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Wagner Moura interpreta Paulo Freire em novo filme sobre o pedagogo

Cinema dos oprimidos. Angicos, um filme a realizar por Felipe Hirsch, protagonizado por Wagner Moura, explorará a experiência de Angicos, onde Paulo Freire, em 1963, alfabetizou mais de 300 pessoas em 40 horas.

O actor Wagner Moura realizou, em 2019, o filme <em>Marighella</em>, sobre o revolucionário e guerrilheiro comunista brasileiro, Carlos Marighella. A longa-metragem foi alvo de um boicote do governo de Jair Bolsonaro, que impediu a sua exibição no dia de estreia, acabando por apenas sair nos cinemas em 2021. 
CréditosTobias Schwarz

«Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor». Não por acaso, a escola, o sistema de ensino, se mantém inalterada há mais de 200 anos: serve bem o seu propósito, nem poderia ser de outra forma num sistema político e económico contruído na base da exploração e da opressão. Uma educação castradora, dogmática, de pensamento único, que celebra o individualismo, o egoísmo e a competição entre iguais.

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José Pacheco: merecemos uma escola muito melhor do que imaginamos

A educação do presente está prestes a virar passado. Ao AbrilAbril, José Pacheco, co-fundador de um novo projecto educativo em Portugal, expressou a sua intenção de transformar, de vez, este ensino de «infelicidade dos professores e desinteresse dos alunos».

O professor José Pacheco, numa sessão da ANDEA, Associação Nacional de Dificuldades de Ensino e Aprendizagem (São Paulo, Brasil), em 2019. 
Créditos / ANDEA

Se a educação é um direito, não há como fugir a um dilema moral: se os alunos não aprendem, para que é que continuamos a dar aulas? A impingir centenas de testes e exames ao longo da escolaridade obrigatória? Porque é que teimamos em dividir alunos por turmas, de 30 alunos cada? Duzentos anos depois, insistimos num modelo  que já provou, uma e outra vez, que não funciona.

Há 50 anos, esta mesma dúvida assolou o professor José Pacheco, recém chegado à Escola Básica da Ponte, em Vila das Aves: «Se eu continuasse a fazer isso [dar aula], seria anti-ético». Não é o aluno que não aprende, são as aulas que não o ensinam.

Desta inquietação nasceu um novo projecto pedagógico, único no mundo, numa escola pública no meio de uma das comunidades mais pobres em Portugal. A Escola da Ponte tornou-se numa referência internacional pelos seus resultados: são os alunos que gerem e organizam o seu próprio tempo, sem divisões por turmas ou idades, sem testes nem exames, numa avaliação verdadeiramente contínua.

A partir de 2007, José Pacheco apoiou a formação de centenas de espaços educativos em comunidades por todo o Brasil (de que são exemplo o Projecto Âncora e a Escola Aberta de São Paulo), sustentados na experiência acumulada em 28 anos de coordernação do projecto da Ponte.

A Open Learning School, da qual é co-fundador, marca o retorno, em definitivo, do professor a Portugal. A escola, do ensino privado, pretende «romper definitivamente com as práticas do passado», oferecerendo «uma educação conectada com as necessidades e desafios do séc. XXI».

Mas a revolução no sistema educativo não fica por aí: em Setembro, centenas de professores da escola pública portuguesa vão assumir o mesmo compromisso ético que norteou a vida de José Pacheco, estabelecendo turmas-piloto em vários pontos do país. A nova escola está a passar por aqui.

A Open Learning School pretende transformar a educação em Portugal pela força do exemplo?

Toda a aprendizagem nasce do exemplo e da imitação.

A intenção é exatamente essa: concretizar aquilo que já o Baden-Powell dizia (o criador do escotismo): nenhum ensino pode prescindir do exemplo. Nesse sentido, a Open Learning parte de uma referência incontornável: a Escola da Ponte.

Essa escola foi a primeira no mundo que logrou fazer aquilo que ainda hoje é um mito: colocar o aluno no centro do processo de aprendizagem. Nos dias de hoje continua, nas escolas, na velha aula, com o professor como centro. A Escola da Ponte deu autonomia aos alunos, criou aquilo que se chama o protagonismo juvenil, há 46 anos. Ela é conhecida em todo o mundo, excepto em Portugal, claro. 

[A Open Learning] surge quando voltei do Brasil (estive 20 anos fora) e me deparo com uma situação que nunca imaginaria: alguém, no espaço empresarial, possuía sensibilidade suficiente para criar uma escola na linha da Escola da Ponte, Projecto Âncora, da Escola Aberta de São Paulo (porque a Ponte não está sozinha, no estrangeiro tem muita, não é réplica, mas semelhança com outros projectos). Um empresário que tem dois filhos, e quer para eles a educação que a escola não dá.

Quando eu falo de escola não é apenas a escola da rede pública, de Portugal, que não dá. A escola da rede pública de Portugal é a uma escola do séc. XVIII, séc. XIX. Nós temos alunos do séc. XXI, com professores do séc. XX, a trabalhar no séc. XIX.

As escolas privadas, em geral, são muito diferentes? 

Não... As escolas particulares são iguais às escolas da rede pública, apenas têm um marketing muito forte, mais computadores, mais telas digitais, mas é a mesma história... Não, não há diferença nenhuma. Aliás eu digo sempre que toda essa publicidade é fake news. Esta [a Open Learning] posso assegurar que não é.

Esta é uma iniciativa séria, de um homem que quer o melhor para os seus filhos, como todos os pais querem. Só que nós vivemos numa sociedade em que existe uma doença mortal, que é considerar que essa escola que aí está, é a escola que nós merecemos. Não é.

Tal como aceitamos e imitamos os bons exemplos, também repetimos os maus...

Exacto. A sociedade civil, as famílias, vivem com esse pecado, essa doença: foram formatadas naquilo que viveram, enquanto alunos. Mas é possível sair disso. É possível, é necessário e é urgente.

Nós vamos ter, muito em breve, companhia para a Open Learning. O que a Open Learning já fez foi, em muito curto espaço de tempo, conseguir abrir alguns lugares onde os pais assumiram um projecto idêntico. Está a formar tutores, professores-tutores, enfim, está a avançar de uma forma que eu não esperaria.

Isto tudo, embora o mercado da educação seja muito competitivo e onde há, como te disse, muitos maus exemplos, um marketing muito agressivo e que não fala a verdade.

Numa palestra o professor José Pacheco afirma que «ninguém sozinho faz o que quer que seja». Para além dos professores, dos tutores e dos alunos, quem são os autores da nova escola?

A escola, como a temos hoje, também tem referências, tem autores. São é autores do séc. XVII e do séc. XVIII. Tem Comenius (1592-1670), que dizia que é possível ensinar todos como se fosse um só, temos o Fröbel (1782-1852), depois temos, no paradigma da aprendizagem, que é aquele que a Escola da Ponte segue, Maria Montessori (1870-1952), Claparède (1873-1940), John Dewey (1859-1952), Kilpatrick (1871-1965), Steiner (1861-1925), Francisco Ferrer (1859-1909), do movimento da escola moderna, o Piaget (1896-1980), o Wallon (1879-1962)... não faltam autores.

«É essa nova construção social que vai substituir a que está aí há 200 anos e que só cria desigualdade: infelicidade nos professores e desinteresse nos alunos.»

Mas nós estamos a entrar já num período em que reina a inteligência artificial e onde já há, infelizmente, robôs que substituem dadores de aula.

Estamos no tempo do paradigma da comunicação, que também tem autores que são referências para nós, a começar por Seymour Papert (1928-2016), por exemplo, Agostinho da Silva (1906-1994) (o grande Agostinho da Silva, português), Siemens (1970 -), Castells (1942 -), Maturana (1928-2021), Paulo Freire (1921-1997) (incontornável) ou Lauro de Oliveira Lima (1921-2013).

Aquilo que a Open Learning está a fazer tem fundamento científico. Se eu pergunto numa escola particular:

- Olhe, porque é que tem aula? não sabe;

- Porque é que a aula dura 50 minutos? não sabe; 

-  Sabe fazer a raiz quadrada? Não? Então, mas teve aula sobre a raiz quadrada, aprendeu? Não...

Ninguém aprende numa sala de aula.

Como explica esta perspectiva tão antiquada de escola? Tanta gente consagrada na área de pedagogia, tanto trabalho realizado sobre a questão, professores formados nestas matérias. No concreto, nada acontece...

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Carlos Neto: «Temos um Estado negligente com as crianças»

Anda na luta pelos direitos das crianças há 40 anos. Professor catedrático jubilado da Faculdade de Motricidade Humana e um dos maiores especialistas mundiais em brincadeira e jogos, Carlos Neto fala ao AbrilAbril sobre a urgência de se libertarem as crianças, mas também os pais. 

Créditos / fepue2.uevora.pt

Crianças que hoje se encontram no 3.º ano do primeiro ciclo têm uma escolaridade marcada por confinamentos, aulas à distância, bolhas, máscaras, apelos ao distanciamento. Entretanto, a exigência das aprendizagens prossegue como se nada tivesse acontecido. O que estamos a fazer a estas crianças?

Estamos a fazer asneiras, porque é óbvio que a escola também tem que aprender que estas crianças têm um mundo que as cerca e que mudou. Significa que as crianças estão a ser muito penalizadas pelo facto de terem uma escola muito estruturada, com currículos intensos e extensos, muito centrada numa escolarização que, de algum modo, só tem como objectivo teste atrás de teste e médias para entrar na universidade, com uma expectativa familiar muito intensa de que tenham boas notas. É uma escola que olha para o corpo e apenas tem em mente o cérebro. Um cérebro que aprende e não um corpo activo, que através de sentimentos e emoções tem necessidade de se expressar, e essa é uma das questões mais preocupantes.

Por outro lado, é preciso também dizer que as crianças, principalmente até aos dez anos (estamos a falar de creche, pré-escolar e primeiro ciclo), precisam de tempo para ser crianças. E hoje, não é em todos os casos, mas a escola de algum modo omite muito esta necessidade básica, ancestral, biológica, psicológica e social de as crianças terem tempos não formais para poderem aprender coisas que são fundamentais. Porque brincar não é um comportamento inútil nem secundário, é um comportamento absolutamente fundamental. Brincar é aprender. Diria que temos que desformalizar um pouco a forma como a escola funciona, de modo a dar mais liberdade, autonomia e participação das crianças, para que o processo de aprendizagem tenha significado para elas. As crianças têm que ter, acima de tudo, curiosidade e, por outro lado, entusiasmo. Só assim é que elas aprendem, porque de facto de outra maneira não têm motivação intrínseca para terem capacidade de buscar conhecimento. 

«Porque brincar não é um comportamento inútil nem secundário, é um comportamento absolutamente fundamental. Brincar é aprender.»

A busca de conhecimento faz-se porque há interesse interno de o organismo se conhecer a si próprio, mas conhecer também aquilo que o envolve. Se as escolas, em vez de terem as crianças sentadas, quietas e caladas, tivessem as crianças activas e se fossem elas as protagonistas da aprendizagem, isto é, sendo elas os próprios interlocutores da busca do conhecimento através de contextos, de formas, de projectos… tentando ouvi-las, tentando colocá-las em participação nos temas ou nos projectos que se pretende desenvolver, então provavelmente a escola tornar-se-ia muito mais interessante para as crianças. De outra forma, o que acontece é que elas não encontram entusiasmo, porque também não encontram na escola desafios, e esses desafios têm muito a ver com a cultura própria de ser criança. E a cultura própria de ser criança é brincar. 

Faz falta um novo paradigma.

