|privatização

Se a TAP não valesse nada não era privatizada, ninguém a queria

A empresa está bem, está estabilizada, gera lucros, está amplamente capitalizada, já se levantaram a maioria dos cortes impostos aos trabalhadores e, portanto, para o Governo PS, é tempo de vender.

CréditosMiguel A. Lopes / Lusa

O Governo nem ensaiou a tentativa de justificar a necessidade de privatizar, apesar de os últimos 30 anos demonstrarem que os piores momentos da TAP ocorreram durante e por causa dos processos de privatização.

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Relatório Comissão TAP. Uma visão parcial para salvaguardar o PS e a privatização

A proposta de relatório, divulgada esta quarta-feira, é um documento parcial que se recusa a ver a realidade exposta pelos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

CréditosJosé Coelho / Agência Lusa

A proposta de relatório inclui uma justa crítica ao processo de privatização de 2015, nomeadamente pela forma como o governo do PSD e do CDS-PP consumou o processo contra a maioria do Parlamento recentemente eleito, com uma maioria absoluta de deputados eleitos por partidos que, expressamente, haviam prometido reverter a privatização total ou parcialmente.

Inclui a necessária crítica à forma como a privatização de 2015 foi concretizada, onde o facto mais grave é o papel desempenhado pelos fundos Airbus, os 226,5 milhões de euros que a Airbus entregou a David Neeleman, em troca da opção de compra detida pela TAP dos 12 A350 e como comissão pela venda à TAP de seis mil milhões de euros em aviões, e que este usou para comprar e capitalizar a TAP.

O relatório inclui ainda a necessária crítica ao secretismo com que o governo do PSD e do CDS-PP conduziu este processo, enterrando a informação sobre os fundos Airbus, e objectivamente escondendo-os do povo português. Mas o relatório falha quando procura ilibar o Governo PS desse processo de ocultação. O ministro Pedro Marques foi obrigado a reconhecer perante a CPI que conhecia os fundos Airbus desde uma investigação conduzida em 2016 ao processo de privatização. Teve a oportunidade de colocar essa informação no contraditório à Auditoria do Tribunal de Contas e não o fez. Teve a oportunidade de informar o Governo e o seu sucessor sobre este processo e não o fez. Teve a oportunidade de anular a privatização e optou por não o fazer, preferindo simular uma nacionalização onde, mais uma vez, o lucro era todo privado e os riscos eram todos públicos.

Há um processo de ocultação da verdade ao povo português sobre a compra da TAP com o dinheiro da própria TAP, que objectivamente envolveu, quer o PSD/CDS, quer o PS. E em ambas as situações o secretismo do processo serviu para ocultar a verdade ao povo e dificultar o controlo democrático.

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TAP. O negócio Neeleman de 2015

Apesar de BE e PS terem impedido (cada vez se percebe menos porquê) de levar a Comissão de Inquérito à TAP até à privatização de 2015, os trabalhos têm contribuído decisivamente para se perceber os contornos desse negócio.

CréditosNuno Fox / Agência Lusa

Sem uma bola de cristal, não é possível provar intenções. Nunca saberemos se Pires de Lima e Sérgio Monteiro foram enganados por Neeleman ou cúmplices da sua fraude. Eles preferem fingir acreditar que enganaram o empresário americano que ganhou milhões com a operação TAP. Também não é possível provar o que teria acontecido se não se tivesse declarado uma pandemia. Nunca saberemos se o plano de Neeleman era simplesmente inchar a sua operação, retirar tudo o que pudesse e depois desaparecer, ou se a teria levado até uma operação bolsista. O que sabemos é que a estratégia – de alto risco para a TAP e zero risco para ele – adoptada pelo empresário americano tropeça na Covid e arrasta a TAP para o precipício. E que, no final, Neeleman e as suas empresas ganharam muitos milhões com a operação TAP e deixaram-na com um buraco de mais mil milhões de euros do que o que existia antes da sua chegada, para nós pagarmos.

Risco Zero: os capitais usados são da própria TAP

No mundo capitalista, um investidor nunca arrisca mais que os capitais que coloca numa determinada empresa. Ora, David Neeleman não colocou qualquer capital na TAP. Ele viu a oportunidade de tomar o controlo da empresa através de um mecanismo muito simples:

Negociou com a Airbus a compra de 53 aviões (uma compra de cerca de 3,6 mil milhões de euros) e recebeu desta uma comissão antecipada de 230 milhões de euros;

Com esses 230 milhões ele comprou a TAP (que foi vendida por 10 milhões) e usa o resto para fazer a capitalização com prestações acessórias (que mais à frente ainda lhe garantiriam o controlo total e efectivo da empresa, sem ter que simular uma sociedade com Humberto Pedrosa);

Ele transfere para a TAP a obrigação de compra dos 53 aviões, aceitando esta pagar uma multa de 230 milhões se não comprasse os aviões (no fundo, assegurando a devolução da comissão recebida por Neeleman se a TAP não comprasse todos ou parte dos aviões).

Foi este o negócio que o governo PSD/CDS fez, foi este o negócio que esconderam do povo português.

Em bom português, é com dinheiros da TAP, que a empresa está hoje a pagar, com dinheiros que tiveram que ser financiados pelo Estado português, que David Neeleman compra a TAP. O risco patrimonial do «empresário» foi zero.

Ao assalto da TAP

Tomado o controlo da companhia, David Neeleman aproveita para concretizar um conjunto de outras operações que lhe irão trazer uma grande vantagem patrimonial.

Três delas decorrem ainda durante a própria operação de compra com a Airbus, onde é fácil identificar os custos para a TAP. A primeira é a desistência da opção de compra dos 10 A350, que a TAP tinha assegurado a um bom preço por ter participado no processo de desenvolvimento do mesmo. Essa desistência da opção de compra está avaliada em 140 milhões, e implicou o abandono de uma linha de crescimento da operação – para a Ásia, nomeadamente para a China – que estava por detrás da compra desse tipo de aviões. Esta abrupta mudança de planos fica ainda mais estranha se pensarmos que o administrador da TAP que planeou a compra dos A350 (Fernando Pinto) foi o mesmo que foi contratado pela administração privada como consultor, com uma remuneração de 130 mil euros mensais. A segundo será o preço dos aviões que Neeleman negociou, que vários avalistas consideram estar inflacionado, com potenciais perdas para a TAP de 200 milhões. O que pode significar que a TAP, comprando ou não os aviões, devolveria sempre a comissão que a Airbus entregou a David Neeleman. Há ainda uma terceira vertente deste processo, ainda mais difícil de provar sem uma investigação criminal internacional: na mesma altura, Neeleman terá negociado outras aquisições de aviões com a Airbus para empresas de que é ainda hoje proprietário.

Durante os quatro anos de gestão privada, a TAP vai ter com a Azul (de David Neeleman) uma relação subserviente e onde é prejudicada. Vai pagar à Azul para utilizar os seus ATR na ponte aérea, o que rentabilizou uma parte da frota da Azul que não era rentável, mas fez a TAP «optar» por uma má solução, cara e pouco fiável. Vai libertar o aeroporto de Campinas (São Paulo) para que a Azul faça o seu hub de ligação a Portugal, e ainda vai fazer uma operação de code-share para facilitar a difusão destes passageiros pela Europa, colocando em risco a mais rentável das operações TAP, a ligação ao Brasil, em favor do crescimento da Azul nesse mesmo mercado. Vai receber dois aviões muito degradados da Azul, recuperá-los como se fossem seus, e devolvê-los à Azul, uma operação com um custo de largos milhões de euros.

A forma como os administradores privados vão ser remunerados no período de gestão privada é outro elemento que nos mostra os privados a irem ao pote. Além dos 130 mil por mês a Fernando Pinto, temos os milhões pagos a Max Urbanh e a Antonoaldo Neves, e os prémios pagos mesmo com prejuízos anuais superiores a 100 milhões.

A TAP a inchar

Com a entrada de Neeleman na companhia, a TAP é colocada a inchar. Desde logo porque tal é fundamental para absorver e justificar a compra dos 53 novos aviões. É certamente discutível qual a intenção com que esse crescimento foi feito, mas é indiscutível, agora que se conhece o mecanismo de compra da empresa, que esse crescimento era necessário, antes de mais nada, para que Neeleman pudesse ter comprado a TAP.

Reconheça-se que os novos aviões trazem vantagens competitivas importantes à TAP. Gastam menos combustível e são mais ecológicos. Aumentaram a dívida e os compromissos da companhia, mas desde que o crescimento da operação continuasse, não era impossível que a operação se equilibrasse e começasse a dar lucros. E há elementos, apurados pela CPI, que fazem crer que pelo menos alguns dos envolvidos acreditavam nesse cenário (por exemplo, Fernando Pinto recebia um conjunto de opções de compra de acções da TAP numa futura capitalização em bolsa que nessa altura valeriam 7 milhões de euros). Não faz sentido receber, num contrato secreto, opções de compra, se não se acredita que a empresa vai ser colocada em bolsa.

É verdade que os esquemas de Ponzi também funcionam assim (só sobrevivem enquanto se cresce). É verdade que os dois últimos anos de gestão privada pré-pandemia, foram o período de maiores prejuízos da história da TAP (mais de 300 milhões de Euros). É pois lícito especular que o plano de alguns sempre foi tirar o máximo possível e depois afastar-se com os ganhos. Mas, admitamos que não era esse. Nesse caso, o crescimento acelerado (o maior do mundo naquele período) era só um risco calculado, um risco para a TAP, claro, dado que David Neeleman nada arriscava. Se corresse bem, traria lucros de centenas de milhões a David Neeleman (cerca de 400 milhões), se corresse mal, adeus TAP. Mas o que é que podia correr mal? E depois veio o Covid.

A pandemia

Importa pouco ter a certeza se a pandemia interrompeu um esquema de Ponzi ou uma arriscada jogada do empresário norte-americano. O que é seguro é que a TAP é mais severamente atingida pela pandemia devido às opções impostas por David Neeleman, desde o processo de compra até aos 4 anos de gestão privada da companhia.

Tendo arriscado zero em todo este processo, David Neeleman está inicialmente disponível para receber (não ele, para não ficar com quaisquer responsabilidades individuais, mas a TAP) todo o tipo de apoios do Estado. Mas recusa-se a capitalizar a TAP. Estamos perante o investidor moderno, que só aceita investir o dinheiro dos outros. Quando o Governo PS exige que parte do apoio público implique capitalização, David Neeleman começa a preparar a saída. Vai negociar a sua saída por uma indemnização de 55 milhões de euros. Um maná, para quem nada de seu colocou na TAP, conseguido quando o valor financeiro da empresa era de zero. E que se foi juntar a tudo o que já tinha sido retirado.

Concluindo

Perante este cenário, o deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, já defendeu por diversas vezes na Comissão Parlamentar de Inquérito que a solução seria emprestar o capital necessário à TAP (os 3,2 mil milhões de euros), continuando David Neeleman com o controlo efectivo da empresa. Que fácil é ser capitalista no mundo destes alucinados. Um mundo onde salvar uma grande e estratégica empresa pública é um crime, mas onde existe sempre disponibilidade para enviar dinheiro às pazadas para o bolso de capitalistas e especuladores.

Ora, a conclusão que salta à vista é outra: a TAP não pode continuar a ser sangrada por este tipo de gente, não pode continuar a pagar os lucros que outros fazem com a TAP. É tempo de deixar de ter como única prioridade de gestão da TAP a sua privatização, a quarta tentativa neste caso. É tempo de uma gestão pública capaz e orientada para a defesa do interesse nacional.

Este artigo integra a série de apontamentos sobre a comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui.  

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O «AbrilAbril» já tinha denunciado em 2023 a origem do dinheiro usado por David Neeleman e o facto de o governo do PSD e do CDS-PP ter escondido dos portugueses a forma como a TAP foi «comprada».
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Posteriormente, quando a pandemia se abateu sobre a TAP, e David Neeleman se recusou a capitalizar a companhia aérea, o Governo aceitou pagar-lhe 55 milhões para ele sair da TAP, sem qualquer razão para tal, pois como ficou demonstrado na CPI, os 5 milhões de capital social que adquirira valiam zero nesse momento e as prestações acessórias estavam a ser pagas pela TAP, avião a avião, à Airbus. O relatório recusa-se a ver esta realidade para tentar proteger o PS e até se atreve a justificar esse comportamento.

