A venda da Takargo à francesa SNCF não tem uma relevância extraordinária, e seguramente dará poucas notícias. Mas faz parte de um processo, e esse sim é muito relevante.
A TAKARGO, uma relativamente pequena empresa de transporte ferroviário de mercadorias que assegura menos de 20% do mercado nacional, foi criada no final de 2006 como parte do grupo Mota Engil, então um dos principais operadores portuários do país na sequência da liberalização desse sector, e a querer usar essa base portuária para conquistar o sector do transporte ferroviário de mercadorias, então assegurado pela CP, e cuja liberalização se iniciava.
A TAKARGO já tinha uma parceria, desde 2008, chamada Ibercargo, com a COMSA Rail Transport, empresa fundada em 2002. Em 2013 a SNCF comprou 25% da COMSA Rail Transport e em Julho de 2018 comprou o resto, rebaptizando a empresa como CAPTRAIN España. Agora comprou a Takargo.
Entretanto, importa recordar que o grupo Mota Engil já tinha vendido as suas concessões portuárias a uma outra multinacional, a Yildrim. E já agora, como segunda nota de rodapé, o Estado português ofereceu a própria CP Carga a uma multinacional Suíça, a MSC, que era o seu maior cliente.
Estes processos de liberalização da economia nacional, «impostos» a partir da União Europeia, terminam sempre da mesma forma: com a entrega dos sectores estratégicos da nossa economia às multinacionais.
O facto da SNCF ser a empresa pública francesa de comboios, detida a 100% pelo Estado Francês e a operar em 120 países, ilustra uma outra realidade desta «construção europeia»: a duas velocidades, o centro capitalista e uma periferia crescentemente dependente. Como pública é a DB, a operadora alemã que domina o mercado europeu do transporte ferroviário de mercadorias (e por cá detém 30% da Fertagus). Como pública é a OBB austríaca, que é o segundo maior operador europeu.
Fazer parte da periferia ou do centro, dos que estão a ser colonizados ou a colonizar, faz toda a diferença para a forma como o grande capital olha para as empresas públicas nos sectores estratégicos.
Na periferia, a respectiva relativamente grande burguesia nacional oferece-se para intermediar a venda dessas empresas públicas, recolhendo o dízimo de uma acção que prejudica toda a restante economia nacional, incluindo os restantes sectores da burguesia, e submetendo-se à grande burguesia europeia, para quem a liquidação das empresas públicas da periferia é uma questão estratégica até do ponto de vista político, pois, liquida instrumentos de soberania nacional.
Já no centro, essas empresas públicas – administradas muitas vezes com a participação directa do grande capital – são muitas vezes usadas como instrumentos da acção concertada da grande burguesia nacional, estão colocadas ao serviço da acumulação privada e acabam por ser pilares dessa «construção europeia» e do imperialismo.
Em Portugal, estes processos de liberalização, destruindo instrumentos de soberania, criando rendas monstruosas, dificultando a planificação económica estratégica soberana, são parte do problema que temos para resolver, num país que precisa de ser urgentemente desliberalizado.
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