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Índia: turnos de 12 horas e abolição da legislação laboral são receita contra o vírus

Para «salvar a economia» e «aumentar a produção», em diversos estados indianos a semana de trabalho passou a ser de 72 horas. Uttar Pradesh e Madhya Pradesh suspenderam as leis laborais por 3 anos.

Sindicatos classificam suspensão da legislação laboral em Uttar Pradesh e Madhya Pradesh como um ataque aos trabalhadores
Créditos / scroll.in

Desde que, a 11 de Abril, o governo do estado do Rajastão anunciou que iria aumentar temporiamente, por um período de três meses, a jornada laboral de oito para 12 horas diárias, vários outros estados indianos fizeram o mesmo, nomeadamente Gujarate, Punjabe, Himachal Pradesh, Odisha, Haryana, Bihar e Goa. A semana laboral passa das actuais 48 horas passa as 72, excepto no estado de Goa, onde, segundo a imprensa, a nova legislação contempla o aumento da duração até às 60 horas.

Em declarações a The Hindu, Janardan Pati, presidente do Centro de Sindicatos Indianos (CITU, na sigla em inglês), considerou que se trata de «uma tendência perigosa» e classificou o aumento da jornada laboral como «inconstitucional».

«Num momento em que os trabalhadores são fortemente atingidos pelo lockdown [quarentena], fazê-los trabalhar mais quatro horas por dia desafia a lógica», disse, sublinhando que «a semana de trabalho de 72 horas terá impactos negativos na sua saúde».

Por seu lado, o portal Newsclick afirma que tanto o aumento da jornada de trabalho, nuns estados, como a suspensão da legislação laboral, noutros, constituem um «ataque aos trabalhadores», para «deleite do patronato».

«Os trabalhadores na Índia enfrentam uma crise que promete fazer recuar as suas vidas um século, tornando-os escravos dos tempos modernos», denuncia o portal indiano, destacando que «este ataque selvagem aos trabalhadores», por via de alterações efectuadas na legislação que os protege, «tem o patrocínio e o apoio do governo central, liderado por Narendra Modi», e é implementado, na maior parte dos casos, em estados governados pelo Bharatiya Janata Party (BJP), o partido nacionalista hindu do primeiro-ministro.

Uttar Pradesh e Madhya Pradesh «congelam» legislação laboral

Argumentando que a «economia necessita de maior flexibilidade para lidar com o golpe desferido pelo conronavírus», os governos destes estados do Norte e Centro da Índia decidiram suspender a legislação laboral por um período de três anos.

Os casos de Uttar Pradesh (onde vivem mais de 200 milhões de pessoas) e Madhya Padresh (com cerca de 72 milhões de habitantes) são bastante semelhantes, visando conceder às empresas – sobretudo no sector industrial – mais rédea solta para despedir e contratar, para determinar salários e «benefícios». Os direitos à negociação colectiva, ao protesto e à organização sindical «desaparecem».


O patronato deixa de ter de resolver os litígios em sede própria, como até aqui; as inspecções que garantem o cumprimento de normas sanitárias e de segurança também deixam de ser realizadas como até aqui (no caso de Madhya Pradesh, podem agora ser efectuadas por agentes contratados pelas próprias empresas), revela o portal One India.

Tudo isto, num contexto em que os trabalhadores e os mais pobres são quem mais sofre as consequências da pandemia e dos efeitos para a conter, nos mais de 40 dias de quarentena.

Segundo as estimativas mais recentes do Centre of Monitoring Indian Economy, a taxa de desemprego subiu para 27%; além disso, centenas de milhares de trabalhadores não têm estado a receber salários, apesar de estarem a trabalhar, revela o Newsclick.

Aumentam os lucros e as desigualdades

Surajit Mazumdar, professor de Economia na Universidade Jawaharlal Nehru (Nova Déli), destaca que o efeito imediato destas medidas será aumentar o lucro do sector industrial e o fosso das desigualdades.

Em declarações ao Newsclick, defendeu que mexer na legislação laboral para, supostamente, salvar a economia não «adianta nada», porque «não há procura», uma vez que as pessoas perderam o poder de compra. «A única maneira de aumentar o emprego – e recuperar a economia – é aumentar a despesa pública», sublinha.

Na verdade, explica, é possível que estas medidas conduzam a uma maior revolta entre os trabalhadores e que a produção – que se pretende aumentar – venha a sofrer. «Passar a jornada laboral para 12 horas significa tentar alcançar os mesmos níveis de produção com menos trabalhadores; portanto, a questão do aumento do emprego nem sequer se coloca», disse, sublinhando que «se está a tentar tapar o Sol com a peneira» e que o verdadeiro objectivo é «aumentar os lucros do patronato».

Entretanto, os maiores sindicatos do país asiático já avisaram que não vão aceitar estas medidas e que, se Madhya Pradesh e Uttar Pradesh não recuarem na suspensão da legislação laboral, partirão para a greve geral.

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