A proposta de relatório faz ainda uma avaliação tendenciosa do processo de reestruturação espoletado na sequência da pandemia. Foi perfeitamente aceite por todos os deputados da CPI que a Manutenção e Engenharia Brasil era quem empurrava a TAP para resultados líquidos negativos, e que sozinha provocou um buraco de mil milhões de euros entre 2006 e 2021. O relatório também o reconhece, mas sem tirar qualquer conclusão desse facto. A única reestruturação de que a TAP necessitava – além de receber os apoios pelos prejuízos provocados pela pandemia – era libertar-se finalmente dessa unidade e ser ressarcida dos prejuízos que a mesma lhe provocara. Em vez de recomendar uma investigação mais apurada às causas completamente incompreensíveis para que sucessivos governos tenham pactuado com este negócio – denunciado desde 2006 pelos trabalhadores e pelo PCP – o relatório opta por assumir os factos, mas recusar as consequências.

Ficou ainda exaustivamente demonstrado na CPI que o processo de reestruturação tinha ido longe demais, que os despedimentos e cortes salariais tiveram efeitos contraproducentes na companhia. Em vez de recomendar a imediata reversão desses cortes, o relatório opta por um conjunto de declarações piedosas sobre os trabalhadores mas sempre destinadas a validar as razões dos despedimentos e dos cortes

Quem acompanhou a CPI percebeu perfeitamente que a TAP foi gerida, mesmo quando pública, como se se tratasse de um grande grupo económico meramente destinado a gerar lucros para os seus accionistas. A gestão da TAP e a acção de quem a tutelava não se preocupava com gerar emprego de qualidade, com promover a estabilidade laboral, com satisfazer as necessidades estratégicas do País. Mesmo quando era gestão pública, ela imitava o pior da gestão privada, por exemplo com gestores públicos a ganharem 100 vezes o salário mínimo e dez vezes o salário do primeiro-ministro. Mas o relatório, em vez de criticar essa realidade, aceita-a, aceita estes salários, e pede alterações à lei para os legalizar. O relatório aceita a dupla moral em vigor: para os administradores, salários e regalias quase infinitas; para os trabalhadores, sacrifícios e cortes que a coisa está mal. Esta é a dupla moral que serve objectivamente para colocar esses administradores ao serviço de quem alimenta estas lógicas e estes privilégios: a acumulação privada. Uma lógica errada quando nas empresas privadas e que deve ser erradicada das empresas públicas.

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Da indemnização de Alexandra Reis aos tribunais arbitrais

A CPI à TAP foi espoletada por causa do valor da indemnização a Alexandra Reis (os 500 mil euros), que primeiro causou justa indignação pelo elevado valor e depois porque a mesma era manifestamente ilegal.

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

Através da comissão parlamentar de inquérito (CPI) ficou público como foi processado o pagamento desta indemnização ilegal. Os gabinetes de advogados de ambas as partes reuniram, um queria 1,4 milhões de indemnização, o outro queria pagar o mínimo possível, em vez de aplicar a lei negociaram valores, como quem está no mercado, acertaram o valor de 500 mil, passaram as facturas de honorários aos respectivos clientes, e o Estado pagou tudo – honorários e indemnização.

Mas a CPI apurou que exactamente a mesma situação se passou no processo de indemnização a David Neeleman. Este não tinha direito a qualquer indemnização (em 2020 as acções da TAP valiam zero devido à pandemia, e a capitalização que Neeleman realizara fora entregue pela Airbus a troco de uns aviões que a TAP estava a pagar) mas ameaçava que se não lhe pagassem bloquearia a possibilidade de salvação da TAP. Então reuniram-se os dois gabinetes de advogados, entre zero e 224 milhões, estabeleceram um valor que agradasse a ambas as partes, chegaram aos 55 milhões, passaram as facturas dos respectivos honorários, e o Estado pagou tudo, indemnização e honorários.

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Nova privatização da TAP: o crime por detrás de todas as galambadas

É uma velha ciência de ilusionista, um truque clássico exposto por Arséne Lupin e Sherlock Holmes, e todos os que se lhes seguiram no romance policial: as coisas mais secretas fazem-se à luz do dia.

O ministro das Infraestruturas, João Galamba, na comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, na Assembleia da República, 18 de Maio de 2023 
CréditosMiguel A. Lopes / Agência Lusa

Assim está a acontecer com a privatização da TAP. Aparentemente, todo o país anda a discutir a TAP, mas, na realidade, o país anda a ser distraído da TAP enquanto o Governo cumpre a missão de a privatizar, mais uma vez. A começar pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que já fala de tudo menos da TAP, que aprovou na sua última reunião um requerimento para visualizar as imagens das câmaras de segurança do Ministério das Infraestruturas, para avaliar o estado de exaltação do ex-adjunto no dia em que andou tudo à galambada no Ministério. E isto sem desvalorizar a gravidade do que está a acontecer.

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TAP. O negócio Neeleman de 2015

Apesar de BE e PS terem impedido (cada vez se percebe menos porquê) de levar a Comissão de Inquérito à TAP até à privatização de 2015, os trabalhos têm contribuído decisivamente para se perceber os contornos desse negócio.

CréditosNuno Fox / Agência Lusa

Sem uma bola de cristal, não é possível provar intenções. Nunca saberemos se Pires de Lima e Sérgio Monteiro foram enganados por Neeleman ou cúmplices da sua fraude. Eles preferem fingir acreditar que enganaram o empresário americano que ganhou milhões com a operação TAP. Também não é possível provar o que teria acontecido se não se tivesse declarado uma pandemia. Nunca saberemos se o plano de Neeleman era simplesmente inchar a sua operação, retirar tudo o que pudesse e depois desaparecer, ou se a teria levado até uma operação bolsista. O que sabemos é que a estratégia – de alto risco para a TAP e zero risco para ele – adoptada pelo empresário americano tropeça na Covid e arrasta a TAP para o precipício. E que, no final, Neeleman e as suas empresas ganharam muitos milhões com a operação TAP e deixaram-na com um buraco de mais mil milhões de euros do que o que existia antes da sua chegada, para nós pagarmos.

Risco Zero: os capitais usados são da própria TAP

No mundo capitalista, um investidor nunca arrisca mais que os capitais que coloca numa determinada empresa. Ora, David Neeleman não colocou qualquer capital na TAP. Ele viu a oportunidade de tomar o controlo da empresa através de um mecanismo muito simples:

Negociou com a Airbus a compra de 53 aviões (uma compra de cerca de 3,6 mil milhões de euros) e recebeu desta uma comissão antecipada de 230 milhões de euros;

Com esses 230 milhões ele comprou a TAP (que foi vendida por 10 milhões) e usa o resto para fazer a capitalização com prestações acessórias (que mais à frente ainda lhe garantiriam o controlo total e efectivo da empresa, sem ter que simular uma sociedade com Humberto Pedrosa);

Ele transfere para a TAP a obrigação de compra dos 53 aviões, aceitando esta pagar uma multa de 230 milhões se não comprasse os aviões (no fundo, assegurando a devolução da comissão recebida por Neeleman se a TAP não comprasse todos ou parte dos aviões).

Foi este o negócio que o governo PSD/CDS fez, foi este o negócio que esconderam do povo português.

Em bom português, é com dinheiros da TAP, que a empresa está hoje a pagar, com dinheiros que tiveram que ser financiados pelo Estado português, que David Neeleman compra a TAP. O risco patrimonial do «empresário» foi zero.

Ao assalto da TAP

Tomado o controlo da companhia, David Neeleman aproveita para concretizar um conjunto de outras operações que lhe irão trazer uma grande vantagem patrimonial.

Três delas decorrem ainda durante a própria operação de compra com a Airbus, onde é fácil identificar os custos para a TAP. A primeira é a desistência da opção de compra dos 10 A350, que a TAP tinha assegurado a um bom preço por ter participado no processo de desenvolvimento do mesmo. Essa desistência da opção de compra está avaliada em 140 milhões, e implicou o abandono de uma linha de crescimento da operação – para a Ásia, nomeadamente para a China – que estava por detrás da compra desse tipo de aviões. Esta abrupta mudança de planos fica ainda mais estranha se pensarmos que o administrador da TAP que planeou a compra dos A350 (Fernando Pinto) foi o mesmo que foi contratado pela administração privada como consultor, com uma remuneração de 130 mil euros mensais. A segundo será o preço dos aviões que Neeleman negociou, que vários avalistas consideram estar inflacionado, com potenciais perdas para a TAP de 200 milhões. O que pode significar que a TAP, comprando ou não os aviões, devolveria sempre a comissão que a Airbus entregou a David Neeleman. Há ainda uma terceira vertente deste processo, ainda mais difícil de provar sem uma investigação criminal internacional: na mesma altura, Neeleman terá negociado outras aquisições de aviões com a Airbus para empresas de que é ainda hoje proprietário.

Durante os quatro anos de gestão privada, a TAP vai ter com a Azul (de David Neeleman) uma relação subserviente e onde é prejudicada. Vai pagar à Azul para utilizar os seus ATR na ponte aérea, o que rentabilizou uma parte da frota da Azul que não era rentável, mas fez a TAP «optar» por uma má solução, cara e pouco fiável. Vai libertar o aeroporto de Campinas (São Paulo) para que a Azul faça o seu hub de ligação a Portugal, e ainda vai fazer uma operação de code-share para facilitar a difusão destes passageiros pela Europa, colocando em risco a mais rentável das operações TAP, a ligação ao Brasil, em favor do crescimento da Azul nesse mesmo mercado. Vai receber dois aviões muito degradados da Azul, recuperá-los como se fossem seus, e devolvê-los à Azul, uma operação com um custo de largos milhões de euros.

A forma como os administradores privados vão ser remunerados no período de gestão privada é outro elemento que nos mostra os privados a irem ao pote. Além dos 130 mil por mês a Fernando Pinto, temos os milhões pagos a Max Urbanh e a Antonoaldo Neves, e os prémios pagos mesmo com prejuízos anuais superiores a 100 milhões.

A TAP a inchar

Com a entrada de Neeleman na companhia, a TAP é colocada a inchar. Desde logo porque tal é fundamental para absorver e justificar a compra dos 53 novos aviões. É certamente discutível qual a intenção com que esse crescimento foi feito, mas é indiscutível, agora que se conhece o mecanismo de compra da empresa, que esse crescimento era necessário, antes de mais nada, para que Neeleman pudesse ter comprado a TAP.

Reconheça-se que os novos aviões trazem vantagens competitivas importantes à TAP. Gastam menos combustível e são mais ecológicos. Aumentaram a dívida e os compromissos da companhia, mas desde que o crescimento da operação continuasse, não era impossível que a operação se equilibrasse e começasse a dar lucros. E há elementos, apurados pela CPI, que fazem crer que pelo menos alguns dos envolvidos acreditavam nesse cenário (por exemplo, Fernando Pinto recebia um conjunto de opções de compra de acções da TAP numa futura capitalização em bolsa que nessa altura valeriam 7 milhões de euros). Não faz sentido receber, num contrato secreto, opções de compra, se não se acredita que a empresa vai ser colocada em bolsa.

É verdade que os esquemas de Ponzi também funcionam assim (só sobrevivem enquanto se cresce). É verdade que os dois últimos anos de gestão privada pré-pandemia, foram o período de maiores prejuízos da história da TAP (mais de 300 milhões de Euros). É pois lícito especular que o plano de alguns sempre foi tirar o máximo possível e depois afastar-se com os ganhos. Mas, admitamos que não era esse. Nesse caso, o crescimento acelerado (o maior do mundo naquele período) era só um risco calculado, um risco para a TAP, claro, dado que David Neeleman nada arriscava. Se corresse bem, traria lucros de centenas de milhões a David Neeleman (cerca de 400 milhões), se corresse mal, adeus TAP. Mas o que é que podia correr mal? E depois veio o Covid.

A pandemia

Importa pouco ter a certeza se a pandemia interrompeu um esquema de Ponzi ou uma arriscada jogada do empresário norte-americano. O que é seguro é que a TAP é mais severamente atingida pela pandemia devido às opções impostas por David Neeleman, desde o processo de compra até aos 4 anos de gestão privada da companhia.

Tendo arriscado zero em todo este processo, David Neeleman está inicialmente disponível para receber (não ele, para não ficar com quaisquer responsabilidades individuais, mas a TAP) todo o tipo de apoios do Estado. Mas recusa-se a capitalizar a TAP. Estamos perante o investidor moderno, que só aceita investir o dinheiro dos outros. Quando o Governo PS exige que parte do apoio público implique capitalização, David Neeleman começa a preparar a saída. Vai negociar a sua saída por uma indemnização de 55 milhões de euros. Um maná, para quem nada de seu colocou na TAP, conseguido quando o valor financeiro da empresa era de zero. E que se foi juntar a tudo o que já tinha sido retirado.

