datas para as quais se remete uma decisão. Esta declaração contrapõe a decisão, tomada no passado dia 10 de Março, pela OMC, de rejeitar o levantamento de patentes das vacinas da Covid-19, porque os EUA, os países da União Europeia (UE) e o Brasil não deram o seu consentimento à medida. A nova posição dos EUA já conseguiu, entretanto, o apoio de 164 países, mas como as decisões da OMC são tomadas por consenso, é preciso garantir concordância de estados que mantêm resistências, desde logo, os da UE, a Suíça e o Reino Unido. Esta decisão vem, por um lado, dar força àqueles que há muito se batem por esta questão, no sentido de se garantir a universalização, a todos os povos do mundo, do acesso a vacinas e tratamentos no combate à pandemia, colocando-se agora a questão de saber quem mais se junta a «este lado da barricada». Perante os incumprimentos por parte da indústria farmacêutica, foram revelados novos conteúdos que demonstram as condições garantidas a estas empresas, em prejuízo dos Estados e dos povos. No processo de produção e distribuição das vacinas contra a Covid-19, têm sido conhecidas várias informações relativas aos contratos celebrados entre a Comissão Europeia e as multinacionais farmacêuticas, nomeadamente o caso mais sonante de incumprimento, o da AstraZeneca. Perante uma forte pressão pública, a Comissão Europeia divulgou aspectos do contrato celebrado com esta empresa, truncando questões essenciais por alegadas razões de confidencialidade e concorrência. Deste modo, foram omitidos parágrafos inteiros relativos a custos, datas de entrega, compras de cada Estado-Membro e propriedade intelectual. No início do processo foi dada a informação de que as vacinas seriam vendidas aos Estados a preço de custo. Entretanto, ficámos a saber que essa venda a preço de custo só vigorará até Julho, ficando ao critério da AstraZeneca, dependente da sua «boa-fé» (sic), a manutenção dessas condições mediante a avaliação que a farmacêutica faça sobre se já terminou ou não a pandemia. Aliás, é ainda possível à AstraZeneca adicionar 20% aos 870 milhões de euros acordados, alegando a alteração dos custos de produção das vacinas e sem necessidade de o provar. O contrato não comtempla cláusulas de penalização da empresa em caso de incumprimento contratual, que permita a indemnização pelos danos causados pelo incumprimento do contrato, como os que já se verificaram. Os documentos agora conhecidos provam, igualmente, que as alegações da AstraZeneca aquando do primeiro incumprimento não eram verdadeiras. Isto é, o argumento de que estavam contratualmente obrigados a que as fábricas situadas no Reino Unido (RU) apenas abastecessem este país, enquanto as situadas na Europa continental apenas forneciam a União Europeia (UE), não tem qualquer base contratual. No entanto, em audição conjunta das comissões da Indústria e do Ambiente e Saúde Pública do Parlamento Europeu, o representante da AstraZeneca afirmou que a produção na fábrica dos Países Baixos abastece a UE e o RU, enquanto a fábrica do RU abastece apenas este país. Existe ainda uma cláusula, com um âmbito muito alargado, que isenta as farmacêuticas de qualquer responsabilidade pelos danos que a vacina possa vir a causar, ficando os Estados com a responsabilidade de indemnizar quem eventualmente os sofrer. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A UE, pela voz da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já veio dizer que a instituição passa a estar disponível para discutir a questão, depois de muitos meses a recusá-la terminantemente. E já anunciou que o tema será discutido na Cimeira Social, que se realiza este sábado no Porto. E, no plano nacional, importa saber se o Governo e os partidos que chumbaram propostas desta natureza, quer na Assembleia da República, quer no Parlamento Europeu, vão também mudar de posição. Recorde-se que há muito que esta opção vinha a ser defendida por países como a Índia e a África do Sul junto da OMS. E tanto os EUA, como a UE, a tinham recusado. Aliás, ainda na semana passada, o Parlamento Europeu rejeitou (com o apoio de PS, PSD e CDS-PP) uma proposta do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), que PCP e BE integram, que previa especificamente que a UE apoiasse a iniciativa daqueles países junto da OMC para se derrogarem temporariamente os direitos de propriedade intelectual de vacinas e tratamentos contra a Covid-19. Não obstante, esta mudança de posição de Joe Biden, justificada com a necessidade de aumentar a produção de vacinas globalmente, pode não ter como principal preocupação a saúde pública dos povos do mundo. Há de facto, ao longo do último ano, uma perda de influência por parte dos EUA junto de diversos países tendo em conta as opções tomadas no combate à pandemia. Espaço que, no quadro de um confronto global, está a ser ocupado pela China, cujas políticas de solidariedade e ajuda internacional têm tido grande destaque e eficácia. Por outro lado, esta questão também põe à prova a credibilidade e submissão da UE relativamente à política norte-americana, que até agora sempre recusou esta hipótese, aliás, como ficou expresso na votação realizada também a semana passada no Parlamento Europeu, onde se rejeitou, com o aval de PS (excepto Sara Cerdas), PSD e CDS-PP, propostas do GUE/NGL que pretendiam assegurar o acesso universal às vacinas, consagrando-as como bem público. O facto de vários chefes de Estado, responsáveis no plano da UE, e até responsáveis políticos em Portugal terem sempre recusado a ideia de uma suspensão das patentes de vacinas e tratamentos contra a Covid-19, apoiando a posição das grandes farmacêuticas e dos grupos económicos que as controlam, tem tido como justificação a lógica de que o problema da produção não se resolveria por esta via. No entanto, há largos meses que se desenvolvem campanhas internacionais, e também no plano nacional, para apelar aos governos que consagrem a vacina um bem público e que derroguem, mesmo que de forma temporária, os direitos de propriedade intelectual. A UE financiou a produção de vacinas, comprou-as antecipadamente, mas abdicou de quaisquer direitos de propriedade, deixando nas mãos das multinacionais farmacêuticas a gestão integral do processo. No âmbito do combate à pandemia de Covid-19, a vacinação é essencial para salvar vidas e também um elemento estruturante da retoma da actividade económica e social, num quadro em que se exige que as vacinas cheguem a todos os países, sem exclusões. Portugal é uma das vítimas da falta de vacinas na União Europeia (UE), resultante dos constrangimentos na produção anunciados pelas farmacêuticas. Recorde-se, a UE não só financiou a investigação e a produção de vacinas, como também as comprou antecipadamente, embora abdicando de quaisquer direitos de propriedade e deixando nas mãos das multinacionais farmacêuticas a gestão integral do processo de produção e comercialização, ao sabor dos seus interesses comerciais. Aliás, não será por acaso que a Comissão Europeia se tem recusado a divulgar todos os elementos dos contratos que assinou com as multinacionais farmacêuticas. Os países, nomeadamente Portugal, não podem ficar prisioneiros dos interesses das multinacionais farmacêuticas, que, em contraponto com a lentidão no fornecimento de vacinas, continuam a aumentar os seus lucros milionários. A realidade com que nos confrontamos é que a grande dificuldade na vacinação está na falta de vacinas devido à falha de compromisso das farmacêuticas relativamente às entregas com que se tinham comprometido contratualmente. Nesse sentido, são necessárias medidas de defesa do interesse público que permitam, nomeadamente, que a saúde pública prevaleça sobre os direitos de propriedade intelectual para que se possam produzir vacinas nos laboratórios preparados e nos vários países. Para isso, é urgente libertar as patentes a preços razoáveis, seja através de uma negociação ou usando mecanismos legais existentes para o efeito. Não se pode também esquecer que, para além das vacinas desenvolvidas pelos laboratórios farmacêuticos financiados e contratualizados pela UE, já existem outras, e cerca de duas centenas estão em desenvolvimento em vários países. Algumas destas vacinas têm fabrico autorizado em países diferentes daqueles em que foram desenvolvidas, mediante acordos e sem custos astronómicos de patentes. Considerando que vários países da UE anunciaram a intenção de diversificar opções de compra de vacinas, para além das disponibilizadas pela UE, Portugal deve também, rapidamente, procurar adquirir vacinas noutros países, num processo que crie ainda condições para garantir a produção nacional neste domínio. A produção de vacinas contra a Covid-19, em menos de um ano, constituiu um enorme feito da ciência, assente no financiamento público de investigação e desenvolvimento, e na contribuição de milhares de cientistas, médicos e enfermeiros. Eis a razão pela qual as vacinas devem ser consideradas um bem público mundial, acessível a todos. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. É o caso dos sucessivos apelos por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), a campanha de 375 organizações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras e ainda diversas propostas discutidas cá, na Assembleia da República. Assim, o director da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, já aplaudiu a decisão da administração norte-americana, mas a Federação Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticas (IFPMA) já a classificou de «a resposta errada» para um problema complexo. Recorde-se que no início do mês de Abril se realizou um debate na Assembleia da República, por proposta do PCP, que visava a diversificação da aquisição de vacinas e a sua consagração como bem público. Iniciativa que acabou rejeitada por PS, PSD, CDS-PP, IL, PAN e Ch. A actual situação contraria a ideia de que os povos só estarão seguros quando todos os países tiverem a maioria das suas populações imunizadas através da vacinação. Para contrariar estas prerrogativas dos grandes grupos farmacêuticos, propôs-se assim a partilha do conhecimento e o aumento da produção de vacinas, designadamente por via da eliminação ou suspensão de patentes e direitos de propriedade intelectual em favor do acesso universal e global, da produção local e do planeamento público da vacina como um direito universal. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Quem mais se junta ao levantamento de patentes das vacinas?
