Todos estamos de acordo: os incêndios florestais que nos últimos verão e outono flagelaram o Centro e Norte de Portugal Continental vão perdurar na nossa memória coletiva, durante muitos anos, com a marca de uma tragédia humana, cuja dimensão não tem paralelo no Portugal Democrático, isto é, no horizonte temporal dos últimos 44 anos.
As 111 vítimas mortais e os mais de 300 feridos (alguns graves), para além do número estimado de prejuízos materiais, que ascende a mil milhões de euros, são um balanço demasiado pesado para ser rapidamente arquivado na tão reconhecida falta de memória dos portugueses.
Perante este quadro, tem plena justificação o debate desenvolvido à volta desta catástrofe e das suas consequências, tanto ao nível dos órgãos de soberania, como do espaço mediático.
Na resposta à situação foram tomadas várias medidas e aprovados diversos instrumentos legislativos pelo Governo e pela Assembleia da República, que, no essencial, revelaram uma firme vontade para enfrentar o quadro complexo de problemas que a referida catástrofe criou.
«não é sério desvalorizar o conjunto de respostas que têm sido (...) com o objetivo de minimizar os efeitos da catástrofe junto das populações»
Haverá medidas que se revelaram mais tardias do que outras. Haverá decisões que emperraram na máquina burocrática da administração da coisa pública. Houve certamente uma perceção errada, na fase inicial dos incêndios de junho e de outubro – neste último caso, de forma mais incompreensível – quanto à real dimensão catastrófica dos mesmos. Há seguramente múltiplas vulnerabilidades expostas, nos diversos sistemas que foram chamados a agir nesta circunstância.
Sendo tudo isto certo, não é sério desvalorizar o conjunto de respostas que têm sido dadas à situação, com o objetivo de minimizar os efeitos da catástrofe junto das populações por ela vitimadas e na recuperação dos territórios gravemente afetados.
Os sistemas de proteção civil e o sistema de defesa da floresta contra incêndios são dois alvos sobre os quais estão concentradas as atenções do poder político, tanto ao nível central como local. Em paralelo com o trabalho que está a ser desenvolvido, continua o debate político e mediático, exigindo mais velocidade nos resultados, parecendo haver mais preocupação com a velocidade do que com a qualidade do produto final.
Ora, porque sempre tem sido assim, corre-se o risco de que prevaleça o imediatismo que alimenta as agendas dos órgãos de comunicação social, em desfavor do quadro integrado de decisões, técnica e serenamente sustentadas, que ataquem as causas em vez de mitigarem os efeitos.
No que concerne ao sistema de proteção civil, assim como no outro sistema charneira associado a esta catástrofe – precisamente o sistema de defesa da floresta contra incêndios –, é preciso que se tomem as medidas certas, escalonadas no tempo e alicerçadas numa estratégia política, tão consensual quanto possível.
«Tem de haver tempo para quebrar a sina laboratorial de sucessivas experiências de modelo, quase todas falhadas pela pressão do tempo político»
Para fazer face à ameaça de um novo período de maior incidência do risco de incêndio florestal, urge adotar as medidas corretivas, em especial no domínio da resposta operacional, sem comprometer a indispensável avaliação do conjunto dos dois sistemas em causa.
Não será viável executar, a curto prazo, o complexo conjunto de ações a desenvolver, para alterar as debilidades estruturais dos dois sistemas.
Pode ser perigoso alimentar a expetativa de que é possível, em meia dúzia de meses, fazer o que está por fazer há, pelo menos, duas décadas.
Ainda há tempo para não enganar o tempo. Tem de haver tempo para quebrar a sina laboratorial de sucessivas experiências de modelo, quase todas falhadas pela pressão do tempo político, que, quase sempre, impõe para hoje o que só pode ser viabilizado no próximo amanhã.
Ainda há tempo para fazer bem, para resistir ao vício das soluções já conhecidas, nas quais incluo a decisão de fazer novas nomeações de pessoas, antes de se definir o perfil adequado para o exercício das respetivas funções. Para tanto importa que os decisores políticos não se deixem capturar pela falta de bom senso.
É esta a legítima e vigilante expetativa que devemos ter.
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