|Associativismo popular

Colectividades rumo ao centenário

«É defender o que ganhámos e projectá-lo como força organizada», diz João Bernardino, presidente da Confederação Portuguesa das Colectividades, em entrevista ao AbrilAbril, sobre o ano de comemorações do centenário. 

Créditos / Cultura na Rua

O Dia Nacional das Colectividades, que se assinala esta quarta-feira, marca o arranque oficial das comemorações do centenário da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD).

Nesta data, há 99 anos, «um punhado de sonhadores concretizou um anseio, que, de forma democrática e participada, deu sentido organizativo a uma vontade que vinha detrás». As palavras foram proferidas por João Bernardino, presidente da CPCCRD, na sessão solene que teve lugar em Évora, no último sábado. Mais tarde, em entrevista ao AbrilAbril, o responsável detalhou o que já se conhece do programa de comemorações dos 100 anos da Confederação (primeiro Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio), falou da importância do Movimento Associativo Popular (MAP) e das «orelhas moucas» que o Governo (mas também a Câmara de Lisboa) faz às reivindicações das colectividades. 

A inauguração, esta manhã, de uma exposição na sede da CPCCRD, em Lisboa, marca o início do programa festivo dos 100 anos, que termina com um congresso, em Maio de 2024. O tempo que medeia as duas datas será preenchido com inúmeras actividades. Há negociações com os CTT para um selo comemorativo e com a Santa Casa da Misericórdia para a edição de uma lotaria, e planeia-se uma campanha de filiação, que, assume João Bernardino, tem acima de tudo um valor de unidade – «Defendemos melhor os direitos se formos mais.» 

O que é que a Confederação vai querer afirmar no programa de comemorações dos 100 anos?

Queremos que este centenário seja comemorativo, de orgulho do caminho que foi trilhado, que foi vivido, valorizando-o e projectando-o como força organizada. É defender o que ganhámos e projectar para outros anseios. Um dos momentos mais marcantes é a exposição que inauguramos esta quarta-feira, e que irá percorrer todos os distritos e regiões autónomas, com presença em colectividades, câmaras municipais, na rua e em concertos. 

É uma exposição com 11 grandes painéis, que faz o caminho entre 31 de Maio de 1924 até 2024, ou seja, desde a função da então Federação. Cada um dos 11 painéis tenta historiar o que foi a caminhada até ao movimento associativo que temos hoje: os congressos que se realizaram, a República, a repressão no fascismo, o contributo que deu para o 25 de Abril, a explosão de colectividades após a Revolução, momentos marcantes, como por exemplo o da Academia Almadense, quando Arlindo Vicente prescindiu da candidatura a favor de Humberto Delgado. 

« Um dos momentos mais marcantes é a exposição que inauguramos esta quarta-feira, e que irá percorrer todos os distritos e regiões autónomas, com presença em colectividades, câmaras municipais, na rua e em concertos.»

Estamos também a programar realizar, nos 18 distritos do continente e nas regiões autónomas, 18 concertos com as nossas bandas centenárias, em que convidam outras bandas, associadas ou não, e temos já alguns pré-agendados nas cidades de Lisboa, Porto e Faro, e na Madeira. 

Porque a nossa actividade retira muito tempo às famílias, temos perspectivado, para o final deste ano ou princípio de 2024, um grande encontro/convívio de todos os dirigentes associativos no Centro do País, com actividades culturais, folclore, uma fanfarra, uma pequena peça de teatro e declamação de poesia. O grande objectivo é o convívio entre dirigentes e respectivas famílias; estas carregam um peso que queremos reconhecer e até distinguir eventualmente. Em Novembro deste ano vamos fazer em Viana do Castelo um grande encontro internacional do folclore português com grupos de Espanha, França e um grupo ibero-americano, em parceria com a Federação do Folclore português.

Há outras parcerias em vista? 

