|Ciência

Desemprego científico: uma política com quatro séculos!

Precisamos, sim, de novos instrumentos. Precisamos de uma estratégia para a ciência, com os investigadores e pelos investigadores, de uma estratégia de estabilização e dignificação da profissão.

A precariedade afecta significativamente a investigação científica em PortugalCréditos / Universidade do Porto

«Por vezes os limites estão connosco e não nos instrumentos que nós temos à nossa disposição.»
Elvira Fortunato

No passado dia 31 de março decorreu, na Universidade de Coimbra (UC), a terceira sessão das celebrações dos 25 anos da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Com abertura da presidente da FCT, Helena Pereira, contando com a presença do reitor da UC, Amílcar Falcão, que também discursou, muitos eram os que aguardavam, quer na sala, quer remotamente, o discurso de encerramento da recém-empossada ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, que se fez acompanhar pelo seu secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Lopes Teixeira, neste que foi o seu primeiro ato oficial.

Helena Pereira fez a sua apresentação intitulada «Emprego científico: caracterização e evolução nos últimos 25 anos». Por entre os ilustres e coloridos gráficos pouco galvanizantes, recorrendo à história do cientista Robert Hooke (1735-1703) e seu difícil início de carreira, eis que a todos surpreendeu ao traçar um paralelo extraordinário com o percurso dos investigadores de hoje, proferindo até: «Hooke é o que eu considero o primeiro bolseiro de investigação que foi contratado, e foi contratado sem salário! [...] Este percurso é uma base, ou pode ser utilizado, para algumas considerações sobre a atividade científica. [...] Numa primeira fase de uma atividade científica em que as pessoas são, vendo bem, executante experimentais, há muitas vezes a dependência de um, ou de mais do que um, patrono. Ora bem, isto chama-nos a atenção para a necessidade de equacionar aspetos como seja a qualidade e a ética da orientação e nos aspetos todos de integridade científica que impeçam, por exemplo, aquilo que aconteceu com o Robert Hooke, que era da apropriação indevida do seu trabalho e das suas descobertas por outros.» E eu que já pensava que as bolsas eram, como dizia o até há dias ministro Manuel Heitor, a melhor garantia de liberdade de pensamento… Afinal, os investigadores no seu início de carreira não só não passam de meros executantes de um projeto que não é seu, como parece haver ainda apropriação indevida da sua atividade intelectual.

«É de salientar a triste evidência de que só se mantém nesta profissão quem pode, isto é, quem vem de um meio socioeconómico que lhe permita aguentar anos de precariedade e de incerteza, assim como a evidência de que, devido à precariedade e pressão para publicar resultados, e publicá-los rapidamente, para se conseguir uma nova bolsa ou um novo contrato, se está a contribuir para que não haja tanta novidade na ciência»

Entre gráficos, Helena Pereira mostra como o número de investigadores aumentou de 15 752 em 1999 para 53 174 em 2020, tendo também aumentado de 12,7% para 41,3%, em igual período, os investigadores em empresas. Evidentemente que é de louvar o aumento do número de investigadores em atividade, mas quantos investigadores que trabalham em empresas, enquanto pagos pela FCT, são de facto posteriormente contratados por essas empresas, ou outras, é um número nunca apresentado. Pôde ver-se também, embora não tenha sido chamada atenção para isso, como o arranque na subida do número de investigadores contratados só acontece em 2019, embora a lei que regulamentou essa contratação seja de 2016. Igualmente curioso é a FCT não contabilizar a existência de nenhuma bolsa de pós-doutoramento desde 2017, apenas porque não as atribui diretamente, mas as instituições e os projetos ainda as atribuem.

Cláudia Sarrico, do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES), apresentou alguns aspetos do relatório da OCDE de maio de 2021 sobre a precariedade na investigação na academia. É de salientar a triste evidência de que só se mantém nesta profissão quem pode, isto é, quem vem de um meio socioeconómico que lhe permita aguentar anos de precariedade e de incerteza, assim como a evidência de que, devido à precariedade e pressão para publicar resultados, e publicá-los rapidamente, para se conseguir uma nova bolsa ou um novo contrato, se está a contribuir para que não haja tanta novidade na ciência. Para todos os que afirmam que a estabilidade torna os investigadores menos produtivos, eis aqui a evidência do seu contrário.

Finalmente, após uma mesa-redonda onde com engenho e arte se conduziu a discussão para as maravilhas da carreira única (docência e investigação, uma outra variedade do teatro para o qual nos tentam há muito vender bilhete), eis que se chega ao encerramento. A nova ministra sobe ao palanque e, naquele que parece ter sido o discurso recorde de todos os primeiros atos oficiais de qualquer ministro — três minutos e quinze segundos — parabenizou a FCT, agradeceu aos presentes e despediu-se. No entanto, mesmo com tão poucas palavras, numa sessão dedicada ao tema «Emprego Científico e Carreiras Científicas», parece ter deixado já clara qual será a política a seguir no que toca à ciência, ao dizer: «Por vezes os limites estão connosco e não nos instrumentos que nós temos à nossa disposição.»

