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Tráfico de seres humanos: realidades e silêncios

O tráfico de seres humanos não é aceite de modo livre e consciente, mas foi e é resultado da ausência de uma alternativa real e aceitável para o desenvolvimento de uma vida digna.

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Problemas velhos continuam a estigmatizar as mulheres, a inferiorizá-las mesmo quando elas cantam o amor como a mais bela beleza da vida. Seduzidas, iludidas, no fundo para terem uma vida melhor, mas sempre ávidas e inconformadas, exigindo mudanças significativas e convergências que sejam verdadeiras e não nebulosas para as entreter e continuar a subjugar.

O tráfico de seres humanos não é aceite de modo livre e consciente pelos traficados e traficadas, mas sim, foi e é resultado da ausência de outra alternativa real e aceitável para o desenvolvimento de uma vida digna.

O recrutamento das vítimas é uma parte essencial do processo do tráfico de pessoas.

Em geral, esse recrutamento envolve alguma forma de engano. A vítima pode ser recrutada sob falsas promessas de bom trabalho e bom salário. Mas também são comuns, sobretudo tratando-se de mulheres, que as vítimas sejam enganadas a partir da criação de uma relação de falso interesse amoroso por parte do traficante, conhecido por «o encantador de sereias», que, com isso, ganhará a confiança da vítima.

«O tráfico de seres humanos não é aceite de modo livre e consciente pelos traficados e traficadas, mas sim, foi e é resultado da ausência de outra alternativa real e aceitável para o desenvolvimento de uma vida digna»

À medida que a relação amorosa se desenvolve, o traficante consegue transportar a vítima para outro local e, a partir daí, passa a explorá-la sexualmente. Sujeitas a diferentes níveis de vitimização são empurradas pela coação, em toda a sua violência, quando raptadas e levadas pelo engano, ou arrastadas e iludidas com promessas de trabalho legal. Eis senão quando chegam e são surpreendidas com a sua inserção no mercado de exploração sexual, nos bares, e por aí. Acenam-lhes com trabalho como «dançarinas» ou «strippers» na denominada «indústria do entretenimento», mas que se descobrem, posteriormente, submetidas à exploração sexual e em condições aviltantes de subjugação e subordinação.

De acordo com a ONUDC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), mulheres e meninas compõem a vasta maioria das vítimas notificadas em todo o mundo, representando cerca de 49% e 21% respectivamente. Uma característica interessante destacada por essa entidade sobre o envolvimento de mulheres no tráfico de pessoas é que, além de serem as principais vítimas em termos numéricos, as mulheres também são personagens activas e importantes no recrutamento de outras mulheres. Uma possível explicação para esse número expressivo de mulheres como sujeitos activos do tráfico de pessoas é a relação íntima ou mesmo de parentesco com os traficantes. Circunstâncias várias, o medo da deportação no caso de migrantes, o temor de represálias, levam-nas a esconder e a calar, a silenciar e não denunciar. Não denunciam, não se sentem suficientemente seguras e autónomas para procurar o Estado a fim de reportar os fatos criminosos. Mas também se sabe que, em muitos casos, as vítimas não se enxergam como tal, tampouco se vêm em condições de exploração. Isso ocorre, particularmente, quando estão envolvidas emocionalmente com seus algozes ou quando estão ganhando mais dinheiro do que conseguiriam ganhar nos seus países de origem.

Da exploração e desrespeito pela condição humana ao lucro desmedido

Do mesmo modo que acontece com o mercado internacional de drogas e de armas, a busca pelo lucro é, sem dúvida, o grande motivo impulsionador do tráfico humano.

Com pessoas cada vez mais vulneráveis à exploração, os exploradores vão à procura continuamente de fontes de mão-de-obra mais baratas. Segundo alguns estudiosos da matéria, o tráfico de seres humanos torna-se um mercado cada vez mais lucrativo devido à procura de serviços prestados por pessoas traficadas. Associado a isto há uma generalizada cultura da tolerância à exploração sexual bem como à flexibilização e precariedade do emprego, formal ou informal, que é o rasto de um sistema económico pardo e corrupto que se pretende naturalizar, com homens e mulheres a poderem ser assediados e escravizados.

