Passos no caminho da dignificação dos primeiros anos de escolaridade

Nos primeiros anos de escolaridade, depois do 25 de Abril, houve medidas importantes para a sua dignificação e resultados.

Créditos / Sul Informação

Sem querer ser exaustivo, e de acordo com preocupações implícitas na Constituição, saliento a reabilitação e construção de novas escolas e jardins-de-infância, a formação de professores e a criação do Estatuto da Carreira Docente, as actualizações curriculares, a introdução crescente de cantinas nas escolas do 1.º ciclo, a gestão democrática das escolas, um maior papel das autarquias, por iniciativa própria ou de forma negociada com os governos, a generalização das associações de pais, o entrosamento escola/pais/autarquias, no respeito das competências próprias de cada, a relação da escola com o meio.

Com alguns retrocessos no início deste século, vários governos têm vindo a atamancar funções docentes com as de acompanhamento, a não criar espaços alternativos que reduzam o número de horas das crianças nos espaços escolares, a não considerarem que a supervisão e responsabilidade do docente sobre as actividades não educativas interfere com o seu tempo lectivo, a valorizar «projectos» mais pelo papel que se escreve no início do que a própria realização e resultados desses projectos, a passagem de competências do Estado para as autarquias, por vezes sem contrapartidas financeiras, com um carácter de desresponsabilização dos governos em vários aspectos, eliminação do carácter colegial na gestão das escolas com a concentração da direcção, em temos unipessoais, num «director», criação de agrupamentos gigantes que afastam professores e pais dos centros de decisão, etc.

É necessária uma consolidação dos passos dados anteriormente que vença o nosso atraso relativo, de forma consistente, coerente, liberta de concepções e práticas retrógradas no ponto de vista de classe e de experimentalismos doentios, do sonegar recursos humanos (e seus direitos) e materiais ao ensino.

Os comunistas entenderam dar passos nesse sentido que, anteriormente, não tinham tido acolhimento na Assembleia da República (AR). A primeira questão suscitada pelo PCP, através do seu grupo parlamentar, foi a uniformização do calendário da educação pré-escolar e do Ensino Básico , na sequência de uma petição chegada à AR (n.º 109/XIII/1). Mas, já em 2010 o grupo parlamentar do PCP tinha apresentado iniciativa sobre esta matéria.

E isto porque o actual governo, pelo Despacho n.º 8294-A/2016, que define o calendário das actividades educativas e escolares, prolongou as actividades lectivas por mais duas semanas no 1.º ciclo e mais uma semana no 2.º ciclo do Ensino Básico, relativamente ao que estava definido para o ano lectivo de 2015/2016. No ensino pré-escolar, a diferença para o 1.º ciclo ficou em mais uma semana de aulas.

Ora o acompanhamento pedagógico das crianças no seu percurso entre aqueles níveis de educação e de ensino não é compatível com calendários escolares distintos, impedindo, designadamente, a planificação, a avaliação e a articulação entre a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do ensino básico, o que acabou mesmo por contrariar o que consta em Despacho do Ministério, em termos da garantia do acompanhamento pedagógico das crianças no seu percurso entre aqueles níveis de educação e de ensino.

Os calendários escolares têm tido diferentes extensões. Nos anos 90 eram iguais para o Pré-Escolar e Ensino Básico, em matérias como cargas horárias, interrupções, cinco horas diárias lectivas. No início deste século o prolongamento das actividades lectivas por mais duas semanas para o pré-escolar não beneficiou, em termos pedagógicos a aprendizagem das crianças atendendo às suas idades e à fase de desenvolvimento cognitivo. Por isso, o PCP decidiu recomendar ao Governo que se uniformizasse o calendário escolar da educação pré-escolar.

Esta iniciativa levou à aprovação pela AR, sem votos contra, de recomendações do PCP e BE nesse sentido, com os votos a favor do PCP, BE, CDS, PEV e PAN e a abstenção de PS e PSD, em finais de 2016. Ambas as iniciativas baixaram à Comissão da Educação e Ciência para redacção final, seguindo de seguida para publicação no Diário da República.

Isso foi oportunidade para alguns contestarem esta medida, não junto da AR mas junto de pais, que têm um problema sério quanto à guarda das suas crianças para além do período lectivo e das actividades de animação e de apoio à família, porque têm longos períodos de trabalho profissional, muitas vezes precário, de que se não podem aliviar com facilidade. E nem sempre há avós disponíveis para receberem as crianças e proporcionarem outras experiências e momentos de lazer.