Tentamos associar as comemorações dos 100 anos com outras entidades que estão no Conselho Nacional do Associativismo Popular (CNAP), que é dirigido actualmente pela Confederação, mas junta mais dez entidades ligadas ao associativismo e ao regionalismo, como a Federação Portuguesa do Folclore, a Federação Portuguesa de Música e a dos teatros amadores. É um conjunto de entidades que criaram este chapéu, que tem também uma componente reivindicativa ao Governo, de apoios, de interligação. Quem preside neste momento ao CNAP é a Confederação e nós estamos a tentar que o Governo reconheça em legislação a existência deste CNAP. Também com o CNAP queremos fazer comemorações. Estamos a pensar fazer alguma coisa ligada ao teatro amador. Vamos ainda lançar um desafio a todas as nossas associadas, e às que não são, de durante este período assinalarem o centenário.

Às comemorações juntam-se reivindicações... 

Sim, lançámos também o desafio à Santa Casa para o lançamento de uma lotaria do centenário. Ainda não acertámos a data, mas será mais próximo do congresso do centenário, em Março ou Abril de 2024. Vamos aproveitar a lotaria para fazer uma grande exigência ao Governo, que há muito tempo reivindicamos: que uma parte do jogo seja atribuído ao Movimento Associativo Popular. Porque a esmagadora maioria do jogo ou é para o Governo ou é para o desporto federado. O desporto popular, tal como a cultura e o recreio, estão completamente arredados dessas receitas. 

Temos ainda previsto um conjunto de colóquios sobre o Movimento Associativo – Presente e Futuro, com nomes, como por exemplo o de Rui Namorado Rosa, que é um grande pensador sobre o movimento associativo. Vamos por isso fazer um em Coimbra, já temos programado também no Porto e em Viana do Castelo, e estamos a pensar fazer dois em Lisboa e outro nos Açores.

Que objectivos têm para estes colóquios?

Reflectirmos. Olharmos para nós e tentarmos responder a um conjunto de questões. Há dificuldade de dirigentes associativos, porquê? Qual é a razão? Há crise no associativismo? Ou a crise é da sociedade em que estamos? E como é que lhe respondemos? No fundo, estes debates têm este objectivo. 

No encontro que realizaram em Évora, no passado sábado, alertaram para a urgência de políticas públicas para  defesa e valorização das colectividades. O que reclamam exactamente?

Todos os anos, até a partir do CNAP, temos vindo a fazer propostas para o Orçamento do Estado (OE). Infelizmente, o Governo tem feito orelhas moucas, mas nós não vamos calar e vamos continuar a insistir para que haja da parte do Estado uma compreensão superior relativamente à importância do MAP e alocar verbas, porque nós reivindicamos que estamos a fazer um serviço público. A própria Constituição da República, no artigo 78.º, diz claramente que incumbe ao Estado, entre outros aspectos, incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, e corrigir as assimetrias existentes no País, bem como apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e expressões. Ora, se incumbe ao estado, estamos a fazer uma incumbência que o Estado tem. 

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Colectividades criticam falta de apoios públicos

«Portugal precisa das colectividades» foi o mote do congresso extraordinário da Confederação Portuguesa das Colectividades, em Almada, onde se alertou para a falta de reconhecimento e apoio público. 

Créditos / CPCCRD

Os delegados ao congresso extraordinário da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD), realizado no último sábado, deram início aos trabalhos com uma avaliação da realidade do movimento associativo, designadamente com os constrangimentos provocados pela pandemia e o papel assumido pelas mais de 30 mil colectividades a nível nacional.  

A Academia Almadense (Almada) acolheu o encontro que foi o pontapé de saída para o congresso electivo que a CPCCRD realiza a 16 de Julho, e no qual foi aprovada uma moção dirigida à nova Assembleia da República e ao novo Governo. No documento, as colectividades reclamam que se considerem as propostas já apresentadas de revisão da legislação associativa, bem como as que foram entregues ao poder executivo e legislativo aquando da discussão da proposta de Orçamento do Estado para 2022, e exigem a atribuição de apoios no âmbito dos custos com combustíveis, gás e electricidade.