O tráfico assenta na maioria dos casos na necessidade de sobrevivência face à oportunidade de melhores empregos nos países de destino e a outros factores de atracção nos países mais ricos, que têm necessidade de mão de-obra barata, pouco instruída, apta e disposta a aceitar condições de trabalho normalmente rejeitadas por cidadãos locais. Condições estas que alimentam as redes de tráfico.

As vítimas do tráfico são quase sempre indivíduos vulneráveis, que vivem em circunstâncias pessoais muito adversas. Os recrutadores do tráfico aproveitam-se dessas circunstâncias e situações pessoais complicadas para manipular as vítimas e encorajá-las a assumir posições e iniciativas arriscadas, frequentemente baseadas em promessas de uma vida melhor (Europol, 2016).

Os conceitos ligados ao tráfico, à prostituição, à igualdade e outros, não são, por um lado, nada consensuais e, por outro, estão sendo contaminados, influenciados e manipulados pela estrutura neoliberal da economia que, ideologicamente dominante, arrasta mudanças de linguagem que vão contextualizar e justificar os seus interesses.

«As vítimas do tráfico são quase sempre indivíduos vulneráveis, que vivem em circunstâncias pessoais muito adversas. Os recrutadores do tráfico aproveitam-se dessas circunstâncias e situações pessoais complicadas para manipular as vítimas e encorajá-las»

A linguagem transforma comportamentos em função do mapa ideológico que partilhamos: colaboradores em vez de trabalhadores e trabalhadoras do sexo em vez de prostitutas (já não meretrizes ou toleradas como no século XIX, ou no tempo da escuridão fascista). A igualdade de género que significa tudo mas oculta a palavra mulheres, porque essas, discriminadas de longa data, têm sido e são os sujeitos de acção eventualmente transformadora, é uma linguagem que esconde a exploração, o sacrifício, o traumatismo de quem entra ou sai da prostituição, o negócio do tráfico ou do sexo, em que elas, as mulheres, são a maioria. Linguagem que esconde também a exploração, a violência sexista e a servidão de quem trabalha em condições sub-humanas.

Importa também relevar as questões que as zonas fronteiriças colocam e que exigem políticas de cooperação entre entidades várias, embora reconhecendo que a redução das distâncias virtuais entre os países e o esbatimento de suas fronteiras tenham facilitado a prática do tráfico de pessoas.

Com a internet, o espaço deixou de ser obstáculo. A internet encurta distâncias, mas cria novas violências. A ciberviolência e todas as violências nas redes sociais são hoje perigosamente factores de agressão, alimentam a pornografia e geram nas crianças problemas graves de autoreconhecimento.

Quando tanto se pugna pelas liberdades colectivas e individuais, e se apela crescentemente ao respeito dos direitos fundamentais e pela autodeterminação dos povos, o tráfico de seres humanos apresenta-se como um dos crimes mais graves da humanidade. Põe em causa a dignidade humana, a inviolabilidade da integridade física e moral das vítimas, a sua liberdade e autodeterminação pessoal, valores inestimáveis para cada ser humano e para a existência de sociedades livres e justas.

O que falta fazer?

Não falta legislação, antes determinação política para encarar de frente um problema com impactes sociais e pessoais, mas também morais, económicos e financeiros de uma sociedade em declínio de valores. Aliás, existem documentos fundamentais sobre o tráfico desde a Convenção das Nações Unidas de 1949 para a supressão do tráfico de pessoas e da exploração da prostituição de outrem.