Nós somos o animal com a infância mais longa de todas, não tem sentido nenhum andarmos com uma metodologia de aprender tudo à pressa, porque temos muito tempo para aprender. Com esta angústia pandémica que se criou no contexto escolar, de as crianças terem que aprender tudo e de uma forma muito intensa, e passando muito tempo escolarizadas na escola… Repare que além do tempo escolar ainda temos muitas outras escolas paralelas, como são as AEC [Actividades de Enriquecimento Curricular], as CAF [Componente de Apoio à Família], os ATL [Actividades de Tempos Livres] , as explicações, os trabalhos de casa, as actividades organizadas que os pais também se encarregam de fazer. As crianças vivem verdadeiramente aprisionadas hoje na escola, em casa e na comunidade. 

Nós temos que libertar as crianças para que elas tenham mais vida activa, mais participação, mais liberdade e mais autonomia para serem crianças. Porque a infância só se vive uma vez, é irrepetível, portanto tem que haver aqui um maior equilíbrio entre o tempo escolar, o tempo familiar, e também o tempo vivido em comunidade. Porque se olhar hoje para a cidade não vê crianças. Elas são transportadas de carro, não vivem, não brincam, não têm aventuras, não têm conexão com a natureza, não se confrontam com o risco. Portanto, vivem de facto dentro de prisões, com quatro paredes e sentadas numa sala de aula, como se a escola do século XXI pudesse ser apenas a sala de aula.

Nós temos que desconstruir a sala de aula para aprender lá fora. As crianças têm que vir cá para fora, para a cidade, para o contexto comunitário, porque lá também existe escola. A aprendizagem e o conhecimento não se faz apenas entre quatro paredes, faz-se em toda a comunidade. Portanto, temos que redesenhar um novo paradigma para a escola, um novo paradigma social de educação, em que trabalhem juntos de uma forma cooperativa, democrática, e a escola tem que mudar para uma outra ordem de valores.

Esta é a minha visão de escola, muito baseada acima de tudo num corpo activo, com um cérebro aprendendo através de emoções e sentimentos e é preciso também que a avaliação das crianças não seja escravizada pela avaliação.

«Nós temos que libertar as crianças para que elas tenham mais vida activa, mais participação, mais liberdade e mais autonomia para serem crianças. Porque a infância só se vive uma vez, é irrepetível (...)»

A aprendizagem tem que ser um acto de liberdade, de prazer, de busca de conhecimento, por isso digo que hoje a escola deve procurar ter alunos que sejam exploradores, pesquisadores, pequenos cientistas, artistas e também desportistas. Dêem às crianças oportunidades de elas se poderem exprimir as suas necessidades intrínsecas, as suas motivações, e de terem oportunidade de aprender aquilo que querem e não aquilo que o sistema exige. Porque não é aceitável que as crianças estejam todas a aprender ao mesmo tempo, no mesmo sítio e da mesma maneira, sendo elas todas diferentes umas das outras. A escola esmaga completamente a curiosidade das crianças, e isso não pode acontecer.

Para termos crianças motivadas, precisamos de uma escola pública valorizada, mas a realidade não reflecte isso. Há falta de auxiliares de acção educativa, um corpo docente instável, turmas que pecam por excesso de alunos, falta de psicólogos... 

Nós temos que rapidamente motivar a escola e também dar melhores condições para que os professores possam trabalhar com prazer e não apenas com burocracia. Porque os professores fazem um trabalho absolutamente notável, o problema são as expectativas sociais, familiares, as expectativas que se colocam em cima das crianças, tudo centrado no produto, tudo centrado nos resultados, uma escola que não tem em atenção a necessidade de tempo livre, a necessidade do brincar livre para as crianças, e isso é absolutamente essencial. É um alimento fundamental para se poder crescer. 

O corpo docente está cansado, comprimido. Está com uma carga enorme porque a sua profissão não é valorizada socialmente nem salarialmente. Por outro lado, há muitos anos que não há subida de escalões, muitos de facto já se demitiram da função, muitos outros continuam a ser excelentes professores, com grande energia para a profissão que tiraram, mas a escola tem que ser mais acarinhada do ponto de vista de retirar a carga burocrática que tem e deixar que as pessoas tenham mais liberdade de aprender com as crianças, em conjunto, e dêem mais significado a um mundo que mudou e que não se sabe exactamente qual é o seu contorno a médio e longo prazo. Nós não sabemos o que vai ser o futuro, ele é imprevisível, incerto e desconhecido. Por isso, a pergunta que se impõe é esta: estamos a preparar estas crianças para que futuro?

Consegue adivinhar? 

Provavelmente, aquilo que elas estão a aprender hoje em dia, nas matérias consideradas mais nobres, não servirá para nada, porque a sociedade vai mudar e estamos perante três transições que são vertiginosas, que nunca aconteceram na humanidade. Por um lado, uma transição digital; a inteligência artificial, a robótica, as neurociências, a genética, vieram para ficar e mudar o mundo, para mudar os processos, os mecanismos de assimilação de conhecimento e de vivência da vida, da nossa existência.

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OCDE confirma necessidade de mais auxiliares de acção educativa

O actual Governo, na linha dos anteriores, «nada fez de concreto» para resolver este problema, reconhecido como grave pela OCDE, insistindo na precariedade e na sazonalidade do emprego nas escolas.

CréditosJosé Coelho / Lusa

Os dados divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com base num estudo efectuado nos últimos três anos nas escolas portuguesas, num conjunto de 79 países, confirmam «a razão da luta da comunidade escolar» pelo reforço do número de auxiliares de acção educativa, afirma a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTFPS/CGTP-IN) em comunicado.

A falta de auxiliares de acção educativa nas escolas da rede pública contribui para «a limitação da capacidade de ensino e de aprendizagem», considera a federação, para além do aumento da carga laboral dos trabalhadores em serviço.

O actual Governo, na linha dos anteriores, «nada fez de concreto» para resolver este problema, reconhecido como grave pela OCDE, insistindo na precariedade e na sazonalidade do emprego nas escolas públicas, denuncia a FNSTFPS.

Atribuir ao surto epidémico da Covid-19 a culpa dos problemas decorrentes da falta destes trabalhadores é «um acto de inegável mistificação», acrescenta a estrutura sindical, lembrando que a pandemia só veio «pôr a nu» um problema já existente.

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Depois temos uma transição muito preocupante que é a transição verde. O planeta está doente, temos que tratar dele, temos que ter uma educação ecológica nas crianças desde as primeiras idades para que elas tenham de facto uma percepção de que o envolvimento que as rodeia precisa de ser acarinhado e também acompanhado de uma forma séria. E temos uma transição também energética, que está a colocar o mundo numa situação imprevisível contra o futuro, portanto, diria que, se estivéssemos atentos, a escola não está isolada da família nem da comunidade, e por isso precisávamos de um pacto urgente de sustentabilidade entre a escola, a família e a comunidade.

E assim reduzir o tempo ocupado pela escola.

As crianças passam 50 horas em média na escola, no primeiro ciclo, no pré-escolar e na creche. Não podem estar tanto tempo nas escolas porque elas precisam de pais mais disponíveis, mais activos, que permitam ter mais tempo para os seus filhos, e a escola precisa de mais sossego, de mais calma, mais tranquilidade, e não andar tudo à pressa para que as crianças rapidamente obtenham notas para entrar na universidade. Este é um problema muito sério. Também acho que temos agora um desafio enorme que se vai colocar que é a questão da digitalização da escola.

Eu acho que não podemos digitalizar completamente a escola, o professor é insubstituível, e o que está a acontecer hoje em dia é que as crianças estão a ficar demasiadamente seduzidas por estas narrativas simbólicas de natureza digital. Há grandes multinacionais que se encarregam de criar essas narrativas, que são essencialmente tempos em que as crianças passam muito tempo quietas, sentadas e caladas, um aumento de sedentarismo, enormíssimo.

As crianças não se mexem, não exploram a natureza, não exploram a realidade, vivem num mundo centrado num ecrã, completamente hipnotizadas e demasiadamente protegidas.

«As crianças passam 50 horas em média na escola, no primeiro ciclo, no pré-escolar e na creche. Não podem estar tanto tempo nas escolas porque elas precisam de pais mais disponíveis, mais activos, que permitam ter mais tempo para os seus filhos, e a escola precisa de mais sossego, de mais calma, mais tranquilidade, e não andar tudo à pressa para que as crianças rapidamente obtenham notas para entrar na universidade.»

Ora, quando as crianças são completamente protegidas ficam desprotegidas. E quando estão demasiadamente quietas e hipnotizadas frente aos ecrãs lúdicos, ficam demasiadamente excitadas. E por isso eu sou apologista de que, antes de tratarmos da sua saúde mental, temos de tratar da sua saúde física. Elas ficaram muito penalizadas com esta pandemia e com este clima de incerteza que vivemos, e portanto elas estão com uma energia desconcentrada, sem foco. 

Eu trabalho com crianças há 50 anos, dos três aos dez anos, e noto que nos últimos meses, depois do regresso do segundo confinamento, as crianças precisam de socialização, de mexer o corpo, de andar na rua, de andar a explorar e brincar às coisas mais simples, como jogar às escondidas, saltar os muros, subir às árvores. Primeiro é preciso recuperar o corpo. É preciso restaurar o corpo, e depois então vamos à saúde mental. A [falta de] saúde mental é uma consequência de um corpo que não está bem consigo próprio, nas emoções e nos sentimentos, e também o facto de estarem numa situação de grande iliteracia motora. Não sabem correr, não sabem saltar, isso é o princípio de tudo. Aprende-se primeiro com um corpo culto, conhecido, que se domina bem a si mesmo, um corpo que tem autonomia, mas também tem auto-estima. Hoje as crianças são demasiadamente imaturas porque não têm tédio nem frustração, têm tudo pronto na hora. 

Com os tablets e os telemóveis, e usando aqui uma expressão sua, as crianças vivem cada vez mais o corpo «na ponta dos dedos». O espírito crítico e criativo dos mais novos está comprometido?

Está diminuído, porque não deixamos que se expressem. Matamos a sua curiosidade logo no princípio e não deixamos que expressem os seus talentos. Nós temos uma escola que é concebida, formatada pelos adultos em função do que nós achamos que as crianças têm que aprender, e não daquilo que elas gostariam de eventualmente procurar em função da sua motivação, do seu talento. No fundo, já perguntámos às crianças o que querem ser, antes de aprenderem? Temos de reencontrar um novo paradigma para a escola, redesenhar uma nova forma de funcionamento da escola, na sua organização, mas principalmente no seu processo de aprendizagem, porque os professores deveriam criar contextos, ter uma escola que funcionasse por meio de projectos, perguntas, e não de respostas, colocassem as crianças a serem capazes de resolver problemas, terem pensamento crítico, trabalharem em grupo e de se fazerem comunicar. Essas seriam as grandes conquistas de uma escola inteligente, activa, moderna, participativa, democrática, e não é isso que está a acontecer. Estamos a criar crianças sossegadas, muito obedientes, e isso não é para mim o conceito de uma criança activa e de uma criança sábia. 

A verdade é que não é incentivada a participação pública dos cidadãos e respectiva defesa dos seus direitos. Diria até que se está a alimentar um modelo de sociedade fechado, onde falta um projecto de desenvolvimento humanista. Concorda?  

A ideia é essa. Aliás, um relatório da UNESCO publicado recentemente, e que foi discutido em termos internacionais, em vários continentes, em várias culturas, define claramente um objectivo central: criar um novo contrato social para a aprendizagem em que o termo fundamental que aparece no relatório é «trabalhar juntos». 

Trabalhar juntos implica de facto um modelo democrático de vivência da escola entre alunos e professores, e não um modelo hierárquico ou um modelo top-down, em que a criança recebe informação e despeja informação nos testes. Esse não é o modelo do futuro. É uma escola humanista, uma escola participativa, democrática. Não quer dizer que não tenhamos já boas experiências pedagógicas em Portugal.

