Sabendo ser este um combate de proporções inimagináveis, já que a economia mundial, designadamente dos países ricos, depende muito da evolução tecnológica dirigida ao negócio de armamento, há medidas que podem e devem ser tomadas para evitar que a violência se instale, cresça e se desenvolva para níveis que tornem ainda mais difícil fazer-lhe frente.
Tenho para mim que o discurso belicista não se resolve com a sua oposição através de outro discurso belicista. Estou certo de que a dignidade humana – numa perspectiva ecológica da partilha do espaço – e as políticas que a desenvolvam deverão ser preocupações dos Estados e devem merecer da parte da ONU acções que vão muito para lá de discursos de circunstância.
Chamo o tema da violência ao debate porque tenho a consciência da sua existência na Escola, através de relatos fidedignos, da verificação de diversas situações instáveis e das queixas que centenas de professores fazem em relação às suas escolas, às suas turmas, à impreparação para fazerem face a situações de conflito ou à incapacidade para resolver problemas por falta de condições de trabalho.
O tema da violência tem de estar presente nas preocupações de governantes e governados. A alta-pressão existente sobre uma população docente envelhecida e desgastada retira-lhes disponibilidade para reflectir sobre o acto educativo na sua essência e sobre a relação entre professores e alunos, destes com o pessoal auxiliar das escolas, daqueles com os pais e encarregados de educação e de todos com todos. E isto será a base da resolução do problema.
A desvalorização que é feita sobre a própria escola é assustadora. Não que as pessoas lhe retirem a importância que realmente tem, mas porque as suas afirmações sobre a Escola são despidas do seu papel no plano da formação pessoal e social dos cidadãos. A Escola enquanto vazadouro de conteúdos, sujeita à pressão dos objectivos, tratada como igual de Vila Real de Santo António a Valença do Minho, é a norma e, descurando-se a adaptação, mais do que dos currículos, das condições de exercício da profissão de professor, consoante as características locais sociais, continua a prestar um mau serviço quer aos alunos e às famílias, quer às comunidades e ao país.
«O estabelecimento de um programa integrador de medidas educativas para a Paz e a Não-Violência, a par da educação para os media, cuja inexistência é um dos factores mais significativos de promoção da violência social, deve ser encarado como urgência nacional e uma necessidade social inadiável.»
Em 2007 a FENPROF aprovou uma resolução, que fez chegar ao governo e à Assembleia da República, que se intitulava «Por uma Cultura de Paz e de Não-Violência nas Escolas – Dar mesmo prioridade à convivência escolar». Perante o aumento da indisciplina e da violência nas escolas, muitas vezes manifestada através da palavra ou das atitudes, em 2015 a FENPROF voltou a divulgar o seu documento – infelizmente, oito anos depois da sua primeira divulgação, com a mesma actualidade e necessidade.
Considera o documento da FENPROF que «o sistema educativo vai gradualmente deixando de valorizar as competências que privilegiem as atitudes perante os outros, a instituição escolar e as relações inter-pessoais, para dar cada vez mais ênfase ao plano cognitivo».
Inverter esta situação é uma tarefa de dimensões gigantescas que não depende só da vontade dos responsáveis pela implementação de políticas ajustadas, assim como não depende apenas da vontade política dos governantes. É necessário haver uma conjugação de esforços e o mais importante é que as famílias e as comunidades se sintam parte da solução.
A Escola reflecte as condições de vida dos seus corpos sociais – de todos, aqui se incluindo também quem nelas trabalha. Más condições de vida e de trabalho das comunidades escolares determinam indisponibilidades para dirigir preocupações para o que é essencial no plano colectivo. A iliteracia, as elevadas taxas de desemprego, a precarização das relações laborais, a estagnação salarial, entre outros aspectos, condicionam a procura de soluções para problemas também eles condicionados pela situação social de cada um.
Perante a existência de fenómenos de indisciplina e de violência num número significativo de escolas, é necessário «tomarem-se medidas que reforcem a autoridade do professor, mas que, ao mesmo tempo, protejam a identidade do aluno e que, principalmente, revertam a situação a favor do estabelecimento de um clima saudável de convivência inter e intra-geracional».
