Ao contrário do que, inocentemente, poderá ainda pensar-se, zurzir alguém com a acusação de dar asas a «teorias da conspiração» não é um argumento banal de uma discussão de café, ou mesmo de salão ou de comentadores encartados com escasso jeito para lidar com opiniões diferentes.
No estado actual do mundo e das forças que o dominam numa amplitude que pretendem global, o «conspiracionismo» foi elevado a preocupação central das centrais de inteligência, ideológicas e de propaganda que abastecem o poder militar e de segurança, os governos e a comunicação social main stream com os fundamentos para as suas condutas.
Combater o «conspiracionismo», definido não apenas como atentado à democracia mas também como uma espécie de subproduto do terrorismo e da «ameaça russa», tornou-se um objectivo de estruturas de espionagem e propaganda criadas especificamente no âmbito da NATO, da União Europeia e do aparelho de poder norte-americano.
É o caso do Serviço de Comunicação Estratégica da NATO, instalado em Riga, na Letónia, com a participação da Alemanha, Estónia, Itália, Luxemburgo, Polónia e Reino Unido; e de uma unidade de Comunicação Estratégica criada no âmbito do Serviço Europeu de Acção Externa, dirigida pelo espião do MI6 britânico, Giles Portman, que distribui duas vezes por semana, a numerosos jornalistas europeus, o argumentário actualizado para demonstrar as malfeitorias de Moscovo.
O governo britânico criou uma brigada para contrariar «a propaganda estrangeira», que actua em coordenação com a 361.ª brigada de assuntos civis do exército de terra dos Estados Unidos, a funcionar na Alemanha e em Itália. Os Estados Unidos formaram uma unidade sobre a guerra da informação dentro do Centro para a Análise Política Europeia, entregue, entre outros, a Edward Lucas, um dos chefes de redacção do The Economist, como se sabe uma bíblia do main stream.
Entretanto, o Parlamento Europeu aprovou há um mês uma resolução sobre «A Comunicação Estratégica da União para combater a propaganda contra ela dirigida por terceiros»; na mesma ocasião, o Washington Post deu voz destacada a um grupo designado «Propaganda or Not», que publicou a lista de 200 websites acusados de estar «ao serviço do Kremlin» e da «propaganda russa» para intoxicar a opinião pública norte-americana e fazer eleger Trump, o que se harmoniza com as teses postas a circular pela CIA e o FBI sobre o papel de Moscovo nas eleições presidenciais norte-americanas; por seu turno, o Serviço de Comunicação Estratégica da NATO já elaborou um «Manual de comunicação estratégica» a adoptar pelos serviços da organização.
É fácil deduzir que este sistema capilar de espionagem, manipulação, intriga e delação também está vocacionado para ser uma antecâmara da perseguição e da criminalização dos cidadãos e entidades que sustentam e divulgam as supostas «teorias da conspiração»; isto é, as medidas tomadas como alegada defesa na guerra da informação traduzem, afinal, mais um avanço na repressão do direito de expressão, do exercício de discordar das versões comumente adoptadas sobre factos e acontecimentos que recheiam os discursos oficiais e a comunicação social dominante, servindo de base ao roteiro com que deve ser acatada a ordem mundial e global.
«Devemos agir a nível europeu, e mesmo internacional, por um quadro jurídico a definir de modo a que as plataformas de Internet que gerem as redes sociais sejam colocadas perante as suas responsabilidades e contra elas pronunciadas sanções em casos de falha», sentenciou o presidente francês, François Hollande, em 27 de Janeiro de 2015.
«Ainda assim, da enumeração feita pela fundação francesa há que reter como "conspiracionistas" todos quantos se revoltam com o comportamento sionista contra os palestinianos e outros povos (...)»
Nada mais natural, portanto, que exista já trabalho feito e publicado sobre a definição de «conspiracionismo» e dos conteúdos das «teorias da conspiração». Um dos documentos mais minuciosos sobre o assunto foi divulgado em Fevereiro de 2015 precisamente pela Fundação Jean Jaurès, órgão de produção ideológica do Partido Socialista Francês, isto é, do «hollandismo».
Uma organização que é igualmente uma sucursal da norte-americana National Endowment for Democracy (NED), entidade promotora de golpes de Estado sobretudo na América Latina e dirigida pelos eternos conspiradores Zbigniew Brezekinski e Madeleine Albright, um de origem polaca, a outra checoslovaca.
Pois segundo a citada fundação hollandista, o «conspiracionismo» é «um discurso alternativo que pretende baralhar, de modo significativo, o conhecimento que temos sobre um acontecimento e assim estabelecer concorrência com a versão comumente aceite, estigmatizada como "oficial"». Ou seja, ter uma opinião diferente da governamental ou da linha dos telejornais é o mesmo que lançar a confusão e denegrir o que oficialmente se deve saber sobre factos determinantes na nossa sociedade e modo de vida.
Os que pensam de maneira diferente pertencem, segundo a Fundação Jean Jaurès, a uma corrente «fortemente ligada à tendência negacionista, na qual se acotovelam admiradores de Hugo Chavez, incondicionais de Vladimir Putin, antigos militantes de esquerda ou extrema-esquerda, ex-indignados, soberanistas, nacionais-revolucionários, ultranacionalistas, nostálgicos do III Reich, militantes anti-vacinação, revisionistas do 11 de Setembro, anti sionistas, afrocentristas, survivalistas, adeptos de medicinas alternativas, agentes de influência do regime iraniano, bacharistas (de Bachar Assad), integristas católicos ou islamitas».
Não exijamos que a enumeração seja exaustiva. É óbvio que escaparam aos ideólogos hollandistas, provavelmente, em alguns casos, por razões de prudência táctica, categorias com pacifistas, cidadãos anti NATO ou mesmo contra a moeda única europeia, revisionistas da «libertação» da Líbia, do Iraque, do Afeganistão e casos semelhantes, inquietos com o aquecimento global, adeptos da renegociação das dívidas soberanas, adversários do TTIP, conhecedores das cumplicidades dos governos dos Estados Unidos, Israel e de países da União Europeia com o terrorismo salafita, designadamente o Daesh e a Al-Qaida, críticos do golpe na Ucrânia, considerando-o uma manobra fascista.
Ainda assim, da enumeração feita pela fundação francesa há que reter como «conspiracionistas» todos quantos se revoltam com o comportamento sionista contra os palestinianos e outros povos, os que estão solidários com a democracia venezuelana, os que consideram o drama sírio fruto de uma ingerência, ou mesmo de uma invasão mercenária patrocinada por grandes potências mundiais.
Posto isto, sabemos agora o que está em causa quando alguém brande contra alguém a acusação de recurso à «teoria da conspiração». É o mesmo que apontar o dedo delator a quem pensa pela própria cabeça e não está conformado a sintonizar-se com o pensamento unificado. O pluralismo de ideias e opiniões está em vias de se tornar crime. Em nome, claro, do reforço e da defesa da democracia global.
Se o leitor, por algum acaso, se viu reflectido nas categorias enumeradas, considere-se então avisado.
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