«Trabalhar juntos implica de facto um modelo democrático de vivência da escola entre alunos e professores, e não um modelo hierárquico ou um modelo top-down, em que a criança recebe informação e despeja informação nos testes.»

Já temos, não precisamos de ir para a Finlândia, mas é preciso que os agrupamentos escolares, que as comunidades locais, que têm agora uma nova realidade de haver um conjunto de competências que foram delegadas para as autarquias, possam trabalhar em conjunto, dentro das escolas, mas também com as famílias, de modo a tornar as escolas mais abertas do ponto de vista do seu funcionamento, mais espertas, no sentido de entender o que é aprender, para ir buscar o conhecimento ao património artístico, ao património físico, natural, local, e cada escola ter o seu próprio projecto pedagógico. Não podemos estar sempre com um modelo que depende da tutela. Temos que redefinir os modelos de funcionamento escolar através de novas matrizes curriculares. É preciso libertar as escolas da pesada situação em que se encontram do ponto de vista do trabalho.  

E também os pais…

As crianças são vítimas do trabalho dos pais. Os pais precisam de mais tempo livre com as crianças, portanto a lei do trabalho tem que ser alterada. Na comunidade europeia, no grupo dos 27, somos talvez dos países que temos horários mais rígidos. Trabalha-se de manhã à noite, as crianças passam a vida na escola, e portanto nós temos que reinventar um novo conceito de qualidade de vida para todos: para os professores, para os pais, para a comunidade, em vez desta pressa em que vivemos, em que temos um país fascinante, mas não temos qualidade de vida. 

Em 2016 ficámos a saber que, em todo o mundo, as crianças perderam oito horas de brincadeira por semana nos últimos 20 anos. No seguimento do que refere, nomeadamente de as crianças estarem cada vez mais reféns dos horários desregulados dos pais, que dados tem relativamente ao nosso país?

Os dados da nossa investigação mostram que, nos últimos 30, 40 anos, as crianças têm vindo a perder de facto tempo livre para brincar durante o seu quotidiano. Quer dizer que as crianças foram de algum modo encerradas, aprisionadas no contexto escolar, com actividades muito formais. Para invertermos esta situação precisamos de tempo livre, como acontece nos países do Norte da Europa, em que as crianças têm em média quatro horas por dia para estarem com os pais em actividades livres, actividades de aventura, de contacto com a natureza. 

Nós precisamos de tempo livre para crescermos, para nos adaptarmos. Não podemos estar sempre numa situação de escolarização excessiva, porque ela acaba por criar insucesso escolar.

«Para invertermos esta situação precisamos de tempo livre, como acontece nos países do Norte da Europa, em que as crianças têm em média quatro horas por dia para estarem com os pais em actividades livres (...)»

É a minha opinião, e alguns estudos têm demonstrado que quando o corpo não se mexe, quando o corpo não brinca, quando o corpo não é activo, não se confronta com o outro, quando o corpo não tem oportunidade de fazer actividades que são próprias destas idades, as crianças não ganham o nível de socialização e o nível de desenvolvimento interno, principalmente ao nível neurológico, para terem capacidade de aprendizagem escolar.

Isto está perfeitamente claro do ponto de vista da investigação, mas o sistema reprime completamente este acto de liberdade de o ser humano existir nas primeiras idades em função de direitos que estão consagrados na Carta Internacional dos Direitos da Criança. Como o artigo 31.º: direito a brincar e ao tempo livre, e, por outro lado, o artigo 12.º, que é o tempo que a criança tem para se poder exprimir livremente, o tempo de participação. 

Já referiu que não se vêem crianças na rua, mas a verdade é que o espaço público não é apelativo. Encontramos muitas vezes parques infantis desligados das necessidades dos mais novos e há falta de equipamentos para os jovens. As localidades deixaram de disponibilizar espaços para a realização de desportos colectivos, a oferta de actividades físicas é maioritariamente privada.

E completamente estruturada. O espaço público é um direito de qualquer cidadão, permite que ele tenha mais condições para se referenciar no seu próprio crescimento. Hoje as crianças não conhecem os espaços junto à sua habitação, vão de carro para a escola, completamente sentadas, vêem a paisagem pelo vidro do automóvel, quer dizer que não percorrem o espaço urbano de uma forma própria em termos do uso do corpo. Não fazem brincadeiras que eram absolutamente fundamentais no seu desenvolvimento do ponto de vista perceptivo, sensorial e também mental, e terem o mapa geográfico daquilo que é a consciência do espaço. Tudo isso tem vindo a desmoronar-se completamente porque, como digo, falta capacidade de iniciativa, mobilidade autónoma.

As crianças não têm autorização para saírem sozinhas de casa, não vão a pé para a escola, não vão de bicicleta, não vão de transportes públicos, quer dizer, isto tornou-se uma desgraça de agendas completamente preenchidas nos horários das crianças, tudo formatado, e não há tempo livre. Ora tudo isso tem implicações muito nefastas no desenvolvimento humano. E até me apetecia ir mais longe, as crianças nestas idades, até à puberdade, deveriam fazer pequenas transgressões, porque se não as fizerem agora, fazem-nas mais tarde, de forma mais perigosa.

Por outro lado, como disse e muito bem, a adolescência é uma idade que está esquecida na sociedade. Os jovens estão a viver dramas enormes. Já por si, a adolescência é uma idade ansiogénica, uma idade fascinante e de grandes transições: físicas, neurológicas, sexuais, etc. E, portanto, os jovens precisavam de ter condições para terem mais prazer em viver, descobrir, ter amigos.

«(...) as crianças nestas idades, até à puberdade, deveriam fazer pequenas transgressões, porque se não as fizerem agora, fazem-nas mais tarde, de forma mais perigosa.»

Mas, de facto, há hoje um conjunto de condicionamentos que eles vivem, em que não têm espaços próprios para eles e, quando for ver, os espaços públicos são todos formatados, todos cheios de cimento e de betão e também de sintéticos. Não são espaços naturais, naturalizados, humanizados, não seduzem as crianças para sair de casa. E as crianças agora estão a colocar-se numa atitude de estarem muito seduzidas pelos telemóveis, pelos ipads, pelos computadores, por dinâmicas digitais, e há mesmo crianças que já não têm vontade de sair de casa, o que não admira. E isso muitas vezes agrada aos pais, mas os pais não percebem que isto tem imensas consequências no futuro. As crianças precisavam de ter um corpo mais ousado do ponto de vista físico e social para poderem crescer de uma forma mais saudável.

Nós precisamos de discutir nas crianças e jovens o conceito de estilo de vida activo e também de poder discutir melhor aquilo que é o conceito de cidades activas, famílias activas e escolas activas, porque, de facto, antes desta pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já tinha colocado como uma missão fundamental para o futuro prever a saúde mental e a saúde física, social e emocional de uma forma mais clara, com políticas públicas mais ousadas. Mas veio a pandemia e isso ficou tudo esquecido.   

Há reflexos dessa falta de compromisso?

Têm-me chegado informações e também alguns estudos que temos feito, de que a agressividade, a violência e a indisciplina têm aumentado nas escolas, porque de facto elas estão lá, mas não têm desafios. Os recreios não têm nada de interessante, os espaços verdes não têm nada de interessante. É tudo formatado, tudo organizado por catálogo, como os espaços públicos. E portanto as crianças não têm desafios, e quando não se tem desafios não se progride, não se confronta.

Hoje as crianças não se confrontam com riscos, vive-se uma espécie de desenvolvimento humano, eu diria, sem gosto, sem cheiro, e depois claro que isso paga-se caro em termos de sintomas que aparecem, principalmente ao nível das desordens mentais, como é o caso da ansiedade, depressão, défice de atenção e hiperactividade, stress, sentimentos de suicídio na passagem para a vida adulta. Tudo isso é uma grande tragédia que está a acontecer, mas não há consciência política nem consciência social deste sofrimento invisível. Porque nós somos um país bem desenvolvido em relação ao resto do mundo, mas somos completamente subdesenvolvidos na maneira de entender os direitos que as crianças têm de se desenvolver de forma saudável, porque aquilo que era fundamental para eles não está a acontecer. 

Há uma expectativa de trabalharem de uma forma tão profunda ou mais do que os adultos para obterem resultados rápidos, a qualquer preço, com explicações, com tempo excessivo na escola, para poderem ser alguém. É completamente ao contrário, as expectativas estão todas erradas.

Mais uma vez, responder aos direitos das crianças pressupõe atender aos direitos dos pais.

Exacto. Repare, a legislação laboral tem alguns dispositivos que não são usados, como a flexibilização do horário de trabalho, a jornada contínua. Os pais têm medo de pedir porque se vive numa sociedade cheia de medo, com salários baixos, e, por outro lado, com a impossibilidade de terem uma qualidade de vida como têm os países do Norte da Europa, que têm climas muito mais hostis, não têm o sol que nós temos nem a nossa cultura. Somos o quarto país mais seguro do mundo, somos dos mais visitados, e, no entanto, os portugueses não têm qualidade de vida. Isto é inaceitável.

«Porque nós somos um país bem desenvolvido em relação ao resto do mundo, mas somos completamente subdesenvolvidos na maneira de entender os direitos que as crianças têm de se desenvolver de forma saudável, porque aquilo que era fundamental para eles não está a acontecer.»

Tem que haver aqui portanto uma capacidade ousada de modificar estas políticas públicas. Por exemplo, neste Orçamento do Estado podiam estar incluídas estas preocupações para o futuro. Não é só a questão orçamental, mas é acima de tudo que o plano orçamental pudesse promover melhores condições de vida e, por outro lado, para se ter mais qualidade de vida. E se assim fosse haveria mais produtividade.

 Não podemos estar sempre com uma visão de curto prazo e economicista, em vez de uma visão de qualidade de vida. Mas mesmo nas classes mais altas as crianças vivem muitos problemas decorrentes de viverem amarradas a conceitos de produtividade e de consumismo que não têm sentido. 

Tem que haver aqui uma coerência entre as políticas que são de facto colocadas. A política tem que olhar para as pessoas, os partidos representados na Assembleia da República têm que olhar para a vida dos cidadãos, para o que tem de mudar nas políticas laborais, da educação, da saúde, de ordenamento do território, porque a gente depois paga tudo muito caro do ponto de vista da saúde. Em situações desta natureza, as pessoas ficam mais doentes, o que vai implicar mais gastos do ponto de vista do Serviço Nacional de Saúde (SNS). 

Não dar tempo nem espaço para se ser criança, para brincar, não dar tempo informal para a criança ter resiliência, criatividade, o facto de esse tempo e dessa gestão não existir pode ser considerada uma forma de negligência. Provavelmente, nós temos que começar a falar disso. A sociedade portuguesa não está a dar as condições fundamentais que assinou quando aderiu à Convenção Internacional sobre dos Direitos da Criança. Temos um Estado negligente com as crianças e jovens; não lhes dá futuro, não lhes dá rumo, não lhes dá expectativas, e ainda por cima aprisiona-as num sistema educativo que não tem pés nem cabeça.   

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No Dia Internacional do Brincar, recuperamos uma entrevista ao professor Carlos Neto, um dos maiores especialistas mundiais na área da brincadeira e do jogo, onde alerta para a urgência de haver tempo livre para brincar.
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Esses génios, esses inspirados educadores, acontecem apesar da escola. Tudo o que eles foram, e aprenderam, foi à margem da escola, à margem dessa escola. Um exemplo: houve um aluno cuja mãe recebeu um aviso de que ele era um idiota, que seria melhor tirá-lo da escola, e a mãe retirou-o. Esse idiota chamava-se Thomas Edison. Outro que era um aluno mediano a física e a matemática mas estava sempre distraído, teve que sair da escola: Albert Einstein. Outro passava a vida a fazer riscos e o professor queixava-se de que ele não estava com atenção, saiu da escola aos 14 anos: Pablo Picasso. Queres que continue?

