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Abono de família, um direito da criança

Continuar o caminho de reforço do abono de família é também uma das questões que estão presentes na discussão do Orçamento do Estado para 2018.

O ano de 2017, fruto de uma proposta do PCP e da discussão do Orçamento, foi marcado por um reforço do abono de família para milhares de crianças, com aumentos no mês de Abril, com retroactivos a Janeiro, e posteriormente no mês de Julho.

Foi consagrada a reposição do quarto escalão, abrangendo as crianças até aos três anos, aumentos progressivos nos montantes para crianças até aos três anos dos primeiros três escalões, o aumento dos montantes para as famílias mais numerosas – com duas ou mais crianças com idades entre os 12 e os 36 meses –, e o aumento de 35% nos casos de monoparentalidade e de deficiência, assim como a valorização no abono pré-natal.

Este foi um avanço, enquadrado na reposição de direitos e rendimentos, mas que fica ainda aquém das necessidades, tendo em conta o papel que deve assumir o sistema público de Segurança Social – assegurar a protecção social da maternidade e paternidade, e defender os direitos das crianças e jovens, nomeadamente num contexto de vários anos marcados pelo agravamento das condições de vida, com destaque para a acção do governo do PSD e do CDS-PP e as orientações da troika. Discutem-se então avanços para 2018.

Um percurso marcado por cortes de sucessivos governos

O relatório da Unicef «As crianças e a crise em Portugal – Vozes de Crianças, Políticas Públicas e Indicadores Sociais, 2013» refere que «entre 2010 e 2013 houve uma redução do apoio económico do Estado às famílias», acrescentando que, «a partir de 2010, o acesso a prestações sociais que depende do rendimento das famílias – e.g. abono de família, acção social escolar, subsídios sociais de parentalidade, rendimento social de inserção e subsídio social de desemprego – ficou mais restrito, não só em termos de famílias beneficiárias mas também dos montantes atribuídos».

Uma criança cuja família sobrevivia com um rendimento mensal de referência de 628,80 euros, que correspondia ao quarto escalão de rendimentos, perdeu o abono de família com a aplicação do Decreto-Lei n.º 116/2010.

O percurso de ataque ao abono de família remonta a 2003, com um governo do PSD, em que foi imposto que esta prestação deixasse de ser universal, passando a depender do rendimento das famílias e de acordo com cinco escalões.

Já em 2010, com um governo PS, foi aplicado o Decreto-Lei n.º 70/2010, que representou a imposição de um «filtro» para o acesso aos apoios sociais (com o estabelecimento de regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para verificação das condições de recursos), que afastou do seu acesso milhares de portugueses e que, relativamente ao abono de família, conjugado com o Decreto-Lei n.º 116/2010, eliminou o aumento extraordinário de 25% no primeiro e segundo escalão e eliminou a atribuição do abono aos quarto e quinto escalões de rendimento. O Decreto-Lei n.º 77/2010 também eliminou, menos para o primeiro escalão, a 13.ª prestação, dada em Setembro para compensar os pais dos encargos escolares.

É o próprio relatório da Unicef que afirma que, «com a nova ponderação (designada por capitação de rendimento), o rendimento do agregado familiar acaba por aumentar sem que a família tenha efectivamente aumentado o seu rendimento, podendo ficar acima do limite a partir do qual já não se podem receber prestações sociais».

Neste contexto, contabilizavam-se cerca de 650 mil crianças e jovens que perderam o abono de família devido à cessação do pagamento ao quarto e quinto escalão e à alteração da condição de recursos. Acresce que cerca de 1 milhão e 75 mil beneficiários sofreram um corte de 25% e que mais de 13 mil crianças e jovens perderam a bonificação por deficiência do abono de família.

Contexto na nova legislatura

No Orçamento do Estado para 2016, já no contexto de uma nova correlação de forças na Assembleia da República e com um governo minoritário do PS, foi estabelecido que os valores mensais do abono de família para crianças e jovens seriam actualizados por portaria, no prazo de 30 dias, em 0,5% no segundo escalão e terceiro escalão de rendimentos, e que o valor da bonificação por deficiência seria actualizado em 3%.

Entre Dezembro de 2009 e Dezembro de 2015, 641 083 crianças perderam o direito ao abono de família.

Foi no Orçamento do Estado para 2017, por proposta do PCP, que foi reposto o quarto escalão e introduzida a perspectiva de, nos primeiros 36 meses de vida, o montante do abono de família para crianças ser majorado. O quarto escalão está a ser pago até aos 36 meses e estima-se que abranja até 130 mil crianças, com impacto previsto de cerca de 9 milhões de euros.

