A recente conferência promovida pela Assembleia da República abre uma oportunidade para reflectir sobre o essencial: que Forças Armadas (FA) e para quê; a degradação do sentimento de Estado-Nação, causa primeira das dificuldades no recrutamento; e uma Condição Militar (CM) respeitada e à medida do nosso tempo.
Que FA e para quê?
É uma evidência que o País não possui capacidade militar para cumprir muitas das missões inventariadas, dito com mais rigor, as missões inventariadas estarão a ser cumpridas com «muitas portas abertas», ou seja, com muitas lacunas por preencher.
A filosofia de umas FA como produtor de segurança não deveria considerá-las como «produto» exportável se o fornecimento desse «produto» não é compaginável com os comandos constitucionais e, sendo-o, acarreta vulnerabilidades para Portugal que comportam riscos a que, de outra forma, o País não teria necessidade de se expor. Aquilo a que se tem assistido é à recorrente subalternização do investimento nas capacidades constitucionalmente prioritárias e requeridas para cumprir missões entendidas como sendo do interesse nacional estrito – que só interessam ao País e das quais os Aliados não reclamam se nelas não tiverem de investir.
È inaceitável que o empenhamento externo das FA e decorrentes necessidades de financiamento tenha precedência sobre a construção da capacidade militar necessária ao exercício autónomo da Soberania sobre o nosso território.
Acresce que a sofisticação tecnológica do equipamento militar confronta-nos com dependências externas que poderão ditar da sua inutilidade. No nosso País, umas FA onde domine a sofisticação tecnológica sem cuidar da contingência ditará da sua incapacitação. Em conformidade, a construção da capacidade de defesa deve considerar meios para formas não convencionais de fazer a guerra e que permitam o exercício da Soberania nos espaços de interesse (terra – mar – ar), sendo urgente firmar os procedimentos e regras de empenhamento que potenciem o seu uso pelas diferentes autoridades que a eles terão necessidade de recorrer. Protelar a acção neste domínio só facilitará a invasão que está em marcha (i.e., Guarda Costeira Europeia).
Temos de pugnar por uma capacidade de defesa autónoma e construir um sistema de forças capaz de exercer a nossa Soberania no todo nacional. A não ser assim seremos confrontados com uma hipoteca irresgatável do nosso futuro e não seremos dignos da herança dos nossos egrégios avós.
A degradação do sentimento de Estado-Nação, causa primeira das dificuldades
Seria muito útil que sem preconceito ou ideias pré-concebidas o Ministério da Defesa Nacional (MDN) inquirisse a população alvo de recrutamento sobre os porquês de não responderem à «chamada». Se calhar, as dificuldades em recrutar decorrem da nossa juventude não reconhecer que a nossa participação em missões NATO seja um acto patriótico incontornável.
Porque é que uma juventude portadora de forte sentido de Nação é um facilitador da resposta positiva ao recrutamento e um multiplicador determinante da nossa capacidade de defesa? É que entre dois contendores o que possuir maior sentimento de Nação «vergará» a vontade do opositor. Ganhará o conflito aquele que for mais forte no sentimento de Nação independentemente da tecnologia envolvida. Naturalmente que esta aproximação vai à revelia da miragem do «soldado europeu» e das «Forças Armadas Europeias» que mais não são do que cortinas de ensombramento que conduzem ao desarme dos Países de um dos seus redutos de afirmação soberana que, ao federalismo não sufragado pelos Povos, interessa eliminar.
Não se conhecem estudos sociológicos que permitam avaliar o grau de percepção da nossa juventude para a importância do sentimento de Nação, mas a intuição sugere que a interrupção do Serviço Militar Obrigatório e a promoção do «sentimento de europeus» têm desgastado um recurso insubstituível e determinante no resultado da avaliação da capacidade de defesa, a disponibilidade para lutar por um Portugal independente.
Os programas de ensino do Secundário deveriam dar adequado relevo às questões de Soberania e Independência Nacional no sentido de defender o que herdámos e do legado que estamos obrigados a deixar aos nossos descendentes. A perspetiva que se defende é a da administração sustentável dos recursos e da preservação, enquanto Nação, da nossa liberdade de decisão/acção – ou seja, da nossa Independência.
Que faz o sistema de ensino para educar as novas gerações no domínio da Defesa? Conta com um referencial elaborado pelo Ministério da Educação e Ciência em colaboração com o MDN. Esse referencial deve ser revisto porque, nomeadamente, peca por desvalorizar comandos constitucionais e esconde a ameaça à Paz constituída pela postura de ingerência externa hegemónica no designado «ocidente», com as consequências que hoje são bem visíveis. A implementação do referencial devia ser de carácter obrigatório, não o sendo, os resultados da sua operacionalização, desde que foi aprovado (2014), são insignificantes.
Pela importância que é reconhecida na capacidade de defesa ao grau do sentimento de Estado-Nação, não posso deixar de referir que é da maior importância para a nossa sobrevivência como Nação implementar políticas efectivas de revitalização do interior, que estanquem o seu crescente abandono e alavanquem uma migração de sentido inverso (do litoral para o interior). A continuarmos com as mesmas políticas, a falta de coesão nacional continuará a agravar-se e crescerá a nossa vulnerabilidade no domínio do sentimento de Estado-Nação.