Eu não me comparo a qualquer um desses, é evidente, quem sou eu... Coitado de mim... Mas, repara, eu vim da engenharia, eu resolvi ser professor pensando, e agindo, de forma diferente do professor formado como professor. Eu aprendi a ser professor à margem da escola.

Quando eu tenho que fazer o magistério, a que fui obrigado para poder exercer, eu não aprendi nada, absolutamente nada. O que eu aprendi veio de leituras que eu fiz: Maria Montessori, Ferrer, por aí abaixo. Foi aí que eu aprendi.

Foi à margem da escola. Apesar da escola. Se tivessem sido um produto da escola seriam trabalhadores acéfalos, que servem todo o mercado, vendendo a vida para ganhar a vida, mantidos num tripálio, sem sentido nenhum, sem realização pessoal, sem desenvolvimento de talentos... As salas de aula são cemitérios de talentos.

O professor Agostinho da Silva costumava dizer que esta escola tinha a mesma função de uma fábrica militar: formando um exército de mãos para servir as necessidades do mercado, autómatos que garantem o funcionamento desta sociedade.

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As conquistas de Abril e o desenvolvimento das crianças

As relações e os ambientes familiares são preponderantes nos primeiros anos de vida e muito salientes nos anos que caracterizam a segunda infância e adolescência.

Crianças de várias escolas básicas de Coimbra manifestam-se, em frente à Câmara Municipal, contra o trabalho infantil
CréditosPaulo Novais / Agência Lusa

Induzido pela frescura da recente celebração 25 de Abril e pela coincidência de, em conjunto com os alunos de Mestrado de Psicologia e Psicopatologia do Desenvolvimento, ter realizado recentemente uma revisão do estado da arte sobre adversidade, pobreza, resiliência, e o delineamento de trajectórias de desenvolvimento socioemocional, ajustamento e saúde mental, pareceu útil partilhar algumas ideias que procurarei relacionar com as conquistas de Abril e a outras que, na senda de Abril, continuam ainda por concretizar, cabendo às nossas gerações esse desígnio.

1) Se os modelos clássicos de psicopatologia davam a ideia de que a resiliência era uma característica dos indivíduos, as últimas quatro décadas de psicopatologia do desenvolvimento, (valendo-se de estudos longitudinais focados na complexidade multideterministica do desenvolvimento das pessoas, tendo em conta o tempo e o contexto), revelam bem outro panorama. O que a evidência acumulada sugere é que a maturação de estruturas, capacidades e competências, em diversos domínios do desenvolvimento (ex.: neurológicos, psicomotores, emocionais, cognitivos, personalidade, socialização, etc.), deve-se mais ao balanço entre experiências adversas e favoráveis a que as pessoas estão sujeitas no decurso da sua vida (de acordo com o grau de maturação evolutiva), e aos períodos do desenvolvimento em que as adversidades ocorrem, que a qualquer essência constitutiva dos indivíduos.

Assim, à luz da evidência empírica, os fenómenos caracterizados como resilientes não se ficam a dever a uma característica individual misteriosa ou a uma eventual vigorosa vontade subjectiva de alguns.

«a visão da comunidade científica sobre o conceito de resiliência mudou significativamente. Hoje em dia é bastante aceite que são os processos desenvolvimentais, as ecologias e os contextos relacionais dos indivíduos que probabilisticamente favorecem, ou não, as trajectórias de desenvolvimento que conduzem a resultados mais ou menos resilientes face às adversidades vivenciadas»

É certo que os resultados positivos de ajustamento face à adversidade, isto é, resilientes, resultam em benefícios para os indivíduos. Mas estes resultados de ajustamento social (avaliados maioritariamente com medidas gerais e globais de sucesso académico, popularidade na rede de pares, escolaridade, medidas gerais de bem-estar, etc.) são melhor explicados pela interacção entre a idade, intensidade, durabilidade dos efeitos directos (interacções onde o sujeito participa) ou indirectos, dos factores de risco e factores protectores nos indivíduos e seus contextos. Por outro lado, os estudos sobre resiliência ensinam-nos que, mesmo quando os sujeitos obtêm valores de ajustamento nestas medidas gerais de adopção, tal não deve ser interpretado como se esses resultados excluíssem a presença de sofrimento psicológico significativo, ou mesmo perturbações psicoafectivas que tendem a permanecer encobertas a este tipo de medidas (ex. problemas internalizados, baixa auto-estima, sintomas depressivos ou ansiosos).

As características individuais dos sujeitos (genéticas, neurológicas, fisiológicas, comportamentais, emocionais e cognitivas, etc.) e a «susceptibilidade estatística» para determinados resultados, são mediadas ou moderadas pelo encaixe dinâmico com as vicissitudes dos contextos relacionais mais próximos e pela ecologia social e cultural em que estes se inscrevem. É esta interacção conjunta de factores que determina, por um lado, os estímulos disponíveis e as experiências em que os sujeitos participam e, por outro, o modo como são individual e/ou colectivamente subjectivadas.

Por esse motivo, a visão da comunidade científica sobre o conceito de resiliência mudou significativamente. Hoje em dia é bastante aceite que são os processos desenvolvimentais, as ecologias e os contextos relacionais dos indivíduos que probabilisticamente favorecem, ou não, as trajectórias de desenvolvimento que conduzem a resultados mais ou menos resilientes face às adversidades vivenciadas.

2) O efeito da pobreza nas trajectórias desenvolvimentais dos indivíduos, quando estudada na sua complexidade, vai muito para além do que é evidenciado pelos estudos que se limitam a definir a pobreza como uma variável sócio-demográfica (ex: estatuto sócio-económico). A pobreza, como fenómeno extenso e complexo, social, familiar e individual, envolve um amplo conjunto de factores e múltiplos domínios da existência que interagem com os processos psicológicos e sociais. Nas situações de pobreza, estes factores estão associados cumulativamente à experiência que os indivíduos fazem das suas frágeis ecologias. O acesso limitado a recursos de segurança, proteção, saúde, educação e cultura prevalece. Os contextos relacionais são com frequência adversos, com elevados índices de desafios e instabilidade, a presença de stress e o stress nocivo, caracterizam muitas das relações próximas. É comum a ruptura de redes sociais de suporte e, por vezes, a violência domina as relações.

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Crianças e trabalhadores estão entre os mais pobres em Portugal

Há mais de 330 mil crianças em risco de pobreza, segundo o relatório «Portugal, Balanço Social 2021», que mostra também que 11,2% das pessoas empregadas em Portugal são pobres.

A crise afectou especialmente os mais pobres
Créditos

De acordo com o relatório, apresentado esta terça-feira, e da autoria dos investigadores Susana Peralta, Bruno Carvalho e Mariana Esteves, da Nova School of Business & Economics, uma das faculdades da Universidade Nova de Lisboa, «as crianças [0 aos 17 anos] são um dos grupos da população mais vulnerável a situações de pobreza e exclusão social».

«A taxa de risco de pobreza entre as crianças aumentou entre 2018 e 2019 (de 18,5% para 19,1%). Isto significa que há, em 2019, mais de 330 mil menores pobres em Portugal», lê-se no relatório.

Por outro lado, a pobreza afetava 25,5% das famílias monoparentais, ou seja, cerca de um quarto de todos os agregados familiares, tendo esse valor diminuído 8,4 pontos percentuais em relação a 2018, apesar de estas famílias continuarem a ser o tipo de agregado com maior taxa de risco de pobreza.

No que diz respeito a carências habitacionais e alimentares, e já em relação a 2020, «mais de uma em cada quatro crianças vivia em casas com telhado, paredes, janelas e chão permeáveis à água ou apodrecidos», enquanto 11% das habitações não tinha aquecimento adequado.

«A incapacidade de comer, pelo menos de dois em dois dias, uma refeição de carne, peixe (ou equivalente vegetariano), manteve-se estável nos últimos três anos, com uma ligeira melhoria em 2020 (de 1,9% para 1,8%)», referem os investigadores.

Já no que diz respeito à escolaridade, o documento salienta o «papel importante» que esta tem na mitigação da transmissão intergeracional da pobreza, salientando que nos anos anteriores à escolaridade obrigatória, o rendimento das famílias está relacionado com a frequência da creche e do ensino pré-escolar e revelando que «quase sete em cada 10 crianças pobres não tem acesso a creche e, entre os 4 e os 7 anos, as mais pobres são as que menos frequentam o pré-escolar».

«No ensino obrigatório, são estas crianças que tiveram piores resultados do que as de meios socioeconómicos menos desfavorecidos, no Estudo Diagnóstico para os alunos do 3.º ano, realizado pelo Instituto de Avaliação Educativa em janeiro de 2021, para apurar os atrasos na aquisição de competências em virtude da crise pandémica», destaca.

As crianças são também uma das faces mais preocupantes quando se fala da taxa de risco da pobreza persistente, ou seja, «percentagem de pessoas que está em risco de pobreza num ano e também o esteve na maioria dos três anos anteriores», já que em 2019 essa taxa era de 9,8%, mas o valor entre as crianças chegava aos 30,3%.

Quer isto dizer que praticamente três crianças em cada 10 estiveram numa situação de pobreza em pelo menos um dos anos do período em análise, ou seja, entre 2016 e 2019, valor que baixa para 10,5% se só for considerado um ano, ainda que 8,9% das crianças tenham sido pobres nos quatro anos.

Ter emprego não impede de ser pobre

Estar empregado não é suficiente para afastar uma pessoa da situação de pobreza. Em 2020, mais de uma em cada dez pessoas (11,2%) empregadas em Portugal eram pobres, uma subida em relação aos 9,6% registados no ano anterior. A crise sanitária também aumentou em 2,2 pontos percentuais (p.p.) a taxa de risco de pobreza, que passou para 18,4% em 2020, atingindo particularmente as mulheres, pessoas acima dos 65 anos e famílias monoparentais, revela o relatório anual. Em 2020 havia mais 228 mil pessoas em situação de pobreza.

Mariana Esteves, uma das investigadoras autoras do relatório, apontou, ao site Eco, a «precariedade laboral» e os «salários baixos» que não conseguem suportar «custos de vida elevados» como causas para esta situação. Agravadas pela pandemia que tornou ainda mais evidentes as desigualdades sociais.

Por seu lado, a investigadora Susana Peralta, na apresentação do relatório anual, salientou que as políticas públicas desenhadas pelo Governo durante o início da pandemia «não foram suficientes» para evitar este aumento de pessoas em situação de pobreza.

«É muita gente que vai parar à pobreza. Obviamente que os apoios sociais não foram capazes de neutralizar o suficiente os efeitos da crise», referiu. «Temos políticas sociais que deixam franjas da população desprotegidas. A nossa manta social está um bocado esburacada.»

É preciso taxar o capital e ter políticas que promovam a igualdade

Já em Março deste ano, Susana Peralta tinha sublinhado ao AbrilAbril outro dado importante: «os sectores mais afectados pela crise são aqueles que as pessoas não puderam fazer a migração para o teletrabalho e têm comparativamente os salários mais baixos».

Um resultado que confere com outro dado presente nas conclusões do relatório: «estudos não representativos mostram que as pessoas que se identificam com os mais pobres são as que reportam maior perda de rendimento».

