Nas finanças públicas, o FMI volta a pedir uma consolidação do lado da despesa e em particular nos salários e nas pensões, centrando o receio na reacção dos mercados e das agências de rating.
Passados dois anos e meio do fim do programa da troika em Portugal, o FMI considera que, em relação às «grandes decisões», como a de não avançar para uma reestruturação da dívida ou a de aplicar um volume muito forte de austeridade logo no início do programa, dificilmente se poderia ter ido por outro caminho.
Quanto a uma reestruturação de dívida, os técnicos do Fundo concordam com a decisão tomada pelas autoridades portuguesas e pela troika de não reestruturar a dívida logo à partida e, principalmente, em 2012, quando essa possibilidade esteve claramente em cima da mesa. «A reestruturação nunca foi uma opção realista dados os custos e riscos imediatos e os benefícios incertos», afirma o documento.
Destacam nas conclusões que um programa de apenas três anos não pode ir muito longe, assinalando que, no caso português se deveria ter aplicado um segundo programa «para guiar o processo de ajustamento inacabado até a uma conclusão sólida». O FMI lembra o facto de o Tribunal Constitucional português ter forçado o recuo em algumas das medidas do programa, afirmando que «em casos extremos, [o Fundo] pode ter de abandonar o programa se os compromissos exigidos pelo sistema legal se tornam inconsistentes com o sucesso».
Reduzir salários, pensões e trabalhadores da Função Pública, aconselha o FMI
O FMI aconselha o Governo a adoptar uma «estratégia bem delineada» para reduzir os gastos com os salários no Estado e pede ao Executivo que reforce os mecanismos de saída de funcionários públicos e que não aplique a semana de 35 horas aos trabalhadores da saúde.
O Fundo volta a colocar o foco na necessidade de controlar os gastos, com os salários do sector público e com o sistema de pensões, e a melhorar os mecanismos de controlo para a atribuição das prestações sociais.
No caso da Função Pública, a instituição alerta que as metas previstas no Programa de Estabilidade assentam «fortemente» na saída de trabalhadores por «motivos naturais», mas que essas metas «podem revelar-se difíceis de atingir» por causa da reversão total dos cortes salariais e da reposição da semana de 35 horas no Estado. O FMI recomenda ainda ao Governo que adie o descongelamento das progressões na carreira (algo que só está previsto para 2018).
«O FMI aconselha o Governo a adoptar uma "estratégia bem delineada" para reduzir os gastos com os salários no Estado e pede ao Executivo que reforce os mecanismos de saída de funcionários públicos e que não aplique a semana de 35 horas aos trabalhadores da saúde.»
Volta a focar que a situação tem hoje pressões adicionais por causa da reversão de algumas medidas tomadas anteriormente, nomeadamente o fim dos cortes salariais e a reposição da semana das 35 horas, induzindo assim que se deveria manter a austeridade.
A essas pressões, a instituição acrescenta outras, decorrentes de medidas tomadas no início do ano. É o caso do aumento do salário mínimo nacional ou das alterações anunciadas na área laboral – tais como a restrição do uso dos contratos temporários ou as alterações na área da contratação colectiva – que podem ter «consequências adversas» no emprego e na competitividade das empresas portuguesas.
O aumento do salário mínimo nacional está na mira do FMI como medida prejudicial. O chefe da missão do FMI em Portugal, Subir Lall, numa entrevista dada ao Público, afirma que os empregadores privados «apenas se sentirem um bom ambiente para investir é que irão contratar mais pessoas e pagar-lhes mais. Esse é o caminho a seguir. Se, pelo contrário, a procura de força de trabalho se mantém igual ou se cai porque os custos de trabalho subiram mais que a produtividade, isso vai fazer cair o emprego. É por isso que somos muito cautelosos no que diz respeito a aumentar o salário mínimo mais do que a produtividade». O FMI insiste assim em relacionar o aumento do salários com a menor criação de emprego.
Ainda sobre os aspectos laborais, Subir Lall, em entrevista à IMF News, recomenda que se façam reformas estruturais no mercado de trabalho, que aproximem os contratos de trabalho permanentes, que são mais «onerosos», dos contratos temporários, que são «flexíveis mas precários».
A ideia do chefe de missão é «tornar os contratos permanentes mais flexíveis, melhorando, em simultâneo, os benefícios disponíveis àqueles com contratos a termo certo, de modo a criar uma convergência dos dois tipos de contratos». Ou seja, os contratos que permitem a estabilidade, deixariam de existir.
Subir Lall considera ainda que a solução do problema do sector financeiro em Portugal passa também por «cortar custos para melhorar a rentabilidade». O exemplo apontado é a rede de agências bancárias, que «é provavelmente mais extensa nalguns casos do que o necessário para suprir as necessidades financeiras da população portuguesa».
Como grande conclusão, o relatório afirma que «As “grandes decisões” tomadas no programa foram justificadas», legitimando assim as medidas que os próprios imposeram.
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