Ouvindo PSD e CDS, com ar muito indignado, exigirem uma comissão de inquérito e uma auditoria à Caixa Geral de Depósitos (CGD), para que muitos dos negócios que o banco financiou nos últimos anos sejam esclarecidos, haverá muitos portugueses que desconhecem que não só nos últimos oito anos foram eles que presidiram à Caixa, como em 31 dos últimos 40 anos também lhes pertenceu a presidência do banco, enquanto nos outros nove foi ao PS.
Desde 1976, a CGD teve 13 conselhos de administração, dez presididos por figuras do PSD (Jacinto Nunes, Oliveira Pinto, João Salgueiro, António de Sousa, Victor Martins, Faria de Oliveira e Álvaro Nascimento/José de Matos) e três presididos por gente do PS (Rui Vilar e Carlos Santos Ferreira).
Desde o final dos anos 80 essas nomeações foram alargadas a outros membros do conselho de administração, da vice-presidência aos vogais, e até mesmo, diga-se, a directores do banco.
É extensa a lista de gente do PSD, PS e CDS, para além dos atrás referidos, que ao longo das últimas décadas passou pelo banco público e que em muitos casos se serviu dele, e em nada contribuiu para que a CGD reforçasse o seu papel de principal financiador da nossa economia e, em particular, das famílias e das micro, pequenas e médias empresas.
Vejamos os nomes mais sonantes: Sousa Franco, Tavares Moreira, Falcão e Cunha, Maldonado Gonelha, Vieira Monteiro, Carlos Tavares, Carlos Costa, José Ramalho, Alexandre Vaz Pinto, Sobral Torres, Mira Amaral, Atayde Marques, Almerindo Marques, Tomás Correia, Alves Monteiro, Celeste Cardona, Norberto Rosa, Armando Vara, António Nogueira Leite, Rodolfo Lavrador, Nuno Fernandes Thomaz, Jorge Tomé, Araújo e Silva, Francisco Bandeira, Cabral dos Santos, entre outros.
Perante uma gestão da CGD que foi partilhada pelo centrão PSD, CDS e PS, com muito forte predominância do PSD e que utilizou o banco para:
– operações financeiras de apoio ao fortalecimento do movimento sindical divisionista, como foi, pasme-se, no mandato de João Salgueiro (1996-1999), a concessão de um empréstimo à UGT com garantias do Estado e que ao que parece terminou em incumprimento;
– integração do Banco Nacional Ultramarino (BNU) na CGD em condições desfavoráveis para a Caixa;
– financiamento da compra de acções do BCP por parte de alguns dos seus principais accionistas (Joe Berardo, Moniz da Maia, Manuel Fino e Teixeira Duarte, entre outros), garantidas pelo valor das próprias acções;
– compra de instituições financeiras em Espanha e no Brasil;
– nacionalização do BPN seguida da concessão de um empréstimo de 4100 milhões de euros ainda em incumprimento;
– alienação da participação financeira que o banco detinha na CIMPOR, em 2012, por ordem directa de António Borges, conselheiro de Passos Coelho à administração da CGD, em condições extremamente desfavoráveis;
– muitas outras operações financeiras que terminaram em créditos incobráveis, investimentos ruinosos ou que engrossam hoje o rol das imparidades.
Não pode deixar de ser realçada a capacidade que os trabalhadores da CGD tiveram para fazer com que o banco tenha dado, entre 1999 e 2015, apesar dos prejuízos acumulados nos últimos cinco anos, 4.466,6 milhões de euros de lucros líquidos, entregado ao Estado cerca de 2.250 milhões de euros de dividendos e pago de impostos 1.475 milhões de euros, sempre mais do que qualquer banco privado.
A questão que não podemos deixar de colocar é, sem dúvida, a do que teria acontecido se os critérios para nomeação das administrações da Caixa tivessem sido, ao longo das últimas décadas, a idoneidade, a independência, a capacidade técnica e a defesa do interesse público.
O país não precisa de um banco público que se comporta como mais um banco privado e que é gerido por critérios partidários e ao serviço dos correligionários de quem governa, mas de um banco que sendo público sirva os superiores interesses do país, quer em termos económicos, quer em termos sociais.
Com esta comissão de inquérito e esta auditoria, a direita não pretende esclarecimentos sobre a gestão do banco público, já que PSD e CDS a conhecem melhor do que ninguém por terem sempre feito parte dela e terem gente sua em lugares-chave do banco.
O que pretendem é minar a confiança na CGD, o banco refúgio a que os portugueses têm sempre recorrido nas anteriores crises provocadas pela banca privada, colocando o banco público ao nível de outros bancos privados que estiveram próximo da falência (BCP) ou que faliram (BPP, BPN, BES e BANIF).
Muitas famílias e empresas foram literalmente enganadas por administrações de bancos ao serviço de grandes grupos económicos e financeiros, nacionais e internacionais, e só a intervenção do Estado impediu males ainda maiores no sector financeiro nacional.
A direita quer levar os portugueses a concluir que nada distingue o banco público dos bancos privados, e desta forma criar condições para a sua futura privatização. Ora, o que a crise financeira iniciada em 2007 provou foi que, quando um banco é público, os lucros e os prejuízos são públicos; já quando um banco é privado, os lucros são privados e os prejuízos continuam públicos.
A direita pretende fazer esquecer que, sem a intervenção do banco público disponibilizando o financiamento necessário, a esmagadora maioria dos portugueses, hoje possuidora de habitação própria, não teria tido acesso a ela.
Não deixa de ser curioso que aqueles que apoiaram e promoveram a recapitalização da banca privada, sempre com dinheiros do Estado, e que gerindo directamente o banco público, são responsáveis pela sua necessidade de recapitalização, se insurjam agora contra ela.
Suprema desfaçatez e hipocrisia a deles.
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