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«As novas formas de trabalho têm de impedir a perda de direitos»

Carlos Farinha Rodrigues, do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), é um dos maiores especialistas na investigação da pobreza e das desigualdades em Portugal. Em conversa com o AbrilAbril sublinha que é preciso ir além das políticas sociais e envolver todas as políticas públicas no combate a esses flagelos.

Carlos Farinha Rodrigues é professor no ISEG.
Dá aulas no ISEG e é especialista em pobreza e desigualdade.CréditosDR / DR

É possível dizer-se que existe um crescimento das desigualdades e da pobreza durante a pandemia?

Usamos certas metodologias e certos dados para avaliar oficialmente a pobreza. E esses dados geralmente têm um leque temporal de um ou dois anos. O Instituto Nacional de Estatística (INE) libertou, há pouco tempo, os dados mais recentes sobre a pobreza, mas esses números referem-se a 2019. O que esses indicadores mostravam era que a tendência decrescente das desigualdades e da pobreza se mantinham. Os dados de 2019, em muitos sectores, são os melhores dos últimos anos, alguns até os melhores desde que há estatísticas. Agora todos nós temos a sensação que isso não corresponde à situação actual. Temos um conjunto de indicadores indirectos e não oficiais que nos permitem dizer que, indiscutivelmente, a desigualdade e a pobreza estão a aumentar durante a pandemia. Nós temos indicadores do recurso às instituições de solidariedade social, como a Caritas e o Banco Alimentar, que evidenciam um aumento da pobreza e da procura crescente a estas instituições. Por outro lado, em termos de desigualdades, basta vermos que esta crise não está a atingir de igual forma todos os sectores: por exemplo, os funcionários públicos e os pensionistas não têm sofrido cortes em termos de rendimento, mas há outros sectores que viram praticamente os seus rendimentos destruídos. Por isso, apesar de não haver dados oficiais, não tenho dúvidas em afirmar que a pobreza e as desigualdades aumentaram muito com a pandemia. Conhecendo as relações entre pobreza e desemprego é possível prever que isso se verifique, apesar de parte dos impactos negativos ter sido absorvido pelas políticas públicas.

Falou que havia sectores de trabalhadores que não foram tocados. Mas talvez mais desigual que isso tem sido o facto de, enquanto o trabalho continua a ser muito afectado pelas crises, haver valorizações dos activos de capital mesmo em plena crise, que não tem correspondido a igual valorização dos rendimentos de quem trabalha. Pode dizer-se que isso aumenta as desigualdades?

Claro que sim. Assistimos, a nível europeu e nos países desenvolvidos, a uma desvalorização progressiva do factor trabalho. Em Portugal, mesmo num período em que houve uma diminuição das desigualdades até 2019, vê-se que mesmo assim a parte do trabalho nos rendimentos tem vindo a diminuir. Há outro aspecto importante, há hoje formas de precarização novas do trabalho que levam à desvalorização dos salários, como é o caso da uberização em vários sectores da economia.

Como é que seria possível, em termos de políticas públicas, contrariar isso de uma forma estrutural e não apenas com subsídios sociais que são necessários para acudir as pessoas e as famílias a curto prazo?

Neste momento ainda estamos muito ocupados com as medidas de emergência para acudir às consequências sociais da pandemia. Mas a partir daqui, temos de pensar num modelo de recuperação económica que seja inclusiva e que não deixe ninguém de fora. Em crises anteriores, em que houve austeridade, corte de salários e aumento de impostos, vimos que um dos factores que servia de amortecimento a esta perda acentuada de rendimentos foi novas formas informais de trabalho. O que aconteceu nesta pandemia é que parou tudo e esses sectores foram fortemente afectados.

«Um dos desafios que temos de conseguir é trazer essas pessoas para o mercado trabalho normal, dando-lhe direitos e deveres»

Há ainda um aspecto adicional que é extremamente negativo, é que são sectores que têm uma relação muito frágil com o mercado de trabalho ou simplesmente inexistente, e como consequência disso não têm sistemas de protecção social. Um dos desafios que temos de conseguir é trazer essas pessoas para o mercado trabalho normal, dando-lhe direitos e deveres. Assegurando que têm as suas contrapartidas. Há um segundo aspecto, que acho muito importante, que é as mutações que estão a existir no mercado de trabalho. Essas mudanças não começaram hoje, vinham de antes da pandemia, mas o que esta fez foi acelerar de uma forma radical certas formas que eram atípicas de trabalho. Se há dois anos me perguntassem o que eu achava do teletrabalho, eu não teria dúvidas em dizer que era algo que iria crescer na nossa economia, mas nunca me passaria pela cabeça que, em pouco tempo, seria maioritária em determinados sectores. É preciso perceber estas novas formas emergentes do mercado de trabalho, e elas exigem políticas públicas que tenham a flexibilidade suficiente para não deixar essas pessoas de fora.

Mas não são necessárias políticas públicas que regulamentem essas novas formas, como a uberização, e não permitam essa total precarização e exploração das pessoas? Políticas que tenham a coragem de contrariar estes gigantes das novas tecnologias que exploram milhões de pessoas sem assumir nenhuma relação e responsabilidade laboral em relação a elas?

Estas novas formas de trabalho têm de ser regulamentadas em termos de protecção social e em sede fiscal. O que acontece, é que estas novas formas têm conseguido fugir às suas contrapartidas em termos de impostos. Há que garantir direitos e deveres a todos os que participam no mercado de trabalho e impedir a existência de abusos. Muitos dos problemas que decorrem da uberização passam pela inactividade das políticas públicas ou não impedirem determinadas situações. Não estando regulamentadas, não impedem as formas abusivas de trabalho.

Afirma muitas vezes que os apoios sociais, como o Rendimento Social de Inserção (RSI), são muito importantes e que infelizmente foram denegridos por parte da população. Diz ainda que o principal problema é que cumpram a sua função, o que significa que, num segundo momento, as pessoas conseguem refazer a sua vida e não ter a necessidade de receber ajudas sociais. O que falhou?

Isso exige uma resposta em várias partes. Sou da opinião que as políticas sociais são fundamentais para responder a situações de crise e de empobrecimento de determinados sectores da população. Acho que temos muito que fazer ao nível das políticas sociais. É preciso dizer que as políticas sociais só por si não resolvem o problema da pobreza ou das desigualdades de uma forma estrutural. Isto implica a actuação das políticas públicas no seu todo, englobando as políticas económicas. Se queremos combater estruturalmente as desigualdades temos de ir às fontes, e isso implica políticas públicas que não são só políticas sociais. É preciso reconhecer a importância das políticas sociais, mas saber que elas só por si não conseguem resolver todos os desequilíbrios.

«as políticas sociais só por si não resolvem o problema da pobreza ou das desigualdades de uma forma estrutural»

As políticas económicas devem promover o crescimento inclusivo e defender o trabalho nas suas várias formas. Uma segunda questão refere-se à forma como a nossa arquitectura de protecção social tem sido construída, e aí podemos ver duas coisas, a crise que estamos a passar demonstrou a importância das políticas públicas. A crise da Covid-19 fez com que largos sectores da população e do pensamento económico, que tinham barafustado contra o Estado Social, vão agora, durante algum tempo, estar calados. Se não fosse o Estado Social e as políticas públicas as consequências desta crise teriam sido trágicas. Se há uma diferença entre esta crise e a anterior (da Troika) é que, desta vez, houve uma atitude pró-activa das políticas públicas, tentando minorar os seus impactos, o que da outra vez não aconteceu, até pelo contrário. Não significa isso que as políticas que foram implementadas foram suficientes. Não foram. Mas de qualquer forma elas tentaram atenuar e, em alguns casos, terão conseguido adiar alguns dos piores desenvolvimentos. Agora, uma das características da nossa política social é que ela é muito fragmentada e devíamos ter políticas integradas que fossem mais eficientes no combate à pobreza e na afectação dos recursos. Temos uma miríade de políticas, a maioria delas com valores muito baixos que não permitem uma resposta eficaz. Nesse sentido, tenho defendido que precisamos de coordenar as políticas sociais dando-lhe consistência e integrando-as.


Não podemos pensar que a política social vem só do Ministério da Segurança Social. É necessário que haja uma coordenação que tenham em conta a parte da Economia, Fiscalidade e Segurança Social. Em relação ao RSI, consiste numa medida que correspondia, há 20 anos, a uma nova forma de pensar as políticas sociais, conjugando os apoios financeiros às famílias com processos efectivos de inclusão social. Usando uma conhecida parábola: era preciso dar peixes porque as pessoas precisavam de comer, mas simultaneamente ensinar-lhes a pescar. Claramente, esta medida foi pensada com essas duas componentes e eu sempre defendi que se tirarmos esta componente de inclusão social, o RSI não passaria de um «subsidiozeco». O que aconteceu, é que ao longo dos anos houve vários ataques a esta medida, muitos deles da parte governamental, e a forma mais simples de combater este apoio social é desvalorizando esta segunda componente. E isso é feito de duas formas: ou deixando-a a navegar sem nenhum apoio efectivo ou dizendo que a inclusão na sociedade é a inclusão no mercado de trabalho. Aquilo que acontece é que para muitos isso será assim, mas para muitos outros isso passa sobretudo por outro tipo de medidas. Uma forma de valorizar esta medida é fazer com que ela se articule com outras políticas sociais dando-lhe meios. E também combater o estigma, que toda a direita e muitos governos fizeram, que foi associar esta medida a um apoio a quem supostamente não quer trabalhar ou, pior ainda, uma medida para os ciganos que não quereriam, alegadamente, trabalhar. Isso é desmentido pelos números e pela realidade, mas infelizmente esta ideia passou.

Uma pergunta final. Estamos num momento de desenvolvimento tecnológico em que há previsões, e já começa a verificar-se em alguns sectores, de uma diminuição do trabalho devido à automação e à inteligência artificial. Não terão de ser pensadas políticas sociais independentemente do trabalho? E estudadas formas de rendimentos mínimos universais? Se se concretizar, o que alguns prevêem, uma diminuição abruta e generalizada dos postos de trabalho?

Essa é uma questão que dava para estarmos quatro ou cinco dias a falar. Estamos a assistir ao desenvolvimento de sectores com a necessidade de utilização de menos recursos de trabalho. Mas a história mostra-nos que grande parte das inovações tecnológicas o que fizeram foi substituir certos tipos de trabalho por outros tipos de trabalho. Vejo com alguma desconfiança essa visão mais pessimista de perda abrupta do trabalho e do emprego. O que temos de perceber é que o trabalho vai existir de formas muito diferentes. Temos muita dificuldade em lidar com isso, tanto as políticas públicas, como até os sindicatos, não estão ainda preparados para isso.

