As causas para esta instabilidade estão identificadas e, no essencial, estão associadas às diversas visões que os sucessivos governos têm adotado sobre um sistema no qual o pensamento estratégico e solidificado tem sido substituído pelas visões casuísticas de governantes que, através do ato legislativo, têm procurado deixar a sua marca neste sistema.
No contexto das ocorrências extremas que se têm verificado no território continental, os incêndios florestais têm sido a causa determinante para introdução de alterações na legislação estruturante do sistema, bem como na orgânica do serviço de tutela do mesmo. A única exceção a esta constatação foi a queda da Ponte Hintze Ribeiro, em 2001, que provocou o primeiro abalo deste século no sistema.
Confundindo sistematicamente sistema com serviço, os governos têm-se limitado a introduzir mudanças na orgânica do serviço central que, depois de se designar Serviço Nacional de Proteção Civil, Serviço Nacional de Bombeiros e Serviço Nacional de Proteção Civil e Bombeiros, é atualmente e desde 2007 Autoridade Nacional de Proteção Civil.
Dir-se-á que cada um dos referidos serviços são diferentes entre si e, no domínio da sua estrutura e competências, isso corresponde à verdade. Mas todos se sucederam uns aos outros sem um pensamento estruturante que desse consistência ao sistema, impedindo que cada governo ou governante o alterasse a pretexto de motivações conjunturais, de uma forma geral pressionadas pelo grau de gravidade de eventos ocorridos.
Estamos de novo em período de mudanças. O laboratório em que a proteção civil portuguesa se transformou concebeu uma nova cobaia para testar.
O Conselho de Ministros do passado dia 25 de outubro aprovou na generalidade um conjunto de diplomas relativos ao sistema de proteção civil e ao sistema de defesa da floresta contra incêndios. Destes diplomas destaca-se uma nova lei orgânica da Autoridade Nacional de Proteção Civil.
«Estamos de novo em período de mudanças. O laboratório em que a proteção civil portuguesa se transformou concebeu uma nova cobaia para testar.»
Neste projeto de decreto lei volta a mudar-se o nome do serviço central, passando a designá-lo como Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). Esta alteração é apenas justificada pela estranha introdução do Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência no âmbito da ANEPC, depois ter sido extinto (e mal) numa alteração legislativa anterior.
Elimina-se a organização operacional de base distrital e substitui-se esta pela regional (NUT 2) e sub-regional (áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais). A este propósito e uma vez mais, não foi feita a avaliação dos pontos fortes e dos pontos fracos da organização distrital vigente, impondo-se a nova (mas ainda precária) realidade de organização territorial e administrativa, protagonizada pelas CIM. Não coloco em causa a regionalização do País que tarda desde há muito. O que contesto é a incoerência territorial da organização do Estado e dos seus serviços, bem como o desenho de soluções de natureza operacional, sem atender à tipificação dos riscos e às respostas disponíveis no território para os enfrentar.
Finalmente e quanto aos agentes do sistema, remete-se os corpos de bombeiros para um papel secundário, contrariando a afirmação de que eles são «um pilar determinante do sistema de proteção civil em Portugal». Multiplica-se a criação de novas forças e investe-se no significativo aumento dos seus efetivos, enquanto se despreza a necessidade (por todos reconhecida) de delinear e executar um Plano de Reorganização do socorro confiado aos Bombeiros, única força com cobertura territorial de todo o continente (dos 278 municípios, apenas o município de Castro Marim não tem corpo de bombeiros), com manifestas vantagens para um verdadeiro sistema de proteção civil, alicerçado no princípio da subsidiariedade.
As opções políticas que presidiram a mais esta experiência laboratorial da proteção civil em Portugal estão mais do que definidas. O processo em curso de alegada discussão na especialidade é meramente tático, apesar da contestação que legitimamente a Liga dos Bombeiros Portugueses tem feito ao mesmo.
Uma vez mais o laboratório da proteção civil vai impor a sua vontade, até à próxima provação a que seja sujeito.
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