Em defesa da dignidade e dos direitos humanos

Combater a precariedade no Ensino

O sector da educação é seguramente aquele em que se sente mais a instabilidade profissional e em que a precariedade tem de ser encarada, necessariamente, como um drama, para milhares de professores e suas famílias, a que urge pôr termo.

Créditos / CM Moita

Apesar de atingir os dois subsistemas, público e privado, inadmissivelmente, é nas escolas públicas e no ensino tutelado pelo Estado que o problema é mais grave.

A que se deve, então, esta situação? Ao contrário do que acontece no sector privado, não foi, para o público, transposta, para o direito português, a directiva comunitária 1999/70/CE, de 28 de Junho, a qual estabelece duas condições essenciais: a necessidade de governos e sindicatos se sentarem à mesa para negociar as condições para o estabelecimento de limites à utilização sucessiva e excessiva de contratos a termo; a garantia de que um trabalhador não pode auferir salário inferior ao de outros com o mesmo tempo de serviço, apesar de, contratualmente, estar em diferentes condições.

Em Portugal, no ensino público, isto não acontece. Esta é, pois, uma das exigências mais importantes que a FENPROF colocou no processo negocial que decorreu para rever o regime legal de concursos e colocações.

Ao contrário do que seria de esperar, tendo em conta o discurso e as intenções manifestadas pelo Governo para combate à precariedade, o Ministério da Educação esteve quase sempre muito longe de garantir as condições para satisfazer qualquer uma das duas condições que decorrem da referida directiva europeia, à qual o Estado português está obrigado e para a qual teve dois anos para proceder à necessária regulamentação. Portugal, está, pois, em incumprimento desde 2001.

Aquilo que o Ministério da Educação propõe é inadmissível, pois considera que um trabalhador, que é necessário ao sistema por cinco, oito ou dez anos, não deve ter direito a um vinculo laboral estável.

«Sendo um avanço, esta vinculação de mais de 3000 docentes, que ocorrerá num só ano, é, contudo, muito insuficiente, tendo em conta a instabilidade hoje existente»

Por outro lado, ao pretender garantir uma vinculação extraordinária aos docentes com mais de 12 anos de serviço, mas com apertados requisitos, deixa de fora mais de 75% dos professores que deveriam vincular, o que é absolutamente inaceitável, e não admitiu um processo de faseamento que pusesse fim à precariedade existente em três anos sucessivos, até ao fim da legislatura.

Sendo um avanço, esta vinculação de mais de 3000 docentes, que ocorrerá num só ano, é, contudo, muito insuficiente, tendo em conta a instabilidade hoje existente.

Como é sabido, em Portugal, um professor pode aposentar-se contratado a termo, no caso do ensino não superior, enquanto no Ensino Superior (tutelado por outro ministério), os respectivos estatutos de carreira estabelecem um limite de quatro  anos, não para o empregador transformar precariedade em estabilidade, mas para o professor manter um contrato a tempo integral ou em dedicação exclusiva.

Este, ao fim de quatro anos, só poderá aspirar, na melhor das hipóteses, a ser contratado a tempo parcial, sofrendo, por vezes, um corte de 60% no seu salário. Mas noutros casos, findos aqueles quatro anos, estão condenados à cessação do contrato, caindo no desemprego, mesmo que seja necessário ao sistema. Para isto concorrem uma série de vícios, de que poderemos falar no futuro, pelo que prendamo-nos à forma impune, mas legal, com que o Estado português estabeleceu os limites para a contratação no ensino superior.

Voltou a ser recentemente denunciado que há universidades que promovem a contratação sem custos (contratos zero %), alegadamente por convite e com acordo total do trabalhador que, «livremente», aceita essas condições. Desde há três anos que o movimento sindical vem chamando a atenção para esse facto.

Como referimos recentemente, «há que distinguir situações: a do professor que faz umas conferências sobre o objecto da sua investigação, a dos professores, designadamente aposentados, convidados para orientarem doutoramentos, a dos que, sendo de outras instituições, se servem deste expediente para coordenarem projectos em unidades de investigação ou a dos professores que o são, de facto, de forma sistematizada.

Por outro lado, investigadores há, pagos pela FCT, que são convidados a leccionar sem remuneração para ganharem experiência». Esta prática é cada vez mais usual, alegando-se que já são pagos como investigadores, logo não é preciso pagar-lhes pelas aulas. O mesmo acontece, generalizadamente, nas faculdades de ciências, neste caso, alegando que são remunerados como médicos.

«Porém, o que não é normal é que se verifiquem diversas situações em que os "docentes zero" se sujeitam a duras condições de trabalho para garantir, apenas, currículo»

Manuel Heitor diz ser uma situação normal, considerando importante a «grande inter-relação entre os nossos docentes, que se dedicam a 100%, com aqueles que têm outras actividades e que vão temporariamente às instituições de ensino superior participar nos seus programas. É normal numa sociedade aberta, autónoma e livre».

Porém, o que não é normal é que se verifiquem diversas situações em que os «docentes zero» se sujeitam a duras condições de trabalho para garantir, apenas, currículo e, talvez, um lugar como docente ou investigador da universidade ou instituição de ensino superior politécnico.

No caso do emprego científico, a alteração (que se regista) substitui precariedade por outro nível que não deixa de ser precariedade, também. O estabelecimento de um regime contratual a termo para algumas dezenas de investigadores, em substituição das bolsas que nada permitem, faculta-lhes o acesso a outras garantias constitucionalmente consagradas, mas não traz mais segurança, pois o que se lhes oferece é a perpetuação dessa condição, de, com sorte, ser contratado a termo.

Há, pois, uma enorme diferença entre o que se apregoa e o que se faz. Se este Governo está interessado em combater a precariedade, não basta a manifestação de intenções, é preciso transformá-las em actos que deveriam ter sido concretizados no ensino e na investigação. O primeiro-ministro afirmou ser fácil resolver a situação, mas os seus ministérios, pelos vistos, gostam de complicar.

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