«Em vez de trabalharmos as mesmas horas e deitarmos parte dos trabalhadores para fora do mercado de trabalho, temos de trabalhar menos horas para que todos possam trabalhar»

Nós temos de pugnar para que as novas formas signifiquem um reforço de direitos e não uma perda de direitos das pessoas que estão a trabalhar. Se olharmos para um horizonte de tempo maior, provavelmente as novas tecnologias vão permitir que trabalhemos menos horas por dia. Em vez de trabalharmos as mesmas horas e deitarmos parte dos trabalhadores para fora do mercado de trabalho, temos de trabalhar menos horas para que todos possam trabalhar. Temos de ter uma visão aberta para os novos desafios que as tecnologias nos colocam. Não poderemos parar a maré com um balde. É preciso uma transição que garanta que o surgimento dessas novas tecnologias seja acompanhado pelo reforço dos direitos das pessoas. Isso é essencial. Há um aspecto que ultimamente está na moda, a questão do Rendimento Básico Universal. Acompanhei isso desde os anos 90, quando estava em Inglaterra. Conheço alguns dos estudiosos e proponentes iniciais da ideia. Não tenho dúvidas que a formulação inicial era extremamente generosa. Agora o desenvolvimento que tem tido essa ideia leva-me a ter muitas reticências. Primeiro, grande parte dessas propostas tem implícito que isso substituiria o Estado Social. Acho que, como esta crise demonstrou, seria um gigantesco erro. Também tem exigências de financiamento que ainda ninguém é capaz ainda de quantificar. E esse é o outro problema. Terceiro, eu próprio tenho algumas questões éticas em relação a alguns dos princípios, como a ideia que todos nós devemos ter a liberdade de decidir se queremos trabalhar ou não trabalhar. É uma ideia atraente, mas é uma ideia perigosa. Parte de um conceito de liberdade que é exclusivamente individual. Para mim, a liberdade é algo que se constrói na relação com os outros. Acho que muitas pessoas que defendem o Rendimento Básico Universal acabam por defender a ideia que a sua liberdade é um valor supremo mesmo contra os outros. Claramente que aí não alinho. Um último aspecto, quando falamos no surgimento de novas formas de trabalho conjugado com o aparecimento de novas tecnologias, há um aspecto que é importante referir: tem de se pensar que muito do trabalho que é socialmente útil, não é valorizado pelo mercado e não é recompensado. Refiro-me a trabalhos como o de criar crianças, o doméstico e o de cuidar. Essa é uma fronteira que as políticas sociais têm de pensar em valorizar.

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É essa reforma sempre adiada de taxar devidamente o capital, que o professor auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais João Rodrigues afirmou, também nessa data, ao AbrilAbril, ser cada vez mais necessária. Para isso é preciso conhecimento social e acção política. «O problema da esquerda é que conhece razoavelmente a pobreza, mas muito mal a riqueza para saber como são as formas mais eficientes de a taxar», ironiza. O investigador do CES sublinha a necessidade de uma política justa que possa minimizar os efeitos da crise pandémica.

«Vivemos numa sociedade brutalmente desigual, em que há ricos a aforrar e a ver os seus activos valorizarem à boleia da política monetária europeia, que não tem tido direcção orçamental no sentido de aumentar o investimento público e, no fundo, acaba sobretudo por valorizar os activos financeiros. Tudo isto fazendo com que as desigualdades de riqueza estejam a crescer», afirmou, juntando que para além de tudo isso, os sucessivos governos têm sido alérgicos a taxar a riqueza e o capital. «O PCP e o BE insistem e bem que é necessário o englobamento de todos os rendimentos, em pé de igualdade, para efeitos de IRS. Para além disso, é preciso pensar na criação de outras formas de impostos que possam onerar aqueles que têm muito património», defendeu o economista de Coimbra.


Com agência Lusa

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As situações de pobreza duradoura são caracterizadas por um desequilíbrio entre a presença mais vincada de factores de risco e reduzida de factores protectores. Nestas ecologias e contextos relacionais, os processos desenvolvimentais das crianças e jovens estão sujeitos à presença de múltiplas experiências desfavoráveis ou pouco favoráveis, com negativos efeitos cumulativos em múltiplos níveis: orgânicos, comportamentais, emocionais, cognitivos, relacionais e sociais. Mais ainda, estes efeitos têm tendência para escalar entre si.

Quando situações de vulnerabilidade como a pobreza são duradouras e intensas, tendem a estar fortemente associadas ao desenvolvimento de stress familiar, que por sua vez, pode estar associada a baixa disponibilidade psicológica e afectiva nas relações parentais (ex: os cuidadores têm que manter vários trabalhos tendencialmente precários e actividades instáveis como fonte de rendimento; é frequente o conflito relacional no casal e a degradação da comunicação no sistema de relações familiar, entre outros). Estas circunstâncias podem conduzir alguns cuidadores a adoptar estratégias parentais mais coercivas ou indulgentes, podendo nas situações mais graves gerar fenómenos de negligência e maus-tratos.

«A pobreza, como fenómeno extenso e complexo, social, familiar e individual, envolve um amplo conjunto de factores e múltiplos domínios da existência que interagem com os processos psicológicos e sociais. Nas situações de pobreza, estes factores estão associados cumulativamente à experiência que os indivíduos fazem das suas frágeis ecologias. O acesso limitado a recursos de segurança, proteção, saúde, educação e cultura prevalece»

A presença destes factores de risco no contexto familiar está associada à emergência nas crianças de sintomas e problemas internalizados (ansiedade, depressão, etc.) e/ou externalizados (agitação, problemas de conduta, de oposição, etc.), que se associam, no curso do seu desenvolvimento, a dificuldades de integração nas relações com os pares ou ao baixo rendimento escolar. Estes, por sua vez, associam-se também à emergência de problemas de ansiedade e depressão ou a comportamentos de risco, condutas delinquentes, consumos de substâncias, precocidade de condutas sexuais e gravidez na adolescência, entre outros problemas sociais e de saúde.

Ainda que os efeitos «compensadores» de experiências favoráveis e factores protectores tenham um papel a desempenhar na probabilidade com que certos processos conduzem a resultados negativos no desenvolvimento, a interacção em escalada dos factores de risco que caracterizam a complexidade fenomenológica das situações de pobreza, tende a atingir diversos domínios do desenvolvimento individual, da personalidade e diversas áreas do funcionamento das famílias. Adicionalmente, o acesso reduzido a diferentes estruturas e recursos formais das comunidades, à cultura e dinâmicas relacionais na vizinhança e comunidade mais alargada, canalizam trajectórias de vida que em parte tendem a perpetuar-se por gerações.

3) As relações e os ambientes familiares são preponderantes nos primeiros anos de vida e muito salientes nos anos que caracterizam a segunda infância e adolescência. A qualidade afectiva das relações familiares, por um lado, e o amplo impacto das funções da parentalidade, por outro, são factores cuja função reguladora face às experiências favoráveis ou adversas é central.

No entanto, as famílias existem em ecologias precisas e contextos sociais com dinâmicas específicas. A qualidade e o efeito positivo do contexto familiar é mediada, por vezes moderada, pela maior ou menor presença, maior ou menor durabilidade de factores de risco e stressores. O acesso a recursos de saúde, educação, protecção social, apoio à gravidez e à parentalidade durante as idades de desenvolvimento, não são abstracções e meras sensibilidades humanistas, têm efeitos concretos positivos nos processos desenvolvimento das crianças, mas também, no funcionamento das famílias, rotinas e práticas parentais, constituindo-se como factores protectores de experiências favoráveis. O desemprego, a precariedade, os baixos salários, a mobilidade laboral, a desregulação dos horários e dias de trabalho, por sua vez, são fonte efectiva de stress e de redução da disponibilidade psicológica e emocional dos cuidadores das crianças.

Posto isto, torna-se então evidente que as conquistas de Abril, no seu enquadramento histórico, foram bem mais extensas e não se esgotaram naquelas que dizem respeito à liberdade de expressão e associação política. Colocando fim a 48 anos de regime fascista, tempo de obscurantismo, opressão e esmagamento da liberdade, o 25 de Abril pôs fim à marginalização dos trabalhadores e do povo da vida política activa do país. Não podemos esquecer, que é somente com o papel activo do povo a influir nas escolhas de novas políticas que se perspectivaram os caminhos do desenvolvimento do país e a construção de uma sociedade mais livre e democrática, porque mais justa na redistribuição da riqueza. Modificou-se a subordinação do país e do povo aos interesses de uma minoria de grandes monopolistas e latifundiários, aliados do grande capital e do imperialismo.

Essencialmente, a subordinação do poder económico ao poder político democrático, assente no controlo social dos sectores básicos e estratégicos da economia, com o Estado a ter o papel essencial na dinamização do desenvolvimento económico, permitiu o investimento público na defesa e promoção da produção nacional, garantindo direitos aos trabalhadores e às famílias. O direito ao trabalho com direitos, indissociável de justa remuneração, o direito a dignas condições de vida, à rede de saneamento, aos transportes públicos, à valorização dos serviços e funções sociais do Estado, em particular à Educação, Saúde e Segurança Social, pública e universal. Estas mudanças tiveram forte impacto na melhoria e reforço dos factores protectores. do desenvolvimento da generalidade das crianças em Portugal.

«é importante continuar não só a defender as conquistas de Abril, como a lutar pelas que ainda hoje são alvo de ameaça. Como os direitos das crianças a brincar livremente, a usufruir de espaços e contextos informais de interacção e socialização entre pares e outras figuras da comunidade, hoje em dia postos em causa pela combinação de vários factores desfavoráveis ao desenvolvimento e funcionamento das famílias»

A revolução de Abril representou, neste respeito, um passo de gigante na transformação das ecologias e contextos de desenvolvimento das crianças. Não só incrementou factores protectores como reduziu factores de risco para as trajectórias desenvolvimentais. Disso são exemplos a melhoria muito significativa de indicadores como o analfabetismo, a mortalidade infantil, o trabalho infantil, a quase eliminação da fome, a redução dos índices de pobreza, o aumento da escolaridade obrigatória, o aumento de jovens com formação superior, etc. Não se tratou somente de nivelar as oportunidades, como se costuma dizer, mas sim, de aumentar e generalizar oportunidades de experiências favoráveis.

As conquistas políticas do 25 de Abril foram também conquistas para as crianças e jovens de Portugal, uma vez que tiveram um forte impacto à escala nacional em efectivar direitos e contribuir para contextos de desenvolvimento mais favoráveis a trajectórias de vida positivas mais generalizadas na população.

Não obstante, é importante continuar não só a defender as conquistas de Abril, como a lutar pelas que ainda hoje são alvo de ameaça. Como os direitos das crianças a brincar livremente, a usufruir de espaços e contextos informais de interacção e socialização entre pares e outras figuras da comunidade, hoje em dia postos em causa pela combinação de vários factores desfavoráveis ao desenvolvimento e funcionamento das famílias. Neste respeito, pensamos com preocupação nas condições de vida que, fruto de escolhas políticas e das crises económicas que marcam o nosso século, afectam muitas famílias e crianças em Portugal. É exemplo o flagelo da pobreza a aumentar de novo, fruto de políticas que conduzem ao aumento de factores de risco nas famílias: o desemprego, a precariedade, os baixos salários, a mobilidade e desregulação dos horários e dias de trabalho. Factores, que combinados, fazem perigar os tempos de qualidade em família e colocam em risco a capacidade para o desempenho da parentalidade.

A estes aspectos, acrescem outras assimetrias ecológicas resultantes das políticas dominantes. Por exemplo, associado à mudanças nas actividades produtivas e a fenómenos de gentrificação, nas sociedades ocidentalizadas e nos centros urbanos cosmopolitas, assiste-se à progressiva deterioração das redes informais de suporte social e das comunidades em vizinhança, com a descaracterização dos espaços urbanos e com o não planeamento de espaços e «estruturas» urbanas fundamentais ao desenvolvimento das crianças, à brincadeira e socialização livre e espontânea, à convivência entre famílias e na comunidade.

Neste sentido, hoje ainda é importante lutar e defender as alterações de política que visem a promoção de ambientes familiares, diríamos, «suficientemente bons». Políticas que alterem o balanço entre factores de risco e protectores em sentido favorável. Políticas que, para além das respostas reparadoras face à vulnerabilidade, cumpram a função preventiva e promotora do desenvolvimento, que proporcionem experiências adequadas, favoráveis e estimulantes. Políticas que favoreçam trajectórias de desenvolvimento às gerações futuras, que correspondam à oportunidade de desenvolverem melhores capacidades sociais, emocionais, cognitivas e com menos problemas ao nível da saúde mental. Políticas que fomentem ecologias e contextos característicos dos processos desenvolvimentais resilientes face à vulnerabilidade e adversidade que a vida sempre comporta.

