[Continuação de Abel Prieto: «É preciso criar uma cultura e um pensamento antifascista» (I)]
Flor de Paz (Resumen Latinoamericano): Talvez por carência cultural.
Abel Prieto: Claro, por causa da famosa frase de Martí: «Ser culto é a única maneira de ser livre.» Fidel disse: «Sem cultura não há liberdade possível». E é verdade que isso é um perigo. No discurso de Fidel na Universidade, em 17 de Novembro de 2005, que é verdadeiramente chocante, há uma passagem dedicada ao que ele chama reflexos condicionados.
Ele diz que a publicidade comercial e toda essa máquina de manipulação da mente criam reflexos condicionados. O imperialismo subitamente aponta: «Cuba é má, o socialismo é mau.» E lá vão os pobres da terra, as pessoas sem emprego, sem saúde, sem educação, sem qualquer tipo de apoio estatal para que eles e as suas famílias tenham alguma esperança; e repete: «Cuba é má, o socialismo é mau.» Fidel explica como este reflexo condicionado retira a capacidade de pensar, posiciona uma pessoa contra os seus próprios interesses como classe e a aproxima daqueles que sempre a desprezaram e usaram. Este é (um) o drama de hoje: os pobres a votar no fascismo.
Perguntaste-me se isso pode ter algum tipo de contrapeso. Penso que Fidel também nos deu a resposta no seu discurso de encerramento do Encontro Internacional para o Equilíbrio do Mundo, em homenagem aos 150 anos do nascimento de José Martí, em 2003; o ano em que George W. Bush, usando como pretexto o ataque às Torres Gémeas, lança a cruzada global contra o terrorismo, anunciando a invasão do Iraque; em Miami diziam: «Iraque agora, Cuba depois.»
«E o povo perguntava-lhe: "O que é que se pode fazer, Fidel? O que fazer?" E Fidel disse: "Semeiem ideias, semeiem consciência", repetiu-o três vezes, sempre inspirado em Martí.»
Bush dirige-se aos estudantes de West Point e diz-lhes que os militares dos Estados Unidos devem estar preparados para invadir e ocupar 80 ou mais sítios escuros do mundo. Foi um momento em que estávamos a ver uma ameaça fascistóide tal como a de agora. Muitas pessoas de todo o mundo vieram a Havana para o evento de Martí, preocupadas com o destino de Cuba e com o destino das ideias nobres, e com a onda militarista, ameaçadora e fascista. Alguns anos antes, o socialismo entrou em colapso na URSS e no chamado campo socialista. E o povo perguntava-lhe: «O que é que se pode fazer, Fidel? O que fazer?» E Fidel disse: «Semeiem ideias, semeiem consciência», repetiu-o três vezes, sempre inspirado em Martí.
Fidel foi sempre um homem martiano; [Roberto Fernández] Retamar dizia que, para Fidel, citar Martí era como respirar, era algo tão incorporado que ele nem precisava de parar ou pensar nisso. Fidel estava convencido, tal como Martí, de que «trincheiras de ideias valem mais que trincheiras de pedra». Fidel acreditava que se podia abrir espaços para a verdade, para causas nobres.
Aqui, em Havana, houve um evento que me estimulou, o Terceiro Colóquio Internacional Patria. Foi extraordinário; olha que já fui a eventos e ouvi palestras e conversas e painéis. Neste tudo foi útil, interessante para compreender a grande batalha comunicacional em que vivemos.
Muitas vezes, a esquerda negligenciou as questões de comunicação; a direita não as ignora nem por um segundo. A esquerda tem prestado relativamente pouca atenção a estas questões e, no entanto, elas são vitais, tal como a própria colonização cultural. E hoje a orientação dos eleitores para candidatos de extrema-direita através das redes sociais é uma realidade.
A jornalista Rosa Miriam Elizalde fez um estudo sobre a utilização das redes no golpe de Estado contra Evo Morales que é muito interessante, sobre como se multiplicaram no Twitter, da noite para o dia, os seguidores de Camacho, o fascista de Santa Cruz, um dos líderes do golpe, e o mesmo com Jeanine Áñez, com o recurso a robôs. As etiquetas #Evoassassino, #Evogolpista criaram um clima muito tóxico, essa palavra que tanto se usa agora, que facilitou a desmobilização das pessoas, do povo, para que visse como inevitável a saída de Evo do governo.
«Muitas vezes, a esquerda negligenciou as questões de comunicação; a direita não as ignora nem por um segundo.»
