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Violência sobre dirigentes sociais na Colômbia tem «carácter sistemático»

Os assassinatos de dirigentes sociais e ex-combatentes na região do Pacífico e Sul de Córdoba, entre 2016 e 2020, não são «casos isolados», sublinha um relatório apresentado por várias organizações.

Os dirigentes sociais continuam a ser ameaçados e assassinados na Colômbia
Os municípios seleccionados pelo estudo apresentaram taxas de homicídio acima de dez por cada cem mil habitantes entre 2016 e 2020, que a OMS considera o limiar da «violencia endémica» CréditosGustau Nacarino / theobjective.com

O resultado da investigação levada a cabo por oito organizações colombianas e internacionais foi divulgado esta terça-feira. Entre as conclusões apresentadas figuram o carácter sistemático da violência exercida sobre dirigentes sociais e ex-combatentes das FARC-EP, a perseguição existente contra o movimento Marcha Patriótica e as «más práticas» em que incorre o Ministério Público colombiano no que respeita à publicação dos números.

A investigação estudou 255 casos de mortes violentas no período compreendido entre Novembro de 2016 (assinatura do acordo de paz) e Junho de 2020, centrando-se nas regiões de Norte do Cauca, Urabá (Antioquia), Bajo Cauca (Antioquia), Bajo Atrato (Chocó) e Sul de Córdoba. Dos visados, 213 eram dirigentes sociais e defensores dos direitos humanos, e 42 eram ex-combatentes das desmobilizadas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP).

O estudo, intitulado «Sistematicidade e impunidade no assassinato de dirigentes sociais», foi elaborado pelos organismos Fundación Forjando Futuros, Comisión Intereclesial de Justicia y Paz, Programa Somos Defensores, Instituto de Estudios para el Desarrollo y la Paz (Indepaz), Comisión Colombiana de Juristas, com o apoio de Protección Internacional, Oxfam, e Diakonia.

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Do assassinato como forma de parentesco

Na Colômbia, toda a gente conhece alguém – um primo, um irmão, uma amiga – que foi assassinado. Todas as semanas há um novo massacre no país do Prémio Nobel da Paz.

Protesto na Colômbia contra o assassinato de dirigentes sociais (imagem de arquivo)
Créditos / fayerwayer.com

Em Dezembro, o jornalista colombiano Mario Jursich Durán escrevia assim: «O assassinato é a nossa principal forma de parentesco. Todos na Colômbia temos um pai, uma mãe, um filho, uma filha, um irmão, uma irmã, um tio, uma tia, um primo, uma prima, um sobrinho, uma sobrinha, um parente distante, um amigo, uma amiga, um conhecido – alguém que conhecíamos de vista, alguém por quem sentíamos simpatia, alguém de quem ouvimos falar. E com todos eles nos une o sangue derramado por mãos cainitas [fratricidas].»

Em finais de Setembro hesitei se haveria gancho noticioso para escrever sobre violência na Colômbia. Agosto tinha sido particularmente duro: «Três jovens assassinados em Venecia» (24 de Agosto); «Seis pessoas assassinadas em Tumaco: três massacres em menos de 24 horas» (22 de Agosto); «Cinco vítimas deixa o massacre perpetrado em Arauca» (21 de Agosto); «Massacre de Samaniego: uma nova matança de jovens põe em relevo o recrudescimento da violência na Colômbia» (16 de Agosto). São títulos do El Espectador. Ainda na quarta-feira o AbrilAbril noticiava mais assassinatos e um número – 1040 – de líderes eliminados desde o acordo de Paz com as FARC (Novembro de 2016). Diariamente, o gancho noticioso na Colômbia é o assassinato.

«Dados recentes da ONU revelam que os massacres aumentaram 30% nos primeiros anos do governo Duque. O número de massacres de 2019 é o mais alto desde 2014. "Paz com legalidade", portanto.»

A banalização é tal que mais um massacre não chega aos media internacionais. A atenção dá-se quando há uma explosão colectiva, manifestação espontânea, quando os colombianos saem à rua, o que explica que jornais como o Público ou o Observador tenham noticiado protestos de Setembro, mas nada sobre massacres no Verão. Ironicamente, o DN é quem mais noticia massacres mas depois fez chamada de capa, no início de Outubro, com uma carta do presidente Iván Duque (comemorando dois anos de mandato): «Paz com legalidade é a nossa política de desenvolvimento social e de transformação das condições de vida de milhões de colombianos, que pusemos em prática desde o início do nosso governo, procurando a estabilização dos territórios mais afetados pela violência e pela pobreza.» Dados recentes da ONU revelam que os massacres aumentaram 30% nos primeiros anos do governo Duque. O número de massacres de 2019 é o mais alto desde 2014. «Paz com legalidade», portanto.