Concluindo

Perante este cenário, o deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, já defendeu por diversas vezes na Comissão Parlamentar de Inquérito que a solução seria emprestar o capital necessário à TAP (os 3,2 mil milhões de euros), continuando David Neeleman com o controlo efectivo da empresa. Que fácil é ser capitalista no mundo destes alucinados. Um mundo onde salvar uma grande e estratégica empresa pública é um crime, mas onde existe sempre disponibilidade para enviar dinheiro às pazadas para o bolso de capitalistas e especuladores.

Ora, a conclusão que salta à vista é outra: a TAP não pode continuar a ser sangrada por este tipo de gente, não pode continuar a pagar os lucros que outros fazem com a TAP. É tempo de deixar de ter como única prioridade de gestão da TAP a sua privatização, a quarta tentativa neste caso. É tempo de uma gestão pública capaz e orientada para a defesa do interesse nacional.

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As acusações são graves – roubo, sequestro, ameaças físicas, agressões, utilização indevida dos Serviços de Informações da República – mas para o esclarecer existem o Ministério Público e a Polícia Judiciária. O país não funciona à base de comissões parlamentares transmitidas em directo. Ou não devia funcionar.

A demissão do presidente da Comissão de Vencimentos da TAP foi tratada da mesma forma. O ministro pressionou, ou não pressionou, o Presidente da Comissão de Vencimentos (PCE)? Quando as questões de fundo são outras: para que servem as Comissões de Vencimentos que, nas palavras do deputado Bruno Dias «não passam de mecanismos para construir de forma aparentemente independente salários verdadeiramente escandalosos para os administradores das Empresas»; como justificar um salário de 420 mil euros anuais (o que propõe a dita Comissão) ou de 500 mil euros anuais (que recebia a anterior PCE e foi prometido ao novo PCE), ambos acrescidos de alcavalas que praticamente os duplicam! Ordenados mais de 10 vezes maiores que o ordenado do Primeiro-Ministro ou de qualquer gestor público de topo! Para mais, numa empresa que está a aplicar cortes salariais aos seus trabalhadores e que está a ficar com aviões em terra porque se recusa a pagar salários dignos a trabalhadores altamente especializados.

Aliás, sobre a contratação do novo PCE, outro facto relevante ontem exposto, através de uma pergunta do PCP, é que também não assinou o contrato de objectivos que é obrigatório por lei. Isto é, o Governo parece nada ter aprendido com este processo, repetindo os mesmos erros – ou a mesma afronta à lei que rege o sector público – na contratação dos novos administradores da TAP.

A nova privatização da TAP

A reunião da CPI até começou bem. Calhou a vez ao PCP de ser o primeiro a intervir, centrando-se na denúncia e questionamento da tarefa que mantém Galamba no Governo: privatizar a TAP. Uma privatização, como denunciou o PCP «feita, mais uma vez, nas costas do povo português, apesar desta ilusão de que todos os dias falamos da TAP, quando na realidade falamos de tudo menos da TAP.» Mas foi sol de pouca dura: a intervenção seguinte, do BE, logo ajudou a recentrar o debate no minuto exacto em que o Ministro telefonou para a Ministra.

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TAP: os privados no assalto ao pote

Na audição ao presidente da Comissão de Vencimentos ficou a ideia de que, numa gestão privada, se o accionista maioritário quiser ir ao pote, o papel da Comissão é estender-lhe o pote. Edificante.

CréditosMiguel A. Lopes / Agência Lusa

Ontem, o dia começou marcado por mais uma polémica artificial na comissão parlamentar de inquérito à TAP. O Governo recusou o envio de alguma documentação solicitada pelos grupos parlamentares, respondendo à comissão que entendia que esses documentos estavam fora do âmbito do inquérito. A dramatização e a ameaça foram subindo de tom ao longo do dia, com PSD e Chega a destacarem-se nesse campeonato.

Ao fim da tarde, o nível já tinha descido até o PSD ameaçar os outros deputados da comissão com queixas crime se se atrevessem a não aprovar a sua moção (basicamente, que fosse enviado para o Presidente da Assembleia da República uma queixa contra o Governo, em vez de responder ao Governo que a comissão não concordava com os seus argumentos e exigia os documentos solicitados). Ocasião aproveitada pelo deputado Bruno Dias para sublinhar que o PSD preferia a queixa ao documento, e que não são a verdade nem o apuramento de factos que o movem.

Depois de mais de uma hora de reunião, a comissão lá decidiu que o Governo (como qualquer outra entidade) tinha direito a ter opinião sobre a legalidade do envio de determinada documentação (por exemplo, os escritórios de advogadas recusaram entregar documentação, e o PSD ou o Chega nem protestaram), que a comissão tinha o direito de apreciar essa opinião e agir em conformidade, e que nesse sentido se iria informar o governo que deveria entregar os documentos solicitados. O PSD votou contra.

Só depois desta longa introdução se entrou na agenda do dia, que consistia na audição do actual presidente da Comissão de Vencimentos.

O grupo parlamentar do PS fez questão de demonstrar que os salários dos administradores da TAP no período pós recuperação do controlo público da gestão da TAP (2020-2023) eram inferiores aos salários dos administradores no período de gestão privada (2016-2020). O que é verdade e ficou demonstrado. Mais à frente ficaria também demonstrado que esses salários, no segundo período, eram ainda assim muito superiores aos praticados nas empresas públicas (o salário máximo numa empresa pública é o salário do primeiro-ministro, lembrou o PCP, cerca de oito vezes o salário mínimo nacional, enquanto o actual salário mensal da CEO da TAP supera os 53 salários mínimos).

Esta imoralidade é sempre justificada – e foi-o mais uma vez pelo presidente da Comissão de Vencimentos – se as empresas forem privadas, pois aí são os seus accionistas quem decide e quem paga esses salários. Ao que o PCP contrapôs que, desde logo no caso da TAP, quem pagou tudo o que os privados tiraram da TAP foi o povo português. E o mesmo acontece nas restantes empresas, de forma menos directa nuns casos, de forma igualmente directa no caso dos Bancos, por exemplo. Ou já nos esquecemos dos 21 mil milhões gastos a tapar os buracos da especulação e corrupção na banca?

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Para que serve a CMVM? Para proteger capitalistas e especuladores?

A Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP ouviu ontem o presidente da CMVM que, logo a abrir, fez questão de explicar que não poderia responder às perguntas cuja matéria estivesse relacionada com esse processo.

Luís Laginha de Sousa, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, na Assembleia da República, Lisboa, 13 de Abril de 2023 
CréditosAntónio Pedro Santos / Agência Lusa

O presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Luís Laginha de Sousa, justificou esta atitude alegando que, tendo aberto um processo à TAP na semana anterior, o mesmo se encontrava sob segredo de justiça. Por essa razão, não poderia responder às perguntas cuja matéria estivesse relacionada com esse processo. Ou seja, não podia responder às perguntas que tinha ido ali para responder mas, de resto, responderia a tudo o que quisessem.

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Presidente não executivo da TAP: corte nos trabalhadores «foi até ao osso»

Na audição de Manuel Beja ficou mais uma vez demonstrado que a administração e o Governo agiram na TAP como se de uma empresa privada se tratasse, conjunturalmente com uma maioria de capital nas mãos do PS.

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

A sessão começou com o PCP a questionar a legalidade e a motivação da forma adoptada para encetar a reestruturação da TAP: quando a empresa passa a estar 100% sobre capital público, no final de 2021, a TAP SA sai da TAP SGPS, ficando as suas acções na Direcção-Geral de Tesouro e Finanças (DGTF), enquanto as acções da TAP SGPS ficam, maioritariamente, na Parpública, deixando a TAP SA de consolidar as suas contas na TAP SGPS, apesar de o seu capital ser todo público e a tutela financeira ser a mesma, e a Parpública até existir para gerir as participações sociais do Estado. Duas empresas artificialmente colocadas como juridicamente independentes, mas que mantêm a mesma administração, que produziam acordos assinados nas duas partes pelas mesmas pessoas, e que mantinham relações estreitas umas com as outras. Um artificialismo similar ao usado no processo de «nacionalização» para reprivatizar o BES.

Para confirmar o artificialismo, Manuel Beja ainda adiantou que «agora, é preciso transferir a Cateringpor, a Portugália e a UCS para a TAP SA», deixando na SGPS apenas a Manutenção Brasil, a SPDH e uma grande parte do passivo, o que levou o PCP a sublinhar não ser estas as formas de gerir empresas públicas.

Perante a evidente ilegalidade da situação em que os administradores da TAP aceitaram ser colocados pelo Governo, risco que aliás Manuel Beja chega a reconhecer em comunicações com a tutela, a resposta do próprio foi a de que: temos pareceres jurídicos que dizem que a coisa se pode fazer. Aliás, uma das questões que se destacou ao longo da noite e das sucessivas respostas a várias questões foi o recurso sistemático a auditorias e assessorias externas pela administração da TAP, que apareciam em cada tema abordado: o acordo de saída de Alexandra Reis é ilegal, mas nós agimos de boa-fé com base em duas assessorias jurídicas externas contratadas pela TAP; a Auditoria ao pagamento de prestações eventualmente ilegais, como as detectadas ao administrador da gestão privada Max Urbahn, está encomendada a uma empresa externa; o processo de encerramento da Manutenção Brasil está encomendado a outra assessoria externa; o contra-parecer ao parecer da DGTF? Encomendado a um gabinete externo; a nomeação de dois directores não executivos? Encomendada a três empresas de recrutamento de gestores. E assim sucessivamente.

Uma postura na gestão que, desde logo, procurava ilibar os administradores de toda a responsabilidade pelas decisões e suas implicações e que subjacente à lógica que as soluções jurídicas se compram e quem mais tem mais consegue torcer a lei a seu favor. Por outro lado, também assenta na desvalorização dos serviços jurídicos e administrativos da TAP, em muitos casos destruídos pela política de redução de trabalhadores.

Confrontado por Bruno Dias, que criticou a forma como são ignorados e desconsiderados os especialistas em direito que estão nas empresas do sector público e sublinhou que o gabinete jurídico da TAP nunca teria dado um tão mau aconselhamento jurídico como o que produziu o Acordo de Alexandra Reis, Manuel Beja lá acabou por reconhecer que o corte nos trabalhadores «foi até ao osso», descapitalizando a TAP em muitos sectores. Ao que o PCP ripostou que se essa lição for tirada, para algo já terá servido a Comissão de Inquérito.

Dos riscos assumidos pelos gestores também se voltou a falar, a propósito da subscrição de seguros de responsabilidade corporativa com uma cobertura inicial de cinco milhões de euros, depois alargada a 100 milhões. Primeiro, Manuel Beja tentou desvalorizar a questão, garantindo que a mesma se destinava a cobrir custos provocados por processos com acidentes aeronáuticos, mas quando lhe recordaram que Alexandra Reis admitia usar esse seguro para processar o Estado, e lhe pediram que, em coerência, garantisse que não tinha essa intenção, Manuel Beja recusou-se a assumir tal compromisso. Como o conteúdo e custos concreto dos seguros já está requerido, iremos mais à frente poder tirar ilações sobre o assunto.

Os sucessivos momentos em que a administração da TAP solicita a orientação da tutela (nomeadamente sobre a elaboração de contratos de gestão e nomeação de administradores em falta) e esta não responde, mostram que, a par de uma intervenção na gestão corrente inapropriada em questões menores, o poder político aparece mais preocupado com a gestão política do dossier TAP do que com a criação de condições para o funcionamento regular da empresa.

Mais uma vez ficou demonstrado que a administração e o Governo trataram a TAP como se esta não fosse uma empresa pública, agindo como se de uma empresa privada se tratasse, conjunturalmente com uma maioria de capital nas mãos do PS.

Esta audição revelou outras questões com interesse, como a Manutenção Brasil, cujo encerramento Manuel Beja considera ser a grande vitória desta administração. Uma empresa que nunca deveria ter sido comprada, e que já custou à TAP, a fazer fé nos seus Relatórios e Contas, mais de 1,4 mil milhões de euros. Como sublinhou Bruno Dias, o prejuízo causado à TAP pela Manutenção Brasil foi superior ao prejuízo provocado pela pandemia, o que talvez justifique uma Auditoria a este processo, confirmando os alertas que os trabalhadores fizeram desde a compra, em 2006, deste «cancro» (nas palavras de Manuel Beja) para a TAP.

Este artigo integra a série de apontamentos sobre a comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui.  

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Questionado sobre as razões que o levaram a não informar antecipadamente a CPI dessa questão, para que esta pudesse solicitar o levantamento do segredo de justiça, o presidente, e os dois advogados que o ladeavam, confessaram-se inocentemente distraídos. Distração ou cinismo? Cada um tirará a sua conclusão.