Hoje, o papel das redes em todos os processos eleitorais é essencial. Agora, Trump, depois do seu julgamento, ganhou popularidade com a imagem de que é vítima de uma conspiração, e também ganhou em doações monetárias. Como vítima, recebeu grandes recompensas; ele criou um perfil no TikTok e já tem um grande número de seguidores. As redes hoje são um instrumento como as entrevistas na televisão já foram. Ele tem mais seguidores nas suas redes do que a audiência de todos esses canais estelares juntos.
As suas mensagens são como punhos: simples e primitivos, os princípios da propaganda de Goebbels. «Vamos tornar a América grande novamente» (uma e outra vez); o discurso contra os latinos, contra os imigrantes; a ideia de salvar a nação de uma invasão silenciosa de imigrantes; este novo fascismo promove o egoísmo, os instintos mais baixos e mesquinhos. É terrível.
E depois temos de voltar a Fidel: «Semear ideias, semear consciência», com uma componente extra, hoje eles manipulam o conhecimento, a informação e as emoções.
Flor de Paz: Depois da Segunda Guerra Mundial, a CIA contratou conselheiros da Alemanha nazi para realizar investigações, operações militares e interrogatórios. Que impacto teve a influência dos conselheiros alemães nazis nas doutrinas desta agência americana?
Abel Prieto: Suponho que sim, em certa medida. Ainda que recrutar informações do mundo de Hitler seja uma grande contradição ética, os ianques fizeram-no. Porque os ianques não têm nada a ver com ética; para eles os princípios são algo muito remoto. Nenhum político ianque (pode haver algum caso isolado) tem em conta a componente ética da política. A política deteriorou-se muito em todo o mundo, não apenas nos Estados Unidos. Mas esses conselheiros, este roubo de cérebros da Alemanha nazi pelo imperialismo norte-americano tem a ver com o cinismo ianque, com o aproveitamento das oportunidades onde quer que elas se apresentem, independentemente do sinal que tenham.
Eles não tinham qualquer tipo de avaliação sobre a origem desses cientistas, dessas inteligências, de como tinham sido treinados, à custa de quê. Lembra-te de que lançaram a bomba atómica contra o Japão, contra Hiroxima e Nagasaki, quando o Japão já estava prestes a render-se. Não era realmente contra os japoneses, era contra a União Soviética; o que os ianques queriam – Truman, um terrível assassino – era que isso ficasse claro para o mundo inteiro, e principalmente para a União Soviética, quem tinha a supremacia militar, quem tinha a arma letal depois daquela guerra, então matam massivamente a população civil em Hiroxima e Nagasaki.
«Nota que, quando criam o conflito com o Japão, os japoneses residentes nos Estados Unidos foram metidos em campos de concentração nos Estados Unidos. Ou queres algo mais fascista que o Ku Klux Klan, que é muito "Made in USA"? O Ku Klux Klan é tipicamente americano.»
Truman disse numa entrevista muitos anos depois: «Eu durmo tranquilo.» E Hollywood assumiu a responsabilidade de limpar a culpa dos Estados Unidos, fez uma releitura da história universal, como a do Vox no cemitério de La Almudena, em Madrid.
Quando era menino, via filmes sobre cowboys e índios, e faziam-nos sempre uma pergunta: «Estás por quem, os índios ou os cowboys?» A gente era pelos cowboys – por incrível que pareça – porque os índios eram os selvagens, faziam-nos desfigurados, como assassinos a cercar a diligência onde a rapariga e o galã estavam encurralados.
Então, o genocídio que foi a conquista do Oeste: concentrar os índios em guetos, alcoolizá-los, essas coisas terríveis que fizeram com aquelas populações, foram apresentadas ao público de todo o mundo como a chegada da civilização face à barbárie representada pelos índios.
Mas depois fizeram-no com a Guerra da Coreia. Também vi, em criança, a saga da Guerra da Coreia e ficava feliz quando todos aqueles chineses, os coreanos caíam metralhados pelos heróis ianques. Foi até uma visão idealizada, porque os ianques foram derrotados na Coreia. E fizeram o mesmo com a famosa síndrome do Vietname. Hollywood encarregou-se de curar essa síndrome, esse complexo, a humilhação que receberam do povo vietnamita.
Voltando à tua pergunta, as ideias fascistas daqueles cientistas que foram importados pelos Estados Unidos para as suas operações, certamente macabras, são uma minoria em relação ao próprio fascismo que os Estados Unidos geravam.