«Uma das críticas do movimento associativo foi precisamente a falta de reconhecimento e apoio financeiro regular e transparente por parte dos poderes públicos, a quem compete constitucionalmente proporcionar o acesso, produção e fruição da cultura, recreio e desporto», refere a Confederação num comunicado. 

Entre os assuntos discutidos no congresso extraordinário esteve também o processo de capacitação de dirigentes e entidades associativas e a importância de valorizar as capacidades de todos os que participam na vida das associações. No período da tarde, os delegados, provenientes de regiões de Norte a Sul, dedicaram-se à revisão dos actuais estatutos com o objectivo de adaptar a organização aos desafios do presente.

Com cerca de 38 estruturas descentralizadas por todo o País, a CPCCRD representa 33 mil associações, nas quais estão envolvidos mais de 400 mil dirigentes. 

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Paralelamente às necessidades a incluir no OE, temos vindo a reivindicar outras questões muito importantes, desde logo que o Estado assuma o compromisso de rever toda a legislação fiscal inerente ao movimento associativo. Na questão do beneficiário único, os dirigentes associativos são comparados legalmente a dirigentes de empresas e nós não aceitamos isso, porque pelo nosso carácter benévolo, voluntário, eleito, não recebemos rigorosamente nada, e esse é o nosso ponto de honra. Por isso, não aceitamos que o Estado nos olhe assim. 

Outra questão que temos vindo a contestar é que o Estado obriga as nossas colectividades, com lucros superiores a 7500 euros, que não são dividendos, são reinvestidos legalmente, a pagar IRC. A esmagadora maioria das pessoas não sabe isto e comporta uma atitude que para nós é considerada ofensiva. Sentimo-nos afrontados.

O que propõem para corrigir essa situação no imediato?

Já fizemos propostas ao Estado para, enquanto não se fizer a revisão do estatuto fiscal, aumentar aquele valor [7500 euros] para um muito maior, deixando praticamente de fora as colectividades. Relativamente ao IVA, a nossa proposta é que seja zero para as actividades culturais, como o teatro, a música, e admitimos que em actividades colaterais, como nos bares, haja um IVA reduzido, mas não de 23%. Temos também uma preocupação quanto à formação dos nossos dirigentes. O Estado em geral não comparticipa nada e queremos que haja outras políticas em relação à cultura, ao desporto. É um conjunto largo de reivindicações que queremos ver contempladas e às quais o Estado tem feito orelhas moucas. 

Falámos, está quase a fazer um ano, nas vésperas da tomada de posse como presidente da CPCCRD. Como está a ser a experiência?

É um trabalho muito importante e muito desafiante, também. Temos assento, porque conquistámos esse lugar, em estruturas como o Conselho Económico e Social (CES), Conselho Nacional do Desporto, Comité Olímpico Português e a Confederação Portuguesa de Economia Social. A Conta Satélite do Instituto Nacional de Estatística (INE) reconheceu-nos recentemente como a maior família da economia social. Para além do trabalho voluntário, contribuímos para uma economia circular e social, que é muito importante, sobretudo para as camadas mais desfavorecidas, que são aquelas que estão intrinsecamente ligadas ao associativismo popular. 

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Confederação das Colectividades prepara-se para novo ciclo

Mais jovens e mais mulheres, e uma maior representação do ponto de vista do território caracterizam o novo ciclo da Confederação das Colectividades, que este sábado realiza o seu congresso eleitoral, em Lisboa. 

Créditos Claudio Schwarz / Unsplash

Os desafios da direcção que será eleita na reunião magna são muitos e variados, num tempo em que a perda de poder de compra ameaça também as colectividades, que continuam a braços com as consequências da lei das rendas (que desenraizou muitas centenárias) e a recuperar dos efeitos da pandemia. «O movimento associativo tem problemas que não são dele», resume Augusto Flor, actual presidente da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, que amanhã passará o testemunho a João Bernardino.