Internacional|
Vacinas: os contratos leoninos da indústria farmacêutica
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Levantamento de patentes, questão há muito levantada
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O negócio das vacinas
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Já nas fases finais de investigação, a sua distribuição está dependente da aprovação das entidades reguladoras em cada um dos países. A MPP, Medicines Patent Pool (Fundo de patentes médicas), organização ligada à ONU, vai promover o fabrico deste medicamento junto de fabricantes locais, para que estes assumam a responsabilidade de produzir o fármaco.
O Molnupiravir é o primeiro medicamento de combate à Covid-19 a ser integrado no Medicines Patent Pool, tendo os primeiros testes demonstrado o seu potencial para se afirmar como uma «importante ferramenta de combate à situação epidémica», considerou Charles Gore, director executivo da MPP, em comunicado.
«Não deve ser uma empresa a decidir quem pode viver e quem deve morrer»
«A decisão, por parte da Merck, de licenciar o Molnupiravir é bem-vinda, garantindo um maior acesso deste medicamento contra a Covid-19 a alguns dos mais pobres países do mundo» saúda a Oxfam, uma confederação de organizações contra a probreza, não deixando de lembrar que «este acordo não inclui um grande número de países com rendimentos médios, como é o caso de larga parte da América Latina, onde vivem muitos milhões de pessoas em grave situação de pobreza».
Os votos de PS, PSD e CDS-PP contribuíram para rejeitar a classificação das vacinas contra a Covid-19 como bem público e impediram a suspensão dos seus direitos de propriedade intelectual vigentes. As propostas da consideração das vacinas como bem público e a derrogação temporária dos direitos de propriedade intelectual (nomeadamente das patentes) no que diz respeito tanto a vacinas como a tratamentos contra a Covid-19 foram elaboradas pelo Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), que PCP e BE integram. Estas iniciativas, que acabaram chumbadas esta quarta-feira por PS (à excepção da deputada Sara Cerdas que votou a favor), PSD e CDS-PP, foram discutidas no âmbito do debate mais amplo sobre a implementação do chamado certificado verde apresentado pela Comissão Europeia, um documento que tem por objectivo «certificar» a vacinação, o teste ou a recuperação da doença Covid-19, para vir a permitir a circulação entre Estados-membros. A Organização Mundial do Comércio recusou levantar as patentes das vacinas para combater a pandemia. O AbrilAbril falou com o sociólogo Boaventura Sousa Santos e com o eurodeputado João Ferreira. A 18 de Janeiro de 2021, o director-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, fazia uma constatação dramática do processo de vacinação: «Mais de 39 milhões de doses de vacinas foram inoculadas nos 49 países com o rendimento mais elevado. Somente 25 doses foram administradas nos países mais pobres. Não foram 25 milhões, nem 25 mil, apenas 25». No dia 10 de Março, a Organização Mundial do Comércio (OMC) voltou a rejeitar o levantamento de patentes das vacinas da Covid-19, para que pudessem ser produzidas na maior parte dos países. A medida proposta pela Índia e a África do Sul tinha o apoio de 110 países, mas voltou a ser recusada pelos Estados Unidos da América, países da União Europeia, incluindo Portugal, e o Brasil. Tendo este último sido o único país em vias de desenvolvimento que se colocou ao lado dos interesses das grandes companhias multinacionais, isto apesar de quase 300 000 pessoas já terem morrido da pandemia no Brasil. Indianos e sul-africanos voltaram a insistir que a escassez de vacinas no mundo seria em parte resolvida se as empresas abrissem mão das suas patentes e permitissem a produção dos produtos em versões genéricas, por laboratórios em todo o mundo. A proposta é alvo de ataques por parte dos governos europeus, americanos e de outros países desenvolvidos, que insistem na tese que quebrar patentes não resolveria a crise. Estes governos também alertam para que a iniciativa mandaria uma mensagem equivocada para o sector que fez investimentos para garantir