Entende o fotógrafo que «as discrepâncias entre as formas como vivem as pessoas são por vezes difíceis de ver a partir do solo». Será porque o estigma da pobreza já não deixa de fora quem trabalha?
A desigualdade de rendimentos é um dos factores que em Portugal mais tem contribuído para alimentar as estatísticas da pobreza. Não basta ter trabalho. Um estudo da agência da União Europeia Eurofund concluiu que, entre 2007 e 2014, o risco de pobreza para quem trabalha aumentou em 21 estados-membros. Portugal não foi excepção e conseguiu inclusivamente situar-se acima da média da União Europeia.
A situação agravou-se de modo particular nos anos das troikas nacional e estrangeira, com o antecessor de Maria Luís Albuquerque a alardear «um enorme aumento de impostos».
Subtraíram-se rendimentos do trabalho, que por sua vez se tornou cada vez mais precário, graças aos falsos recibos verdes, enquanto a selvajaria das empresas de trabalho temporário foi e é alimentada pela retórica das mudanças tecnológicas e de já não haver trabalho para toda a vida («isso era no tempo dos nossos avós»). Crescem assim os lucros de uns à custa do trabalho dos outros.
Em 2014, segundo dados da Pordata, cerca de 29% dos trabalhadores (quase um em cada três) por conta de outrem recebia menos de 700 euros por mês e 8% de todos os trabalhadores por conta de outrem viviam abaixo do limiar de pobreza. Em 2017, cerca de um em cada dez trabalhadores não conseguia sair da pobreza.
A par dos cortes salariais foram-se dando machadadas nas funções sociais do Estado, nada mais nada menos do que pilares essenciais para a redução das desigualdades. Uma desordem ideológica acompanhada pelos assistencialismos e pela caridadezinha que se compra no supermercado, mas que está longe de resolver o problema da pobreza.
A solução política que resultou das legislativas de há quatro anos inverteu o caminho de cortes e esbateu ligeiramente algumas injustiças sociais, mas muito está ainda por fazer para uma melhor redistribuição da riqueza. Basta ver que um quarto da riqueza nacional pertence a 1% da população.
No dia em que o tema do combate à pobreza e desigualdade vai ao Parlamento, vale a pena recordar o diagnóstico realizado por Januário Torgal Ferreira, em 2017. «Luta-se contra a pobreza com muitos meios, mas só se acaba com a pobreza acabando com a injustiça social», e isso, acrescentou, «só depende da vontade política».
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