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O tempo de antena da Vinci

A coisa prometia ser esclarecedora. Com a chancela da SIC e do Expresso, o podcast tinha como título: houve de facto desinvestimento da Vinci com a privatização, como acusa o PCP?

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Mas, afinal, o podcast era só um tempo de antena da Vinci. E preguiçoso. Nunca responde à pergunta que coloca no título, mas consegue induzir a desinformação no ouvinte desatento. Como? Primeiro, nunca explicitando a posição concreta do PCP, que fica limitada a uma acusação não fundamentada. Já a «resposta» da Vinci é concreta, com números, com datas, são 200 milhões em Lisboa, mais 50 milhões no Porto. E, depois, ficam a jornalista e a Vinci, à espera que ninguém repare que o PCP afirmou que nos últimos dez anos, desde a privatização, o investimento caiu a pique, e que a Vinci desmente essa afirmação... com o investimento que ainda vai fazer. É tão primário, que só se pode concluir que todos eles, jornalistas, políticos da política de direita e gestores dos interesses dos accionistas das multinacionais, já perderam qualquer respeito pela inteligência de quem os escuta.

Ainda assim, alguns dirão que criticar o trabalho dos outros é fácil. Não é verdade, principalmente quando os outros têm toda a projecção mediática e quem critica é silenciado e deturpado. Mas nem o PCP se limitou a criticar a Vinci, nem este artigo se limitará a criticar a jornalista. É que o PCP foi bem concreto, e este texto vai atrever-se a explicar como qualquer jornalista sério responderia à questão colocada no título do podcast.

Primeiro, procurava conhecer e informar sobre o que disse o PCP. No caso, e usando os dados dos Relatórios e Contas da ANA, o PCP afirmou que o investimento, comparando os dez últimos anos de gestão pública e os primeiros dez de gestão privada, caiu 905 milhões de euros a preços correntes, de uma média anual de 152,1 milhões para uma média de 62,6 milhões.

«É tão primário, que só se pode concluir que todos eles, jornalistas, políticos da política de direita e gestores dos interesses dos accionistas das multinacionais, já perderam qualquer respeito pela inteligência de quem os escuta.»

Segundo, e até porque os Relatórios são públicos, impunha-se ir fazer as contas e ver se o PCP disse ou não a verdade. E, depois, responder à pergunta formulada no título do podcast: sim, o investimento caiu a pique, como o PCP denunciou.

E, em terceiro lugar, então dar nota que a Vinci promete realizar 250 milhões de investimento nos próximos anos, sublinhando aquele promete, o que em qualquer caso não altera o facto de ter investido nos últimos dez anos menos 905 milhões de euros que a ANA pública no mesmo período de tempo.

Isto seriam os serviços mínimos, digamos.

Claro que a partir do momento em que se introduzem os dados concretos, a terceira questão deveria exigir da jornalista uma quarta reflexão: aquilo que a Vinci promete fazer amanhã são valores que eram normais no tempo da gestão pública, só que agora a ANA tem três vezes mais receita, pelo que mesmo cumprindo essa promessa o investimento vai continuar, em termos relativos, muito inferior ao que era.

Por fim, as quatros notas objectivas anteriores poderiam levar a jornalista a suspeitar que as acusações da Vinci para explicar os atrasos nos aeroportos – tentando passar a culpa para a TAP, para o SEF, para o controlo aéreo – não passam de desculpas de mau pagador, neste caso, de desculpas de quem reduziu o investimento em 905 milhões para poder encher os bolsos dos accionistas da Vinci e criando inevitáveis atrasos e problemas por esse desinvestimento. E isso poderia ter levado a alguma cautela, pelo menos, na hora de amplificar as acusações da Vinci.

Num mundo idílico, a jornalista ainda iria investigar porque é que a receita cresceu três vezes, para descobrir os aumentos de taxas gigantescos pagos por passageiros e companhias, o aumento da exploração dos trabalhadores, o aumento brutal de alugueres e rendas. E deixaria a gestão da Vinci a nu, na sua feia realidade, sem aquele glamour de que gosta de rodear-se.

Mas claro, escrever no Expresso e na SIC impõe obrigações de serviço privado a que a jornalista se sentiu obrigada. E dá menos trabalho fazer aqueles tempos de antena que jornalismo.

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