as descobertas médicas. Um argumento que é contestado pela cientista social e activista de defesa do acesso universal aos cuidados de saúde Gaëlle Krikorian ao jornal Le Monde: «É verdade que alguns laboratórios apostaram na produção de um novo tipo de vacina de RNA mensageiro. Mas será que podemos realmente falar de correr riscos quando tiveram o benefício de 30 anos de investigação sobre esta tecnologia, largamente financiada pelo sector público? Além disso, o facto de várias empresas lançarem praticamente o mesmo produto ao mesmo tempo atesta que todas elas beneficiaram do mesmo nível de conhecimento científico». «A investigação médica é fortemente subsidiada. É financiada por fundos públicos através de muitos canais: programas de investigação em instituições públicas, financiamento de projectos, parcerias público-privadas, subvenções, créditos fiscais, mas também com o reembolso dos sistemas de segurança social e de seguros mútuos. Além disso, no caso da vacina Covid-19, existem mecanismos para apoiar a produção através de pré-compras ou financiamento do local. Estes mercados beneficiam tanto de um monopólio, na venda, como da garantia de serem pagos». O eurodeputado comunista João Ferreira sublinha, ao AbrilAbril, que não é a primeira vez que, por interesses de saúde pública, as patentes são «quebradas», adicionando que «os próprios os EUA já o fizeram no caso do Tamiflu em 2017». No entanto, os governos da União Europeia e dos EUA usam a opacidade para insistir na manutenção das patentes das grandes multinacionais. «A argumentação é absolutizar os direitos de propriedade intelectual, dizendo que seria uma desgraça porque as multinacionais não investiriam na investigação. Quando se contra-argumenta, que pode ser assim, mas que há circunstâncias que, por motivos de força maior e saúde pública, as patentes devem ser abertas, com maioria de razão quando houve um enorme investimento público que pagou grande parte da investigação e seguros de risco inteiramente financiados com recursos públicos» diz o eurodeputado. Para acrescentar que «os governos juntam uma outra argumentação que, mesmo que a patente seja aberta, não se produziria muito mais, porque a vacina é muito complexa, tem cadeias de produtos e substâncias necessárias que já estariam a ser "exprimidas". Ignorando e escamoteando duas coisas, mesmo se aumentasse apenas 10% ou 20%, já era ganho. Mas sobretudo, que como estas patentes não são abertas esse argumento não é sequer escrutinável». «Estamos numa discussão que é propositadamente opaca, como os contratos com as multinacionais. Os governos parecem mais preocupados em defender o negócio das multinacionais, embora elas tenham sido financiadas por recursos públicos, que a saúde das populações», defende o eurodeputado comunista. Os Estados-membros e a União Europeia estão a usar um duplo discurso. Enquanto fazem juras eternas de ajudar os países pobres na pandemia, na realidade, a realpolitik prevalece em benefício das multinacionais dos medicamentos. Apesar da grande opacidade que envolve os «acordos de compra antecipada» da União Europeia às empresas farmacêuticas, os elementos mais turvos são cada vez mais conhecidos. Mais uma vez, aplica-se a lei de ferro do capitalismo neoliberal: a socialização das perdas e a privatização dos lucros. Os laboratórios foram subsidiados em milhares de milhões de euros pelos estados e pela Comissão Europeia – que pagaram mais de 2 mil milhões durante o desenvolvimento das vacinas – para a investigação e desenvolvimento, e depois para a produção em massa das doses, limitando assim os riscos das empresas. No entanto, as empresas mantêm o controlo sobre patentes, negociam duramente os preços com os governos e restringem potenciais doações e revendas a países em desenvolvimento. Finalmente, a responsabilidade legal das empresas é reduzida ao mínimo no caso de efeitos secundários graves, que mais uma vez seriam suportados pelos estados signatários. Seria injusto culpar apenas as multinacionais que conseguem impor contratos tão grosseiramente desequilibrados. Neste contexto tenso, é compreensível que as populações dos países em desenvolvimento já não