Mas os números da Misión de Observación Electoral são aterradores – não apenas de assassinatos, mas de várias formas de violência, incluindo de género: 67% dos municípios onde decorreram são zonas do Programa de Desenvolvimento com Enfoque Territorial. Estes territórios foram, durante décadas, afectados pela violência (das guerrilhas, dos grupos armados paramilitares ou do próprio Estado), e que, no rescaldo do processo de paz, receberam uma série de programas de investimento e estabilização. O estudo usa a expressão «grupo armados legais» para descrever os actores. Isto porque, na Colômbia, há «grupos armados ilegais»: o braço armado das FARC foi oficialmente desmantelado (as dissidências actuais são ilegais), e o ELN não chegou a acordo de paz. Os actores desta violência são «grupos armados legais», paramilitares «protegidos» pelo Estado, que o Estado deixa impunemente agir em regiões que deveria defender, ou o próprio Exército colombiano.

«Quem resiste fá-lo para ter acesso a terra, a rios, a justiça social, a educação, às vezes, pelo direito a atravessar uma propriedade ou simples acesso à torneira de água num bairro popular.»

Duque escreve: «Comprovámos que a paz se constrói nos territórios e não tem qualquer ideologia, nem partido político. Comprovámos, também, que a paz não pode ser utilizada com fins eleitorais e populistas para dividir a nação.» A ironia desta declaração está na palavra paz: é que é a guerra que não pode ser utilizada com fins eleitorais e populistas para dividir a nação. E é a guerra, a violência, que não parou e tem vindo a aumentar sob o seu mandato, que continua a dividir os colombianos entre vivos e mortos.

Os únicos inimigos da paz, diz Duque, «são aqueles que têm pretendido, durante décadas, impor-se à sociedade colombiana pela força das armas». Grande parte dessa força foi desmantelada com os processos de Havana, com o render incondicional das FARC, com a entrega das armas, com a integração dos ex-combatentes na sociedade civil, e até o presidente Santos recebeu um Prémio Nobel da Paz. A guerra, essa, continua: a do Estado colombiano, ou de grupos armados, contra sectores de resistência do próprio povo. Quem resiste fá-lo para ter acesso a terra, a rios, a justiça social, a educação, às vezes, pelo direito a atravessar uma propriedade ou simples acesso à torneira de água num bairro popular. Não estamos a falar, como por vezes se crê, de gangsters que se atravessam no caminho de gangsters pelo controlo de narcotráfico ou minério. Esses chegam-nos em parangonas de extradições de chefes do narco. Estamos a falar de invisíveis: sindicalistas, líderes políticos, jovens estudantes, jornalistas, mulheres em apoio a vítimas de crimes sexuais, ex-combatentes que viveram na selva durante 30 anos e que deixaram as armas porque pensavam que o Estado os protegeria. Isto é: gente que se atravessa diante de grupos armados para conseguir viver.

«É, como diz um amigo, um país que contraditoriamente se orgulha de ter sido dos poucos a «escapar» às ditaduras latino-americanas do século XX assente na ilusão democrática de uma enorme vala comum.»

A advogada defensora de Direitos Humanos Diana Sanchéz Lara dizia no El Espectador em Agosto aquilo que ninguém afecto a Duque (e ao seu pai ideológico, Álvaro Uribe) quer repetir: «Quem governa a Colômbia há dois anos são aqueles que promoveram o NÃO ao referendo sobre a paz. (...) Necessitavam que o país continuasse com o conflito, a violência, a corrupção alimentada por alianças com o narcotráfico e o paramilitarismo e, a passos, justificar um orçamento militar elevado, que hoje ascende aos [oito mil milhões de euros].»

Temos, portanto, territórios onde antes estavam as FARC e onde agora há um vazio de poder. Ele dá-se porque o Estado protege grupos que, com o desaparecimento das FARC, têm acesso a recursos antes intactos. Territórios ricos em minérios (cobre, ouro) e por explorar (madeiras, gado) são zonas que o Estado considera de interesse estratégico, fonte de disputas territoriais de multinacionais armadas de capangas, avançando pela floresta antes virgem ou expropriando terras indígenas e afro consagradas na Constituição, forçando populações a migrar.

Não há paz na Colômbia, apesar do Prémio Nobel e de um presidente em negação. E agora já não pode dizer que são as FARC, a sua incipiente dissidência, ou até o ELN, com penetração irrisória. Agora o governo não pode esconder-se dos mortos. Porque todos são civis. São mais quase 50 anos de conflito, mais de seis milhões de refugiados, mais 260 mil mortos, mais de 80 mil desaparecidos, num país em que 1,1% dos proprietários de terra concentram 52,2% da terra arável, e desses 21,5 milhões de hectares, apenas 4,1 milhões são cultivados. Estes são os números da ONU. É, como diz um amigo, um país que contraditoriamente se orgulha de ter sido dos poucos a «escapar» às ditaduras latino-americanas do século XX assente na ilusão democrática de uma enorme vala comum. Ou, como diz outro: é «um Estado bárbaro», em que a vida não vale nada e a morte pode valer muito dinheiro.

