O Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) representa um documento fundamental que contém todas as normas de aplicação da Política Agrícola Comum (PAC) em Portugal. Recentemente, foi objeto de mais uma reprogramação (a terceira) que ilustra bem a forma como este governo (e os outros que o precederam) gerem os milhões que vêm de Bruxelas. Perdendo mais uma oportunidade de recentrar a PAC no desenvolvimento do mundo rural, combatendo a desertificação e os incêndios, este governo mais uma vez cede em toda a linha aos interesses dos grandes proprietários que irão continuar a ficar com a fatia de leão dos apoios que deveriam ir para quem mais precisa e onde são mais necessário.
Apesar dos muitos apelos à necessidade de assegurar uma distribuição mais justa dos apoios que permita corrigir as profundas assimetrias territoriais, a situação mantém-se praticamente inalterada em Portugal. A cada debate sobre a PAC, são as próprias autoridades, incluindo a Comissão Europeia, que reconhecem a necessidade de introduzir instrumentos capazes de garantir uma repartição mais justa do orçamento da PAC por países, por regiões e por agricultores. Os números mais recentes de 2023, divulgados pelo IFAP, são o testemunho mais eloquente da inoperância dos sucessivos governos em promover uma PAC mais justa e ao serviço do desenvolvimento rural. Como se pode ver na Tabela 1, 20% dos 155 776 beneficiários da PAC recolhem apenas 1% do bolo. Os 60% mais pequenos recebem apenas 11% do total. Finalmente, 80% dos agricultores mais pequenos recebem apenas 20% do total, o que equivale a dizer que os 20% maiores recebem 80% do bolo.
A reprogramação do PEPAC enviada recentemente para Bruxelas exemplifica bem quem manda no Ministério da Agricultura. Segundo as autoridades, a perda de rendimento dos agricultores representa o maior motivo que justifica esta reprogramação. O Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura refere uma perda de 327 euros no rendimento líquido anual das explorações entre 2021 e 2023. Curiosamente, omite qualquer reflexão sobre as causas desta quebra, seja na subida dos custos de produção, seja nos preços pagos aos produtores que não acompanharam, nem de perto, os preços dos bens alimentares cobrados no retalho. Desta forma, a análise do governo e do GPP passa diretamente para os subsídios da PAC, fazendo notar, pasme-se, que os pagamentos diretos são muito inferiores em Portugal, em comparação com os restantes países da União Europeia. A título de exemplo, o apoio ao rendimento de base para garantir a sustentabilidade é de 81 euros/ha em Portugal quando a média é de 134 euros/ha na União Europeia (na Dinamarca são 227 euros). Ou seja, o governo reconhece finalmente o que os deputados do PCP no Parlamento Europeu denunciam há décadas. A PAC acentua desigualdades entre países e regiões, em vez de contribuir para a coesão social e territorial!
«Se não houver uma mudança das regras de distribuição dos apoios que seja mais equitativa (designadamente a modulação e o plafonamento ou até a regionalização dos apoios), esta medida vai reforçar ainda mais as desigualdades beneficiando sobretudo aqueles que mais recebem.»
Importa, contudo, perceber onde quer chegar o GPP e o governo com esta constatação. O grande objetivo desta reprogramação é aumentar em 38% o apoio ao rendimento base de 81€/ha para 112 €/ha, compensando assim a inflação verificada nos últimos anos. Pena é não haver tanto vigor na atualização dos salários da Administração Pública…
É compreensível a necessidade de aumentar os apoios aos agricultores. Contudo, identificamos com esta reprogramação dois problemas. Em primeiro lugar, se não houver uma mudança das regras de distribuição dos apoios que seja mais equitativa (designadamente a modulação e o plafonamento ou até a regionalização dos apoios), esta medida vai reforçar ainda mais as desigualdades beneficiando sobretudo aqueles que mais recebem. Em segundo lugar, e uma vez que o orçamento não cresce, este aumento nos apoios ao rendimento implica cortes em outras áreas fundamentais. A proposta apresenta cortes de 221 milhões de euros no Investimento e Rejuvenescimento, de 181 milhões na Sustentabilidade em Zonas Rurais, e ainda reduções de 55 milhões no Risco e Organização da Produção.
Ao nível da floresta, os cortes são de 50%, deitando assim por terra todas as declarações sonantes sobre a necessidade de termos uma floresta mais ordenada e mais bem protegida contra os incêndios. Ou seja, em vez de aproveitar esta reprogramação do PEPAC para recentrar as ajudas ao rendimento pelos agricultores que realmente necessitam delas, sem prejudicar o futuro desenvolvimento da agricultura e da floresta, o governo volta a posicionar-se como guardião dos interesses dos mesmos de sempre, que continuarão a ser os grandes beneficiários da PAC, em prejuízo do mundo rural e do país.
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