O resto foi um debate de suponhamos. Suponhamos que numa empresa o administrador renunciava, mas a informação à CMVM estava incorrecta e se essa incorrecção fosse pública, que faria a CMVM? Nesse caso a CMVM mandaria corrigir a informação. Suponhamos que uma informação chega à CMVM assinada pelo CFO. Quem, nesse caso, seria responsável pelo conteúdo? Nesse caso seria o emitente. O emitente individual ou colectivo? Colectivo. Suponhamos que um Relatório e Contas contém falsidades, que faria a CMVM? Exigiria uma informação ao mercado a corrigir a falsidade.

Entretanto, na intervenção final, Bruno Dias, deputado do PCP, apresentou um conjunto de exemplos concretos de informações incorrectas, incompletas ou mesmo falsas à CMVM, relativos a uma empresa privada (a Galp), e onde a CMVM nada fez (nem tal facto alguma vez incomodou os partidos que tão indignados estão com essa prática na TAP). E fê-lo, questionando se, no fundo, não é normal essa forma de funcionamento do mercado e das empresas privadas, esse tipo de informação adocicada, redigida por escritórios de advogados. No fundo, questionando esse modelo, todo errado, todo cínico, e onde o caso da informação da TAP à CMVM é só um pequeno exemplo, muito amplificado, do modo de funcionamento do mercado de capitais.

Durante as inquirições iniciais, o presidente da CMVM recusou-se a responder a perguntas sobre comportamentos anteriores a 29 de Maio de 2019, ou seja, ao essencial dos comportamentos durante a gestão privada da TAP, muito mais graves do que os que agora motivaram o processo contra a TAP. E só a partir de 29 de Maio pois apenas nesse dia, com o lançamento de obrigações cotadas em bolsa (uma espécie de empréstimo à TAP feito por privados e colocado na especulação), a empresa passou a estar abrangida pelos deveres de informação à CMVM.

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TAP: quando o que se sabe é que é melhor não saber

Mais uma vez, o que ficou verdadeiramente exposto foram as taras da gestão privada e o facto de a TAP ter sido sempre gerida como se de uma empresa privada se tratasse.

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

A audição a Alexandra Reis deixou perfeitamente claro que esta nunca deixou de se considerar numa empresa privada. Tendo sido contratada para directora da TAP durante a gestão privada (com um ordenado mensal de 12 mil euros) e tendo sido cooptada (primeiro) e eleita (depois) para a administração da TAP por proposta do accionista privado (com um salário base de 25 mil euros), Alexandra Reis (o Governo e a restante administração) escolheu ignorar que a 2 de Outubro de 2020 a TAP passou a integrar o Sector Empresarial Público, e a estar obrigada ao Estatuto do Gestor Público e ao Regime Jurídico do Sector Empresarial Público.

A «defesa» de Alexandra Reis assentou no facto de o apoio jurídico que recebeu não a ter alertado para as implicações de tal decisão. Como a ignorância da lei não justifica a sua violação, falta validade a esta «defesa». Mas falta também muita credibilidade, principalmente vindo de alguém que, como reconheceu ontem, leu o Decreto-Lei 39B-2020 quando foi publicado, onde se explicitavam as obrigações e excepções a que a TAP ficava obrigada. Por outro lado, três meses depois, assim que chegou à NAV, pediu para assinar o tal contrato de gestão pública que nunca assinou na TAP, considerando uns meses depois estar habilitada a aceitar a tarefa de supervisionar as 143 empresas do Sector Empresarial Público na Secretaria de Estado do Tesouro.

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Audições confirmam: problema da TAP foi gestão privada

Apesar da tentativa inicial de BE e PS, de limitar a comissão de inquérito à gestão desde 2020, têm ficado claros os desmandos da gestão privada, as centenas de milhões de euros de prejuízos que provocou à TAP e os danos, igualmente gigantescos, de se ter mantido uma gestão de tipo privado numa empresa pública.

Avião da TAP, no Aeroporto Humberto Delgado 
CréditosMário Cruz / Agência Lusa

29 de Março. Audição da IGF confirma: problema na TAP foi a gestão privada e a gestão de tipo privado

A primeira audição na Comissão de Inquérito foi à Inspecção-Geral de Finanças (IGF), ao inspector-geral, António Manuel Ferreira dos Santos, e serviu para fixar um conjunto de questões que já estavam claras, a saber:

Alexandra Reis foi contratada para directora da TAP a 18 de Setembro de 2017 pela gestão privada da companhia, com um contrato por tempo indeterminado e com um ordenado de 12 mil euros mensais, acrescido de um prémio de assinatura de 24 mil, um plano de saúde e de reforma, até 29 dias de férias, entre outras regalias.

A fórmula negociada pelo Governo PS para o capital da TAP, 50% Parpública, 45% Gateway, 5% trabalhadores, em que a Gateway detinha a maioria dos direitos sociais e económicos, mantinha a empresa fora do Regime do Sector Público.

A 30 de Setembro de 2020, Alexandra Reis foi cooptada para administradora, indicada pelo accionista privado, com um ordenado de 25 mil euros mensais, e outras regalias.

A IGF considera que, a partir de 2 de Outubro de 2020, a TAP, com a compra dos 22,5% de David Neeleman pela DGTF, é reincorporada no sector empresarial público.

O Decreto-Lei n.º 39-B/2020, que «Autoriza o Governo a adquirir participações sociais, direitos económicos e prestações acessórias relativas à TAP», prevê excepções à aplicação do Estatuto do Gestor Público e do Regime Jurídico do Sector Empresarial Público na TAP. Concretamente, exclui a aplicação de todo o capítulo VI do Estatuto, sem o que seria impossível o pagamento do tipo de salários que são pagos ao Conselho de Administração da TAP. Os administradores da empresa ganham cinco a sete vezes o salário do primeiro-ministro (máximo legal para um administrador do sector público), e que só é legal devido à excepção que o Governo colocou na Lei.

Em 9/1/2022, a cessação de funções na administração e a rescisão do contrato de trabalho surge na sequência da alteração da estrutura accionista, por saída do accionista privado que tinha indicado Alexandra Reis. Nessa sequência, foi celebrado o «Acordo de cessação de relações contratuais», a 04/02/2022. Uma prática comum numa empresa privada, mas ilegal numa empresa pública.

A demissão de Alexandra Reis foi tratada como se a TAP fosse uma empresa privada, sem observar o previsto no Estatuto do Gestor Público e no Regime Jurídico do Sector Empresarial Público. Exactamente como a EDP ou a Petrogal trataram recentemente a saída de administradores. Essa era uma prática corrente na TAP, com várias outras decisões tomadas à revelia das obrigações de uma empresa pública, mas a IGF só investigou os factos referentes a esta situação.

Sintetizando: estamos perante um problema criado pela gestão privada da TAP, agravado pelo facto de a empresa, quando regressou à esfera pública, ter continuado a ser gerida como se fosse uma empresa privada; estamos perante um conjunto de comportamentos que, sendo legais e habituais nas grandes empresas privadas (salários imorais, indemnizações escandalosas e privilégios absurdos para os administradores), não são possíveis nas empresas públicas.

O que está na origem deste tipo de problemas não é o facto de a TAP ser pública. É a privatização e o ser administrada como se fosse uma empresa privada. Acabar com estas práticas exige manter a empresa na esfera pública, e pôr fim às normas que a excepcionam do cumprimento de algumas regras exigidas ao Sector Público.

30 de Março. CFO TAP confirma que privados custaram muitos milhões à TAP

Revelou-se mais interessante do que se esperava a audição com o CFO (responsável financeiro) da TAP, Gonçalo Pires.

Esqueçamos o PSD, o Chega e o BE. O centro das suas preocupações era envolver o CFO da TAP no processo de Alexandra Reis e conseguir mais um escalpe. Esqueçamos o PS, cuja única preocupação era a oposta. Intermináveis questionamentos sobre o modo, a forma, o momento em que Gonçalo Pires tomou conhecimento da decisão. Por seu lado, a IL vinha com uma postura mais ideológica, centrada na pretensa preocupação com o dinheiro que «os portugueses enterraram na TAP», e saiu tosquiada, perante a evidência que o próprio questionado apresentou do muito que a empresa contribui a cada ano para a economia nacional: mais de mil milhões em compras de produtos e serviços portugueses; quase 400 milhões em salários directos pagos em Portugal e 3,2 mil milhões de vendas anuais, 80% delas exportações, etc. Também curiosa a denúncia da IL de que a TAP estava a beneficiar das alterações às regras do reporte fiscal, que essa mesma IL apoiou e defende, mas pelos vistos apenas para ser usado para reduzir os impostos das empresas privadas.

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Comissão parlamentar de inquérito à TAP

O AbrilAbril dá início a uma série de apontamentos decorrentes da comissão de inquérito à TAP e do desmando da gestão privada. Esta segunda-feira falamos das contribuições para a Segurança Social. 

Créditos / AR Parlamento

Apesar da tentativa inicial de BE e PS, de limitar a Comissão de Inquérito à gestão desde 2020, tem ficado claro o desmando da gestão privada, as centenas de milhões de euros de prejuízos que provocou à TAP e os danos, igualmente gigantescos, de se ter mantido uma gestão de tipo privado numa empresa pública.

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TAP: a história do saque que a Comissão de Inquérito não irá apurar - parte II

Nesta segunda parte do dossier sobre a TAP procura-se, mais uma vez, dar contexto à actualidade. A TAP como a conhecemos não é uma mera consequência de má gestão. É sim o resultado de uma opção política de delapidação que muitos não querem abordar.

O negócio com a Swissair falhou, falhou a entrega de um sector estratégico, mas a TAP, apesar de resistir na esfera pública, ganhou uma estrutura que a fragilizou e passou a ser alvo da mais profunda instrumentalização. Desde o modelo de negócio aplicado até à compartimentação de sectores da empresa, a companhia aérea reunia todas as condições para salvaguardar os interesses dos grandes grupos económicos em detrimento dos interesses do Estado.

Prova que, apesar de durante algum tempo desaparecer do radar a privatização imediata da TAP, os objetivos centrais não desapareceram, e a privatização da TAP - Serviços Portugueses de Handling (SPdH) dá-se em 2003, tendo como tiro de partida o Decreto-Lei n.º 57/2003, de 28 de Março que alterava, pela segunda vez, o Decreto-Lei que aprovava as fases de reprivatização. 

Esse documento afirmava serem «conhecidas as vicissitudes que impediram que chegassem a bom termo as negociações havidas entre o Governo e o SairGroup» e que «tais motivos explicam que o processo de reprivatização da TAP, tal como se encontra delineado, tenha de ser sujeito a alguns ajustamentos». Como tal, havendo que «aproveitar a capacidade da TAP na área de negócio da assistência em escala», recomendava «que comece por esta a abertura do capital da empresa ao sector privado». O governo considerava que se tratava de uma «actividade crítica para o negócio do transporte aéreo, a alienação de uma participação dominante no capital da sociedade» e que o «encaixe financeiro» dessa alienação do capital social contribuiria para «o saneamento económico da TAP, criando condições para que a reprivatização do seu capital possa prosseguir em termos mais favoráveis». Ou seja, privatizando a TAP SPdH, ganhava-se uma almofada financeira para conter os prejuízos do falhanço da privatização à SairGroup (Swissair) e preparava-se a empresa para ficar outra vez atrativa para nova tentativa de reprivatização. 

Esta privatização da TAP SPdH ganha forma com o Decreto-Lei Nº 87/2003 de 26 de Abril que «constitui a sociedade gestora de participações sociais TAP», definindo o valor das acções representativas da totalidade do capital social e transformando a TAP numa Holding com administração comum às 3 empresas. Considerava que «a sociedade tem por objecto a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas» e que «pode prestar serviços de administração e gestão a sociedades em que detenha participações, nos termos legalmente admitidos». 

Na senda dos estranhos negócios

Neste seguimento, surge então em 2003 a Resolução do Conselho de Ministros 166/2003, de 3 de Novembro que aprovava a privatização da TAP SPdH, mediante concurso público internacional. A venda seria de 50,1% do capital social e os interessados teriam de apresentar um caderno de encargos e o seu modelo de negócio. O comprador acabou por ser a Globalia, uma Holding espanhola que detinha a Air Europa e ofereceu 80 milhões de euros pela parte que estava a ser vendida. A Portugália Airlines passou também a controlar 6% das acções. Em 2005 TAP SPdH passa a denominar-se Groundforce.

Importa recordar que este processo de privatização da TAP SPdH começou com a desculpa de que o negócio com a Swissair tinha falhado. Uma desculpa até porque as normas comunitárias não permitiam duas operadores de handling, uma da gestora aeroportuária e outra da maior companhia aérea. Serviria alegadamente para conter os prejuízos causados pela preparação da privatização. A questão é que, passados três anos, já com o governo de José Sócrates, a TAP, a tal companhia aérea que estava a lutar pela sobrevivência e cuja privatização seria crucial para a manutenção da sua existência, comprou 99,81% da Portugália Airlines, a companhia aérea do Grupo BES, por 140 milhões de euros, e também os 6% das acções desta na Groundforce, por 4 milhões de euros. No fundo, o governo PS fez o favor ao Grupo BES (GES), cujo presidente, António Luís Roquette Ricciardi, dizia que o processo «vinha ao encontro do processo de reestruturação da área não financeira» do grupo. 

