|Manuel Gouveia

A Brisa para eles, a tempestade para nós

Para satisfazer as necessidades da Brisa está aberto um novo período de renegociação da concessão. Para quê? Para arranjar a desculpa que permita prolongar o contrato de concessão. 

CréditosAntónio Pedro Santos / Agência Lusa

A Brisa é uma antiga empresa pública transformada numa gestora de concessões públicas, extraindo uma rentabilidade extraordinária de uma actividade simples: pedir empréstimos bancários bonificados para contratar obras, recebendo do Estado o necessário para pagar os juros e amortizar o empréstimo e assegurar uma bela renda anual.  

No último ano, a principal preocupação do seu CEO – que transpareceu nas múltiplas entrevistas dadas aos jornais onde a Brisa é anunciante – foi preparar a opinião pública para a «necessidade» de prolongar os contratos de PPP [parceria público-privado], que tantos lucros têm gerado à Brisa.

Isto porque a concessão à Brisa termina a 31 de Dezembro de 2035, e pode ser resgatada já em 2030. Ora, há que garantir que a sangria continua!

Privatização

Foi o PS e António Guterres quem formalmente iniciou a privatização da Brisa. O essencial da rede estava construída, e o que foi privatizado foi o direito de cobrar portagens. Veja-se a lista de auto-estradas concessionadas à Brisa:  

– A1 Auto-estrada do Norte

– A2 Auto-estrada do Sul

– A3 Auto-estrada Porto - Valença

– A4 Auto-estrada Porto - Amarante

– A5 Auto-estrada da Costa do Estoril

– A6 Auto-estrada Marateca - Caia

– A9 Circular Regional Externa de Lisboa

– A10 Auto-estrada Bucelas - Carregado - IC3

– A12 Auto-estrada Setúbal - Montijo

– A13 Auto-estrada Almeirim - Marateca

– A14 Auto-estrada Figueira da Foz - Coimbra (Norte)

A rede ficará concluída com a construção e exploração da auto-estrada de acesso ao Novo Aeroporto de Lisboa cuja extensão definitiva depende da sua localização.

Vale a pena ver as contas da Brisa de 2023 (último ano publicado) para se ver o que é no concreto este «negócio» privatizado:

Paralelamente, a dívida reduziu-se: 1757 milhões (final de 2021) para 1394 milhões (final de 2023).

Reparem como o volume extraordinário de receitas (785) dá um resultado líquido ainda mais extraordinário de 277 milhões. Uma taxa de 35%, só possível de alcançar neste tipo de negócios (tipo PPP) com o Estado e através de contratos leoninos de concessão.

Reparem como é ridículo o volume de investimento (62 milhões), onde a construção de novos troços é zero há vários anos. Aliás, importa ter presente que, dos 129 troços que constam da concessão, 104 estavam construídos antes da privatização (2002), e só 25 foram construídos depois, e mesmo estes poucos estavam quase todos já lançados no momento da privatização.

Por fim, um apelo: de cada vez que pagar uma destas portagens, olhe para o valor pago. E sinta-se generoso, pois, grosso modo, quase metade do que paga é para os accionistas da Brisa. É uma forma de caridade... para com os ricos. 

Renegociação do contrato

Para satisfazer as necessidades da Brisa está aberto um novo período de renegociação da concessão. Para quê? Para arranjar a desculpa que permita prolongar o contrato de concessão. 

Basta olhar para as contas acima expostas para se perceber que o Estado não ganha nada em renovar a concessão à Brisa ou a qualquer outra sanguessuga do género. Já transferindo a concessão para a IP (ou para uma reconstruída Estradas de Portugal) o resultado líquido permitiria pagar a dívida em menos de cinco anos, e a partir desse momento o Estado ficaria com três hipóteses: reduzir as portagens em cerca de 66%, mantendo uma situação económica estável na manutenção e funcionamento destas vias; acabar com as portagens e passar a pagar uma indemnização compensatória suficiente para as despesas de manutenção e reparação; manter as portagens, e usar a receita gerada para construir novas infra-estruturas rodoviárias, como é o caso da auto-estrada de acesso ao Novo Aeroporto de Lisboa. 

O Governo, claramente, opta por outro caminho: renegociar o contrato com a Brisa. No Despacho de nomeação da Comissão de Negociação com a Brisa, de 27/12/2024, o Governo aponta como questões a negociar uma mistura que vai desde a realização de investimentos (eventual alargamento de vias, a construção da Ligação ao Novo Aeroporto de Lisboa, da Ligação à Plataforma Logística do Poceirão e da Ligação à Plataforma Logística Lisboa Norte, e possíveis outros investimentos) com a resolução de um conjunto de diferendos entre o Estado e a Brisa, nomeadamente sobre as comparticipações já pagas por obras não realizadas e a resposta a vários pedidos de reequilíbrio financeiro da concessão. 

Reparem, uma concessão que dá um lucro anual de 277 milhões de euros, mas que acumula vários pedidos de reequilíbrio financeiro, ou seja, de ameaças de ir a um «Tribunal» Arbitral buscar mais dinheiro por tudo e por nada. Isto porque o Estado deu (nos contratos antes assinados) a faca e o queijo a um grupo económico, para depois andar a negociar com esse grupo a compra de umas fatias de queijo. 

Nada de positivo vai sair desta negociação: o Governo fará a costumeira conferência de imprensa, informará (mentindo) que sem quaisquer custos para o Estado a concessionária irá construir isto e mais aquilo, e os portugueses continuarão a pagar portagens por mais 20 ou 30 anos, para garantir os lucros da Brisa e os emolumentos dos intermediários deste tipo de negociata. 

Quando tudo seria mais simples, mais barato e mais eficaz para todos se acabasse a concessão. Bem, não exactamente para todos: todos, menos os accionistas da Brisa e os intermediários destes negócios. Pois. 

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