Ao ler o texto publicado no Diário de Notícias online, da meia noite de 21 de junho, sobre a temática em epígrafe, faltou à autora assinalar que há serviços a prestar aos cidadãos que não podem estar subordinados ao lucro que a prestação de tais serviços acarretará a quem os presta.
Quem decide inserir a prestação de tais serviços na lógica de mercado e da pura concorrência adota uma decisão absurda geradora de lucros privados a expensas de danos públicos. Podemos, em retrospetiva, refletir sobre o que se tem passado na saúde e na educação, e podemos inferir o que se passará na segurança, na justiça e na componente militar da defesa nacional.
O caso dos incêndios florestais é um exemplo que ilustra à sociedade aonde nos conduziu a absurda decisão de considerar a componente de meios aéreos de combate como algo que anualmente deveria ser objeto de contratação privada face à ínfima participação de meios detidos pelo Estado.
Instalam-se interesses que se tornam poderosos e difíceis (mas não impossíveis) de tornar dispensáveis na dimensão que assumiram. E neste domínio de meios aéreos não é só no combate aos incêndios mas também na atividade de apoio à emergência médica onde pagamos muito mais do que se tal serviço fosse prestado por quem no Estado tem competências para o fazer.
Neste domínio das decisões absurdas, e acreditando que quem as toma está sincera e convictamente empenhado em adotar soluções que servem a esmagadora maioria dos cidadãos, importa refletir sobre o que definitivamente falhou para que acontecesse a catástrofe dos últimos dias.
Falhou ao mais alto nível da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) a recolha e análise das notícias para produção da informação essencial ao comando das operações. Só esta falha pode explicar a ineficácia no controlo da circulação rodoviária na zona... quantos avisos foram emitidos insistentemente nas rádios nacionais e privadas para que não se circulasse no que foi a estrada da morte? (a situação assim o justificava, está no plano fazê-lo? Estão as interligações entre a ANPC e a comunicação social estabelecidas? Está o direito da ANPC a impôr que tal seja difundido consagrado?). Só esta falha pode explicar que na fase em que Góis também já ardia se percebesse que não havia ação coordenada no empenhamento de meios atribuídos às várias zonas.
E porque ocorreu essa falha? As comunicações GSM (TETRA) entraram em falência (previsível), mas não creio que existisse no terreno uma alternativa (comunicações nas bandas HF, UHF ou VHF, para não mencionar por satélite).
Mas não é só a falha de comunicações (responsável pela não chegada das notícias recolhidas no terreno e a chegada ao terreno das instruções do comando) que determinou a insuficiência assassina do sistema de recolha de elementos descritores da situação. A tecnologia hoje existente em Portugal, e que está instalada em meios aéreos para a ANPC mobilizar, permite o mapeamento térmico de áreas extensas. Mas a mobilização desses meios só aconteceu já a catástrofe ocorrera, porque terá sido!?
O Comandante da ANPC para as operações desconhecia as capacidades dos meios disponíveis? É preciso que quem possui a autoridade para comandar evidencie conhecimento das capacidades que os meios que lhe estão atribuídos possuem, o que parece aqui não ter acontecido. Não posso deixar de assinalar que o conceito de Comando de Operações embarcado teria aqui pleno cabimento.
Os sensores de mapeamento térmico de área permitem agir com celeridade e assinalar a eminente entrada em combustão para lá de onde já está a arder e é aí, para lá de onde está a arder, que a intervenção de combate mais remuneradora se revelará.
A visão multidimensional que o sistema de comando embarcado permite, conjugada com o sistema de comunicações alternativo à solução GSM, poderia ter ajudado a minorar as consequências da catástrofe. Mas nesta como noutras situações não se podem repetir experiências comparáveis mas pode-se, isso sim:
– treinar, avaliar, melhorar;
– promover ciclicamente a análise de risco íntrinseca à gestão do mesmo;
– planear para a contingência.
Mas esta perspetiva, prevenindo o desastre não potencia o lucro.
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