Esta foi uma decisão estranha à luz de uma suposta boa gestão que se queria vender e as seguintes não lhe ficaram atrás. Em 2007, a TAP compra duas empresas brasileiras: VEM (Varig Engenharia e Manutenção) e a Varig Log (Varig Logística), por 62 milhões de dólares. Aparentemente, as compras destas duas empresas entravam numa suposta estratégia, segundo Fernando Pinto, empresário-luso brasileiro que à data era director-executivo da TAP, mas o enquadramento dessa estratégia era difícil de entender, ainda para mais num processo que durou dois anos (entre 2005 e 2007). À data, Fernando Pinto dizia ser «uma oportunidade única» e que seria «um dos investimentos de que o grupo TAP se irá orgulhar no futuro». No entanto, em 2018, acabou por considerar que «não foi um bom negócio» e foi constituído arguido por gestão danosa. Em 2021, o prejuízo da TAP desse ano é imputado em quase mil milhões a limpar a negociata com a ex-VEM, isto depois de quase 500 milhões de euros de prejuízos imputados às contas da TAP ao longo dos anos.

A compra da VEM-Varig Log foi feita através da criação de uma nova empresa, a Aero-LB Investimentos, cuja participação passaria a ser integrada no grupo TAP. De forma a ter a liquidez necessária para avançar com o negócio, entra em cena Stanley Ho, empresário macaense ligado ao jogo, e através do fundo de investimento Geocapital, também de Macau, ficaria com uma parte da Aero-LB, juntamente com um empresário brasileiro. Este esquema serviria para contornar a legislação brasileira que determinava que o capital estrangeiro apenas podia deter 20% das empresas de aviação brasileiras. Eram assim compradas 95% das acções ordinárias da Varig Log e 90% das acções ordinárias da VEM. 

A VEM passa então a chamar-se TAP – Manutenção e Engenharia Brasil, SA e, como não podia deixar de ser, a suposta causa para o negócio tinha sido o facto da Viação Aérea Rio-Grandense (Varig), a quem pertenciam a VEM e a Varig Log, estar em falência com dívidas que chegavam aos 5,7 mil milhões de reais. Isto levou a que a compra das empresas se tornasse tóxica e a TAP, que poderia ter dado lucro, apresentou mais uma vez prejuízos pelo dinheiro que teve que injectar. 

Como se tal não fosse suficiente, em 2008, a TAP teve de recomprar as acções da SPdH à Globalia, que era o accionista maioritário, por 31,6 milhões de euros. A recompra foi inicialmente relatada como uma novela porque supostamente a TAP (que detinha 49,9% da empresa) e a Globalia (que detinha 50,1%) não chegavam a entendimentos na nomeação de administradores. Toda essa novela foi a desculpa perfeita para Globalia admitir que queria vender a sua participação da SPdH/Groundforce, mas num primeiro momento recusou vender à TAP. Foi necessário que tanto o governo português como o governo espanhol se chegassem à frente para mediar o conflito entre as duas partes. As justificações da Globalia até poderiam parecer válidas para a guerra entre accionistas, mas em 2007 a Groundforce anunciou aos trabalhadores perdas de 15 milhões de euros, contra lucros de 7,4 milhões em 2006. Neste sentido, e agarrada a uma empresa que dava prejuízos, a Globalia via-se obrigada a vender a sua participação num negócio que custou à TAP 31,6 milhões de euros. A gestão revelou-se desastrosa, criou um caos na operação que teve custos para a TAP e retirou rentabilidade à SPDH. A TAP comprou a empresa para a sanear das consequências da privatização.

Os negócios iam sendo cada vez mais ruinosos e se tais acções correspondiam a uma alegada estratégia empresarial, essa estratégia não estava desligada (nem podia estar) das opções políticas que eram feitas e alheias ao interesse nacional. A verdade é que foi cada alteração legislativa que deu azo a cada processo. A TAP constituía uma empresa que era moldável aos grandes interesses económicos. Basta ver que, mais uma vez, com o negócio ruinoso da Gourdforce, a TAP acabava o ano de 2008 com perdas, na ordem dos 285 milhões de euros, a que acrescia um prejuízo de perto de 27 milhões de euros da Groundforce. A solução para todo esse prejuízo voltava a ser a redução de custos, sempre com os trabalhadores na mira e com o definhamento operacional da empresa. Os prejuízos de 2088 são devidos a dois factores: a factura dos combustíveis da TAP aumentou 67 por cento, passando de 421 para 703 milhões de euros; os prejuízos trazidos para a TAP pela SPDH, a Portugália e a Manutenção Brasil.

O Pacto de agressão que agredia a TAP

Em 2009 dá-se então uma das maiores crises económicas que há memória, a crise da dívida pública da Zona Euro, e Portugal, um país claramente enfraquecido pela integração europeia, pelo enfraquecimento do seu aparelho produtivo e pela adopção da moeda única, não lhe escapou. O Governo de José Sócrates toma a opção política de chamar a Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), e o resultado foi a imposição do dogma neoliberal que tinha como mote o empobrecimento geral dos trabalhadores e a redução do peso do Estado. 

A 17 de Maio de 2011 foi assinado o Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica, também conhecido como Pacto de Agressão, considerando que o seu conteúdo não era revitalizar o país, mas sim subjugá-lo ainda mais aos grandes grupos económicos e tornar Portugal um país ainda mais dependente e sem instrumentos de soberania. Esse documento, elaborado ao abrigo do Regulamento do Conselho (UE) n. ° 407/2010 de 11 de Maio de 2010, que estabelece o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, era um autêntico tratado de ataque e o ponto relativo às privatizações demonstrava isso mesmo: «O Governo acelerará o programa de privatizações. O plano existente para o período que decorre até 2013 abrange transportes (Aeroportos de Portugal, TAP, e a CP Carga), energia (GALP, EDP e REN), comunicações (Correios de Portugal), e seguros (Caixa Seguros), bem como uma série de empresas de menor dimensão. O plano tem como objectivo uma antecipação de receitas de cerca de 5,5 mil milhões de euros até ao final do programa, apenas com alienação parcial prevista para todas as empresas de maior dimensão. O Governo compromete‐se a ir ainda mais longe, prosseguindo uma alienação acelerada da totalidade das acções na EDP e na REN, e tem a expectativa que as condições do mercado venham a permitir a venda destas duas empresas, bem como da TAP, até ao final de 2011». Era muito claro e relativamente à TAP ficava explícita a pressão feita e se PS não se fez rogado, PSD e CDS muito menos. 

O ano de 2011 marca o início do Governo PSD/CDS que tinha o objectivo dar a machadada final no processo de contra-revolução e a intensificação da política de terra queimada. A TAP entrava naturalmente nesse plano, algo que já estava identificado anteriormente. Para a Troika, alegadamente, o problema era a existência de uma empresa pública que absorvia milhões de euros aos contribuintes e não a acção política que provocava todo essa absorção.

Se a Troika dava uma indicação, então PSD e CDS cumpriam como bons alunos que eram e com base no Memorando de Entendimento chegou a hora de vender a TAP, iniciando-se em 2012 um novo processo de privatização. Importa dizer que o Programa do XIX Governo Constitucional, no capítulo de Tesouro e Finanças, apontava como objectivo «Alienar também a totalidade das participações na TAP» e no ponto sobre Transportes, Infra-estruturas e Comunicações, definia o modelo de privatização da TAP dentro dos parâmetros da «manutenção da imagem de “companhia-bandeira”», mantendo as «suas principais operações baseadas no aeroporto de Lisboa» e assegurando o «serviço de transporte aéreo para as ilhas». A par disto definia-se que o processo de privatização da TAP teria de ser articulado com a privatização da ANA - Aeroportos de Portugal.

O ano de 2012 passava assim a ser um ano bastante perigoso para a aviação civil e danoso para o interesse nacional. É nesse ano que se volta a privatizar a Groundforce a Alfredo Casemiro, dono do Grupo Urbanos e que, com a PASOGAL, adquire 50,1% da empresa. Sabe-se hoje que o dinheiro usado por Alfredo Casemiro para realizar a operação na realidade não foi logo para os cofres do Estado. Ou seja, Alfredo Casemiro só pagou 3,7 milhões de euros pela empresa em 2018, seis anos depois da entrada no capital, decidida no governo de Passos Coelho. Até completar o pagamento recebeu 7,6 milhões de euros em comissões de gestão, o que significa que a Groundforce foi oferecida.

Foi também em 2012 que o governo PSD/CDS avançou para a privatização ANA - Aeroportos de Portugal. Com o Decreto-lei 232/2012, de 29 de Outubro foi aprovado o processo de privatização da empresa responsável pela gestão de aeroportos em Portugal. Nesse decreto constava que os objectivos do governo eram «a maximização do encaixe financeiro», o reforço da posição competitiva, do crescimento e da eficiência da ANA, S. A., em benefício do sector da aviação civil portuguesa, da economia nacional e dos utilizadores e utentes das estruturas aeroportuárias» e «a minimização da exposição do Estado Português aos riscos de execução relacionados com o processo de privatização». Um bolo que definia uma suposta alienação de 100% da empresa. Já a Resolução do Conselho de Ministros 94-A/2012, de 14 de Novembro definiu os moldes, mas em jeito de curiosidade, sendo o governo um fiel seguidor do dogma neoliberal, e fervoroso adepto da competição no mercado, só venderia a ANA a alguém que fosse «operador ou o maior acionista e controlador de operador de um aeroporto com tráfego superior a 10 milhões de passageiros por ano», ou seja, a um grande grupo económico.

O governo, como estava escrito na Resolução do Conselho de Ministros, procedeu a um levantamento de empresas na área da aviação civil e aeroportos e acabou por ser a Vinci a ganhar a corrida. Em 2013 a Comissão Europeia aprovou o negócio e como consta no comunicado da ANA, a Vinci conseguia assim a «aquisição de títulos da ANA, a empresa concessionária, pelo prazo de 50 anos, dos dez aeroportos de Portugal». Segundo Maria Luís Albuquerque, a então Ministra das Finanças, 1.200 milhões de euros serviriam para «cobrir o 'fee' de concessão», 700 milhões de euros era «o valor da dívida da ANA» e 1.200 milhões correspondia «ao 'equity value' da ANA», sendo que esse valor seria imputado à amortização de dívida pública. Ou seja, o que poderia ser um activo rentável ao Estado durante 50 anos, passou a ser rentável para um privado e o Estado apenas garantia o pagamento de juros da dívida. Veja-se que PSD/CDS venderam a ANA por 3,08 mil milhões e em 2022 a Vinci registou um aumento de 64% dos lucros para os 4,26 mil milhões de euros. Hoje a Vinci (que teria que cumprir os interesses nacionais) recusa as opções mais viáveis para um novo aeroporto e essa operação.

Voltando à TAP, também em 2012 é aprovado o Decreto-lei 210/2012, de 21 de Setembro que aprovava a 3.ª e a 4.ª fases do processo de reprivatização indireta do capital social da TAP. Este decreto ia ao encontro do exposto no Programa do Governo e, de uma forma algo estranha, dava a 1º e 2ª fase da reprivatização da altura do governo Guterres como concluída. Tal processo avançou com alguma rapidez até porque o único interessado era Germán Efromovich, empresário com nacionalidade colombiana, brasileira e boliviana, presidente da holding Synergy Group, fundador e dono da OceanAir Linhas Aéreas em 2002, que viria a chamar-se Avianca Brasil em 2007, depois da compra da colombiana Avianca em 2004. 

Apesar do governo estar empenhado para vender a TAP, surgia um conjunto de problemas. No quadro da legislação europeia, era necessário ter a nacionalidade de um Estado-Membro para poder ter a maioria do capital de uma empresa de aviação civil. Como tal, em 2012, Germán Efromovich adquire a nacionalidade polaca para desbloquear o impasse, mas surge o problema da liquidez. O empresário não conseguia garantir liquidez para ficar com a TAP uma vez que eram 25 milhões de euros em garantias bancárias ele não os dava, mesmo avançando com uma proposta de 1,5 mil milhões de euros. O negócio acabava por ser adiado, mas Maria Luís Albuquerque, à data secretária de Estado do Tesouro, dizia que a proposta tinha sido rejeitada devido ao incumprimento dos «requisitos previstos no caderno de encargos", mas ressalvando que a proposta de Gérman Efromovich era «positiva, coerente e alinhada com a estratégia do Governo».