sejam uma prioridade. Com as empresas farmacêuticas agarradas às suas patentes, os mecanismos Covid-19 Technology Access Pool (C-TAP) e Covax, destinados ao fornecimento de vacinas aos países pobres, não estão a funcionar. De acordo com a Oxfam, 13% da população mundial, que vive em países ricos, encomendou previamente 51% das doses. E até no seio da União Europeia, as primeiras entregas revelaram desigualdades gritantes: Itália recebeu 9 750 doses, França 19 500 e Alemanha 151 125. Mesmo considerando as respectivas populações destes países, estas diferenças permanecem inexplicáveis e parecem sugerir que alguns são mais iguais do que outros. A Alemanha, além disso, está a negociar ao balcão doses adicionais, apesar de ser membro do mecanismo conjunto da Comissão para a aquisição de vacinas. 13% De acordo com a Oxfam, 13% da população mundial, que vive em países ricos, encomendou previamente 51% das doses Das 225 milhões de doses de vacinas administradas até agora, diz o director-geral da OMS antes da reunião da OMC, em artigo publicado no The Guardian, «a grande maioria foi de uns quantos países ricos e produtores de vacinas, enquanto os países de baixo e médio rendimento observam e esperam. Uma abordagem me-first [eu primeiro] pode servir a interesses políticos de curto prazo, mas é autodestrutiva e levará a uma recuperação adiada e demasiado lenta, com o comércio e as viagens a continuarem a sofrer. Qualquer oportunidade de derrotar este vírus deve ser agarrada com as duas mãos». Tedros Adhanom Ghebreyesus afirma que uma série de medidas deve ser recomendada. «Quer se trate de partilha de doses, transferência de tecnologia ou licenciamento voluntário, como incentiva a própria iniciativa C-TAP da OMS, ou renunciando aos direitos de propriedade intelectual, precisamos de levantar todos os obstáculos». O responsável da OMS apoia uma renúncia de patente que permitiria aos países fazer e vender cópias baratas de vacinas que foram inventadas noutros lugares, para garantir que toda gente é imunizada contra o coronavírus. Uma perspectiva que conta com o apoio pessimista do professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Boaventura Sousa Santos. «Estou bastante pessimista, não me parece que na Organização Mundial do Comércio se vá vencer esta posição da indústria farmacêutica que tem sido prevalecente e defender a todo o custo os direitos de patente. Já no ano passado eles se tinham oposto a um licenciamento temporário da produção livre de vacinas, apenas durante o tempo que durasse a pandemia. Uma medida que foi vetada pelo Canadá, Estados Unidos da América e União Europeia, que têm uma influência enorme destas empresas que não querem permitir a quebra de patentes durante a pandemia», declara o sociólogo ao AbrilAbril. Para eles, esta catástrofe «é vista como um novo negócio de ouro para os laboratórios. Até um comentador financeiro da CNN declarava que as vacinas eram, depois do petróleo, o novo ouro líquido. Vamos entrar num período, que descrevo no meu livro O Futuro Começa Agora, da Pandemia à Utopia, em que as vacinas vão ser sazonais, as mutações do vírus vão ser muito grandes. Tudo isto vai exigir, em permanência, a produção de novas vacinas. Esta pandemia, a primeira do século XXI, e que não será a última, existe em grande parte devido à globalização, à circulação por todo o planeta de pessoas e mercadorias, à comunicação mundial. Por isso, neste momento está tudo claro, se não se vacinar grande parte da população do mundo não haverá segurança em lado nenhum. Nem sequer para os habitantes do chamado primeiro mundo». Segundo Boaventura Sousa Santos, se isso não for feito, o que vai acontecer é que as vacinas não vão conter a pandemia. Vão ser precisas novas vacinas, os confinamentos e mortes vão-se suceder, assim como se vai eternizar o negócio milionário de venda de vacinas. No fim do ano passado, o Ministério da Saúde do Brasil confirmou, segundo escreve a revista Piauí, o primeiro caso de reinfecção por Sars-CoV-2 no país. Uma profissional de saúde de Paraíba, de 37 anos, sem comorbidades, apresentou dois episódios clínicos da Covid-19 em um intervalo de quatro meses. No