Exige-se, assim:
1. O lançamento de um debate, sob a tutela do governo ou da Assembleia da República ou, ainda, do Conselho Nacional de Educação, envolvendo as escolas e os agrupamentos de escolas, «por uma Cultura de Paz e de Não-Violência» que saia do debate exclusivo no plano do foro legal, estabelecendo as bases para um compromisso com as famílias e as comunidades educativas, em geral;
2. A atribuição de recursos humanos, adequados em quantidade e qualidade da formação, financeiros e materiais, que promovam o desenvolvimento de planos de actividade neste âmbito e promovam os seus projectos educativos, através de:
a) Criação de condições que promovam a mediação entre a escola e as famílias;
b) Respeito e promoção da diversidade cultural, religiosa e étnica como forma de combater fenómenos de xenofobia e racismo;
c) Reforço da autonomia das escolas e agrupamentos de escolas, através do estabelecimento de um modelo de efectiva gestão democrática, capaz de desenvolver conceitos fundamentais para a democracia, tais como a elegibilidade e colegialidade dos órgãos e a participação de todos a todos os níveis, de acordo com as suas competências e responsabilidades perante o colectivo escolar;
d) Redução do número de alunos por professor, de turmas por professor e de níveis de aprendizagem por docente;
e) Criação de equipas multidisciplinares que favoreçam o acompanhamento de percurso escolar dos alunos e a mediação de conflitos;
f) Desenvolvimento de uma política que promova, efectivamente, o apoio educativo aos alunos, designadamente aos que têm necessidades educativas especiais;
3. Adopção de programas de cooperação entre as escolas, os municípios e os operadores sociais que respondam às necessidades de ocupação dos tempos livres de crianças e jovens, com a disponibilização orçamental do Estado para a criação de espaços de convívio e tempos livres, bibliotecas e espaços desportivos de bairro, particularmente dos que apresentam fenómenos de maior desagregação social;
4. O reforço do orçamento para a cultura, favorecendo-se a fruição e a prática de actividade cultural enquanto factor de excelência para a convivência social em contexto de vivência colectiva;
5. A criação, no quadro da Assembleia da República ou do Conselho Nacional de Educação, com a atribuição de um orçamento específico adequado aos objectivos a atingir, de um «Observatório para a Não-Violência e para a Convivência Escolar»;
6. A integração obrigatória nos planos anuais de actividades das escolas e agrupamentos de escolas de projectos de promoção da convivência escolar, que envolvam a participação da comunidade estudantil;
7. Garantia de apoio jurídico e judicial a todos os profissionais de educação que estejam a ser ou tenham sido vítimas de todo o tipo de formas de violência física, psicológica e verbal em contexto escolar ou com ele relacionado;
8. O estabelecimento de contratos de co-responsabilização das famílias em relação aos seus educandos e à escola, envolvendo os professores e os alunos que contribuam para uma sã convivência, para o aumento da frequência e para o desenvolvimento do sucesso escolares. Esta medida deve ser objecto de negociação com os parceiros educativos e deve ser objecto de regulamentação especifica;
9. Inclusão desta matéria nos planos de estudo da formação inicial e contínua, designadamente quanto à gestão de conflitos e à promoção de um sociedade que promova a Paz e a Não-Violência;
10. Desenvolvimento de planos de formação contínua que não envolvam só os professores, mas que sejam alargados ao pessoal auxiliar das escolas, aos pais e aos alunos;
11. Alargamento da obrigatoriedade de frequência – através da criação das condições adequadas a nível de equipamentos educativos e reforço de recursos humanos – à educação pré-escolar, a partir dos 3 anos de idade;
12. Consagração de uma política de combate à indisciplina e à violência que envolva e comprometa a sociedade portuguesa e favoreça o desenvolvimento da consciência social dos portugueses e do bem comum.
A importância do estabelecimento de um programa integrador de medidas para educar para a Paz e a Não-Violência, a par da educação para os media, cuja inexistência é um dos factores mais significativos de promoção da violência social, devem ser encaradas como urgência nacional e uma necessidade social inadiável.
A forma leviana como são tratadas a violência israelita sobre o Povo Palestino ou a ocupação dos seus territórios, em nome da existência de um preconceituoso estado judaico; as notícias festivaleiras de um ataque à integridade física, psicológica e moral de jogadores e equipa técnica da equipa de futebol de um clube desportivo; ou a utilização de um festival cançoneteiro, visto por 200 milhões de almas, com um desfecho claramente condicionado e de promoção do sionismo e do neo-nazismo que tem o apoio da maior potência militar do planeta, os Estados Unidos da América, a sua não desmontagem, o pacto político de comprometimento dos países satélites da América de Trump, entre muitos outros aspectos, como o condicionamento dos órgãos de comunicação social à agenda de grandes grupos económicos ou à agenda política de governo e presidente da República devem fazer-nos pensar sobre o atraso com que esta matéria está a ser tratada.
«A iliteracia, as elevadas taxas de desemprego, a precarização das relações laborais, a estagnação salarial, entre outros aspectos, condicionam a procura de soluções para problemas também eles condicionados pela situação social de cada um.»
Se nos perguntarmos todos os dias sobre o que fizemos para evitar a situação por que este mundo em que vivemos está a passar, talvez sejamos capazes de desenvolver um conceito ecológico da Paz e da Não-Violência que deve fazer parte das preocupações da nossa sobrevivência como espécie. Embora não seja esse o problema mais premente... esse é o da sobrevivência da espécie.
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