O processo de privatização é então parado e retomado somente em 2014, ano em que é aberto o processo para se receber novas candidaturas. Em 2015, ano de eleições legislativas, o governo apressadamente procura encerrar o processo de privatização. Nesse momento, o governo, que apesar de coligado detinha a maioria absoluta, sabia que a contestação era enorme. Tinham sido anos muito duros de ataques e medidas de empobrecimento e, como tal, a ida às urnas poderia ser castigadora. Nesse ano há três interessados na compra da TAP e o ideal seria despachá-la o quanto antes. Para além do já conhecido Germán Efromovich, surgiram outros interessados: David Neeleman, CEO da Azul Linhas Aéreas e da JetBlue Airways, juntamente com o empresário português Humberto Pedrosa, dono do Grupo Barraqueiro; a Globalia e ainda Miguel Pais do Amaral.

Cada um dos interessados foi caindo por terra, desistindo do negócio e indo à sua vida. Quatro meses antes das eleições legislativas que ocorreram em Outubro, o governo aprovou a Resolução do Conselho de Ministros n.º 38-A/2015, de 12 de Junho e fechou negócio com David Neeleman e Humberto Pedrosa que formavam o consórcio Atlantic Gateway. Pela mesma razão que Germán Efromovich adquiriu a nacionalidade polaca, Humberto Pedrosa foi o passaporte (literalmente) que permitiu ao americano David Neeleman controlar a maioria dos capitais da empresa.  

Apesar de ter sido decidido em Junho, a venda efectuou-se, à pressa, em Novembro, uma vez que nas eleições de Outubro PSD/CDS perderam a maioria na Assembleia da República e ficaram sem condições para governar.  O consórcio Atlantic Gateway iria futuramente adquirir assim 61%, 5% ficaram para os trabalhadores da TAP SGPS e os restantes 34% ficariam na posse do Estado durante dois anos. A venda seria feita por 354 milhões de euros na TAP. Deste montante, o Estado recebeu directamente 10 milhões de euros e o restante seria para injectar na empresa. Era precisamente a partir daqui que o PCP queria ver apurados, pela actual Comissão de Inquérito à TAP, todos os factos da gestão privada da companhia aérea e os seus impactos, mas PS, BE e Chega recusaram. 

A opção pela gestão privada

Com a constituição do governo minoritário do PS, em 2015, foi possível reverter alguns aspectos da privatização. Repare-se que foram somente alguns aspectos, como expresso na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2016, de 23 de Maio a Atlantic Gateway aceitava vender ao Estado as ações representativas do capital social necessárias para que este, por via da sua empresa, a PARPÚBLICA, passasse a ser titular de um número de ações correspondente a 50 % do capital social da TAP custando 1,9 milhões. Ou seja, o governo, ao invés de resgatar a empresa, procurou apenas ficar com 16% da parte que tinha vendido ao Consórcio para além de celebrar um acordo parassocial que dá ao consórcio o controlo da gestão e a maioria dos direitos económicos.

Tanto o PS e a Comissão Europeia optaram por fechar os olhos ao facto de a compra da TAP ter sido ilegal à luz das tão sagradas directivas mas que se tornam plásticas quando interessa. Optaram por fechar os olhos à negociata que fez com que a TAP fosse comprada com o seu próprio dinheiro, e aceitaram uma alteração no capital apenas formal, pois os direitos económicos e a gestão continuavam maioritariamente na mão de privados. 

Sabe-se hoje que o PS optou por manter na estrutura accionista alguém que usou o dinheiro do Estado para comprar as acções e com o aval do anterior governo PSD/CDS. A operação está a ser investigada pelo Ministério Público, tratando-se de saber se David Neeleman, antes de se tornar accionista da TAP, negociou com esta a troca da frota com a Airbus e utilizou os ganhos para ficar com a maioria da companhia aérea portuguesa.

Não se pode dizer que a administração privada da TAP tenha tido sucesso. Em 2018 impôs uma nova reestruturação, teve um prejuízo de 118 milhões de euros e, em 2019, apesar do aumento do turismo em Portugal e do record de passageiros transportados, a TAP volta a ter 105,6 milhões de euros de prejuízo. Eis que em 2020 começa a pandemia Covid-19 e a TAP apresenta, à semelhança de todo o sector aéreo mundial, um prejuízo histórico de 1418 milhões de euros. Para isso contribuiu a imensidão de todos os custos fixos normais referentes a uma companhia do sector aéreo (trabalhadores, leasings, alugueres, estacionamento dos aviões, etc), mas além disso a ANA cobrou diversas taxas e rendas pelos aviões que estavam em terra. É aqui que se vê, outra vez, o que valem os accionistas privados e a gestão privada. Quando para eles aperta e é necessário chegarem-se à frente, recusam-se. 

Nesse momento, o Estado teve de recuperar, outra vez, o controlo público da TAP. A situação assim o exigia, era necessário garantir que a empresa não desaparecia e mantinha a sua actividade, que continuava essencial. Isto não era caso único. O Governo alemão, por exemplo, concedeu à Lufthansa um pacote de ajuda de nove mil milhões, ficando com 20% das acções. Ou seja, o que o Governo português iria fazer não era inédito. E assim foi. O Governo PS desenhou um plano de reestruturação para auxiliar a TAP numa altura difícil e garantir a manutenção da sua actividade.

Em Outubro de 2020 David Neelman sai então da TAP, em nome da «estabilidade acionista». O empresário vendeu assim a sua participação de 22,5% por 55 milhões de euros. É importante relembrar que, aquando da venda ao consórcio Atlantic Gateway, o Estado só tinha recebido 10 milhões de euros. O saldo para o empresário era bastante positivo. Acabou por ter que injectar dinheiro em prestações acessórias e ainda ganhava mais algum graças negócio com os aviões. Neelman sai porque se não saisse perderia todo o capital sem direito a indemnização, que foi o que aconteceu aos 5% detidos pelos trabalhadores.

A 10 de Dezembro de 2020, o Governo enviou o seu plano de reestruturação para Bruxelas, para efeitos de aprovação, porque, novamente, de acordo com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia os auxílios têm que ser aprovados, uma vez que podem «salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções». 

No dia seguinte ao envio do plano, o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, faz uma conferência de imprensa onde, para além de esclarecer as intenções do governo, tem um conjunto de declarações que são, no mínimo, reveladoras das vontades. Começou por dizer «quando nós decidimos pedir o auxílio de Estado à Comissão Europeia e se faz a primeira intervenção com uma injecção de liquidez até 1,2 mil milhões de euros, era importante que todos compreendessem que não estava em causa se a empresa ficaria privada ou pública. (...) Quando a crise pandémica precipitou a degradação muito acentuada das contas da TAP, colocou a TAP em risco de sobrevivência, nesse momento o sócio privado do Estado não tinha disponibilidade para meter dinheiro na companhia. Nós não poupamos o privado de injectar dinheiro na TAP. O privado não tinha dinheiro nem vontade de injectar na TAP. Portanto, se o Estado não fizesse o que fez, a TAP falia. Não houve nenhuma bravata contra o privado». Pedro Nuno Santos admite mesmo que não era intenção do Estado ficar com a TAP. 

Após um longo processo negocial, em 2021 chegam as notícias finais sobre o plano de reestruturação. Até esse momento, o governo, de acordo com o plano de reestruturação, dilapidou a empresa com uma onda de despedimentos. Só para se ter uma ideia, entre Janeiro e Setembro de 2021, a TAP afastou 1820 trabalhadores. A 21 de Dezembro de 2021 a Comissão Europeia aprovou o auxílio português de 2,55 mil milhões de euros para reestruturar o grupo TAP. Naturalmente, para uma instituição que não dá ponto sem nó, tal aprovação, negociada com o governo português, tinha contrapartidas: “racionalizar” as operações da TAP SGPS e reduzir os custos, reestruturando as companhias aéreas TAP Air Portugal e Portugália; alienar as filiais em atividades adjacentes de manutenção (no Brasil); inibir a TAP SGPS e a TAP Air Portugal de efetuarem quaisquer aquisições e reduzir a sua frota até ao final do plano de reestruturação, afectando a sua rede; «preservar uma concorrência efetiva» no Aeroporto de Lisboa, cedendo até 18 faixas horárias por dia a uma transportadora concorrente. Isto significava, enfraquecer a empresa do ponto de vista operacional e concorrencial e privatizar o que havia por privatizar.

Vendo o controlo público do Estado confirmado, é também nesse mesmo dia que Humberto Pedrosa e o filho anunciam que deixariam de ser administradores da TAP, uma vez que o seu outro grupo, o Barraqueiro, tem contratos com o Estado, por exemplo, a concessão ferroviária da Fertagus e isso poderia vir a constituir um impedimento, pelo menos no que diz respeito às funções executivas. Esta justificação e o facto de terem que se chegar à frente com capital, motivou a saída.

Como se isto não fosse suficiente a SPdH/Groundforce nesse mesmo ano entra em insolvência porque, mais uma vez, um accionista privado, desta vez Alfredo Casemiro, volta a não cumprir o seu papel. O governo mais uma vez tem de se chegar à frente e ficar novamente com a empresa, mas desta feita, já com a mira calibrada pela Comissão Europeia, para a privatização imediata da empresa. Em 2022, a Groundforce é novamente encaminhada para ser vendida).

No final de 2021, Christine Ourmières-Widener assume o cargo de CEO da TAP, tendo sido já administradora da Flybe Group e da CityJet e trabalhado no Grupo Air France-KLM. Os interesses do grande capital estão em jogo e os abutres olham para uma presa fácil. A sua missão é simples, como a mesma admitiu numa audição na Assembleia da República, concluir o plano de reestruturação de modo a criar condições para a privatização da TAP. A importância de Christine Ourmières-Widener neste processo é tal que cortando custos e despedindo trabalhadores de forma a cumprir com os objetivos que lhe foram propostos, irá receber um bónus que poderá chegar aos três milhões de euros. 

A 28 de Fevereiro de 2022, é aprovada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 138/2022 que renova a declaração da TAP, S. A., da Portugália, S. A., e da Cateringpor, S. A., em situação económica difícil. Este é o passo qualitativo que assume os objectivos para a privatização de forma a permitir rasgar os Acordos de Empresa, chantagear os sindicatos e conseguir que estes assinassem acordos que lesassem os seus interesses. O modelo de gestão imposto pela Comissão Europeia e fielmente acatado pelo Governo PS fazendo todos os ajustes necessários, enfraquecendo a empresa e criando o caldo para uma «situação económica difícil», cria as condições todas, materiais e mediáticas, para vender a empresa. De tal forma, que o Ministro da Economia, no passado mês de Janeiro, chega mesmo a dizer, sobre a privatização da TAP, que «nesta fase todos são bem vindos», incluindo a Ibéria que supostamente era o comprador menos desejável uma vez que tem o seu Hub em Madrid e não lhe seria desejável manter um outro em Lisboa.

Recentemente, numa reacção ao caso de Alexandra Reis, o actual ministro das Finanças pediu um parecer à Inspecção-Geral de Finanças, com base no qual tomou a decisão de despedir Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja, o chairman da companhia aérea.

A verdade e que a privatização da TAP não é uma inevitabilidade, como muitos querem dar a entender. A sua concretização constituirá um crime económico que o País pagará caro.

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Os números (Quadro 1) da Segurança Social desmontam facilmente as teses neoliberais. A diferença é abissal, ilustrando as verdadeiras implicações para Portugal da não existência de uma TAP.

Assim, nos últimos dez anos, as receitas que a TAP entregou à Segurança Social portuguesa foram de 1,4 mil milhões de euros, enquanto a Ryanair, no mesmo período de tempo, entregou apenas 42 milhões, 33 vezes menos! E estes números, para além da importância objectiva para a própria Segurança Social, com a relevância que esta tem para os trabalhadores portugueses, reflecte ainda uma outra realidade: a dos salários pagos em Portugal no referido período, que grosso modo são três vezes os valores entregues à Segurança Social.

Mas, analisando o outro quadro (Quadro 2, número de passageiros), verifica-se que, em 2022, a TAP transportou 13,9 milhões de passageiros e a Ryanair 10,8 milhões. No mesmo ano, as contribuições para a Segurança Social da TAP foram de 129,2 milhões de euros e as da Ryanair 9,2 milhões. Para uma operação 1,3 vezes maior, 14 vezes mais receitas entregues na Segurança Social.

Esta é uma das muitas dimensões que economistas com o cérebro torrado pelos dogmas neoliberais não vêem quando afirmam ser indiferente ao País que exista ou não uma transportadora aérea nacional ou que esta seja substituída por uma qualquer low-cost multinacional.

