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Os edifícios matam

Evocando a lei de Murphy, sabemos que o que pode acontecer vai acontecer, não sabemos é quando. Assim, face ao risco sísmico a que os portugueses estão expostos, exige-se a quem nos governa que assuma uma cultura de responsabilidade.

Destruição eem Vila do Bispo (Algarve), na sequência do sismo de 28 de Fevereiro de 1969
Créditos / Folha do Domingo

Na passada sexta-feira várias iniciativas evocaram o sismo que há 50 anos – precisamente na madrugada de 28 de fevereiro de 1969 – ocorreu em Portugal, com epicentro a 180 km de Sagres e uma magnitude de 7,9 da escala de Richter, provocando 13 vítimas mortais em Portugal Continental e o pânico entre a população.

Estas efemérides são momentos importantes de sensibilização dos cidadãos para a necessidade de todos nos prepararmos, na medida do possível, para reagirmos a um sismo, tendo em consideração que o risco sísmico possui uma considerável dimensão no território do Continente e na Região Autónoma dos Açores.

Um sismo é um evento que ocorre de repente, sem aviso, a qualquer momento. Infelizmente, o conhecimento disponível não possui qualquer método ou tecnologia que indique a hora e o local onde irão ocorrer os próximos sismos.

Assim, é absolutamente fundamental que se atue em dois domínios: investir na preparação das pessoas e reduzir as vulnerabilidades do edificado, uma vez que não são os sismos que matam, mas sim os edifícios.

«é absolutamente fundamental que se atue em dois domínios: investir na preparação das pessoas e reduzir as vulnerabilidades do edificado, uma vez que não são os sismos que matam, mas sim os edifícios»

De acordo com vários estudos, das seis milhões de habitações existentes em Portugal, mais de um milhão foram construídas antes de 1945 e quase 400 mil estão a precisar de obras urgentes de recuperação e reforço estrutural. Só na Área Metropolitana de Lisboa (AML), uma significativa parte do seu edificado apresenta sinais visíveis de acentuada deterioração.

De acordo com o simulador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), no teste de resistência sísmica do parque habitacional da AML, perante a ocorrência de um sismo equivalente ao terramoto de 1755, prevê-se que este possa provocar entre 17 e 27 mil mortos e muitos milhares de feridos. Quanto ao edificado, o mesmo simulador aponta para o colapso de mais de 26 mil edifícios.

Estes não são dados alarmistas, mas sim a consequência do qualificado trabalho desenvolvido há muitos anos por instituições credíveis e investigadores de elevada valia técnica e científica, nomeadamente no âmbito do Instituto Superior Técnico, LNEC, Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica e outras. Por isso, importa que tenhamos consciência do potencial de risco em que vivemos e exijamos aos decisores políticos a adoção das medidas recomendadas pela comunidade técnica e científica, para a adequada mitigação do risco.

«importa que tenhamos consciência do potencial de risco em que vivemos e exijamos aos decisores políticos a adoção das medidas recomendadas pela comunidade técnica e científica, para a adequada mitigação do risco»

Entretanto, constata-se que este risco continua a ser ignorado. Tanto assim é que, no dia em que se assinalou os 50 anos do sismo de 1969, o Governo perdeu a oportunidade de aprovar, na reunião do Conselho de Ministros realizada nesta data, algumas medidas neste domínio, nomeadamente recuperando a Resolução n.º 102/2010, publicada no Diário da Republica, I Serie n.º 155, de 11 de agosto de 2010, e aprovada por unanimidade na Assembleia da República, intitulada «Adopção de medidas para reduzir os riscos sísmicos». Acrescente-se que a referida Resolução foi metida na gaveta por sucessivos governos, não produzindo até à data qualquer consequência prática.

Evocando a lei de Murphy, sabemos que o que pode acontecer vai acontecer, não sabemos é quando. Assim, face ao risco sísmico a que os portugueses estão expostos, constata-se a necessidade de exigir a quem nos governa que incorpore no processo de decisão política uma cultura de responsabilidade, caraterizada pela capacidade de antecipação e aumento da resiliência das comunidades.

O reforço da maior parte das construções em zonas de maior sismicidade constitui um elevado investimento. Mas se tivermos em conta algumas variáveis contemporâneas, como são os obscenos valores do Orçamento do Estado utilizados para salvar o sistema financeiro, depois das diatribes que todos os dias protagoniza, os milhões de euros a investir na mitigação do risco de vida de milhares de cidadãos são eticamente justificados.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AE90)

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