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Nuno Peixinho: A insustentável precariedade de um astro

O asteróide (40210) 1998 SL56 passa agora a chamar-se (40210) Peixinho, por decisão da União Astronómica Internacional (UAI), em homenagem ao astrofísico português. 

Nuno Peixinho, astrofísico e investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), Universidade de Coimbra 
Créditos / Universidade de Coimbra

Não é todos os dias que se tem o nome a orbitar o sistema solar. Aconteceu ao investigador Nuno Peixinho, resultado do seu trabalho na área da astrofísica.

Agora, (40210) Peixinho é um dos 22 505 pequenos corpos que orbitam o sistema solar, num universo de mais de um milhão de astros catalogados. Com um diâmetro de aproximadamente dez quilómetros, seria o suficiente para, num embate com o planeta Terra, desencadear um evento de extinção em massa, igual ao que acabou com o tempo dos dinossauros.

Não há nenhum risco de que isso venha a acontecer com o asteróide agora batizado com um nome português. Faz parte da «cintura de asteroides, entre as órbitas de Marte e Júpiter, e orbita o Sol a uma distância média três vezes superior à que separa o Sol e a Terra, completando uma órbita em cerca de 5,3 anos».

No entanto, o investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), da Universidade de Coimbra, não esteve envolvido na sua descoberta, a 16 de setembro de 1998, durante uma campanha de observações do Observatório de Lowell, nos EUA.

Porém, pelo seu percurso de investigação e pelos contributos que tem dado nos últimos anos com o seu trabalho a este sector, foi atribuído o nome de Peixinho a um corpo celeste (em que se incluem asteróides, cometas e os seus satérites) pelo Grupo de Trabalho para a Nomenclatura de Pequenos Corpos da União Astronómica Internacional (UAI). Com esta iniciativa procura-se reconhecer o trabalho e contribuição de cientistas da área, preservando assim os seus nomes e proecando-os no espaço.

«Consegui ter um asteróide para sempre mas não consigo deixar de ter contratos precários»

Em declarações ao AbrilAbril, Nuno Peixinho, um de quatro investigadores do IA no pólo de Coimbra, com contrato a termo certo, descreveu o seu percurso, sempre precário, pela área da investigação científica. Tecnicamente começou «em 1998, com bolsazinhas e bolsazecas, tive uma vez um contrato de cinco anos, a termo certo, e depois emigrei para o Chile, "emigrado mesmo", porque queria ir embora e era para nunca mais voltar».

Só por acaso decidiu voltar para Portugal, aceitando «aquilo que havia disponível, mais três anos de bolsas» e onde, entretanto, conseguiu ganhar um novo contrato a termo certo, «do qual já passaram dois anos e meio de um máximo de seis, a receber menos».

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Quatro anos depois, o PREVPAP ainda não chegou a todos

Para o secretário-geral da Fenprof, é «inacreditável» que, mais de quatro anos depois, ainda haja homologações em falta e, portanto, trabalhadores e serviços suspensos à espera da conclusão dos processos.

CréditosMário Cruz / Lusa

Algumas dezenas de docentes e investigadores concentraram-se, esta manhã, em frente ao Ministério das Finanças, para assinalarem o quarto aniversário das suas candidaturas ao Programa de Regularização dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), sendo que, muitos deles, não conseguiram ainda solucionar a situação de precariedade em que trabalham há vários anos.

Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof/CGTP-IN), lembrou que o PREVPAP teve início com a publicação, a 3 de Maio de 2017, da portaria que «estabelece os procedimentos da avaliação de situações a submeter ao programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e no sector empresarial do Estado».

No ano passado, a 25 de Junho de 2020, o Conselho de Ministros aprovou a resolução destinada a «concluir este processo de forma célere», «procurando (...) a forma mais ágil de dar resposta aos processos que ainda se encontram pendentes», e na qual «são previstos prazos para a conclusão efectiva do procedimento».

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Ensino Superior: Finanças retêm homologação de 116 trabalhadores

Exigindo o «urgente desbloqueamento do processo», a Fenprof enviou uma carta ao primeiro-ministro sobre o atraso na integração destes trabalhadores, no âmbito da regularização dos vínculos precários.