Nota que, quando criam o conflito com o Japão, os japoneses residentes nos Estados Unidos foram metidos em campos de concentração nos Estados Unidos. Ou queres algo mais fascista que o Ku Klux Klan, que é muito «Made in USA»? O Ku Klux Klan é tipicamente americano.
Havia ali um fascismo nativo, «criollo», com raízes muito profundas numa nação violenta, cheia de ódio, onde há um culto às armas de fogo, e onde volta e meia aparece numa escola um rapaz perturbado que mata os seus colegas, professores, porque qualquer pessoa pode comprar uma arma de assalto pela Internet.
Há um livro, também tremendo, que foi publicado pela Editorial Ciencias Sociales, da correspondente da Russia Today nos Estados Unidos, Helena Villar. Chama-se Escravos Unidos. O reverso do American Dream; é extraordinário. Tem um capítulo sobre opióides, sobre as drogas e muitos argumentos sobre como esse sonho americano, esse American Dream, não é como eles o pintam, e como é cheio de horror, de morte, de crime.
Mas eles criaram uma grande máquina cultural para convencer o mundo de que foram os vencedores na Segunda Guerra Mundial. Há uma pesquisa por aí que diz que hoje 90% da população europeia – ou 99 – acredita que foram os Estados Unidos que derrotaram Hitler e ninguém se lembra da União Soviética. Convencem que são os portadores dos valores ocidentais superiores, dos valores democráticos, da modernidade.
«Mas eles criaram uma grande máquina cultural para convencer o mundo de que foram os vencedores na Segunda Guerra Mundial. Há uma pesquisa por aí que diz que hoje 90% da população europeia – ou 99 – acredita que foram os Estados Unidos que derrotaram Hitler e ninguém se lembra da União Soviética.»
Martí travou uma grande batalha contra isto desde os anos 80 do século XIX até à sua morte, até à sua carta a Manuel Mercado, para que os políticos e intelectuais de Cuba e da América Latina – América Latina recém-independente de Espanha – não procurassem a bússola no Norte, e descreveu como eram as eleições norte-americanas, como esses representantes eram comprados pelas corporações, pelas empresas. E disse: «Maldita prosperidade a tal custo.»
E acrescentou: «Os Estados Unidos alcançaram altos níveis de prosperidade ao metalificar tudo»; metalizar, mas ele usa aquela palavra um pouco estranha. Martí não queria essa modernidade, não queria a prosperidade capitalista assente na exploração das pessoas, na qual uma elite tinha todos os privilégios e todos os luxos e uma grande massa passava fome e estava em condições de extrema pobreza. Martí viu claramente que o caminho não era esse e ficou muito angustiado porque na América Latina – diante do velho império de Espanha, que representava valores antigos e decadentes – de repente aparecia este jovem império a deslumbrar o povo.
Flor de Paz: Os governos dos Estados Unidos e da Europa são liderados por tecnocratas, que são como instrumentos descartáveis, mas ao mesmo tempo há um posicionamento percebido dos partidos de extrema-direita legalmente reconhecidos nas responsabilidades governamentais. Qual é a lógica que explica essa arquitectura?
Abel Prieto: É a lógica do capital. Na política tradicional, nos Estados Unidos e na Europa, existe aquilo a que se chama portas giratórias: um alto funcionário do governo termina o mandato do presidente de cuja equipa faz parte e vai trabalhar para uma empresa que provavelmente teria favorecido a partir do governo e leva aos empresários todos os seus contactos, as suas relações, as que adquiriu no exercício das suas funções enquanto funcionário público.
E depois, no mundo de hoje, funciona assim: arrasam o Iraque, tal como o arrasaram, e depois as empresas privadas, as corporações, vão reconstruir o Iraque. A guerra é um grande negócio. O dinheiro que vai para a Ucrânia para a apoiar na guerra com a Rússia, os ucranianos usam-no para comprar armas do complexo industrial-militar dos Estados Unidos.
Este grande negócio esconde ao mesmo tempo as profundas fraquezas do sistema, porque estamos num momento em que os Estados Unidos, o imperialismo norte-americano, está a perder a hegemonia – não devemos esquecer isso.
«E depois, no mundo de hoje, funciona assim: arrasam o Iraque, tal como o arrasaram, e depois as empresas privadas, as corporações, vão reconstruir o Iraque. A guerra é um grande negócio.»
Hoje, está a mudar aquele mundo unipolar que surgiu após o colapso da União Soviética e do campo socialista, o mundo unipolar com o Ocidente como o único senhor do mundo, da Terra, com os Estados Unidos no comando. Agora há os BRICS, há a Rússia, há a China, como a verdadeira grande potência em termos económicos e em termos tecnológicos, e em termos do facto de não estar envolvida em nenhuma guerra e de estar a fazer investimentos muito importantes em África e na própria América Latina.
