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Natal e a «mentalidade de guerra» de Mark Rutte

O desmembramento da URSS deu origem à Federação Russa e a alguns países independentes, entre os quais se insere a Ucrânia. No plano económico, aquela Federação abandonou o figurino político-económico soviético, optando pelo regime do liberalismo capitalista.

Tanque de guerra (também conhecido por carro de combate) alemão Leopard 2A6
Tanque de guerra alemão Leopard 2, que equipa os exércitos da NATO e da Ucrânia CréditosMindaugas Kulbis / AP Photo

Natal é um acontecimento social festivo universalmente praticado, pelos cristãos e não-cristãos, independentemente de qualquer credo religioso. É o «tempo» de todos os cidadãos do mundo – tanto os que o celebram, como os que não o podem celebrar –, mas no qual todos anseiam pela PAZ, CONCÓRDIA e SOLIDARIEDADE ENTRE OS SERES HUMANOS. 

Foi, por isso, surpreendente e assombroso o discurso do Sr. Mark Rutte – secretário-geral da NATO, no Carnegie Europe, em Bruxelas, no dia 12.12.2024. Eis alguns chavões:    

* se quisermos segurança para os nossos filhos e netos devemos adotar uma mentalidade de guerra e estar preparados para um conflito de longo prazo;

* o apelo aos cidadãos dos países que compõem a NATO para «fazer sacrifícios, envolvendo cortes nas pensões, abdicando de sistemas de saúde e de segurança social, tudo em homenagem ao princípio peregrino de ‘paz através de força»;

* o clamor emotivo de «sem segurança não há liberdade para os nossos filhos e netos, não há escolas, não há hospitais, não há negócios. Não há nada», não faltando diretrizes para o investimento, como, «instruir os bancos e fundos pensionistas para investir na indústria de defesa» – «defesa», entenda-se «guerra»;

* o lamento de alcance economicista, «a nossa indústria de defesa tem sido decapitada devido a décadas de sub-investimento e de atrofia dos interesses da indústria nacional»… «deem às nossas indústrias grandes contratos de longa duração de que necessitam para rapidamente produzir mais e melhores capacidades»;    

* «Para prevenir a guerra, [a] NATO tem de gastar mais»;

* «Ele [Putin] está a esmagar a nossa liberdade e modo de vida». «[A] Rússia está a preparar uma confrontação de longa duração»;

* «A guerra é brutal e feia». «De momento não existe perigo para os nossos 32 aliados porque [a] NATO tem vindo a transformar-se para nos deixar mais seguros».

Começaríamos por indagar: Se a guerra é brutal e feia, porque adotarmos uma mentalidade de guerra em pleno século XXI? Do acima exposto, e independentemente da natureza algo contraditória que as frases comportam quando comparadas entre si, da flagrante inclinação e apelo para um forçado desenvolvimento da indústria armamentista, e de um manifesto desrespeito pelos direitos que a condição humana, urge significar o seguinte:

A NATO compõe-se de 32 nações.  Em termos geográficos, o Atlântico do Norte não abrange tantos países. Significa isto que esta instituição tem vindo a expandir-se para além dos limites para que inicialmente estava prevista. Surgiu em 1949 para fazer face à expansão do comunismo e ao seu formato de economia planificada, oposta à vertente económica do capitalismo, na altura pontificado pelos EUA, dada a destruição da Europa no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Porém, os ventos da história determinaram a queda do regime soviético e com isto o Pacto de Varsóvia, constituído em 1955 por iniciativa da URSS, gerado precisamente para fazer face à NATO.

O desmembramento da URSS deu origem à Federação Russa e a alguns Países independentes, entre os quais se insere a Ucrânia. No plano económico aquela Federação abandonou o figurino político-económico soviético, optando pelo regime do liberalismo capitalista. Está assim por descobrir qual o alcance defensivo da NATO. Sem prejuízo da proximidade da Ucrânia com a União Europeia e da invasão de que foi vítima, está por se descobrir até que ponto o seu caso possa servir de paradigma para constituir um perigo europeu, quanto mais seja por estar reconhecido que «não existe, de momento, qualquer ameaça aos 32 países da NATO».

Sabe-se que a relação da Ucrânia com a Federação Russa é muito específica do ponto de vista histórico, como o geográfico, geopolítico e económico, aspetos que não se relacionam com qualquer país europeu, pelo menos no plano do imediato. Outra é a questão da Ucrânia desejar pertencer à UE, tema que nada tem a ver com a NATO. Está assim visto que o destino da Europa não se encontra amarrado ao da Ucrânia, menos ainda na problemática de guerra.

A «mentalidade de guerra» proposta só se perspetiva sob os seguintes prismas:  i) a tentativa de arrastar a UE para uma aventura de confronto contra países que se congregam no BRICS e a China; ii) comprometer as jovens gerações europeias confinando-as a um estado de instabilidade emocional e ódio vivencial contra uma pretensa «outra» parte de humanidade, afastando-as dos valores de paz, amizade e convívio entre Nações. Se «a guerra é brutal e feia», então nada justifica que no século XXI se aliste jovens de 18 anos para a guerra. Os abusos de invasões territoriais combatem-se com a força de organizações representativas mundiais como a ONU, até que a negociação diplomática resolva a questão; iii) um apelo para o incremento maciço da indústria armamentista, de natureza ofensiva pondo em causa um equilibrado relacionamento das economias mundiais, na produção de bens que possam contribuir para o bem-estar geral da população mundial em geral e a europeia em especial; iv) estar em causa a própria credibilidade na natureza defensiva da NATO face à fuga no pagamentos de quotas de grande maioria dos países que a compõem, a ponto do seu principal patrocinador – os EUA – ameaçar com a sua retirada; v) a fragilidade da máxima «paz através da força», por uma  entrega de armas para combater ser incompatível com uma organização que se diz defensiva e vi) um desrespeito pelos mais elementares direitos da condição humana, pelo apelo à renúncia do direito à pensão, de poupança e de cuidados de saúde, baseado num não comprovado estado ou ameaça de guerra.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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