Bruno Raposo Ferreira é Psicólogo Clínico, Psicanalista, Docente de Psicologia e Psicopatologia do Desenvolvimento no Mestrado Psicologia e Psicopatologia do Desenvolvimento e Investigador no William James Center for Research | ISPA-IU.

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No âmbito do programa de comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, e porque é Dia Mundial da Criança, republicamos opinião de Bruno Ferreira sobre as conquistas de Abril para os mais novos.
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Bruno Raposo Ferreira

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Essa escola é resultante das iniciativas e necessidades sociais do séc. XIX e da 1.ª Revolução Industrial. Nós já vivemos outras três: a 2.ª revolução industrial, que vem com o computador, na década de 80; a 3.ª, que é a Internet, na década de 90; e agora a 4.0.

Trabalhamos, ainda, como se isto fosse o séc. XIX. É preciso pensar numa alternativa, agora. Se daqui por dez anos, 80% dos empregos actuais deixarão de existir, cada um tem de ser um designer da sua própria formação, tem que ter um projecto de vida. Isso não acontece na sala de aula, não acontece.

Há um livro do Charles Dickens, o Tempos Difíceis (Hard Times, 1854), que, logo nas primeiras páginas, descreve um sistema educativo que, com diferenças pontuais, é igual ao que existe hoje, em Portugal (a obsessão pelos factos rigorosos, a cultura do silêncio e da humilhação, o professor no palanque). Como é que tudo fica igual, passados 200 anos? 

É uma, das duas únicas instituições que não mudaram nos últimos 200 anos: a Escola e a Igreja.

Temos aqui um problema sério, porque há muitos obstáculos à mudança, e o primeiro obstáculo sou eu, é cada um dos professores, é a cultura profissional. Formataram-nos numa cultura e nós reproduzimo-la, reproduzimos um modelo social do séc. XIX.

Depois, há a sociedade, que pensa que a escola tem que ser como sempre foi. Os pais acham que sim. 'Acham', é achismo...

Depois, os alunos. Quando fui trabalhar para a universidade, tive alunos que queriam que eu desse aula, então perguntei:

- Porquê? O que é que querem ser?

- Nós queremos é dar aula e manter a disciplina, responderam.

- Então mudai de profissão, porque ides ser pessoas infelizes e ides fazer os alunos infelizes.

Que é que é isso? Dar aula e manter a disciplina? Isso é séc. XVIII! É a Prússia Militar, que foi uma das criadoras desta escola. Militar. Já Maria Montessori, em 1907, dizia que a escola da modernidade (esta que nós temos aí) é a que gera competitividade, é a origem remota de todos os conflitos, de todas as guerras. Têmo-la aí, na Europa, no séc. XXI.

Não é por acaso: é a educação familiar, a educação social e a educação escolar que estão na base desses atitudes, desses valores. É, também, uma nova visão do mundo que vem com a Open Learning, uma nova Visão do mundo e da educação.

Vai ser difícil penetrar nesse mercado, que está povoado de fake news, de particulares que não são mais, ou até são menos, do que a escola pública.

Quais são esses princípios? Fomentar a Autonomia, a Solidariedade?

Sim, a Autonomia é um conceito relacional: ninguém é autónomo sozinho, ninguém aprende sozinho, muito menos com um computador. Computador não tem alma, não tem espírito, não dialoga, está programado.

A diferença, fundamental, é que nesta escola, a Open Learning, todos têm direito à educação. Na outra escola não: olha para os centros de explicações, cheios, olha para o burnout dos professores, olha para o suicídio juvenil, basta olhar para aí para perceber que aquilo não funciona.

Há diferenças fundamentais e a primeira é essa: é que eles aprendem mesmo.

O que está escrito na Constituição da República Portuguesa é que a educação é um direito de todos. As escolas particulares, ou públicas, não cumprem esse direito. Muitos míudos não aprendem, ficam analfabetos, literais ou funcionais. A escola está à margem da lei, não cumpre a lei. 

As escolas têm projectos educativos e não cumprem esse projectos educativos, a prática nas escolas é o contrário daquilo que está escrito, está tudo fora da lei e assim não se aprende.

Não será porque a escola pública está, hoje em dia, demasiado focada em dar resposta a problemas sociais demasiado graves?

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Relatório da UNICEF aponta consequências da pobreza nas crianças

O documento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), divulgado hoje, revela que uma em cada cinco crianças portuguesas é exposta a humidade e bolor em casa.

Créditos / essentialbaby

O documento, elaborado pelo Centro de Pesquisa Innocenti da UNICEF, coloca Portugal no terceiro lugar, entre 39 países, no que toca ao desempenho geral em termos de indicadores ambientais.

No entanto, Portugal cai para a 25.ª posição no que toca às condições ambientais para as crianças em particular, nomeadamente a poluição do ar e da água e a presença de chumbo no sangue.

O relatório sublinha que cerca de 8% das crianças portuguesas vivem em habitações com problemas graves. Cerca de 35% das famílias pobres com crianças tinham dificuldade em manter as casas aquecidas em Portugal, enquanto 25% das famílias são afectadas pelo ruído e pela poluição sonora.

Uma em cada cinco crianças portuguesas é exposta a humidade e bolor em casa, enquanto uma em cada dez famílias pobres com crianças viviam em habitações com pouca iluminação natural.

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OE2022: Só se combate a pobreza das crianças reforçando os rendimentos dos pais

As medidas para crianças de agregados familiares em situação de pobreza extrema, além de insuficientes, não vão à raiz do problema: só melhorando os rendimentos dos pais poderá haver condições dignas para as crianças. 

Créditos / Newsweek

Entre as medidas avançadas na proposta de Orçamento do Estado (OE) destinadas a crianças e jovens, o Governo destaca o que pomposamente apelida de «Garantia para a Infância». A medida é destinada a famílias pobres e muito pobres, ou seja, com rendimentos mensais até 360 euros e crianças com idades até aos 17 anos.

A intenção deveria levar antes o Governo a robustecer o abono de família. Em todo o caso, esta «garantia» é faseada e tem um limite temporal. O Executivo prevê um apoio de 1200 euros anuais por criança, de forma gradual, até 2023, sendo no último ano que as crianças poderão vir a receber 100 euros mensais. 

O Governo regozija-se com a proposta, defendendo que ela coloca Portugal «à frente da maioria dos países europeus» no que respeita a este tipo de apoio, mas o destaque tem por base uma realidade negativa, que convém não esquecer.

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Há 330 mil crianças em risco de pobreza

Apesar da trajectória recente, cerca de 330 mil crianças estão em risco de pobreza em Portugal. 

Créditos / oseculo.pt

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), relativos a 2017, mostram que o risco de pobreza entre as crianças e jovens até aos 18 anos era de 19%, o que, num universo de mais de 1 729 675 menores, representa perto de 330 mil crianças.

Em declarações à agência Lusa, o investigador e docente da Universidade do Minho, especialista em sociologia da infância, Manuel Sarmento, confirmou que o sector da população entre os zero e os 18 anos é o grupo mais afectado pela pobreza em termos percentuais. «O que significa que há mais crianças pobres do que adultos pobres ou idosos pobres», apontou.

«As crianças continuam a ser efectivamente o grupo populacional mais afectado pela pobreza, designadamente o que se chama pobreza monetária, ou seja, que vivem em agregados familiares cujo rendimento per capita é inferior a 60% da mediana do rendimento nacional per capita», explicou Manuel Sarmento.

Já a professora do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da Universidade de Lisboa, e investigadora na área da pobreza infantil, Amélia Bastos salientou que, apesar de ter havido algumas melhorias nos últimos anos, as crianças continuam a ser um grupo «particularmente exposto à pobreza».


«As famílias com crianças, apesar do desagravamento, são aquelas que apresentam maior risco de pobreza relativamente àquelas que não têm crianças», referiu, acrescentando que nos últimos anos «houve uma melhoria generalizada no nível de vida, mas as crianças continuam a ser o grupo com maior incidência de pobreza monetária».

Na legislatura que está prestes a terminar foram implementadas medidas que contribuíram para aliviar o esforço financeiro das famílias, designadamente das famílias com filhos. O alargamento dos abonos de família e pré-natal, a gratuitidade dos manuais escolares ou a redução dos custos de gás e electricidade são alguns exemplos do que foi possível avançar em termos de redução da pobreza, designadamente das crianças.  

Tal como sublinhou o professor Manuel Sarmento, nunca será possível combater a pobreza nas crianças se não se combater a pobreza dos pais, defendendo uma intervenção mais articulada consoante as necessidades dos mais novos.

O investigador realçou que «é absolutamente fundamental» uma política integrada para a infância, para todas as crianças e não só as mais pobres, notando que ainda existe uma «excessiva compartimentação do que são as políticas públicas».

Hoje assinala-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza.

Com agência de Lusa

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Os salários brutos mensais médios no nosso país (933 euros) são, segundo dados do Eurostat, dos mais baixos da União Europeia, só ficando acima da Bulgária (442 euros), Roménia (700 euros), Hungria (801 euros), Lituânia (809 euros), Polónia (895 euros) e Letónia (899 euros). O cenário não é muito diferente se falarmos do salário mínimo nacional, que o Governo teima em não deixar passar dos 705 euros no próximo ano. 

Também o aumento do abono de família deixa a desejar, com o Governo a propor que as crianças dos primeiro e segundo escalões, entre os três e os seis anos de idade, passem a receber 50 euros mensais nos próximos dois anos. Uma subida de 8,75 euros por mês face aos actuais 41,23 euros. 

Mais do que medidas de carácter assistencialista, que apenas atenuam as consequências da pobreza extrema, sem alterar os desequilíbrios provocados pelos baixos salários e pela precariedade, são precisas medidas estruturais que atendam à defesa dos direitos universais consagrados. 

Combater a dita «pobreza infantil» exige reforçar os rendimentos e os direitos dos pais enquanto trabalhadores, acabar com a precariedade e os horários desregulados, investir numa rede pública de creches e, entre outras medidas, reforçar os valores do abono de família. 

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A análise permite concluir sobre a urgência de se olhar para a pobreza como um problema com causas estruturais objectivas que importa atacar, sem prejuízo de medidas imediatas de apoio às famílias. Na prática, só será possível acabar com a pobreza das crianças se os pais tiverem condições de vida dignas e salários que lhes permitam fazer face às necessidades, podendo focarmo-nos também no alargamento de direitos, como o abono de família, que continua a deixar de fora milhares de crianças. 

No que se refere à habitação, e não obstante tratar-se de uma garantia constitucional, é um direito que demora a estar consagrado. Por outro lado, ficam mais uma vez à vista as consequências da falta de capacidade financeira para garantir condições climáticas adequadas dentro de casa. Recorde-se que Portugal é dos países da União Europeia com o mais alto o número de pessoas a declarar não conseguir manter a casa aquecida, apesar do clima ameno. 

O centro analisou 39 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da União Europeia (UE) de acordo com diferentes critérios, incluindo pesticidas, geração de resíduos, humidade doméstica e acesso à luz natural.


Com agência Lusa

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Cada vez mais se injectam projectos nas escolas, quando elas nem ao elementar dão resposta. Mandam projectos de educação para a saúde e cada vez mais há obesidade mórbida; privação de natureza; a educação para a sexualidade; educação para o ambiente e a Amazónia destruída... Com os fogos que por aí andam... Não dá!

A escola tem de ter um tipo de currículo que não seja esse que aí está, um currículo de pronto-a-vestir, como diria um amigo meu, o João Formosinho [professor catedrático e presidente da Associação Criança], é coisa de pronto-a-vestir, igual para todos...

Pergunto. Alguma vez precisaste de usar a raiz quadrada na tua vida?