O mundo já é multipolar, absoluta e inevitavelmente multipolar, e este delírio de guerra que os Estados Unidos têm, o seu apoio a Israel na sua barbárie contra a Palestina e à Ucrânia para que resista na guerra com a Rússia, tem a ver com o desespero que lhes causa perceber que o seu poder perdeu força, que está a enfraquecer, que está a perder prestígio.
Os BRICS são um fenómeno novo que os deve preocupar. São todos países muito diversos, mas não dependem do dólar ou dos mecanismos financeiros controlados pelos Estados Unidos. Existe um Banco BRICS presidido por Dilma Rousseff; são sinais muito preocupantes para os ideólogos do império, porque estão realmente a perder terreno.
Onde ainda têm uma forte hegemonia é na cultura e na informação, infelizmente. E a nossa obrigação é abrir brechas nessa hegemonia.
«Hoje, está a mudar aquele mundo unipolar que surgiu após o colapso da União Soviética e do campo socialista, o mundo unipolar com o Ocidente como o único senhor do mundo, da Terra, com os Estados Unidos no comando.»
Usei uma metáfora quando falei no Patria a partir de José Lezama Lima. Ele dizia que o método deve ser riscar a pedra; é preciso arranhar a pedra uma e outra vez, sem desespero, porque por essa fenda surgirá a verdade. Temos de conseguir defender a verdade todos os dias tentando deixar um arranhão na pedra da mentira, no muro das falsidades, das calúnias.
Perante esta expansão do pensamento nazi-fascista, a primeira coisa é aquilo que Fidel nos pediu: semear ideias, semear consciência; devemos gerar mensagens, análises, pensamentos, através de todos os meios disponíveis, tendo em conta que hoje lemos muito menos do que antes. Mas, sem dúvida, temos de gerar uma cultura antifascista, temos de gerar um pensamento antifascista; não podemos ver isso como algo muito remoto.
Lembremo-nos que num Halloween em Cuba havia jovens vestidos como membros do Ku Klux Klan e que, noutro Halloween, num concurso institucional de música, o vencedor foi um jovem vestido de oficial nazi. Neste mundo globalizado, não podemos pensar que estamos isolados; todas as mais terríveis doutrinas, imagens e ideias circulam livremente o tempo todo e recaem sobre pessoas de todas as gerações, mas particularmente sobre os mais jovens.
A esquerda tem de se articular. Este ponto foi muito importante nas conclusões do Terceiro Colóquio Internacional Patria, pelas acções que os participantes propuseram para que os diferentes núcleos da cultura de resistência, da emancipação, antifascista, se ligassem e nos tornassem muito mais fortes do que somos dispersos, isolados. Temos de conseguir uma grande frente anticapitalista, antifascista e anti-imperialista, pelo socialismo.
Hoje lembrei-me, numa reunião que tive com amigos venezuelanos, como Chávez resgatou a palavra socialismo numa época em que ninguém falava em socialismo. Fidel falava do socialismo e continuava a defendê-lo, mas de repente surgiu outra voz, alguém que era como um filho para Fidel, falando do socialismo quando, depois daquele colapso, o grande coro triunfal dos neoliberais o considerou enterrado para sempre.
Temos de construir alternativas, temos de combater dia a dia a ideia de que o capitalismo é a única ordem social imaginável e possível, que é como uma espécie de ordem natural, que a competitividade capitalista é a atitude perante a vida que nos corresponde como espécie. Tudo isso é falso.
Temos de recuperar palavras que nos foram roubadas. Agora, Milei tornou sua a palavra liberdade. A liberdade é nossa, a verdadeira democracia é nossa, os direitos humanos são nossos, e toda aquela máquina nos raptou essas palavras.
É importante todo esse trabalho de semear ideias, de semear consciência em torno de uma grande frente antifascista global. É muito importante que trabalhemos na criação desta frente antifascista global, e aí vocês, os comunicadores, os jornalistas, com todo esse equilíbrio extraordinário que nos deixaram os Colóquios Patria, mas em particular o mais recente, podem fazer muito por uma grande frente de comunicação antifascista, por uma grande frente de comunicadores antifascistas e anticapitalistas em busca das alternativas que a nossa espécie merece, porque esse outro mundo melhor é possível e essencial. Temos de juntar todos os que pudermos a esta frente antifascista e anticapitalista.