primeiro, em Junho de 2020, teve sintomas leves e sem complicações. No segundo, em Outubro, relatou fadiga e perda de olfacto e paladar. Investigadores da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, analisaram as amostras recolhidas em Paraíba e descobriram que a reinfecção havia sido causada por uma variante até então desconhecida do vírus – a sub-linhagem P.2, não alcançada pela acção de anticorpos de infecções anteriores. As mutações mostraram aos cientistas que a esperada imunidade colectiva – que, em tese, protegeria a população conforme mais pessoas fossem infectadas – não era uma saída viável para a pandemia, pelo menos a curto prazo. Por enquanto, a vacinação é a única solução à vista, mas ela precisa de ser rápida. Especialistas alertam que a demora na campanha de vacinação, potencializada pela inépcia dos governos, pode ser mais uma ocasião para o surgimento de novas variantes da Sars-CoV-2. Para Boaventura Sousa Santos, esta corrida para preservar a saúde só é possível num mundo em que se coloque a saúde à frente dos lucros. «A OMS podia ser uma plataforma para que a saúde fosse um bem público universal e, por maioria de razão, as vacinas também o seriam porque são absolutamente indispensáveis para se conseguir combater muitas doenças. Penso que esta seria a única solução que vamos ter no mundo, mas aparentemente só depois de uma desgraça ainda maior que esta, difícil de imaginar, é que os governos dos países desenvolvidos vão mudar a sua política de protecção ao negócio das farmacêuticas». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A emissão a nível da União Europeia (UE) de um documento com este propósito levanta diversos problemas porque, desde logo, está a ser elaborado à margem da Organização Mundial da Saúde (OMS), afastando-se de uma perspectiva global; pode incorrer em dificuldades no âmbito da recolha e partilha de dados pessoais; para além de não ter como pressuposto que o essencial para o combate à pandemia é o alargamento urgente da vacinação à escala mundial. Neste sentido, aquelas as propostas de alteração ao documento pretendiam assegurar o acesso universal às vacinas tendo em conta a profunda desigualdade que se vive no seu acesso a nível mundial, por força da manutenção nas mãos dos consórcios farmacêuticos as quantidades de vacinas disponibilizadas aos estados. A actual situação contraria a ideia de que os povos só estarão seguros enquanto todos os países tiverem a maioria das suas populações imunizadas através da vacinação. Para contrariar estas prerrogativas dos grandes grupos farmacêuticos, propôs-se assim a partilha do conhecimento e o aumento da produção de vacinas, designadamente por via da eliminação ou suspensão de patentes e direitos de propriedade intelectual em favor do acesso universal e global, da produção local e do planeamento público da vacina como um direito universal. Também foi rejeitada a possibilidade da UE apoiar a iniciativa apresentada pela Índia e pela África do Sul à Organização Mundial do Comércio com vista a uma derrogação temporária dos direitos de propriedade intelectual no que diz respeito às vacinas e aos tratamentos contra a Covid-19, e que as empresas farmacêuticas devem partilhar os seus conhecimentos e dados através do Repositório de Acesso à Tecnologia Covid-19 da OMS (C-TAP). Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. 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Esta situação «é apenas mais um lembrete de que é indispensável encontrar soluções globais para uma pandemia global. Muito embora este pequeno passo venha a salvar, garantidamente, muitas vidas, muitas mais seriam protegidas se a Merck libertasse a sua patente a todo o mundo», considera Robbie Silverman, responsável pelas relações com o sector privado da Oxfam, em comunicado de imprensa.
«A Merck, assim com a Pfizer e a Moderna devem partilhar, no imediato, as suas tecnologias. Já é tempo de os governos assumirem as suas responsabilidade e libertarem as protecções à propriedade intelectual e mandaras estas empresas a partilhar as tecnologias que as populações ajudaram a financiar».
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