Carlos Almeida, vice-presidente do Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM) tem chamado a atenção para uma «uma estranha e duradoura aliança entre o anti-semitismo, os interesses imperiais das potências ocidentais e o movimento sionista».
Uma cooperação entre o movimento sionista judeu, estabelecimento de um estado judaico na zona da Palestina, e correntes anti-semitas, que expresse hostilidade aos judeus parece à partida uma contradição. Mas tem de facto uma história e está muito patente hoje em dia, algo ainda mais vivo e claro durante a presidência de Donald Trump.
«Semita» refere-se a qualquer descendente do filho mais velho de Noé, Sem, e nesse sentido inclui não só os Hebreus mas também os Amoritas, Arameus, Árabes, Cananeus, Fenícios, e Hicsos e Sírios.
Porém, o termo «anti-semita» ganhou uma associação especificamente anti-hebraica na Alemanha, no final do século XIX. Foi aliás em resposta a um crescente anti-semitismo na Europa Central e Oriental que surgiu o moderno sionismo, enquanto movimento nacionalista Hebreu. Mas já anteriormente, no século XIX, diversos cristãos, sobretudo correntes protestantes dispensacionalistas, apelavam ao regresso dos Judeus à Palestina.
O dispensacionalismo tem uma leitura literal da bíblia, organizada em sete dispensações (ou administrações), terminando com o Reino Milenar, período de mil anos do reino de Jesus na terra, centrado em Jerusalém.
Esta fase inicia-se com a Segunda Vinda de Cristo à terra, o arrebatamento, os sete anos de tribulação, a batalha do Armagedon e o estabelecimento do Deus na Terra.
Para que toda esta profecia se cumpra, é preciso que antes seja cumprida a promessa de Deus aos Judeus do Velho Testamento (no Apocalipse) e seja concretizado o reino de Israel. Acreditando numa separação entre a Igreja e a nação de Israel no programa de Deus, não há incompatibilidade entre ver cumprir o estabelecimento do estado de Israel e manter a hostilidade face aos judeus.
Assim se compreende como Robert Jeffress, pastor da Primeira Igreja Batista em Dallas e televangelista, apoie o Estado de Israel mas acredite que os judeus vão para o Inferno (assim como os Mórmons, Islâmicos e Hindus).
Ou ainda mais extremo, que o John C. Hagee, um televangelista que fundou «Cristãos Unidos por Israel», o mais influente membro do lóbi pró-Israel e líder de uma igreja em San Antonio, no Texas, tenha afirmado que Hitler e os Nazis foram agentes divinos enviados por Deus, como parte do seu plano para que os Judeus voltassem a Israel: «Porque aconteceu [o Holocausto]? Porque Deus disse que a minha prioridade para os Judeus é que retornem à terra de Israel.»
Tal como para Hagee, o furacão Katrina caiu sobre Nova Orleans (em 2005), como castigo pelos pecados dos seus cidadãos, o Holocausto resultou de uma maldição antiga pelos antigos Hebreus idolatrarem ídolos.
É pois significativo que para a inauguração da embaixada dos «Estados Unidos na [sic] América» (segundo palavras de Ivanka Trump durante a cerimónia) tenham sido precisamente Jeffress e Hagee as figuras religiosas escolhidas para dar a invocação e benção de encerramento, respectivamente.
Na cerimónia, enquanto dezenas de manifestantes palestinos eram mortos na Faixa de Gaza, Jeffress afirmava que Israel é «uma benção ao mundo inteiro, através das suas inovações na medicina, tecnologia e energia. Mas sobretudo Israel tem abençoado este mundo apontando-nos para Ti, o único verdadeiro Deus, através da mensagem dos seus profetas, as escrituras e o Messias.»
Em linha com estas visões proféticas, Zalman Wolowik, um rabino ortodoxo e director no Chabad das Cinco Cidades, e único rabino a falar na cerimónia, agradeceu «os EUA pela sua decisão corajosa e a reconfirmar o que o Tora documenta. Está nas nossas preces que muito em breve haverá um mundo de paz e harmonia».
A figura e participação de Jeffres na cerimónia é de tal forma controversa que o próprio Departamento de Estado dos EUA teve de emitir um comunicado esclarecendo que não o havia convidado.
O convite fora dirigido pelo Embaixador dos EUA em Israel, David Friedman, que já várias vezes fez declarações que obrigaram a Administração dos EUA a algum afastamento por não reflectirem as políticas oficiais. Por exemplo, afirmando que os colonatos são parte de Israel, propondo o nome Israelita para a Cisjordânia (Judeia e Samaria) (Friedman é um financiador do colonato de Beit El, na Cisjordânia.)
Israel tem tal importância para a corrente evangélica, que são capazes de apoiar Trump, apesar do seu investimento em casinos, seus divórcios, relações com actrizes porno, já para não falar nos mais que evidentes casos de adultério, qualquer dos quais pecado suficiente para, à semelhança do referido acima, a mais severa admonição.
Jerry Falwell Jr, presidente da evangélica Universidade Liberdade afirmou: «Deus disse que o Rei David era um homem à sua imagem embora fosse adúltero e assassino.» Acrescentando depois: «Penso que os evangélicos encontraram [em Trump] um presidente de sonho.»
Durante a campanha primária, em 2016, a popularidade de Trump entre os evangélicos – que tendencialmente apoiam candidatos republicanos devido às suas posições sociais conservadores em temas como o aborto ou a homossexualidade – não era assinalável, nunca superando os 50%.
Mas, após a desistência de Ted Cruz, muitos afluíram a corrente populista em torno de Trump, e a sua popularidade subiu para os 61%.
Uma sondagem do Public Religion Research Institute (PRRI), conduzida no passado mês de Abril, indica que o apoio evangélico a Trump atingiu um pico de 75%, em comparação com o apoio da generalidade da população de 42%.
Os evangelistas e sionistas cristãos são um grupo numeroso e influente cujo apoio Trump não pode ignorar, e a quem tem procurado agradar, com sucesso. Antes da inauguração da embaixada, Hagee disse à Fox News: «Posso assegurar que os 60 milhões de evangélicos estão a observar atentamente esta promessa, porque se o Presidente Trump mover a embaixada para Jerusalém, irá dar um passo histórico para a imortalidade. Será recordado por milhares de anos pelo seu acto de coragem em tratar Israel como já tratamos outras nações.»
Estranhamente é Trump que confunde o prato de comunhão com o cesto dos donativos, quem abre as portas para o Reino Milenar.
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