«Não falta legislação, antes determinação política para encarar de frente um problema com impactes sociais e pessoais, mas também morais, económicos e financeiros de uma sociedade em declínio de valores»

Várias convenções internacionais ratificam a gravidade do fenómeno, tratam-no como crime com consequências psicológicas e sociais nefastas e apontam medidas de prevenção e combate a serem levadas pelos Estados. O Plano de Acção Mundial das Nações Unidas aprovado em 2010 traça metas e é avaliado de quatro em quatro anos. Recentemente, em 7 Junho de 2021, no quadro dessa avaliação, a Assembleia-geral das Nações Unidas adoptou uma Declaração Política 2021 sobre a aplicação deste Plano na qual, por unanimidade, os seus membros declaram mais uma vez a sua firme vontade política de agir resolutamente e coordenadamente para pôr fim a este crime odioso.

Nesta declaração, a Assembleia-Geral das Nações Unidas (AGONU) reafirma a vontade de regular problemas sociais, económicos, culturais e políticos e outros que exponham as pessoas ao tráfico, como são a pobreza, o subdesenvolvimento, a migração irregular, o desemprego, as desigualdades, a desigualdade de género, as violências sexuais, a discriminação e ainda a marginalização, a estigmatização, a corrupção, as perseguições, as situações de emergência humanitária, os conflitos armados e as catástrofes naturais. Além disso, decide intensificar esforços para assegurar a justiça e a protecção das vítimas e confere que os recursos destinados a esta luta à escala mundial não estão adaptados à amplitude do problema.

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MDM exibe tempo de antena sobre o tráfico de seres humanos

O Movimento Democrático de Mulheres (MDM) assinala o dia europeu de combate ao tráfico de seres humanos relembrando que a pandemia «aumentou o risco de recrutamento de mais vítimas», particularmente de mulheres.

Através deste projecto, o MDM propõe-se «romper silêncios contra esta forma de violência que atenta contra a dignidade e os direitos»
Créditos / Pixabay

«O confinamento e, sobretudo, o aprofundamento da crise social e económica, conduziram a uma maior vulnerabilidade e exposição das vítimas à exploração e à violência», levando, inevitavelmente, a uma acrescida dificuldade na identificação de pessoas nesta situação, afirma o comunicado, divulgado hoje, do MDM.

Mas o confinamento não é, nem pode ser, uma desculpa, já que em nada alterou a natureza do crime de tráfico humano. A momentânea visibilidade que o caso de Odemira criou, entretanto já esquecido, expôs «o desconhecimento profundo que persiste sobre este crime e as fragilidades e a descoordenação que subsistem na intervenção aos mais diversos níveis».

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Seixal destaca impacto da pandemia na vida das mulheres

Uma conferência online organizada pelo Município, em parceria com a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas e o MDM, assinala o Dia Internacional da Mulher no Seixal.

A actriz Maria João Luís é uma das convidadas
Créditos / CC-BY-3.0

webinar moderado pela jornalista Catarina Pires visa «destacar o impacto global e local da Covid-19 na vida das mulheres», e são várias as convidadas para esta sessão. 

Sónia Matos, da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas (AMUCIP); Manuela Calado, vereadora da Câmara Municipal do Seixal; Corália Loureiro e Regina Marques, do Movimento Democrático de Mulheres (MDM); Joana Videira, do Centro Cultural e Recreativo do Alto do Moinho; e Marta Braga, bombeira, são, juntamente com a actriz Maria João Luís, algumas das que vão participar na iniciativa da próxima segunda-feira. 

A Câmara Municipal do Seixal realça num comunicado que a pandemia veio expor «todo o tipo de desigualdades», incluindo a desigualdade de género, com impactos nos direitos e liberdades das mulheres, causando desequilíbrios sociais e o aumento do desemprego.

Neste sentido, o presidente do Município enfatiza a necessidade de «continuar a lutar para que, mesmo em pandemia, sejam ampliadas as conquistas e os direitos das mulheres», sublinhando que «ainda há muito trabalho a fazer» no combate à desigualdade de género.

«Queremos estar na linha da frente dessa luta pois entendemos que uma sociedade desenvolvida é aquela onde existe igualdade de oportunidades entre homens e mulheres», afirma Joaquim Santos. 