O AbrilAbril juntou os dois numa conversa sobre o passado e o futuro da estrutura e o sentimento é de confiança, alicerçado no rejuvenescimento, no crescimento do número de mulheres e na maior capacidade de intervenção da direcção. A lista dos órgãos sociais sobe de 70 para 77 membros.

Para além da representação nacional, com elementos de todos os distritos e regiões autónomas presentes no Conselho Nacional, a nova direcção incorpora elementos provenientes de oito distritos, em vez dos actuais quatro. As vivências e os desafios destas regiões já estavam representados na Confederação, mas a partir de agora estarão de forma directa. «A direcção acompanhava, só que ia, por exemplo, uma pessoa do Barreiro para Castelo Branco e para a Guarda», ilustra Augusto Flor, que durante 15 anos liderou os destinos da Confederação que representa todo o movimento associativo popular, ou seja, 33 mil colectividades, chefiadas por mais 400 mil dirigentes.

A funcionar com gabinetes no Norte, Centro e Sul do País, com a lista única que amanhã será votada, a Confederação, actualmente com representantes em Lisboa, Setúbal, Porto e Faro, passa a ter também eleitos da direcção nos distritos de Évora, Viseu, Santarém e Viana do Castelo.  

A «batalha da unicidade» tem sido estruturante ao longo dos quase 100 anos de vida da Confederação – completa o centenário daqui por dois anos. «Por um lado, não há outra entidade, por outro, sempre que apresentamos propostas, seja à Assembleia da República, seja no âmbito dos orçamentos do Estado, fazêmo-lo para todas as colectividades e não apenas para as filiadas», refere Augusto Flor, sublinhando que o discurso da Confederação é «associativo e unitário». 

 Um novo ciclo começa 

O congresso deste sábado, no Fórum Lisboa, encerra um ciclo de 19 anos. Fundada em 31 de Maio de 1924, a Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio manteve a nomenclatura até 2003, data em que passou a Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, com novos estatutos, que, desde o congresso extraordinário, realizado em Março deste ano, voltam a sofrer alterações. Os mandatos passam a ter uma duração de quatro anos, em vez dos actuais três, e a partir de agora haverá um novo órgão (Conselho Jurisdicional). 

A comemoração do centenário é um dos desafios do ousado plano de acção para os próximos quatro anos, a que se junta a questão da sede social, onde a situação, diz Augusto Flor, é de «impasse».

A Rua da Palma, na capital, foi sempre a morada da Confederação das Colectividades. O anterior executivo da Câmara de Lisboa tinha o projecto de a transferir para um espaço, «500 metros acima», mas com a alteração da cor política do município, o objectivo ainda não teve seguimento por parte do novo presidente. Apesar disso, a instalação da nova sede social nacional integra um dos eixos do programa de acção para o próximo quadriénio, «com a consequente criação do Museu Nacional do Associativismo Popular». 

Outra questão que vai ocupar a próxima direcção, liderada por João Bernardino, prende-se com o término do contrato de capacitação, em Dezembro próximo, e a preparação da candidatura ao programa 2023-2030. Segundo o programa, a Capacitação 2030 «deverá abranger o maior número de associações/colectividades, dirigentes associativos e trabalhadores do continente e ilhas». 

A acção para a transformação social é um dos eixos principais do plano de acção, onde o objectivo passa por «sensibilizar o tecido associativo e a sociedade para o modelo de intervenção com perspectiva de transformação social e não apenas utilitário ou casuístico da cultura, recreio e desporto associativos». Entre as vários prioridades elencadas está também a questão da informação e da comunicação com a sociedade, onde a Confederação das Colectividades prevê continuar a lutar pelo direito ao Tempo de Antena. 

A par dos propósitos traçados no documento que será submetido amanhã ao congresso, João Bernardino admite que o grande desafio é, desde logo, «manter todo o prestígio» alcançado pela Confederação, reconhecendo que «está criada uma boa equipa» e que o peso das mulheres na direcção é «muito importante pela mais-valia que é acrescentada ao trabalho colectivo».  

