Portugal (como qualquer país da União Europeia) está obrigado (Directiva 1999/70/CE, de 28 de Junho) a, desde 2001, ter uma lei que estabeleça as condições em que um qualquer trabalhador (do sector público ou do privado) deve ter direito a um contrato estável (vulgo entrar no quadro) a que a lei, agora, chama contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Acontece que, se é verdade que no Código de Trabalho se estabelece em que condições um trabalhador integra o quadro de uma empresa, já no sector público e, mais especificamente, no ensino e na investigação científica isso não acontece. Ou seja, o Estado Português encontra-se em incumprimento desde 2001 em relação aos trabalhadores que para ele trabalham. Curioso, não é? Os governos fiscalizam a acção das empresas neste domínio, mas não fazem o mesmo em relação a si mesmos, o que é uma desmesurada hipocrisia. E tem sido desta forma que os sucessivos governos têm agido.
Para ilustrar ainda melhor a situação, refiro que Mariano Gago fez publicar dois decretos-lei em 2009 (para o ensino superior politécnico e para o universitário) que procederam à revisão dos respectivos estatutos de carreira e que integram no seu articulado uma norma que é o «avesso» do que aquela directiva estabelece.
Com essa norma estatutária, caso se verifique continuar a ser necessário contratar um professor a termo resolutivo (figura do contrato a termo na administração pública), pode a sua instituição renovar o contrato até ao limite de mais três anos. Ou seja, o Estado reconhece a necessidade permanente daquele trabalhador, mas, em vez de lhe dar estabilidade, impõe que a entidade que contrata (a Universidade ou o Instituto Politécnico) converta um contrato a tempo integral de um docente convidado (ou dedicação exclusiva, o que aumenta o seu vencimento em mais 30%, mediante, como é óbvio, determinadas condições), após quatro anos sucessivos de contrato a tempo integral ou dedicação exclusiva, num contrato a tempo parcial ou lhe dê um chuto e diga que não quer manter qualquer relação laboral com esse docente. Ou seja, o inverso do que estabelece o Código de Trabalho para o sector privado.
Não seria honesto se não acrescentasse ao que aqui refiro que nada impede que uma instituição de ensino superior, verificada a necessidade de trabalhador para aquela função, abra concurso para ingresso em lugar de categoria da carreira. Porém, as limitações orçamentais, nuns casos, e razões de ordem ideológica, noutros, que as leva a optar pelos regimes mais frágeis e precários de emprego, fizeram com que esses concursos não surgissem.
«(...) nada impede que uma instituição de ensino superior, verificada a necessidade de trabalhador para aquela função, abra concurso para ingresso em lugar de categoria da carreira.»
Resultado: Ao contrário do que se conseguiu fazer em relação ao ensino superior politécnico, onde novamente a precariedade tem vindo a ganhar terreno, com a intervenção de qualidade da FENPROF, quer junto dos governos, quer da Assembleia da República, no ensino superior universitário a situação foi-se agravando e há professores que têm perdido os seus contratos e vão continuar a perder se nada se fizer a nível institucional.
Daí a contraproposta da FENPROF ao anteprojecto do MCTES entregue no dia 27 de Junho. Anteprojecto, aliás, que surgiu na sequência da persistente intervenção da FENPROF que tem vindo a organizar a contestação destes professores.
Há, contudo, vários professores auxiliares convidados e associados convidados, logo contratados a tempo parcial com sucessivas renovações de contrato e perdas salariais elevadas que, apesar de serem altamente qualificados, o MCTES não lhes reconhece o direito a um contrato estável, fazendo com que saiam das instituições a que pertencem e onde são necessidades permanentes.
Com os Leitores a situação poderá ser ainda mais grave.
Os leitores são professores apesar de não serem considerados como tal. Leccionam Língua Estrangeira (de origem), orientam mestrados, são responsáveis por cadeiras como escrita criativa ou técnicas de tradução, didáticas do ensino das línguas, etc…, nasceram noutro país que não Portugal, mas, na maior parte, fixaram-se cá.
Há casos de professores que têm mais de 30 anos de serviço, muitos são doutorados e têm um contrato anual que pode, no máximo, ser renovado por mais três vezes, ou seja três anos. A alternativa é o desemprego ou um contrato de miséria (sem qualquer estabilidade e, de enorme incerteza) através da passagem para tempo parcial a 50%, mas mantendo as cargas horárias imensas e tendo um corte no vencimento na ordem dos 60% por perderem o direito ao reforço salarial por dedicação exclusiva. Significa passar para pouco mais de 845 euros o que, com os descontos, vai andar na ordem dos 500 euros líquidos. Ora, estes professores não têm condições de continuar a viver cá e muitos, os que ficam, não passam a viver muito bem.
A situação no ensino superior universitário é tudo menos transparente, designadamente em relação ao regime de contratação praticado em algumas delas.
Por exemplo, em relação à Universidade de Coimbra (instituição respeitada pelo que se vê de fora, mas altamente criticada por dentro) há podres que são inconcebíveis, designadamente em relação ao regime de contratação. Situação de que já foram feitas duas queixas à Provedoria de Justiça e que, da última (resultado conhece-se há dias), se conheceu concordância da Provedoria com a opinião do autor da queixa (o Sindicato dos Professores da Região Centro). A Provedoria de Justiça voltou, aliás, a reiterar a sua posição junto da Reitoria da Universidade de Coimbra.
Daí que a persistência e o envolvimento sindical sejam os únicos antídotos, de momento, para estes problemas que afectam o sector e que entroncam todos no mesmo vício, o de procurar tirar maior proveito da exploração do trabalho. Não deixa, contudo, de ser lamentável a proveniência: uma universidade que é pública e que, por isso, é de todos nós.
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