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Super Liga Europeia: a forma final do futebol moderno

Clubes e UEFA são a face da mesma moeda. Por agora em desacordo, têm caminhado lado a lado na promoção do futebol como indústria, em detrimento do seu carácter desportivo e da sua ligação aos adeptos.

No encontro amigável de futebol Clube Africain-Paris Paris Saint Germain, em Tunes, Tunísia, a 4 de Janeiro de 2017, os adeptos do clube local acolheram os adeptos franceses com uma faixa onde se lê «criados pelos pobres, roubados pelos ricos» 
Créditos / Calcio & Gabbana

O dia 18 de Abril de 2021 pode ficar para a história como um marco negro no futebol. Doze clubes europeus anunciaram a organização de uma «Super Liga Europeia», em modelo fechado e que procura rivalizar com a Liga dos Campeões. Caso vá adiante, podemos estar a olhar para a maior machadada no conceito de mérito desportivo, o qual foi já bastante desbastado ao longo das últimas décadas.

Estes 12 clubes (seriam 15, mas PSG, Bayern München e Borussia Dortmund recusaram participar neste momento), com esta competição, pretendem dar um golpe, captando recursos financeiros e de transmissão que neste momento estão canalizados para a UEFA e, deste modo, cimentarem a sua posição enquanto «marcas globais», sem que o rendimento e o mérito desportivo os possa colocar em causa.

«com esta competição, [os clubes] pretendem dar um golpe, captando recursos financeiros e de transmissão que neste momento estão canalizados para a UEFA e, deste modo, cimentarem a sua posição enquanto «marcas globais», sem que o rendimento e o mérito desportivo os possa colocar em causa»

No fundo, a ideia é colocar um ponto final no debate e tornar o futebol num negócio pelo negócio, com a transformação dos clubes em empresas desportivas, um pouco à semelhança da equipa de basquetebol estado-unidense New York Knicks, que é das empresas desportivas mais conhecidas do planeta, das que tem maior orçamento, apesar de não ganharem um título há 48 anos, e não existir grande ambição para alterar a situação.

Importa dizer que este projecto não é recente, estando já a ser imaginado há décadas, com intenções públicas de o constituir a surgirem já em 1998. Mudanças ocorridas no futebol a partir do início dos anos 90 permitiram às equipas e países com maior capacidade financeira concentrar os melhores valores desportivos internacionais praticamente sem restrição, o que desequilibrou a competitividade, reforçando a posição inicial dessas equipas, que por sua vez, se tornaram mais influentes junto dos organismos que gerem o futebol, para continuar o efeito de pescadinha de rabo na boca, em que este processo se tem repetido desde então.

«É interessante ver a UEFA apelidar a acções destes clubes de cinismo e de irem contra o espírito de mérito desportivo quando, em conjunto com eles, todas as alterações às competições de clubes e selecções desde 1997 (com excepção da Liga das Nações) têm sido feitas no sentido de beneficiar quem tem mais carteira e não quem tem mais golos marcados»

O surgimento da ideia em 1998 de uma liga europeia à parte da Liga dos Campeões foi o suficiente para a UEFA ter modificado o formato da competição, permitindo a entrada de mais equipas das maiores ligas, dando mais hipóteses de estas se manterem em competição. Ao longo dos anos tem sido esse o padrão de actuação da UEFA, que partilha a ideia de um futebol concentrado num punhado de clubes que não passam de «marcas» que geram mais receitas provenientes de publicidade, merchandising e receitas televisivas.

É interessante ver a UEFA apelidar as acções destes clubes de cinismo e de irem contra o espírito de mérito desportivo quando, em conjunto com eles, todas as alterações às competições de clubes e selecções desde 1997 (com excepção da Liga das Nações) têm sido feitas no sentido de beneficiar quem tem mais carteira e não quem tem mais golos marcados.

A hipocrisia é tão mais evidente quanto num dia repudiam a criação desta nova competição de ricos e, literalmente, no dia a seguir aprovam uma reformulação da Liga dos Campeões, acordada com estes mesmos clubes, que garante mais facilidade do seu acesso à competição e de se manterem em prova.

O maior erro de análise que se pode tirar deste acontecimento no futebol é que isto é uma guerra entre clubes ricos e UEFA. Ambos são a face da mesma moeda, que estando por agora em desacordo, têm caminhado sempre lado a lado na promoção do futebol como indústria, em detrimento do seu carácter desportivo e da sua ligação aos adeptos.

«De forma geral, parece que a rejeição dos amantes do desporto a este modelo de futebol é largamente maioritária, com alguns dirigentes e intervenientes desportivos a terem já a necessidade de se distanciarem do projecto»

Por último, neste curto texto, quero salientar a reacção dos adeptos, a começar pelos dos próprios clubes proponentes. Ao longo das últimas horas têm-se visto adeptos organizados, dos clubes ingleses envolvidos, a denunciarem o anúncio da nova «Super Liga» – o que é mais significativo quando se tem em conta a história e raízes das equipas. De forma geral, parece que a rejeição dos amantes do desporto a este modelo de futebol é largamente maioritária, com alguns dirigentes e intervenientes desportivos a terem já a necessidade de se distanciarem do projecto.

Que a revelação da forma final do futebol moderno, o futebol negócio, com todas as suas contradições e podridão expostas, possa servir para ampliar e reforçar a batalha por uma alternativa, pelo futebol de carácter popular, decidido nas quatro linhas, onde os valores valham mais que os cifrões.

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