Donald Trump ainda não foi entronizado presidente dos Estados Unidos da América, pois não tomou posse – nem sequer o colégio eleitoral emitiu ainda o seu veredicto. Nada do que se ventila, especula, elabora, analisa e profetiza sobre a actuação do vencedor «surpresa», que se limitou a driblar as previsões de incautos e distraídos, pode ser levado à letra, tomado como definitivo.
A escolha dos visitantes com quem Trump se faz fotografar nesta fase, em que o presidente em exercício se arrasta penosamente no meio dos escombros de uma gestão danosa e altamente perigosa para o mundo, deve ser observada de olhos bem abertos, mas nada mais do que isso.
Podem ser sinais, tendências, sintomas, mas são igualmente, disso podem estar certos, manobras de diversão, truques de ilusionismo e marketing distribuído a partir da Trump Tower e, muito provavelmente, das muitas agências governamentais, a começar pelas de espionagem e segurança.
Mesmo a pré-indigitação de alguns dos possíveis membros da nova administração não permite antecipar o conteúdo real desta; as biografias que têm vindo a lume são interpretadas de mil e uma maneiras quanto à sua projecção no futuro, e entre essas leituras podem ser encontradas conclusões em determinados sentidos e nos seus contrários.
O presidente dos Estados Unidos não deixará de ser o presidente do establishement; o presidente dos Estados Unidos é o presidente do conselho de administração do complexo militar-industrial-tecnológico que governa não apenas o país como o mundo. Estas duas realidades permanecem imutáveis, até ao momento. Caberá a Trump subvertê-las, se quiser dar razão à espantação de incautos ou distraídos, mas não creio que amanhã seja a véspera desse dia.
O que ficou escrito vale igualmente para o futuro das duas imensas malfeitorias em desenvolvimento, conhecidas pela designação genérica de tratados transatlânticos, e que surgem como passos indispensáveis para a implantação global da desordem neoliberal, para a instauração do poder absoluto da anarquia capitalista conhecida como «libertação do mercado».
Acérrimos defensores do TTIP como a senhora Merkel – para quem essa modernice da limitação de mandatos é para os trouxas e bananas – atirou rapidamente a toalha ao chão. «Com Trump não haverá TTIP», garante. Nem parece dela. E não é, não passa de uma ténue cortina de fumo.
Porque a senhora Merkel e todos os outros acérrimos defensores da fraude do «comércio transatlântico livre» – entre eles o Governo de Portugal, até prova em contrário – procuram acelerar o CETA na clandestinidade, para ultrapassar eventuais perturbações no TTIP.
«Coincidem no tempo, na caminhada e na fase actual
de desenvolvimento do capitalismo, da mesma maneira que, na sua época, Hitler foi um produto ao serviço de um poderoso complexo militar-industrial-tecnológico.»
Ora o CETA e o TTIP são irmãos gémeos. TTIP é o tratado de liberalização do comércio entre a União Europeia e os Estados Unidos; CETA é a mesma coisa entre a União Europeia e o Canadá. Os dois desembocam no mesmo descalabro para os povos dos lados de cá e de lá do Atlântico, tanto mais que muitas são as empresas dos Estados Unidos que já usam o Canadá como ponte para a Europa.
Tornou-se moda tecnocrática dentro do unanimismo neoliberal e versões aparentadas – uma atitude ideológica como qualquer outra – ser-se contra esse fantasma terrível que é «o proteccionismo»; mesmo que, como no caso do CETA e do TTIP, abolir o proteccionismo seja somar mais um milhão de pessoas ao exército europeu de desempregados, segundo um relatório do Parlamento Europeu; ou permitir «o assalto das grandes corporações à economia mundial», de acordo com uma investigação do jornal britânico The Guardian.
Porque o TTIP e o CETA são fraudes imensas. Apesar de lançados e desenvolvidos no maior secretismo, como um dos derradeiros feitos de Barroso antes de se transferir de vez para a banda dos banksters, o que se sabe dos dois tratados é que os governos podem ser levados à justiça pelas multinacionais se tomarem medidas que lhes «provoquem prejuízos», sendo que a medida não funciona no sentido inverso; o que for privatizado jamais poderá ser nacionalizado; as protecções ambientais e sanitárias arduamente alcançadas no espaço europeu serão arrasadas de uma penada com a entrada livre dos produtos alimentares norte-americanos onde o uso de transgénicos, hormonas e antibióticos é admitido; o desabamento do «proteccionismo» transatlântico libertará para a atmosfera mais 21 milhões de toneladas de CO2, ridicularizando todas as decisões tomadas em magnas e esforçadas reuniões internacionais.
O TTIP e o CETA são enormes fraudes, sobretudo, porque eliminam de maneira clandestina muitas decisões favoráveis aos cidadãos, suas vidas, saúde e o seu meio ambiente, tomadas através do funcionamento dos mecanismos democráticos. O TTIP e o CETA são assaltos à democracia perpetrados pelos grandes interesses económicos e financeiros internacionais, a maior parte deles com lugar cativo no complexo militar-industrial-tecnológico sediado nos Estados Unidos da América.
«Uma NATO económica», chamou a senhora Clinton a estes tratados. E poucas vezes terá dito coisa tão acertada e sintonizada com a realidade.
Não deixa de ser revelador que a senhora Merkel e tantas outras vozes europeias estejam agora incomodadas com o suposto «proteccionismo» do presidente norte-americano eleito. Verificamos assim que a nata da União Europeia está disposta a assumir até às últimas consequências as fraudes democráticas do TTIP e do CETA, mesmo quando do lado norte-americano, o seu inventor e maior patrocinador, pareça haver alguém que agora as rejeita.
E bastaria isto para se perceber onde irá parar o suposto «proteccionismo» de Donald Trump. O TTIP e o CETA são pilares fundamentais para instauração plena da ditadura neoliberal global, um processo no qual a escolha do novo presidente norte-americano está obviamente inserido.
A suposta antinomia entre o estado actual do neoliberalismo e os populismos e fascismos proliferantes é um mal-amanhado truque de propaganda que só poderá sensibilizar ainda mais incautos e distraídos. Coincidem no tempo, na caminhada e na fase actual de desenvolvimento do capitalismo, da mesma maneira que, na sua época, Hitler foi um produto ao serviço de um poderoso complexo militar-industrial-tecnológico.
Neoliberalismo, populismo, fascismo, guerra, terrorismos, TTIP, CETA, Trump e a nata europeia remam hoje convictamente e todos para o mesmo lado. Por isso o estado do mundo é o que é.
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