Temos de combater a diluição do sentimento de Estado-Nação, recuperar o sentimento de Patriotismo de que a nossa juventude deveria ser portadora, sentimento que constitui condição determinante para materializar uma capacidade de defesa autónoma capaz de exercer a nossa Soberania no todo nacional.
Em síntese, do que precede, são imprescindíveis novas políticas que materializem as três linhas de actuação seguintes:
– Estancar a degradação do sentimento de Estado-Nação e consequentes debilidades
– Pugnar por uma capacidade de defesa autónoma
– Construir um sistema de forças que exerça a soberania no todo nacional (terra, mar e ar).
Da necessidade de uma Condição Militar para o nosso tempo, mas que se cumpra
A tecnologia dos nossos dias está a evidenciar profundas alterações na condução da guerra e na organização das FA que melhor potencia os resultados (i.e. comandos conjuntos). O emprego das forças tem de ser pensado e comandado de forma integrada. As componentes (terrestre, aérea e marítima) serão empenhadas de acordo com o ambiente (terra, mar e ar) em que as acções militares irão decorrer atentas as operações a executar.
Se as alterações na condução da guerra se revelam inevitáveis e são de encarar pelo potencial de «benefício» que podem aportar ao País, é contudo imprescindível saber previamente o que se quer e para onde se vai e que as alterações «sirvam para reforçar a Instituição e a sua eficiência… e não para a debilitar ou descaracterizar».
Por outro lado, as alterações nas FA (condição militar, organização e reequipamento) têm de ser encaradas com muita precaução. Essas alterações são hoje sentidas com mais intensidade em consequência da «sofisticação tecnológica» que caracteriza os novos equipamentos e cuja entrada ao serviço acarreta:
– Forte dependência do país fabricante dos equipamentos/armamento
– Infra estruturas especificas de operação e apoio
– Novas qualificações e treino dos homens e mulheres das FA
– Alterações na logística existente para assegurar o seu funcionamento e sustentação
– Alterações nas tácticas de combate.
O atraso institucional em fazer com que a CM acompanhe, no seu reconhecimento, as exigências crescentes de formação para o emprego e manutenção de equipamento utilizado pelas FA comporta incidências negativas na motivação dos homens e mulheres que as servem e no seu recrutamento.
Incidências cujos efeitos são ampliados por uma recorrente actuação de desrespeito da CM nos termos em que a mesma se encontra vertida na legislação em vigor (i.e. remunerações, assistência na saúde, e acção social complementar). Há que compaginar o cumprimento da CM com o exercício da função militar que obriga à disponibilidade total (qualquer hora – mas não a toda a hora – e lugar) para o serviço, haja ou não risco de vida. Esta realidade, nalguns casos a assumir contornos pessoais e familiares dramáticos, tem de confrontar todos os cidadãos e em particular o Governo com a necessidade de arrepiar caminho.
Acresce, que na especificidade do nosso País, a componente logística orgânica que assegure a sustentação das operações militares não pode ser concebida e operacionalizada privilegiando o recurso a soluções empresariais que norteiam a sua actividade pelo lucro. Impõe-se planear a logística em conformidade com objectivos de minoração das nossas dependências externas sediando tais actividades nas Forças Armadas (a menos que tal configure duplicação ineficiente de investimentos no País). Neste âmbito, o programa F-16 na nossa Força Aérea pode ser invocado como um exemplo de boas práticas e para cujos resultados me orgulho de ter contribuído.
O enriquecimento das actividades a desempenhar pelos militares e funcionários civis que desenvolvem a sua actividade nas diferentes áreas (excluído o combate) constitui forte atractivo para a juventude e são áreas em que a transição para a vida civil pode ser feita com relativa facilidade. Podemos até conceber uma logística orgânica em que para os militares fica o emprego exclusivo nos teatros de operações e na retaguarda funcionários civis recrutados entre os militares que deixaram de ter condições para serem destacados para Operações.
Excluídos os Oficiais Pilotos Aviadores e de Marinha, as actividades que os militares mais directamente envolvidos no combate (armas combatentes) são chamados a realizar colocam uma dificuldade de reconversão no regresso à vida civil tanto maior quanto mais tarde o regresso tiver lugar. Essas dificuldades têm que ser consideradas pois não se pode correr o risco de termos as FA a alimentar organizações civis paramilitares envolvidas em actividades inconstitucionais e, ou associadas ao crime organizado com ex-militares que, de regresso à vida civil, já não têm idade para uma requalificação fácil e que perante um mercado de trabalho adverso à contratação de gente que já passou o pico da idade de maior capacidade produtiva vê como única saída o engrossar essas organizações.
A resposta a necessidades permanentes deve adoptar soluções diferentes para os militares combatentes ou que desempenham funções em teatro e os restantes.
A necessidades permanentes das FA que podem ser respondidas por funcionários civis deve abandonar-se recurso a militares temporários ou do Quadro Permanente para as suprir.
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