Esta é uma questão eminentemente social, a ser resolvida nessa vertente mas não se pode pedir aos educadores e professores maior elasticidade no seu tempo de trabalho. Nem os espaços destes apoios, incluindo os de lazer e brincadeira podem continuar a decorrer nos espaços das práticas lectivas. Estes são problemas sociais e educativos graves que o Estado deve encarar e procurar resolver. Ninguém deseja que as crianças encarem a escola como um espaço e um tempo de saturação, e que vão desenvolvendo em relação a ela alguma resistência.

«Importa prosseguir noutros passos que vençam o nosso atraso relativo, de forma consistente, coerente, liberta de concepções e práticas retrógradas no ponto de vista de classe e de experimentalismos doentios, do sonegar recursos humanos (e seus direitos) e materiais ao ensino.»

É evidente que há colégios que garantem aos pais ofertas de maior ou menor qualidade pedagógica. Mas são pagos a preços que a generalidade dos pais não pode suportar. Ora a Constituição garante a todos os portugueses uma escola gratuita e de qualidade. Em muitos desses estabelecimentos privados, os educadores e professores são recrutados, sujeitando-se a não terem direitos e a serem «pau para toda a obra», mesmo podendo ter salários equivalentes aos da educação e ensino públicos.

A continuidade ou não dos famosos «contratos» existentes dos governos com colégios e da criação de novos contratos foi o menu amarelo que durante meses todos os telejornais e «jornais de referência» nos serviram. O negócio de alguns privados galgou rapidamente das situações de supletividade, onde não havia oferta pública, e na base dos quais esses contratos se faziam e justificavam. Em muitos casos estes colégios recebem crianças de camadas sociais que não justificam o pagamento pelo Estado para terem um ensino gratuito quando isso seria pagar por uma opção livre de pais que, em geral, radica na necessidade de terem «estatuto» e não verem os seus filhos «misturados» com os filhos de camadas sociais mais debilitadas.

Mais recentemente, o PCP apresentou, um projecto-lei na AR que descentraliza as funções do director para três órgãos diferentes com distintas funções: o Conselho de Direcção, o Conselho Administrativo e o Conselho de Gestão.

Trata-se de uma iniciativa importante no caminho de uma gestão mais democrática, mais participada, desde logo pelos professores mas também com a intervenção de outros intervenientes no processo educativo, em particular os alunos, os trabalhadores não docentes e também os pais.

Ao conselho de direcção competiria a aprovação de documentos centrais como o projecto educativo da escola e o seu orçamento;

O conselho de gestão teria responsabilidades mais práticas na distribuição do serviço docente, constituição de turmas e elaboração de horários;

O conselho administrativo teria responsabilidades sobre a gestão financeira e o cumprimento das regras da contabilidade pública e outros preceitos legais aplicáveis às escolas.

Relativamente ao modelo de gestão anterior, mantém órgãos como o conselho pedagógico ou o conselho de turma.

Em declarações à comunicação social, a deputada comunista Ana Mesquita referiu que se criam novos espaços para a discussão entre estudantes: assembleias de turmas e assembleias de delegados de turma, com a intenção de criar uma série de mecanismos que fomentem a participação da comunidade escolar na gestão do seu estabelecimento de ensino.

O PCP considera que este projecto-lei reflecte as opiniões da comunidade escolar nesta matéria não está fechado e é apresentado como o ponto de partida para uma discussão que o partido entende ser necessária.

Depois desta apresentação, o BE também apresentará o seu próprio projecto.

Tratam-se, enfim, de medidas necessárias a uma consolidação de passos dados anteriormente. Os primeiros anos de escolaridade têm que ser tratados como a menina dos olhos da formação dos portugueses.

A escola que se transforma com o pulsar da democracia e dos interesses populares e nacionais, tem que contribuir para o desenvolvimento e a modernização e dispor de uma pedagogia democrática, deve apoiar-se na sua função cultural apoiando-se também noutros meios formativos e agentes socioculturais.

Importa prosseguir noutros passos que vençam o nosso atraso relativo, de forma consistente, coerente, liberta de concepções e práticas retrógradas no ponto de vista de classe e de experimentalismos doentios, do sonegar recursos humanos (e seus direitos) e materiais ao ensino.

Os retrocessos de políticas de direita relativamente às transformações positivas anteriormente ocorridas nos primeiros anos de escolaridade já custaram muito à educação e ensino, e ao entusiasmo da classe docente. Há que inverter este processo destrutivo.

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