A conferência «A Mulher e a Actualidade» realiza-se na próxima segunda-feira, entre as 15h e as 17h, na plataforma Webex. A Câmara do Seixal informa ainda que o Dia Internacional da Mulher será assinalado com vários destaques divulgados durante o dia 8 nas redes sociais da autarquia. 

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É neste desconhecimento que se sustenta «a capacidade de adaptação das redes de tráfico aos mais diversos cenários, apoiados na sua incomensurável imaginação para recrutar, movimentar e explorar, mantendo os seus elevadíssimos lucros». Exige-se o rápido reconhecimento, em todos os países, de que o tráfico «assenta as suas raízes nas políticas económicas e sociais geradoras de iniquidade e de injustiça social, da pobreza, da miséria e da fome».

Será sempre um exercício fútil combater as redes de tráfico de seres humanos compactuando, ao mesmo tempo, com a «generalização e massificação da precariedade e da instabilidade no trabalho; com a indignidade dos salários de miséria e da desregulação dos horários; ou da negação de direitos que obrigam a ceder e aceitar a crescente exploração e aceitar, sem outra, opção um trabalho exercido em condições de tremenda insegurança e violência».

Da mesma forma, o MDM considera indispensável que, para além da identificação de dois dos elementos constitutivos da definição do crime de tráfico, «saber quem e através de que meio se aprisionam pessoas numa violência sem fim», é necessário que não se feche «os olhos à generalização da exploração laboral ou ceder à tentação de legalizar o negócio do proxenetismo, como aqui em Portugal alguns pretendem».

A dura realidade dos números e a obrigação dos estados

O MDM alerta para os mais recentes dados que apontam, na Europa, para uma predominância das mulheres e de meninas enquanto as principais vítimas deste crime, num total de 72% de todas as pessoas identificadas. Destas, 92% são traficadas para exploração sexual e prostituição; As crianças constituem 22% das vítimas, e a maioria, também meninas, têm o mesmo destino: «a exploração sexual e a prostituição».

O Relatório Tráfico de Seres Humanos - 2019, produzido pelo Observatório do Tráfico de Seres Humanos e o Ministério da Administração Interna, identifica uma realidade ainda muito desconhecida no país, sinalizando-se, principalmente, as vítimas adultas, masculinas, forçadas à exploração laboral.

Por seu lado, todas as vítimas de tráfico para fins de exploração sexual identificadas, 27 pessoas, são do sexo feminino, incluíndo cinco menores de idade.

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Legalizar o proxenetismo representa retrocesso

Foi entregue no Parlamento uma petição que pretende legalizar o lenocínio, a actividade dos que gravitam em torno da prostituição, que constitui uma forma de exploração e violência exercida maioritariamente contra as mulheres.

O MDM denuncia a prostituição como «uma das mais aviltantes formas de violência contra as mulheres»
Créditos / FJUJapan

Não é uma novidade a campanha, que agora tem tido muita expressão mediática, em torno da pretensa «legalização da prostituição». Legalização da Prostituição em Portugal e/ou Despenalização de Lenocínio é o título da petição que foi entregue para ser debatida na Assembleia da República e que, a par das entrevistas dadas pela promotora, Ana Loureiro, constituem os elementos de uma campanha alimentada pelo Correio da Manhã e pela TVI.

Em declarações ao AbrilAbril, Sandra Benfica, dirigente do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), afirma que não há nada de novo na proposta. «O que está aqui em causa é o ponto 1 do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa, que o lobby dos proxenetas quer destruir», disse, acrescentando que, se assim fosse, a mercantilização do corpo das mulheres seria legal e voltaríamos ao «velho sistema das matriculadas» do tempo do fascismo que de seis em seis meses eram obrigadas a inspecções médicas para continuarem a prostituir-se. 

«O que estes "empresários" querem é que haja um enorme retrocesso no ordenamento jurídico português, onde não existe nenhum preconceito moral em relação à sexualidade», mas sim a garantia de que o Estado não permite que alguém lucre com a exploração sexual do corpo de terceiros, afirmou a dirigente.


