|Protecção Civil

Um sistema que carece de mudanças

O relatório sobre incêndios identifica um «colapso geral do sistema de protecção e socorro» por «o sistema não estar preparado para situações catastróficas com esta dimensão e impacto». Urge revê-lo.

Bombeiros Voluntários de Bragança
CréditosCorpo de Bombeiros de Bragança

A Assembleia da República debateu esta semana o Relatório da Comissão Técnica Independente (CTI) constituida para análise dos incêndios que ocorreram entre 14 e 16 de outubro de 2016 e que foi entregue no Parlamento no passado dia 20 de março.

Volto ao teor do documento para destacar alguns aspetos do mesmo, que não tiveram a devida atenção no espaço mediático, o que significa dizer da parte dos cidadãos em geral.

Num capítulo intitulado «Determinantes institucionais» o Relatório faz uma apreciação sobre os «diferentes agentes de proteção civil e das suas fragilidades atuais». É neste contexto que se analisa a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Guarda Nacional Republicana (GNR), Corpos de Bombeiros (CB), Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia (CM-JF).

No que se refere à ANPC o documento sublinha, referindo-se à catástrofe dos incêndios de junho e outubro de 2017, que «estes acontecimentos, pela rapidez e violência com que se desenvolveram, pela dispersão geográfica e pela simultaneidade da ocorrência de situações de proteção e de socorro em milhares de locais de dezenas de concelhos e vários distritos, conduziram (apesar de situações pontuais que terão decorrido de forma adequada), ao colapso geral do sistema de proteção e de socorro. Tal não se terá ficado a dever a situações pessoais, de falta de dedicação ou mesmo de abnegação, mas sobretudo à forma como os dispositivos estão organizados e o sistema está estruturado, que não estará devidamente preparado para situações catastróficas com esta dimensão e impacto».

Esta constatação deveria constituir, por si só, matéria suficiente para que se procedesse a uma avaliação criteriosa, serena e tecnicamente sustentada sobre o modelo organizacional e doutrinário da ANPC, dez anos depois de ter sido criada.

Sabe-se que está em curso uma revisão da Lei Orgânica da ANPC, trabalhada no segredo dos deuses e, supõe-se, totalmente capturada pelo risco de incêndio florestal, como se a avaliação de risco do país se circunscrevesse a este.


Para além disso, a discussão sobre o agente corpo de bombeiros e sua relevância no sistema, mantem-se circunscrita à discussão do caderno reivindicativo apresentado pela Liga dos Bombeiros Portugueses, que, por sua vez, persiste em ignorar a necessidade de olhar com coragem a evolução que a estrutura do socorro confiado a Bombeiros exige.

É neste quadro que ganha particular atualidade a recomendação apresentada pelo Relatório da CTI no sentido de que se concretize uma «Reorganização Estrutural do Setor Operacional dos Bombeiros», tendo em vista a superação de vulnerabilidades identificadas que, conforme o Relatório alerta, «se poderão agravar no futuro, e que não se confinam à problemática dos incêndios florestais, mas sim à proteção e socorro no conjunto do território nacional».

Quem conhece o país real e estuda as suas diversas dimensões sociais sabe, em consciência, que o modelo estrutural do sistema em vigor no país, está esgotado. Não reconhecer isto é enganar uma significativa parte da população.

Urge acabar com os equívocos e olhar de forma séria e competente para o sistema de proteção civil, como um todo, dotando o serviço de tutela (ANPC) dos necessários recursos e competências, para que possa exercer em pleno a sua condição de responsável pela salvaguarda do cumprimento da função de soberania que, hoje mais do que nunca, a Proteção Civil tem de assumir.

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