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Hoje colocam-se grandes desafios ao MAP, até porque há grandes transformações na vida e na sociedade, e precisamos de fazer um esforço muito grande de capacitação dos nossos dirigentes, de nos socorrermos de todos os meios para acompanharmos essa evolução, mantendo os nossos princípios básicos: associativismo popular, virado aos mais desfavorecidos, mantendo os dirigentes voluntários, benévolos e eleitos, não deixando descambar, por muitos apetites que existam hoje nas áreas do desporto e da cultura, para profissionalizar, para tirar daí lucro. Hoje, muitas dessas áreas estão a ser muito apetitosas para o negócio e nós contrariamos isso decididamente, mantendo a matriz popular e ligada aos mais desfavorecidos. 

Um dos desafios na altura era a questão da sede social. Como está esse processo?

Regrediu. Com o executivo anterior da Câmara Municipal de Lisboa, liderado por Fernando Medina, havia um projecto de reinstalação da nossa Confederação, mas também da Federação de Lisboa e da Federação dos Jogos Tradicionais, num edifício muito próximo dos Anjos, adquirido pela Câmara, e onde iríamos instalar-nos e fazer também o Museu do Associativismo de Lisboa. Isso estava muito adiantado. Entretanto, entrou este executivo, que só nos deu resposta há pouco tempo. 

De continuidade?

Disse-nos, numa reunião, que esse projecto estava posto de parte porque não ia avançar a Praça da Mouraria e a demolição do espaço onde estamos, onde se previa construir uma mesquita. O processo foi remetido para uma reavaliação no âmbito do projecto de requalificação, desde o Martim Moniz até à Portugália, e toda a Rua da Palma e da Almirante Reis. Não se sabe qual será o modelo que a Câmara vai apresentar, mas na prática vamos ficar onde estamos até que esse estudo internacional, no qual também iremos participar, defina como é que vai ser no futuro. Entretanto, o prédio onde estamos é da Câmara e necessita de algumas obras. A Câmara disponibilizou-se a fazê-las e mostrou abertura para eventualmente podermos ir para o edifício ao lado (Arquivo Fotográfico), que também é da Câmara. 

Entretanto, continuam a existir colectividades ameaçadas pela gentrificação. Recentemente tivemos conhecimento de que a ARA, na Rua dos Fanqueiros, em Lisboa, é um desses casos.

Exactamente. Esse é um flagelo que advém da famigerada lei das rendas e que está a agora a produzir os seus efeitos, não só em relação ao desalojamento das pessoas, com a respectiva desertificação dos centros históricos, quer em Lisboa, quer no Porto, mas também das próprias colectividades. Um dos casos é realmente o da Associação Recreio Artístico (ARA), com a particularidade de essa associação ser a fundadora n.º 1 da Federação das Colectividades. Tem uma história ímpar no meio em que se insere e onde tudo já se desertificou, e está com essa ameaça. Nós estamos com uma campanha e vamos responsabilizar a Câmara de Lisboa e o Governo se isso acontecer. Nós vamos publicamente dizer a toda a população o porquê. Vamos lutar com eles para que isto não aconteça. 

Mas não é a única.

Pois não. A n.º 4, Grupo Dramático Os Combatentes, em Campo de Ourique, tem a mesma ameaça de despejo. Na Madredeus houve também uma outra que fechou, está paralisada, tem todo o arquivo histórico, quase centenário, lá dentro e está fechada, com o senhorio a pedir somas exorbitantes pelo espaço, cuja finalidade única é o negócio, excluindo toda a história do movimento associativo, que está ligado à história das pessoas e à vivência nestes centros históricos.

Para além da necessária revogação da «lei Cristas», o que é que reivindicam no imediato para salvaguardar o património que estas colectividades guardam?