Em relação aos argumentos dos que defendem tratar-se de uma «opção» da mulher, Sandra Benfica sublinha que esse não é um termo que possa ser associado a esta forma de exploração. «Sobre a conduta de quem é prostituído não pesa nenhuma penalização para além da violência a que é sujeito diariamente», frisou.

Quanto ao que se pode esperar da discussão no Parlamento, a dirigente lembra que nenhum partido colocou no seu programa eleitoral às eleições legislativas de 2019 a legalização do lenocínio. Mesmo o Bloco de Esquerda, que o havia feito em 2015, optou por não o colocar desta vez no programa, e «é com base nos programas que os partidos são eleitos», lembrou.

«A nossa luta não vai no sentido de combater esta petição mas, como afirmamos nos princípios que norteiam a realização da Manifestação Nacional de Mulheres, a prostituição é uma forma de violência que necessita de ser combatida, criando-se caminhos de fuga à pobreza, à discriminação e desigualdade a que estas pessoas estão sujeitas e a criação de condições para que possam sair desta situação», concluiu a dirigente.

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«Neste tempo de insana intensificação da exploração, no qual o corpo, como entidade física e simbólica, é encarado pelo consumidor como objecto de consumo, é fundamental impedir que se expanda no nosso país indústrias e mercados multimilionários criados em torno da mercantilização do corpo, e partes do corpo, particularmente do das mulheres, não permitindo que mais violência assole a nossa vida e nos desrespeite, desprezando a nossa integridade e dignidade enquanto seres humanos» reafirma o documento do Movimento Democrático de Mulheres.

A organização defende ainda a urgente assunção do «combate ao tráfico de pessoas como uma obrigação e uma prioridade dos estados, investindo na prevenção e no apoio às vítimas, na formação e reforço dos meios públicos para a perseguição, desmantelamento e punição das redes de tráfico humano», combatendo «o lobby dos proxenetas e pondo fim ao negócio da prostituição».

O MDM vai assinalar o Dia Europeu de Combate ao Tráfico de Seres Humanos, 18 de Outubro, emitindo, na RTP1, em espaço de direito de antena, um vídeo de sensibilização sobre o tema, com a participação da Boutique da Cultura, que tem em cena uma peça sobre as experiências das vítimas de tráfico com o nome, Silêncios e Tanta Gente.

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Na avaliação do Plano fica claro que os migrantes são a população mais exposta ao tráfico de pessoas e nomeadamente ao trabalho forçado. No que se refere às mulheres, a relatora da avaliação conclui que o crime prossegue com toda a impunidade. As mulheres e as meninas estão expostas à exploração e muitas vezes a «formas múltiplas e conjugadas» de exploração. Salienta ainda que a pandemia agravou a pobreza e o desemprego de forma desproporcionada entre as mulheres e as meninas.

Os membros da AGONU sublinharam a importância de lutar contra as causas profundas do tráfico, como a procura, as desigualdades sociais e económicas no mundo e instaram os governos a investir nas pessoas, nomeadamente com educação, emprego, cuidados de saúde e com meios de subsistência.

Quanto à exploração sexual de mulheres, crianças e meninas, são assinalados explicitamente problemas e lacunas persistentes, mesmo reconhecendo progressos nos últimos 20 anos quanto ao reconhecimento do crime. De facto, no último relatório da ONUDC, 50% das vítimas detectadas foram para fins de exploração sexual.

A causa primeira do tráfico continua a ser a pobreza, mas importa dar visibilidade ao problema da prostituição

Porém, as organizações de mulheres levantam também nesse fórum internacional a importância de dar visibilidade ao problema da prostituição, exigindo que o tema seja incluído nos programas e estratégias para 2030 e que sejam ouvidas as mulheres traficadas e prostituídas.

Nada de novo, mesmo em relação ao incumprimento das resoluções da ONU pelos Estados-membros. É uma democracia com os seus revezes, relações desiguais e laivos de autoritarismo e dominação de uns sobre os outros, que põem em causa a perspectiva de multilateralismo actualmente defendida, que assegure oportunidades iguais a todos os Estados.

