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Portugal, a Suíça e a privatização da Renfe Mercancías

É irónico que uma das maiores companhias de transporte marítimo de contentores seja suíça, país que não possui um centímetro de costa marítima. Mas tem capital, e com capital tudo se consegue no capitalismo.

Créditos / SNTSF

Essa companhia, a MSC, é a multinacional a quem o Governo PSD/CDS ofereceu a CP Carga (hoje renomeada Medway), sendo que as chaves foram entregues pelo então (Janeiro 2016) recém-empossado governo PS, que fingiu não ter poderes para reverter essa privatização.

Agora é o Governo espanhol que decide privatizar a Renfe Mercancías, em dificuldades económicas na sequência do processo de liberalização iniciado há dez anos.

A MSC foi, das três pré-seleccionadas, a única candidata à compra da Renfe Mercancías que apresentou uma proposta concreta (a versão divulgada em Portugal pela Medway é que foi «escolhida»). Em Espanha, o Governo chama-lhe «parceria estratégica», como se as palavras tivessem o poder mágico de alterar a realidade. Os sindicatos chamam-lhe «privatização» e estão preocupados com a degradação dos direitos dos trabalhadores e o futuro dos postos de trabalho na Renfe Manutenção (porque a MSC tenderá a realizar a manutenção do seu próprio material, tal como já faz em Portugal).

Na teoria, haverá «uma primeira fase», onde a MSC comprará 50% da Renfe Mercancías, e onde será criado um modelo «de gestão compartida». Na prática, surgirá um operador ibérico, de propriedade suíça, e desaparecerá da Península Ibérica o último operador público ferroviário de mercadorias.

«Na prática, surgirá um operador ibérico, de propriedade suíça, e desaparecerá da Península Ibérica o último operador público ferroviário de mercadorias.»

É mais um sucesso no processo de liberalização da ferrovia: Mais um país em que o transporte ferroviário de mercadorias está na mão de multinacionais; mais um país em que o sector ferroviário está a ser pulverizado, para degradar o preço da força de trabalho e maximizar a apropriação de mais-valia.

Se tivermos consciência que hoje a MSC (através da Medway) determina muito na economia portuguesa e na decisão dos investimentos ferroviários nacionais, e se tivermos em conta a diferença de peso entre as duas economias, são evidentes os riscos de que este caminho ibérico – seguramente proveitoso para a MSC e seus accionistas – traga perigos graves para Portugal. Perigos que deveriam ser acautelados, mas só podem ser acautelados com a reversão de uma privatização que nunca deveria ter acontecido.

Mas ao contrário do que mandaria a prudência e a experiência de todas as anteriores privatizações, num negócio entre uma empresa pública espanhola e uma multinacional suíça há quem consiga, como faz Carlos Cipriano no Público, valorizar «a liderança da parte portuguesa». Qual parte portuguesa?

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