AnoTAPRyanair
2013120,5-
2014128,30,5
2015129,21,6
2016124,12,9
2017138,53,4
2018167,55,2
2019187,56,8
2020147,15,9
2021125,66,2
2022129,29,2
T139741,7
Quadro 1 - Receitas na Segurança Social portuguesa (em Milhões de euros)
AnoTAPRyanair
202213,910,8
Quadro 2 - Passageiros Transportados (Em milhões de passageiros)
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Entretanto, do lado do PCP, as perguntas que levaram às respostas mais relevantes. Desde logo, a confirmação de que a empresa foi administrada como uma empresa privada, mesmo depois de voltar a estar abrangida pelas regras do Sector Empresarial Público (a partir de 2/10/2020, com a aquisição dos 22,5% do capital na posse de David Neeleman).Uma situação que levou a que o processamento do afastamento de Alexandra Reis fosse tratado como se a TAP fosse uma empresa privada e implicou, por um lado, que os vistos prévios que a lei exige não fossem pedidos atempadamente ao Tribunal de Contas. Por outro, que os contratos de gestão obrigatórios nunca fossem assinados, o que torna nulas todas as nomeações realizadas após aquela data (incluindo o contrato de Gonçalo Pires, como sublinhou o deputado do PCP).

Igualmente importante, foi a confirmação feita pelo CFO da TAP, após questionamento de Bruno Dias, que a empresa está a assumir custos mais elevados com os aviões devido ao negócio de Neeleman com a Airbus e que o crescimento muito rápido da frota durante a gestão privada trouxe também custos muito relevantes (e no fundo, esse crescimento era necessário para justificar o negócio dos aviões para que David Neeleman recebesse as comissões). Recorde-se que o empresário negociou o contrato dos aviões, recebeu as comissões, usou parte do dinheiro para comprar a TAP, passou o contrato de compra de 3,6 mil milhões à transportadora aérea nacional, que está agora «obrigada» a comprar estes aviões mais caros.

O responsável financeiro da TAP, para além de confirmar também que, nas contas de 2021, dois terços dos 1,5 mil milhões de prejuízos têm origem em imparidades de um empréstimo da TAP SGPS à TAP SA, deixou clara a falsidade da afirmação, no relatório e contas de 2018, de que a TAP Manutenção Brasil tinha sido reestruturada e transformado «numa operação dimensionada e rentável». Relevante ainda a informação que a TAP só ainda não vendeu – de novo – a SPDH (como volta a impor a Comissão Europeia) devido ao imbróglio jurídico em que os privados deixaram a empresa. Sem esquecer o reconhecimento, por diversas vezes, de que a TAP despediu demasiados trabalhadores, que agora fazem falta e está a ser difícil contratar.

O CFO da TAP confirmou ainda o exemplo trazido pelo BE, de que só um administrador privado, o norte-americano Maximilian Otto Urbahn, recebeu mais de 1,5 milhões da TAP, por dois anos de trabalho, e a sequente pré-reforma.

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Mais uma vez, o que ficou verdadeiramente exposto foram as taras da gestão privada e o facto de a TAP ter sido sempre gerida como se de uma empresa privada se tratasse. Os gestores da TAP contratavam gabinetes e pareceres jurídicos uns atrás dos outros, gastando milhões de euros públicos, em vez de recorrerem aos serviços jurídicos da própria empresa, e faziam-no, entre outras razões, para afastar quaisquer responsabilidades futuras sobre si próprios. Aliás, como fizeram com a contratação de seguros de responsabilidade civil, usando o dinheiro público para se libertarem de qualquer responsabilidade pessoal. Mais uma vez, um comportamento perfeitamente usual nas empresas privadas, mas completamente ilegal numa empresa pública.

No dia em que se conheceram as indemnizações pagas aos administradores da Galp que saíram da empresa em 2022 (867 mil, 488 mil e 450 mil euros), toda a audição mostrou a saciedade que só o facto de a TAP ser uma empresa pública torna ilegal a indemnização de Alexandra Reis, que a mesma terá de devolver. O que não se entende são aqueles que pensam que a solução passa por privatizar a TAP, ou seja, por legalizar o que se quer impedir que aconteça.

É que se é importante que as empresas estratégicas sejam públicas, não é menos importante que a tutela dessas empresas, necessariamente exercida pelo poder político eleito pelos portugueses, se comporte à altura das responsabilidades que o povo lhes confiou, o que, manifestamente, não acontece com a TAP há demasiados anos.

A questão, introduzida por Bruno Dias, sobre a presidência da NAV, ilustra bem que esse problema não se reflecte apenas na TAP. É que antes de Alexandra Reis ser nomeada para presidente da NAV, a empresa esteve quase um ano sem presidente e reduzida a uma administração de dois membros, criando inúmeros problemas ao seu funcionamento. Após a saída de Alexandra Reis, a empresa voltou à mesma situação em que ainda permanece. Uma situação que parece não preocupar o Governo, nem a oposição (com excepção do PCP, que já colocou a questão diversas vezes), enquanto a comunicação social passa ao lado desta questão.

Entretanto, enquanto o povo é convidado a viver na espuma dos dias – basta ver a cobertura desta comissão de inquérito, centrada nos casos e com um guião dirigido no sentido de facilitar nova privatização da TAP – os problemas de fundo agravam-se e as suas causas são iludidas.


Este é o quarto de uma série de artigos sobre a comissão parlamentar de inquérito à TAP, cuja divulgação iniciámos esta segunda-feira, e que estão disponíveis aqui.  

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A questionar essa postura interveio, uma vez mais, o PCP, recordando ao presidente da CMVM que a venda de acções aos trabalhadores ocorreu em Maio de 2017, que o anúncio e os resultados da mesma foram publicados no site da CMVM, que a compra se fazia através dos intermediários indicados no site da CMVM, e que os trabalhadores nunca tiveram qualquer protecção da CMVM.

Na resposta, falando sempre em colaboradores, o presidente da CMVM até estava espantado com a pergunta. Claro que a CMVM não existe para proteger «os colaboradores», que ideia bizarra. A TAP «não estava no mercado aberto» e, portanto, isso era uma questão interna. Dos trabalhadores que acreditaram na CMVM, no Governo e na gestão privada da TAP, e perderam milhões de euros na compra dessas acções, a CMVM nem pena tem. É-lhe indiferente. Bem lembrou Bruno Dias, que melhor andou a Célula do PCP na empresa que, na altura, distribuiu um comunicado na TAP a alertar os trabalhadores para não se deixarem envolver nesse esquema.

A CMVM protege capitalistas e especuladores, detentores de acções ou obrigações de empresas, como o caso do próprio presidente da CMVM, que detém obrigações da TAP. Para quem tinha dúvidas, ficou o esclarecimento.

E sobre a TAP e a CMVM? A CPI vai pedir o levantamento do segredo de justiça e convocar uma reunião à porta fechada. Menos mal. Pelo menos poupa tempo aos jornalistas.

Este artigo integra a série de apontamentos sobre a comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui.  

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No mesmo alinhamento, foi questionada a própria existência de uma Comissão de Vencimentos numa empresa pública, pois o vencimento dos gestores públicos está determinado e limitado por lei. Aliás, são esses limites, as excepções a esses limites contidas e não contidas no decreto-lei 39B/2020, e o facto de a administração da TAP e do Governo terem actuado fora desse quadro, que criou o problema jurídico com os salários, as indemnizações e os prémios dos administradores da TAP no período pós privatização.

Mas o PCP queria ir mais longe e foi mais longe. Questionou a existências das próprias Comissões de Vencimento na gestão privada. E deu um bom exemplo. Em 2016, a TAP, já sobre gestão privada, tem um resultado líquido negativo de 21,6 milhões de euros, e mesmo assim são pagos aos três administradores executivos, além dos 1,84 milhões de euros de salários base, e mais um conjunto de regalias, um prémio de quase um milhão de euros.

Os mesmos três administradores executivos vão receber outro prémio sobre 2017, aqui com um resultado marginalmente positivo. Em 2018 não são pagos prémios, porque a obtenção de lucro era um critério para a atribuição. Esse critério é eliminado para 2019, e perante quase 180 milhões de euros de resultado negativo estava para ser pago um prémio superior a um milhão de euros, que só acabou por não ser pago em 2020 devido à pandemia. «Ou seja, em quatro anos, a gestão privada provoca prejuízos de quase 300 milhões de euros, mais os prejuízos que deixou escondidos, e recebe prémios em três desses quatro anos. Três administradores executivos receberam, nesses quatro anos de gestão privada, mais de quatro milhões em salários e mereceram três milhões em prémios!»

A única resposta do presidente da Comissão Executiva foi que essa teria sido a vontade dos accionistas.

O exemplo seguinte colocado pelo PCP foi o facto de Fernando Pinto ter ficado como assessor da administração (na gestão privada) a partir de Janeiro de 2018, com uma remuneração de 130 mil euros por mês (173 salários mínimos, quando o salário do primeiro-ministro é de oito salários mínimos, recordamos) e regalias equivalentes a continuar a ser presidente da Comissão Executiva. Facto que o presidente da Comissão de Vencimentos não quis apreciar, pois estaria fora do âmbito da dita Comissão. Nem quis responder à pergunta de Bruno Dias: «Que pode estar a ser comprado por este valor?»

No fundo, durante toda a audição ficou a ideia de que, numa gestão privada, se o accionista maioritário queria ir ao pote, o papel da Comissão de Vencimentos é estender-lhe o pote. Edificante.

Mas havia mais uma questão. É que durante a gestão privada, os administradores receberam as suas remunerações através de prestações de serviço. Ora, se as remunerações são decididas por uma Comissão de Vencimentos, como é que podem ser pagas em prestações de serviços? E os descontos para a Segurança Social? E a transparência da gestão? Numa primeira resposta, o presidente da Comissão de Vencimentos ainda tentou defender, mais uma vez, que numa gestão privada isso era admissível. Para mais à frente afastar eventuais situações ilegais dessa admissibilidade.

O PCP denunciou o facto de o documento entregue à comissão parlamentar de inquérito, referente ao contrato de prestação de serviços da Atlantic Gateway com a TAP, vir classificado como secreto, e apresentou um requerimento para alterar essa classificação, para que fosse solicitada à TAP a lista de pagamentos feitos à luz desse acordo, e à Segurança Social a indicação dos valores recebidos por conta dessas remunerações.

Amanhã será ouvida a Parpública.


Este artigo integra a série de apontamentos sobre a comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui.  

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Ainda assim, houve ideias importantes que foram expostas.

Desde logo, o recordar que o processo de privatização da TAP já vai longo! E a falsidade da sua premissa de fundo está mais que demonstrada. «Em 2000, a TAP também ia falir se não fosse privatizada. Afinal faliu a empresa que a ia comprar, a Swissair, e a Sabena que esta já havia adquirido! Em 2012, também era inevitável privatizar a TAP ou falia. A venda foi travada no último momento, e quem já faliu foi a Avianca, que ia comprar a TAP. E em 2015, era inevitável privatizar a TAP pois tinha capitais negativos de 500 milhões de euros. Esses capitais eram 200 milhões de euros mais negativos em 2019, depois de 4 anos de gestão privada. E quando chegou a pandemia, os privados meteram-se ao fresco, e nós tivemos de ir tapar os buracos que a gestão privada abrira, mais os buracos das várias tentativas de privatização.» Ou seja, ao longo deste longo processo de privatização, a TAP sobreviveu exactamente porque não foi privatizada e, quando o foi, sobreviveu porque foi renacionalizada.

A segunda ideia é a da submissão do Governo (e da generalidade dos partidos, excepção seja feita ao PCP) ao processo de concentração e centralização capitalista que é uma parte essencial do processo de «construção europeia». Há mais de 30 anos que a política de liberalização do sector aéreo tem como objectivo destruir as soberanias nacionais e concentrar o sector aéreo em 2/3 empresas de escala europeia, apoiadas nos Estados centrais da UE, a Alemanha e a França (e o Reino Unido enquanto por cá andou).

Não por acaso são três as companhias aéreas bandeira da UE autorizadas a conservar a sua dimensão nacional: a Lufthansa, a KLM/Air France e a British/Ibéria, que têm vindo a absorver outras companhias e que agora querem absorver a TAP, deixando-a subordinada à estratégia dessas companhias, colocando o hub de Lisboa como subsidiário do de Frankfurt, Londres, Paris ou Madrid, liquidando a soberania nacional em mais um sector estratégico. Aliás, foi quando confrontado com este cenário que João Galamba fez uma duvidosa afirmação, quando sugeriu que o processo poderia ser uma fusão entre a TAP e uma Lufthansa, o «Grupo TAP/Lufthansa» como ironizou o deputado do PCP.