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Um dos aspectos do «carácter sistemático» dos crimes é o facto de as vítimas possuírem uma ligação entre si, como a «liderança», seja numa Junta de Acção Comunal, nos «resguardos» indígenas, nos movimentos agrícolas ou nos Programas de Desenvolvimento com Enfoque Territorial (PDET), que são espaços com os quais se procura transformar as regiões mais afectadas pela violência, pobreza, economia ilícita e a debilidade institucional, refere o periódico El Espectador, que teve acesso ao informe.

Segundo o estudo, a maioria dos assassinados que tinham filiação política militavam em partidos da oposição; 90% dos assassinatos de dirigentes sociais ocorreram em «zonas altamente afectadas pelo conflito armado e pela falta de presença do Estado»; 80% dos crimes tiveram lugar em zonas com presença de cultivos ilícitos desde 2016.

«Na sua quase totalidade, os municípios seleccionados tiveram taxas de homicídio acima de dez por cada cem mil habitantes durante os cinco anos estudados, que a OMS [Organização Mundial da Saúde] considera o limiar da "violencia endémica"», afirmam as organizações.

Críticas ao Ministério Público

Os subscritores do relatório revelaram que, durante o processo de investigação, se depararam com dificuldades para aceder a informação sobre os crimes e ao seu posterior julgamento. Afirmam que é escassa a informação disponível no portal do Poder Judicial e nos comunicados de imprensa do Ministério Público (MP). Dos 255 casos estudados, denunciam, apenas encontraram «actividade judicial» relativa a 52.

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Indepaz alerta para morte violenta de outro dirigente social na Colômbia

Nos primeiros 60 dias do ano, foram assassinados 28 dirigentes sociais no país sul-americano, segundo os dados divulgados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz).

Os assassinatos registados pelo Indepaz em 2021 dão continuidade à grande violência que marcou o ano de 2020 no país sul-americano
Créditos / eltiempo.com

Na sua conta de Twitter, o Indepaz informou que o assassinato mais recente de um dirigente social na Colômbia ocorreu esta segunda-feira no departamento de Sucre. Jaime Basilio, que era funcionário do Cabildo Indígena do Corregimento Libertad, no município San Onofre, foi morto na sua residência por volta das 20h.

Até ao momento, desconhecem-se mais detalhes sobre o facto, revelou o organismo de defesa da paz na rede social, onde vários utilizadores fizeram eco do caso e o denunciaram, exigindo ao governo de Iván Duque que faça uma investigação a fundo, informa a TeleSur.

Também no Twitter, o senador Gustavo Petro, ex-candidato à Presidência da República, denunciou que «Sucre está em pleno processo de reparamilitatização», bem como a «casta narcotraficante» que domina o município de San Onofre, «sem que a Justiça faça nada».

A espiral de violência na Colômbia prossegue e, segundo os dados verificados pelo Indepaz, até 1 de Março foram assassinados 28 dirigentes sociais no país andino. A estes, juntam-se dez ex-combatentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) mortos, além de 15 massacres registados, com um saldo de 59 vítimas.

2020, ano marcado por grande violência

Os primeiros 60 dias de 2021 são uma continuidade da violência na Colômbia ao longo dos anos e que teve grande expressão no ano passado, sem que o governo de Duque actue de modo a travar a situação.


Segundo os dados recolhidos pelo Indepaz, em 2020 foram mortos no país 310 dirigentes sociais e defensores dos direitos humanos, e 64 ex-combatentes das FARC-EP assinantes do acordo de paz de Novembro de 2016.

O ano ficou igualmente marcado pelo elevado número de massacres verificados (91), dos quais resultaram 381 vítimas mortais.

No total, 66 municípios foram palco de massacres, termo que o Indepaz utiliza na acepção estabelecida pelas Nações Unidas. Existe um massacre «quando três ou mais pessoas são assassinadas no mesmo local e momento e pelo mesmo presumível perpetrador».

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As organizações acusam mesmo o MP de «más práticas» a vários níveis, nomeadamente no que respeita à divulgação dos números de assassinados, uma vez que «não inclui os casos documentados pela Provedoria de Justiça, nem por fontes das organizações da sociedade civil», lê-se no documento, citado por El Espectador.

A Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) já tinha alertado para esta situação em 2019: «face à situação de violência que afecta as pessoas defensoras, preocupa a CIDH a falta de estatísticas oficiais e de um registo detalhado, desagregado e unificado das agressões contra este grupo, bem como os altos níveis de impunidade relacionados com as investigações pelos crimes cometidos contra estes colectivos», notou.

«A impunidade constitui um factor que aumenta o risco das e dos defensores, pois deixa-os numa situação de indefesa e desprotecção que favorece a repetição destes delitos», acrescentou.

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