Está ainda definido que, durante a legislatura, os valores pagos até aos 36 meses serão progressivamente aproximados dos valores pagos até aos 12 meses (sendo que em 2018 os montantes sofrerão novos aumentos), até que, abaixo dos 36 meses, todas as crianças recebam o mesmo que se recebe até ao primeiro ano de vida no respectivo escalão.

Hoje, acedem ao abono as crianças cujo agregado tenha um rendimento de referência igual ou inferior ao valor estabelecido para o terceiro escalão de rendimentos, ou igual ou inferior ao quarto escalão de rendimentos, no caso de crianças com idade inferior a 36 meses ou que sejam consideradas pessoas isoladas.

O rendimento de referência é calculado pela soma do total de rendimentos de cada elemento do agregado familiar (remunerações – incluindo subsídios –, pensões, outras prestações e apoios sociais), a dividir pelo número de crianças e jovens com direito ao abono de família, nesse agregado, acrescido de um.

A medida permitiu ainda que os montantes fossem majorados nas famílias mais numerosas – duas ou mais crianças com idades compreendidas entre os 12 meses e os 36 meses –  e nas situações de monoparentalidade, nestes casos 35% sobre os respectivos valores.

Valores referentes ao reforço do abono de família após 1 de Julho de 2017 (euros)

 Até 1 anoEntre 1 e 3 anosMais de 3 anos
1 filho2 filhos3 ou mais filhos
AntesAgoraAntesAgoraAntesAgoraAntesAgoraAntesAgora
1.º escalão140,76146,4235,1973,2170,38109,81105,57146,4135,1936,60
2.º escalão116,74120,8629,1960,4358,3890,6587,87120,8729,1930,22
3.º escalão92,2995,0826,5449,9353,0377,2876,62104,6226,5427,35
4.º escalão018,91018,91018,91018,91--

Possibilidades de avançar em 2018?

A reposição integral do quarto escalão (alargando-o além dos 36 meses) e a recuperação do quinto escalão, conforme vigorava, abrangeria entre 98 mil e 178 mil crianças.

No sentido de caminhar para a concretização do abono de família como um direito da criança e, portanto, universal, o PCP tem defendido há largos anos, entre outras questões, a revogação da condição de recursos imposta pelo Decreto-Lei n.º 70/2010 para atribuição do abono de família ou a reposição da totalidade dos escalões (seis) para efeitos de atribuição do abono de família, avançando no sentido da sua universalidade. Houve sempre rejeição por parte de PSD, PS e CDS-PP.

A discussão protagonizada para o Orçamento do Estado de 2018 será decisiva para perceber que avanços serão assumidos. O programa do Governo afirma o aumento dos montantes do abono de família, do abono pré-natal e da majoração para as famílias monoparentais beneficiárias de abono de família e de abono pré-natal, e a reformulação «das classes de rendimento de acesso ao abono de família para que as crianças em situação de pobreza e, em particular, em situação de pobreza extrema, tenham acesso a recursos suficientes para melhorar significativamente o seu nível de vida». No entanto, é visível que as medidas tomadas estão ainda longe de serem suficientes.

Cumprir os direitos das crianças

A Revolução de Abril de 1974, com a conquista de direitos económicos e sociais, abriu o caminho de construção e garantia dos direitos das crianças nas suas múltiplas dimensões.

A Constituição da República Portuguesa, no seu Artigo 69.º, afirma que cabe ao Estado e à sociedade proteger as crianças «com vista ao seu desenvolvimento integral», e contra todas «as formas de abandono, de discriminação e de opressão», podendo afirmar-se que as crianças e os jovens são um dos fundamentos das prestações familiares.

Este papel do Estado é tão mais concretizado na medida em que se trabalhar para um sistema de prestações familiares de acesso universal. O que a realidade mostrou nos últimos anos, e com o seu agravamento com as medidas da troika, subscrita pelo PS, PSD e CDS-PP, é que o universo de famílias a acederem a estas prestações foi sendo cada vez mais reduzido, correspondendo maioritariamente a agregados que vivem em situações de pobreza extrema ou próximas desta, com base em critérios economicistas.

Os cortes em importantes prestações sociais, em que se inclui o abono de família, representaram a negação do papel do Sistema Público de Segurança Social no combate às situações de risco de pobreza, a que as crianças e jovens estão particularmente expostos, negando-lhes as condições básicas para um crescimento e desenvolvimento harmonioso e seguro.

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