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Presidente não executivo da TAP: corte nos trabalhadores «foi até ao osso»

Na audição de Manuel Beja ficou mais uma vez demonstrado que a administração e o Governo agiram na TAP como se de uma empresa privada se tratasse, conjunturalmente com uma maioria de capital nas mãos do PS.

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

A sessão começou com o PCP a questionar a legalidade e a motivação da forma adoptada para encetar a reestruturação da TAP: quando a empresa passa a estar 100% sobre capital público, no final de 2021, a TAP SA sai da TAP SGPS, ficando as suas acções na Direcção-Geral de Tesouro e Finanças (DGTF), enquanto as acções da TAP SGPS ficam, maioritariamente, na Parpública, deixando a TAP SA de consolidar as suas contas na TAP SGPS, apesar de o seu capital ser todo público e a tutela financeira ser a mesma, e a Parpública até existir para gerir as participações sociais do Estado. Duas empresas artificialmente colocadas como juridicamente independentes, mas que mantêm a mesma administração, que produziam acordos assinados nas duas partes pelas mesmas pessoas, e que mantinham relações estreitas umas com as outras. Um artificialismo similar ao usado no processo de «nacionalização» para reprivatizar o BES.

Para confirmar o artificialismo, Manuel Beja ainda adiantou que «agora, é preciso transferir a Cateringpor, a Portugália e a UCS para a TAP SA», deixando na SGPS apenas a Manutenção Brasil, a SPDH e uma grande parte do passivo, o que levou o PCP a sublinhar não ser estas as formas de gerir empresas públicas.

Perante a evidente ilegalidade da situação em que os administradores da TAP aceitaram ser colocados pelo Governo, risco que aliás Manuel Beja chega a reconhecer em comunicações com a tutela, a resposta do próprio foi a de que: temos pareceres jurídicos que dizem que a coisa se pode fazer. Aliás, uma das questões que se destacou ao longo da noite e das sucessivas respostas a várias questões foi o recurso sistemático a auditorias e assessorias externas pela administração da TAP, que apareciam em cada tema abordado: o acordo de saída de Alexandra Reis é ilegal, mas nós agimos de boa-fé com base em duas assessorias jurídicas externas contratadas pela TAP; a Auditoria ao pagamento de prestações eventualmente ilegais, como as detectadas ao administrador da gestão privada Max Urbahn, está encomendada a uma empresa externa; o processo de encerramento da Manutenção Brasil está encomendado a outra assessoria externa; o contra-parecer ao parecer da DGTF? Encomendado a um gabinete externo; a nomeação de dois directores não executivos? Encomendada a três empresas de recrutamento de gestores. E assim sucessivamente.

Uma postura na gestão que, desde logo, procurava ilibar os administradores de toda a responsabilidade pelas decisões e suas implicações e que subjacente à lógica que as soluções jurídicas se compram e quem mais tem mais consegue torcer a lei a seu favor. Por outro lado, também assenta na desvalorização dos serviços jurídicos e administrativos da TAP, em muitos casos destruídos pela política de redução de trabalhadores.

Confrontado por Bruno Dias, que criticou a forma como são ignorados e desconsiderados os especialistas em direito que estão nas empresas do sector público e sublinhou que o gabinete jurídico da TAP nunca teria dado um tão mau aconselhamento jurídico como o que produziu o Acordo de Alexandra Reis, Manuel Beja lá acabou por reconhecer que o corte nos trabalhadores «foi até ao osso», descapitalizando a TAP em muitos sectores. Ao que o PCP ripostou que se essa lição for tirada, para algo já terá servido a Comissão de Inquérito.

Dos riscos assumidos pelos gestores também se voltou a falar, a propósito da subscrição de seguros de responsabilidade corporativa com uma cobertura inicial de cinco milhões de euros, depois alargada a 100 milhões. Primeiro, Manuel Beja tentou desvalorizar a questão, garantindo que a mesma se destinava a cobrir custos provocados por processos com acidentes aeronáuticos, mas quando lhe recordaram que Alexandra Reis admitia usar esse seguro para processar o Estado, e lhe pediram que, em coerência, garantisse que não tinha essa intenção, Manuel Beja recusou-se a assumir tal compromisso. Como o conteúdo e custos concreto dos seguros já está requerido, iremos mais à frente poder tirar ilações sobre o assunto.

Os sucessivos momentos em que a administração da TAP solicita a orientação da tutela (nomeadamente sobre a elaboração de contratos de gestão e nomeação de administradores em falta) e esta não responde, mostram que, a par de uma intervenção na gestão corrente inapropriada em questões menores, o poder político aparece mais preocupado com a gestão política do dossier TAP do que com a criação de condições para o funcionamento regular da empresa.

Mais uma vez ficou demonstrado que a administração e o Governo trataram a TAP como se esta não fosse uma empresa pública, agindo como se de uma empresa privada se tratasse, conjunturalmente com uma maioria de capital nas mãos do PS.

Esta audição revelou outras questões com interesse, como a Manutenção Brasil, cujo encerramento Manuel Beja considera ser a grande vitória desta administração. Uma empresa que nunca deveria ter sido comprada, e que já custou à TAP, a fazer fé nos seus Relatórios e Contas, mais de 1,4 mil milhões de euros. Como sublinhou Bruno Dias, o prejuízo causado à TAP pela Manutenção Brasil foi superior ao prejuízo provocado pela pandemia, o que talvez justifique uma Auditoria a este processo, confirmando os alertas que os trabalhadores fizeram desde a compra, em 2006, deste «cancro» (nas palavras de Manuel Beja) para a TAP.

Este artigo integra a série de apontamentos sobre a comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui.  

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Uma terceira questão sobre o processo de privatização em curso (cuja primeira fase é apelidade de reestruturação) é que foi até ao osso nos cortes aos trabalhadores, e que esse facto está a trazer custos acrescidos à companhia (que paga multas por cancelamentos em vez de pagar salários, que subcontratada serviços e aviões em vez de pagar salários). Que os próprios cortes salariais se estão a transformar num custo pois dificultam a contratação e estimulam a saída de trabalhadores em áreas decisivas para a operação, cuja falta leva depois a cancelamentos, multas e outros custos. Que devido a esses cortes, corre o risco de enfrentar «um verão negro, ainda pior que o Verão de 2016!» Uma matéria onde o ministro Galamba mostrou a hipocrisia deste Governo: por um lado, fez o merecido mas pouco sincero louvor aos trabalhadores da TAP, mas depois lá adiantou que a linha se vai manter, e que os cortes são necessários e o ataque à contratação colectiva inevitável.

Claro que nenhuma destas questões mereceu atenção particular dos restantes partidos. Questões centrais que o país deveria estar a discutir sobre a TAP, aprendendo com os erros passados e defendendo as empresas nacionais e a soberania nacional.

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Mas este funcionamento é exactamente o mesmo dos tribunais arbitrais, cujo uso é cada vez mais generalizado. É por estes métodos que têm sido resolvidos casos como, por exemplo, se as concessionárias privadas têm ou não têm direito a uma determinada compensação para equilíbrio financeiro da concessão, e qual o valor dessa compensação. E, com raras excepções, as decisões são sempre de que têm direito e o valor da indemnização chega a ultrapassar os cem milhões de euros. Também aqui é o Estado que acaba por pagar as indemnizações e as remunerações dos três membros do Tribunal Arbitral, cujo valor é tanto maior quanto maior o valor da indemnização em causa.

Esta justiça privada é totalmente inaceitável quando um dos lados é o Estado. E os prejuízos inaceitáveis de centenas de milhões de euros que isto está a provocar ao erário público têm que ser travados.

Há dois meses, Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), alertava: «Não está certo, não pode estar certo, que o Estado seja condenado por um tribunal arbitral, secreto, sem controlo de legalidade do Ministério Público, a pagar a uma empresa privada centenas de milhões de euros por violação de uma cláusula contratual que o tribunal de contas “ já tinha considerado nula”».

Esperemos que o alarme social provocado pelo pagamento indevido de 500 mil euros a Alexandra Reis possa servir para combater esta chaga, que nos custa a (quase) todos, anualmente, centenas de milhões de euros.


Este artigo integra a série de apontamentos de análise à comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui.  

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O funcionamento da CPI alertou ainda para a gravidade da generalização do funcionamento tipo Tribunal Arbitral para decidir da reivindicação de privados face ao Estado. É por acordo entre advogados, à margem da lei, que é decidido pagar meio milhão de euros a Alexandra Reis, e por acordo entre advogados sem qualquer relação com uma dívida jurídica ou moralmente existente, que é decidido pagar 55 milhões a David Neeleman. Mas o relatório decide ignorar este problema, não retirando quaisquer consequências sobre esta generalização.

O funcionamento da CPI mostrou o quão pouco transparente é hoje o funcionamento do Estado, fragilizando-o perante interesses privados, particularmente de grandes grupos económicos. O melhor exemplo é, novamente, o dos Fundos Airbus. Nada foi tornado público sobre eles até 2022. O facto de ter sido a Airbus a dar o dinheiro a David Neeleman com que este comprou e capitalizou a TAP é hoje reconhecido por todos, incluindo os próprios. Mas, durante sete anos, esteve escondida em pilhas de papéis e classificada como informação confidencial. A Parpública conhecia, mas nem os administradores da Parpública conheciam os Fundos Airbus que eram matéria reservada do Presidente e do assessor jurídico. A Comissão de Acompanhamento à Privatização emite um relatório, que a lei diz que deve ser público, e que o Ministério das Finanças não publica porque «não tem um site onde o fazer». A auditoria pública do Tribunal de Contas é completamente omissa sobre os Fundos Airbus. Perante a evidente necessidade de tornar tudo isto mais transparente, mais público, mais auditado pelo povo português, o que o relatório propõe é aumentar o secretismo sobre processos e documentos.

Para terminar, o relatório pretende ser neutro perante o próximo processo de privatização, já iniciado. Mas não é. Desde logo porque muitos dos seus defeitos visam não só proteger o PS, mas também proteger o objectivo de privatizar a TAP. É que se há coisa que ficou evidente nesta Comissão é que está na altura de parar com as tentativas de privatizar a TAP e de a gerir ao serviço do povo e do País.

Veremos agora o que resulta da discussão sobre esta proposta de relatório, que se realizará a 13 de Julho, e se a maioria absoluta do PS não vai ser usada para defender o PS e o seu projecto de privatizar de novo a TAP. À custa da verdade.


Este artigo integra a série de apontamentos de análise à comissão parlamentar de inquérito à TAP, disponíveis aqui

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Na apresentação do anúncio da aprovação em Conselho de Ministros do Decreto-Lei de privatização da TAP SA, o ministro João Galamba sublinhou que os resultados da TAP «são francamente positivos e muito acima dos previstos no processo de reestruturação» e que «a TAP está a crescer em receitas, passageiros e nos resultados», para depois concluir «este é o momento certo para vender». Isto é, a empresa está bem, está estabilizada, gera lucros, está amplamente capitalizada, já se levantaram a maioria dos cortes impostos aos trabalhadores e, portanto, é tempo de a vender.

O Governo nem ensaiou a tentativa de justificar a necessidade de privatizar, apesar da realidade dos últimos 30 anos demonstrar que todos os piores momentos da TAP ocorreram durante e por causa dos processos de privatização. Preferiu fingir ser esse um dado de partida, objectivo, montando-se no amplo consenso que une a Comissão Europeia, o PS, o PSD, o CDS, o CH, a IL e os interesses das classes dominantes, na defesa das privatizações e liberalizações, na alienação de todos os instrumentos estratégicos para o desenvolvimento nacional.

O Governo preferiu assegurar – sem fundamentar - que os objectivos desta privatização são: «crescimento da TAP, crescimento do hub nacional, assegurar investimento e emprego, assegurar o crescimento de operações ponto-a-ponto e o preço».

No entanto, o Governo foi omisso sobre a importância que atribui a objectivos estratégicos como sejam o assegurar da coesão nacional, da ligação às ilhas atlânticas e à diáspora ou o assegurar da capacidade soberana de transporte aéreo, tanto na ligação de Portugal ao exterior como para alimentar a economia nacional, particularmente o Turismo.

O Governo anunciou ainda que prevê alienar, no mínimo, 51% da companhia, quer fazê-lo por venda directa, e que a Portugalia será, antes da privatização, integrada num grupo TAP reconstruido em torno da TAP SA. Entretanto, prevê só para o final do ano a aprovação de um Caderno de Encargos com maiores detalhes sobre a venda agora decidida.

Depois de há menos de 3 anos terem visto quase um milhão de euros seus transformados em lixo, quando as acções da TAP passaram a valer zero, os trabalhadores da TAP foram bafejados com a oportunidade de voltar a comprar 5% da TAP.

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