Com a divulgação, na semana passada, de uma lista de 30 monumentos que o Governo pretende concessionar para actividades turísticas privadas, tem vindo a crescer uma justa indignação quanto à intenção de transformar em pousada a Fortaleza de Peniche, ainda que com a promessa de ser preservada «a memória do local e a compatibilização de usos».
A Fortaleza de Peniche é um espaço único, pelo que representa da memória trágica dos que nele sofreram, que não pode ser apagada nem diminuída, e pela herança de resistência e de luta, mas também de esperança que transmite às gerações que se lhes seguiram, reflectida no núcleo museológico dedicado à repressão e ao sistema prisional fascistas ali instalado.
Mais de quatro décadas volvidas sobre a Revolução de 25 de Abril e a extinção da prisão política fascista, o imóvel – muralhas e guaritas, pátios e corredores, celas e parlatório – assume um valor simbólico, cultural e educativo que nenhum outro lugar do país possui.
Nesse sentido, é plenamente justificada e compreensível a indignação do Partido Comunista Português pela inaceitável concessão daquele espaço, a qual, a concretizar-se, nos colocaria «perante um dos mais significativos ataques à memória colectiva dos portugueses» e representaria «uma manifestação de desprezo para com a luta antifascista em Portugal que se desenvolveu durante quase meio século».
A posição do PCP, entretanto acompanhada pela União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) e por milhares de subscritores de uma petição em linha, mereceu um severo e injusto reparo, na edição do passado sábado, dia 1 de Outubro, do semanário Expresso.
Na sua coluna «Altos e Baixos», o jornal classifica entre os «baixos» o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, escrevendo que este partido «veio reagir de forma dura e mesmo violenta» ao programa de concessões em causa, «com destaque para o Forte de Peniche». O problema, explica o classificador, «é que a proposta tem entre os seus maiores apoiantes precisamente» o presidente da Câmara, eleito na lista da CDU.
O problema dos jornais que publicam colunas deste tipo – designem-se «Altos e Baixos», «Sobe e desce» ou «Semáforo» – reside não só no tom inequivocamente sentencioso das classificações que atribuem, mas também (e sobretudo) no indisfarçável preconceito que tantas vezes as anima, para não dizer do posicionamento ideológico de que partem, comprometendo os padrões de imparcialidade que lhes seriam exigíveis e que lhes confeririam credibilidade.
Na verdade, tais dispositivos de manifestação de posição editorial, através dos quais responsáveis das publicações – geralmente directores ou chefes de redacção – se pronunciam sobre o desempenho de pessoas e organizações, baseiam-se em apreciações tantas vezes superficiais, demasiado subjectivas e até, com frequência, antagónicas às avaliações que, sobre as mesmas pessoas e organizações, fariam outros jornalistas e os próprios leitores.
«O problema dos jornais que publicam colunas deste tipo – designem-se «Altos e Baixos», «Sobe e desce» ou «Semáforo» – reside não só no tom inequivocamente sentencioso das classificações que atribuem, mas também (e sobretudo) no indisfarçável preconceito que tantas vezes as anima»
Veja-se o caso da posição do PCP sobre o forte de Peniche. Onde o Expresso encontra razões para o classificar entre os «baixos» da semana, outros encontrariam razões para o colocar entre os «altos», reconhecendo-lhe justamente a coerência de princípios e de valores que defende, não obstante uma eventual divergência local.
Operando em terreno resvaladiço, tais colunas não resistem, com frequência, às armadilhas da precipitação – ora, como se viu, para a crítica mesquinha, ora para o elogio precoce e objectivamente injustificado, ou ainda da completa ausência de coerência com o noticiado pelos próprios jornais, comprometendo a independência dos autores e gerando compreensível perplexidade.
Um exemplo interessante, também do Expresso, é o da classificação entre os «Altos», na respectiva coluna no caderno de Economia da edição de 20 de Agosto de 2011, do então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, premiado pela variação nula do produto interno bruto no segundo trimestre do ano – uma «das pequenas boas notícias que devemos valorizar», justificava o jornal.
Acontece que o próprio Expresso explicava adiante, num desenvolvido trabalho de duas páginas, que o desempenho económico ficou a dever-se em boa parte ao aumento das exportações, que cresceram 15% nos primeiros cinco meses. Ou seja, nada ajudava a justificar o mérito atribuído a um ministro empossado em 21 de Junho, sete dias úteis antes do final do segundo trimestre.
Outro exemplo, demonstrativo da falta de correspondência entre a vontade do avaliador e as informações dadas à estampa pelo próprio jornal, é a coluna do «Sobe e desce» da última página do Público de 10 de Maio deste ano, que colocava a então Presidente da República do Brasil a «descer».
Dilma Rousseff, alegava o classificador, teria manifestado ao mundo a sua «felicidade» com o polémico despacho do presidente interino da Câmara dos Deputados de anular a decisão parlamentar que autorizara a abertura do processo para a sua destituição.
No entanto, a notícia sobre os factos anotava, na página 22 dessa edição, que «Dilma Rousseff foi cautelosa ao reagir à decisão de Maranhão», citando-a nestes exactos termos: «Não sei as consequências. Por favor, tenham cautela. Nós vivemos uma conjuntura de manhas e artimanhas».
No Jornalismo, alguns géneros gozam de uma certa liberdade e o pendor subjectivo, para não dizer o deslize para a parcialidade, parece ser bem tolerado pelos leitores. Mas talvez seja útil reflectir sobre se estes «elevadores» não deveriam baixar um pouco o tom sentencioso e subir um pouco mais no rigor das apreciações.
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