«Nada de novo, mesmo em relação ao incumprimento das resoluções da ONU pelos Estados-membros. É uma democracia com os seus revezes, relações desiguais e laivos de autoritarismo e dominação de uns sobre os outros, que põem em causa a perspectiva de multilateralismo»

No que concerne ao trabalho, a OIT também ergue a sua voz pela prevenção e apoio aos trabalhadores migrantes, contra as práticas abusivas de trabalhos forçados e sem condições. Note-se, a importância que é dada neste quadro ao tráfico de mulheres para trabalhos domésticos, sob forma de internato, que esconde a servidão e a escravatura do séc. XXI.

Em Portugal, na defesa da Estratégia Europeia de combate ao tráfico de seres humanos para o período 2021-2025, o governo fala de políticas migratórias, humanistas e inclusivas, em cooperação com os países vizinhos. São termos interessantes, mas demasiado genéricos. Importará prosseguir e acompanhar as políticas públicas que terão que ser, não apenas inovadoras no plano tecnológico para melhoria da investigação, mas também com recursos e meios para que a investigação seja mais eficiente e o apoio às vítimas rápido permitindo-lhes autodeterminação e independência, sem restrições.

Portugal tem leis e planos próprios para o combate ao tráfico de seres humanos (TSH) alinhados com a União Europeia. O IV Plano de TSH de 2018-2021, da responsabilidade da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), está em avaliação, esperando-se que o próximo plano consagre algumas das medidas do Relatório sobre a igualdade entre homens e mulheres na União Europeia no período 2018-2020, da Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade dos Géneros do Parlamento Europeu, aprovado em Outubro de 2021, cuja relatora foi a deputada comunista Sandra Pereira e do qual sublinhamos alguns aspectos:

- exercer direitos e participar em igualdade é uma legítima aspiração das mulheres, mas o exercício desses direitos, bem como a participação em condições de igualdade, estão por cumprir;

- o tráfico de seres humanos é um fenómeno fortemente marcado pelo género, tendo quase três quartos das vítimas registadas na UE sido mulheres e raparigas, traficadas predominantemente para fins de exploração sexual;

- o tráfico de seres humanos constitui uma faixa crescente da criminalidade organizada e uma violação dos direitos humanos;

- 78 % de todas as crianças traficadas são raparigas e 68 % dos adultos traficados são mulheres;

- a exigência de uma resposta comum da UE, face ao carácter transfronteiriço da cyber violência contra as mulheres e as raparigas;

- a exigência de os Estados-membros criarem programas de prevenção, nomeadamente medidas educativas dirigidas aos jovens através da sensibilização para os preconceitos instalados acerca das responsabilidades em matéria de prestação de cuidados, para a igualdade entre homens e mulheres, o respeito mútuo, a resolução não violenta de conflitos nas relações interpessoais, a violência com base no género contra as mulheres e o direito à integridade pessoal.

O Relatório, salienta ainda, por um lado, que a exploração sexual constitui uma grave forma de violência que afecta maioritariamente mulheres e crianças, que o tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual, especialmente de mulheres e crianças, é uma forma de escravatura, uma afronta à dignidade humana que está a aumentar a nível mundial, alimentada pela crescente criminalidade organizada cada vez mais lucrativa. Por outro, a necessidade de os Estados-membros garantirem um financiamento adequado para o apoio social e psicológico e o acesso a serviços públicos por parte das vítimas de tráfico ou exploração sexual e a serviços especializados dedicados à inclusão social de mulheres e raparigas vulneráveis.

Em síntese, o trafico de seres humanos é um problema real de exploração laboral e de exploração sexual. De abordagem delicada e difícil, mas pelas gerações futuras que respeitamos, há que discutir, intervir e agir. Os direitos humanos são letra viva e actuante. E na defesa dos direitos humanos, ainda que complexos, todas e todos somos poucos.

Regina Marques, dirigente do MDM
 

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