«Temos de recuperar palavras que nos foram roubadas. Agora, Milei tornou sua a palavra liberdade. A liberdade é nossa, a verdadeira democracia é nossa, os direitos humanos são nossos»
Nos Estados Unidos, todo o clima cultural, político e ideológico está contaminado por todas estas correntes de pensamento neofascista; os grupos de reflexão estão contaminados, a política está contaminada, a tal ponto que foi para a direita. Falar de socialismo, de respeito pela diversidade e de soberania das nações passou a ser rapidamente temas proibidos.
Há um medo servil nos políticos de serem qualificados como vermelhos, é como o neo-macarthismo; vivemos hoje um neo-macarthismo nos Estados Unidos e noutros lugares do mundo; há uma espécie de tribunal anticomunista permanente em nome dos valores patrióticos, em nome dos valores da grande nação, por isso é um momento tão perigoso.
Flor de Paz: Da arte, da cultura e das ciências sociais, foram feitos importantes contributos para o estudo das correntes neonazis desde o início da Segunda Guerra Mundial até ao presente, mas esse cúmulo de conhecimento não tem sido suficiente para compreender os perigos destes demónios. Porquê?
Abel Prieto: É verdade que foram feitas contribuições importantes a favor dessa cultura antifascista de que falávamos, mas os grandes circuitos de legitimação em termos culturais, os grandes prémios das editoras, os atribuídos por Hollywood, os Oscares, os Grammys, os que são dados pela indústria musical, todos visam estimular a produção artística e literária que não seja perigosa para o sistema.
«os grandes prémios das editoras, os atribuídos por Hollywood [...] todos visam estimular a produção artística e literária que não seja perigosa para o sistema»
Há um livro extraordinário (outro) de um educador espanhol chamado Jon Illescas: A ditadura do videoclipe: indústria musical e sonhos pré-fabricados, que é muito interessante. Ele explica como todo o artista que sai da linha ortodoxa de apoio ao sistema é censurado, até artistas muito famosos são censurados. A indústria não aceita o menor devaneio, a menor heresia e, nesse sentido, como diz o próprio Illescas, os criadores censuram-se, evitam o conflito, evitam a ruptura, evitam o confronto.
Flor de Paz: Que ligações existem entre o nazismo, o fascismo e os legados do franquismo no pensamento colonialista que hoje prolifera?
Abel Prieto: Representam um passado que está a ser lavado pelos seus representantes contemporâneos; há uma tentativa muito óbvia de lavar a imagem de Franco, de lavar a imagem de Mussolini, de Hitler, mas há também uma tentativa de lavar a imagem de Videla, de Pinochet e dos assassinos do Plano Condor.
O que se passou com o cinquentenário do golpe fascista contra Allende no Chile foi muito doloroso, houve porta-vozes da extrema-direita que ousaram dizer que o próprio Allende era o culpado pelo golpe pelas suas políticas erradas. Felizmente, existe um documento desclassificado associado a uma discussão entre Richard Nixon e o diretor da CIA em 1970 – Allende ainda não tinha tomado posse como presidente, embora tivesse sido eleito – em que Nixon diz: «Esse comunista não pode chegar a La Moneda.»
«Todos eles, Mussolini, Hitler, Franco e os que se seguiram, estão a ser lavados pelos novos fascistas»
O imperador já tinha decretado a morte de Allende antes de começar a governar, por isso é tão cruel e grotesco que acusem Allende de erros que mais tarde obrigaram os militares a colocar a ordem; tudo isso é mais uma infâmia entre tantas que circulam diariamente.
Acho que sim, que esses figurões do fascismo clássico estão presentes hoje e, ao mesmo tempo, está presente toda uma horda de fascistas posteriores. Muitas gente não ousa criticar Pinochet, ou considera que fez a coisa certa, ou que salvou a civilização cristã do fantasma do comunismo. Há um livro de Miguel Rojas Mix, um importante ensaísta chileno, chamado O Deus de Pinochet. Fisionomia do fascismo ibero-americano. Não está publicado em Cuba, mas explica as supostas inspirações divinas que Pinochet teve, como sempre se considerou um instrumento do Todo-Poderoso (como ele dizia); de Deus, para assassinar, para deixar aquela terrível marca de sangue e morte.
Todos eles, Mussolini, Hitler, Franco e os que se seguiram, estão a ser lavados pelos novos fascistas, como também fizeram com os conquistadores e colonizadores espanhóis que cometeram crimes horríveis nas nossas terras.
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