A medida mais imediata e importante era que o Governo, para além de outras questões, fizesse uma proposta para que as associações de utilidade pública, e não só, que preencham um conjunto de requisitos, não possam ser despejadas. Essa seria a medida mais imediata que nós estamos a fundamentar para o Governo, no sentido de não desertificar ainda mais os centros históricos e de preservar toda a história destas associações.

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Arrendamento urbano carece de nova legislação

O entendimento por parte de muitos inquilinos levou o PCP a apresentar no Parlamento um projecto de lei com vista à alteração do Regime de Arrendamento Urbano. 

Créditos / Pixabay

Um estudo divulgado no início da semana voltava a pôr o dedo na ferida: o problema do arrendamento urbano é estrutural, com o Estado a empurrar para os privados as responsabilidades que são suas. Num ano marcado pelo aumento do custo de vida, a crescente dificuldade no acesso à habitação é um dos problemas que urge resolver. 

No preâmbulo do diploma que o PCP entregou esta semana na Assembleia da República alerta-se para situações de não renovação de contratos, que afectam as famílias, mas também as pequenas e médias empresas, e para o imediato aumento das rendas para valores incomportáveis, fruto da especulação imobiliária. 

Uma vez que a actual situação deriva da «lei Cristas» que ainda vigora, designadamente o chamado Balcão de Arrendamento, os comunistas propõem nova legislação do arrendamento urbano que inclua muita da regulamentação da Lei de Bases da Habitação, que, recordam, já deveria estar em vigor. 

No essencial, defendem, este problema já poderia estar resolvido no plano legislativo «se o PS na Assembleia da República tivesse aprovado as propostas do PCP, ao invés de alinhar com os partidos da direita para as inviabilizar, como veio a acontecer sistematicamente nesta matéria em 2021».

A par de alterações ao Código Civil, designadamente impedindo a caducidade do contrato de arrendamento com base, por exemplo, num direito temporário ou em administração de bens alheios, o PCP propõe alterações ao Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), extinguindo desde logo o Balção do Arrendamento, também apelidado de «balcão dos despejos). 

O diploma considera ainda alterações ao Regime de Celebração do Contrato de Arrendamento Urbano e a legislação aprovada em 2020, possibilitando aspectos como fazer coincidir com o início do ano civil o fim do diferimento no pagamento da renda e alargar o prazo de pagamento da quantia em mora, dando sustentabilidade, quer à manutenção do contrato, quer ao pagamento da renda. 

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Neste entretanto, a Câmara e o Governo podem ter aqui um papel, pondo-se ao lado destas colectividades, exercendo uma influência imediata junto desses senhorios, não lhes permitindo que tenham ambições de fazer negócios nesses espaços à custa dessa mesma história e dessa vivência, ou seja, tentar conter os apetites vorazes da especulação. Estes poderes podem ser exercidos. Estamos a tentar elaborar uma petição pública em relação à lei do arrendamento que salvaguarde o serviço público que estas associações prestam e seja consagrada definitivamente a defesa de quem exerce um serviço público. Na próxima semana farei uma reunião com a direcção da ARA e vamos elaborar este projecto, envolvendo também a nossa estrutura concelhia de Lisboa no sentido de darmos mais força. 

Já aqui se falou de teatro, o actual executivo da Câmara de Lisboa lançou o projecto de um teatro em cada bairro. Conversou convosco?

Não, nada. Nós lembrámos-lhes isso, até com a Federação do Teatro Amador, que podiam consultar-nos e dissemo-lo também por escrito. Estão aflitos porque não conseguem espaços. Na reunião a propósito da nossa sede dissemos inclusivamente que, nalguns sítios, essa questão pode ser vivida com uma colectividade. Porque nós temos colectividades que pela sua localização e experiência, mesmo não tendo teatro, podem albergar essa vertente. Mas nunca mais nos disseram nada. E sei que a própria Federação do Teatro Amador, que participa connosco no CNAP, também não recebeu nenhum contacto até ao momento, infelizmente. 

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