Em mais uma tirada desligada da realidade, Donald Trump prometeu que depois de quatro anos de uma sua presidência irá obter mais de 95% dos votos dos africano-americanos, um valor superior ao obtido por Obama aquando da sua reeleição (93%).
Trump tem uma popularidade tão pobre entre este eleitorado que está em quarto lugar nas sondagens. Isto pode parecer uma piada, mas não é, e aponta para algo bastante interessante na actual campanha eleitoral: o candidato do Partido Libertário, Gary Johnson, e do Partido Verde, Jill Stein, têm valores perto ou acima dos 5% em várias sondagens nacionais.
A cena política nos EUA está tão dominada pelos dois principais partidos, o Democrata e Republicano, que é fácil passar por cima das dezenas de outros partidos, que vão mantendo, apesar de tudo, um papel ainda que pequeno ao nível mais local, mas chegando também ao Congresso. O valor de 5% do voto popular é significativo pois acima deste valor o partido poderá receber financiamento público para as eleições seguintes.
Esta dispersão de votos reflecte sem dúvida um descontentamento nos principais partidos e nos seus candidatos presidenciais. Uma sondagem do passado Maio indica que uma maioria de pessoas estão insatisfeitas com estes candidatos e estão dispostas a votar num candidato independente, sendo que 91% de jovens abaixo dos 29 anos querem um candidato independente. Enquanto todas as sondagens apontam para a eleição de Hillary Clinton, a grande surpresa da corrida presidencial pode vir a ser os resultados dos restantes candidatos.
«Enquanto em 1960, quando teve lugar o primeiro debate televisivo, a percentagem de eleitores que se indentificava como "independente", isto é, como não afiliado nem com os Democratas nem Republicanos, era de 20%, este valor é agora de 40%.»
O Partido Libertário encontra a sua raiz no pensamento laissez-faire, de «quanto menos Estado, melhor», misturando posições culturalmente progressistas com outras economicamente conservadoras, legalizando drogas e posse de armas, reduzindo impostos e eliminando o Estado Social. O seu candidato, Gary Johnson, tem uma média de 8,7% no voto popular nas recentes sondagens, tendo vindo a beneficiar dos votos à direita descontentes com Trump. Até o ex-candidato republicano Mitt Romney anunciou que considera votar em Gary Johnson. Mas mesmo este resultado significativo fica aquém da actual fasquia de 15% nas sondagens que lhe permitiria um lugar em debates.
A participação nos debates televisivos é regulado por uma entidade privada, a Comissão sobre Debates Presidenciais (CDP), criada em 1988 pelos dois principais partidos para mediar as negociações entre eles quanto ao formato e também ao número de participantes. Após a polémica exclusão de Ross Perot em 1996 (um candidato independente que havia participado nos três debates das eleições presidenciais de 1992, chegando a obter 19% do voto popular), a CDP – que diz ser isenta – estabeleceu o requisito mais «objectivo» dos 15%. Este critério impede candidatos de participar nos debates que lhes dariam uma necessária visibilidade nacional.
Nos vários ciclos eleitorais, desde 2000, vários têm sido os protestos exigindo um alargamento da participação nos debates. Enquanto em 1960, quando teve lugar o primeiro debate televisivo, a percentagem de eleitores que se indentificava como «independente», isto é, como não afiliado nem com os Democratas nem Republicanos, era de 20%, este valor é agora de 40%.
O Partido Verde apresenta uma plataforma progressista, de poder ao povo, incluindo temas como o fim da pobreza e discriminação, o direito à saúde e educação, justiça económica e racial, reforma financeira e protecção ambiental. O seu candidato, Jill Stein, está a receber apoio de muitos antigos apoiantes de Sanders desiludidos com a sua cedência para Clinton.
Sanders apelou ao voto em Clinton para garantir a derrota de Trump, estratégia de voto útil que procura capitalizar do (injustificado) sentimento de culpa sentida por apoiantes do candidato verde de 2000, Ralph Nader, que segundo os Democratas foi responsável pela derrota de Al Gore face a George Bush, numa eleição muito apertada. Mas dada a vantagem de Clinton das sondagens, e o seu sistemático abandono de questões queridas dos eleitores de esquerda, Jill Stein poderá ainda vir também a superar os 5%.
«Há uma correlação entre o partido do candidato presidencial escolhido por um eleitor e o partido escolhido nas restantes corridas, isto é, são poucos os eleitores que dividem o seu voto nas várias corridas entre os diferentes partidos (o chamado split ticket).»
Dada a vantagem de Clinton sobre Trump, e uma certa descaracterização da campanha do Partido Republicano pelo seu candidato, os analistas têm dado crescente atenção às outras eleições do dia 8 de Novembro, em particular para as duas câmaras do Congresso: o Senado e a Casa de Representantes. Quando forem às urnas, os eleitores irão votar também para o seu representante na Casa e, dependendo do estado, para o representante no Senado, além de outras eleições locais e até referendos estaduais.
Há uma correlação entre o partido do candidato presidencial escolhido por um eleitor e o partido escolhido nas restantes corridas, isto é, são poucos os eleitores que dividem o seu voto nas várias corridas entre os diferentes partidos (o chamado split ticket). Isto tem dado esperança ao Partido Democrata que está em minoria em ambas as câmaras.
O Senado é composto por 100 membros, dois por cada estado, com mandatos de seis anos, mas eleitos em ciclos eleitorais desfasados. Em 2014, o Partido Republicano ganhou uma maioria de 54 senadores. Segundo um modelo do Huffington Post, há uma probablidade de 78% dos Democratas obterem 50 ou mais postos.
Mas a Casa de Representantes é outra história. Esta câmara é composta por 435 membros (eleitos cada dois anos), num número proporcional ao tamanho populacional de cada círculo eleitoral. Os Republicanos detêm uma vantagem de 61 lugares (247 vs. 188) obtida em 2014.
Mas mesmo que os Democratas obtenham mais votos a nível nacional (como indicado pelas sondagens) a sua distribuição não vai equivaler ao retomar da maioria na Casa. Isto em parte porque o remapeamento cirúrgico dos círculos eleitorais, realizado em 2011 pelos Republicanos, garante que as corridas na maioria dos círculos não são competitivas nem justas. Os círculos foram desenhados com precisão para repartir o voto democrata de forma a ficar em minoria no máximo número de círculos.
No estado de Pennsylvania, onde em 2012 os Democratas ganharam 51% dos votos para a Casa de Representantes, apenas ganharam em cinco dos 18 círculos estaduais (menos de um terço).
Esta engenharia eleitoral tem até um nome: gerrymandering, reconhecendo o remapeamento do estado de Massachusetts feito pelo Governador Gerry em 1812. Face a isto, é pois pouco provável que os Republicanos percam o número suficiente de lugares que permita uma maioria Democrata, apesar do efeito Trump.
Podemo-nos ir entretendo com as maluquices de Trump, mas a podridão das eleições nos EUA não pára na qualidade dos seus candidatos e vai à raiz do seu sistema eleitoral.
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