Ouviram-se intervenções de vários investigadores sobre a situação vivida no sector, Centro de Congressos de Lisboa, 9 de Julho de 2019
Créditos / ABIC

Há mais de cinco meses que o Ministério das Finanças retém a homologação de 116 pareceres favoráveis do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários do Estado (PREVPAP), relativos a Instituições do Ensino Superior.

Segundo a Federação Nacional dos Professores (Fenprof/CGTP-IN), o ministro das Finanças não está a cumprir a resolução do conselho de ministros que fixa o prazo de cinco dias úteis para que este decida sobre a homologação dos processos do PREVPAP.

Os prejuízos causados a estes 116 requerentes são elevados, pois só após a homologação adquirem o direito à prorrogação dos contratos, ou ao retomar dos que tenham, entretanto, cessado, refere a Fenprof.

Para além destes casos, a estrutura sindical lembra que se encontram igualmente pendentes no Ministério das Finanças 28 despachos para homologação, três ainda com data de 2018 e 2019, e os restantes 25 datados de 2020.

A Fenprof sublinha que a aplicação do PREVPAP nas instituições de Ensino Superior foi caracterizada por uma «enorme ineficácia» uma vez que só 13% dos requerentes obtiveram parecer favorável.

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Uma vez que é no Ministério das Finanças que a questão parece ter ficado bloqueada, os manifestantes marcaram presença no protesto para «não deixar cair estas situações no esquecimento» e pressionar a tutela a avançar com as homologações em falta e a fechar definitivamente o processo.

Os docentes e investigadores presentes aprovaram uma moção intitulada «Pela homologação imediata dos pareceres favoráveis; pela abertura de concursos de regularização de vínculos das homologações já deferidas», que foi entregue em mão a representantes do Ministério.

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Muito  embora este tipo de contrato pareça garantir, à primeira vista, uma maior segurança na vida do investigador científico, não se altera a condição precária do seu vínculo laboral. Refém de um prazo iminente, é impossível garantir que o seu término não implicará deslocações para outras cidades, para o estrangeiro, ou se, por e simplesmente, não conseguirá dar continuidade ao seu trabalho de investigação.

Esta é a condição em que Nuno Peixinho e milhares de colegas na mesma situação vivem hoje, a que acresce o facto de, muito embora cumprindo «exactamente as mesmas funções dos que estão na carreira, recebemos menos 500 euros».

A intenção, já muitas vezes anunciada mas nunca cumprida, de proceder à integração destes trabalhadores nos quadros das universidades e centros de investigação, vem acrescentar novas dificuldades e interrogações à geração de Nuno Peixinho, que defende que «isto é uma autêntica praça de jorna. Não conseguimos lugares porque estava tudo congelado e agora, quando abrirem, vão os novos e saltou-se uma geração, e não ficamos com nada».

A solução tem de passar por «abrir lugares para as carreiras, e haver uma política de integração nas carreiras. Se não daqui a três anos há uma leva de vários milhares, quatro a seis mil investigadores que, de repente, não têm nada». Lamenta, assim, que seja já claro «que não há plano nenhum para os integrar».

O astrofísico mantém a perspectiva de «continuar em Portugal para sempre», mas recusa sustentar ilusões, «se vir que a única maneira de continuar o meu trabalho é ir para fora, vou para fora outra vez, isto aqui é precário até morrer».

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E não são precisos mais do que três minutos e quinze segundos para, então, antecipar aquilo que está em antevisão para esta legislatura. Não só o discurso já é aquele a que Manuel Heitor e seus antecessores nos habituaram, como, afinal de contas, os limites estão em nós e não na intransigência dos reitores em contratar investigadores, na falta de investimento público em ciência, no bloqueio à carreira de investigação ou sequer nos 8%-10% de taxas de aprovação nos concursos de estímulo ao emprego científico. Os limites estão em nós e não numa cultura de ciência a prazo, pronta a consumir, feita por um exército de mão-de-obra tão qualificada quanto precarizada, ao abrigo de um estatuto que não garante os mais básicos direitos laborais. Os limites estão em nós e não no roda e bota-fora preconizado há um ano por Elvira Fortunato quando dizia: «[...] nunca tivemos tantos investigadores em situação de alguma estabilidade como agora, mas a ciência é dinâmica, as equipas rodam, os cientistas entram e saem. Nunca podemos ficar com todos os alunos de doutoramento que se formam nos nossos laboratórios, eles têm de ser os nossos embaixadores junto das empresas e contribuir para a economia nacional e europeia.»

Mas nós já somos embaixadores e vencer limites é, precisamente, a nossa especialidade. Precisamos, sim, de novos instrumentos. Precisamos de uma estratégia para a ciência, com os investigadores e pelos investigadores, de uma estratégia de estabilização e dignificação da profissão. Em suma, precisamos de um ministério forte e corajoso capaz de ultrapassar os seus próprios limites.

O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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