Não [o entrevistador não se recorda. Assim como assim, não a saberia fazer sem uma visita ao Google]...

Eu já perguntei a milhares e milhares: ninguém precisou. Então para que é que isso está no currículo? Se eu quiser saber a raiz quadrada, se eu precisar, pego no meu iPhone e, em cinco minutos, aprendo.

Sabes porquê? porque eu aprendi a aprender.

É esse o principal propósito da escola? Ensinar a aprender?

É um deles, vou explicar-te.

Tudo parte de um axioma: escolas são pessoas. Não são prédios... NÃO são prédios! São pessoas... As pessoas são os seus valores. Esses valores determinam princípios da acção que, eticamente, a pessoa desenvolve.

Chegados aqui, temos a necessidade de rever o que é um professor. Professor não é aquele que prepara projectos para os outros; é aquele que constrói projetos com os outros. Porque a minha liberdade não termina onde começa a liberdade do outro: a minha liberdade começa onde começa a liberdade do outro.

O professor faz planificação de aulas; O tutor, da Open Learning e de outras escolas, não faz planificação de aula, porque aula é inútil. O tutor não vai planificar, o tutor ensina o outro a gerir a sua vida, a planificar a sua vida, a gerir o seu tempo, o espaço, a construir um projeto de vida pessoal a partir das vocações, dos talentos, que cada um tem. E todos nós somos diferentes.

«Porque a minha liberdade não termina onde começa a liberdade do outro: a minha liberdade começa onde começa a liberdade do outro.»

Os professores dão aulas; os tutores organizam roteiros de estudo de tripla dimensão curricular, onde não é concebido um currículo... É produzido currículo e conhecimento, a partir, sempre, de uma necessidade concreta, através da pesquisa. Os tutores têm que ensinar os alunos a saber seleccionar a informação.

Se o aluno for sozinho, pesquisar, investigar, ele perde-se na Internet... tanta informação, tanta fake news, ele perde-se...

O aluno tem que saber seleccionar a informação pertinente; ao seleccionar a informação pertinente, tem de a criticar e analisar (é esta que eu preciso!); depois, tem de ter outro processo complexo de pensamento, que é o de sintetizar; ao sintetizar, comparar com outras informações: a comparação; tem de saber avaliar essa informação; ao avaliá-la, está a construir uma evidência da aprendizagem. 

Ele aprendeu. Ele transformou uma necessidade num processo de pesquisa; de um processo de pesquisa, trabalhou a informação; e agora, comunica a produção desse conhecimento: socializa essa comunicação.

Quando sinto que já sei. Quando eu sinto que já sei algo, eu partilho com os outros. Isso é a avaliação através de evidências de aprendizagem: há todo um processo de pesquisa, de metacognição, de pensar sobre o pensar, que ajuda o ser humano a saber procurar, a saber estudar, a aprender a aprender.

Como é que a Open Learning School inclui a tecnologia no seu processo de aprendizagem? Esta conversa seria muito diferente há 20 anos, quando não havia Internet e os computadores eram, ainda, coisas muito rudimentares.

Em todas as escolas com que eu trabalho, e a Open Learning é uma delas, os alunos trabalham a todo o momento com computador, com iPhone, com tablet, com tudo o que é tecnologia digital.

É através da tecnologia que os alunos vão recolhendo informações e vão aprendendo, ao contrário de escolas que eu conheço em que quando chego, por exemplo, durante o intervalo, toca a campainha (PRRrrriIIiin) e as crianças e os jovens saem, pegam no telemóvel, sentam-se no chão e passam o tempo de intervalo agarrados às redes sociais e a jogos idiotas. Toca outra vez (PPRrriiiIInn), e voltam todos para dentro, têm é que deixar ficar cá fora o telemóvel.

Uma loucura.

As tecnologias digitais têm de estar ao serviço da humanização, do acto de aprender e de ensinar, humanizar. Aquilo que está a acontecer é uma desumanização, ainda maior de algo que já era, em si, desumano.

Os telemóveis devem estar presentes em todos os momentos? Acesso constante a um computador?

Nós aprendemos em qualquer lugar, não precisamos de uma sala de aula... Nós aprendemos na observação de uma floresta, na conversa com uma pessoa, numa biblioteca, no centro cultural, numa igreja, numa praça, desde que tenhamos acesso à informação.

O digital é excelente nesse aspecto. A Open Learning não está apenas dependente do digital: há o papel, há o livro, há a pessoa, há o espaço diferente onde eu aprendo.

Uma das grandes diferenças é que a aprendizagem pode acontecer em múltiplos locais e não só nas quatro paredes de uma sala de aula. Também acontece dentro de salas, também acontece em casa, claro...

Há umas semanas, ouvia uma entrevista do antigo ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, que falava sobre como o nosso sistema escolar, para além dos chumbos, tinha, no seu âmago a total desigualdade dos exames. Como é que uma sociedade como a nossa, que está sempre a referir-se à integração escolar tem, como base do seu modela, esta fixação com os exames e os testes?

É tratar igual aquilo que é completamente diferente.

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A (des)igualdade dos exames nacionais

Terminam esta terça-feira os exames nacionais do ensino secundário, com a realização das últimas provas em segunda fase. Perante um método de avaliação que é tudo menos consensual junto da comunidade educativa, o AbrilAbril foi à conversa com quem, na escola, vive o seu dia-a-dia sob este peso.

Créditos / É agora.Na rua pela escola pública

O ensino secundário – mas também o ensino básico por via das provas finais e de aferição – tem a sua vida profundamente condicionada pelos exames nacionais, no que respeita a programas e métodos de aprendizagem.

A sua existência é contestada por muitos estudantes desde a sua criação, sendo objecto de mobilizações todos os anos por aqueles que não se resignam a esta realidade. Este ano lectivo não foi excepção e, para além de acções concretas realizadas, os estudantes de todo o País uniram-se através das redes sociais aderindo ao mote #examesnão.

Existem duas questões que são reiteradamente levantadas para dar razão à existência e manutenção dos exames nacionais. Uma, é o acesso ao Ensino Superior, e em que estas provas são consideradas como a única via possível de o fazer. Outra é a alegada igualdade que os exames nacionais garantem na avaliação, tratando por igual todos aqueles que os elaboram durante as suas duas ou três horas.

O AbrilAbril foi assim à conversa com dois estudantes e um professor. Ouvimos o Simão Bento (SB), estudante na Escola Secundária Luís de Camões, em Lisboa, que é também presidente da sua Associação de Estudantes, Laura Rebelo(LR), estudante da Escola de Tecnologias Inovação e Criação (ETIC), estudante do ensino profissional, e Jorge Gonçalves (JG), que lecciona no Agrupamento de Escolas Nun’Álvares, no Seixal.

Três realidades diferentes. Por um lado, a perspectiva de quem procura ensinar com estas provas a jusante. Por outro, a realidade que os exames nacionais deixam naqueles que os têm de fazer, mesmo com diferenciação de programas curriculares.

 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 

Aí não exames, não exames não ! Pela avaliação contínua ! A luta continua

Uma publicação partilhada por É Agora! (@e.agora24m) a

Desde a introdução dos exames nacionais, a contestação pelos estudantes tem sido muita ao longo dos anos. Como olham para esta realidade?

SB: A contestação dos exames nacionais não é recente. Desde o seu início que os estudantes têm procurado, pela via da luta, a sua abolição, de forma a garantir a existência de um sistema de ensino mais justo e igual, que fomente a cooperação em vez da competição. Sendo esta realidade indissociável da luta pela escola pública, gratuita, democrática e de qualidade, que a nossa Constituição da República consagra.

LR: Eu olho para esta realidade com insatisfação. A pretexto da ideia de que a introdução dos exames serviria para facilitar a avaliação dos estudantes, o que sucede é que [os exames] vieram contribuir para que muitos dos estudantes não sejam avaliados enquanto indivíduos e com base nos seus conhecimentos e características pessoais. Isso leva à perda do potencial de muitos estudantes, e penso que isso tem mudar com urgência.

JG: Os exames e provas, tal como estão implementados, são elementos de destabilização do funcionamento das escolas, desvalorização da avaliação contínua e do próprio processo de ensino-aprendizagem, do esforço dos alunos e do papel dos professores durante todo o ano lectivo.

Uma das ideias que sustenta a existência de exames nacionais é a da defesa da igualdade na avaliação...

SB: O argumento que sustenta esta tese é, no mínimo, falacioso. Não podemos falar desta barreira que garante uma suposta igualdade quando os estudantes, que são vistos cada vez mais como mercadoria submissa às leis do mercado, partem de situações e posições socio-económicas diferentes. A avaliação contínua e justa, levada a cabo pelos professores, é a única que tem em conta as especificidades de cada um e que pode contribuir realmente para a formação de um indivíduo crítico, capaz de transformar e contribuir de forma democrática para a sociedade. Os exames servem apenas para elitizar o Ensino Superior o que, a par do numerus clausus e da capacidade financeira e social de cada família, obriga a que cada estudante e que cada família chegue ao momento de avaliação num patamar tremendamente desigual. Ainda há algumas diferenças de opinião sobre estes assuntos, sendo que é cada vez mais consensual a injustiça associada a este sistema de avaliação.

LR: A aprendizagem de cada estudante é, naturalmente, subjectiva. Eu posso ser boa a Português e saber interpretar textos e realizar bem exercícios gramaticais, mas posso não ter oportunidade de demonstrá-lo se tiver de escrever uma composição de 250 palavras em apenas 15 minutos. Ninguém é igual a ninguém, não deve ser um exame que decide quem é que é «mais inteligente do que outro». A inteligência tem vários componentes e nunca deve ser definida por uma semana de testes finais. Só é adequada e justa se avaliar o esforço e trabalho que cada aluno teve durante o ano lectivo.

Outro dos argumentos utilizados para impedir o fim dos exames nacionais é o de que «não há forma melhor de avaliar os conhecimentos», sobretudo no acesso ao Ensino Superior. Que pensas disto?

SB: A escola pública, mais do que nunca, tem vindo a perder a sua principal função, a do conhecimento. Deixou de ser uma escola que promove a cooperação, a criatividade e até mesmo a democracia, para passar a ser um mero centro de treinos, no qual quem tem mais dinheiro, à partida, tem meio caminho andado para ter sucesso nesta avaliação de 2h ou 3h, a qual pode apagar o trabalho de dois ou três anos. Avaliação esta, diga-se, que procura estimular a capacidade de decorar em vez da aprendizagem e acaba por destruir a vontade da descoberta e de procura de conhecimento. Em suma, não há forma de avaliar conhecimentos quando não há aprendizagem (salvo raras excepções). Os próprios exames provam, cada vez mais, estar distantes daquilo que é a matéria dada, numa realidade marcada pelo interesse em garantir que as elites, e pouco mais, consigam atingir níveis de educação superiores.

LR: Penso que isto está errado. Então um aluno estuda três anos, várias disciplinas, e só poderá ter acesso ao ensino superior se passar nesses exames? Um aluno excelente pode chegar ao exame e ter uma branca devido ao stress. É demasiada pressão para todos os estudantes, é um sistema do oito ao 80: se passares no exame, tens de ter uma nota alta para que não baixe a média; se chumbares, vais à segunda volta dos exames, ou então terás de esperar mais um ano para poder voltar a repetir. Entretanto as portas do ensino superior ficam fechadas e a tua vida adiada.

JG: Mais uma vez, desvaloriza o papel da formação contínua, do esforço dos alunos e do papel dos professores, incluindo os do próprio ensino superior.

Laura, considerando as especificidades do ensino profissional, como avalias os exames nacionais para esta via?

LR: Para os estudantes do ensino profissional a maior dificuldade é o facto de a matéria e os programas das disciplinas serem diferentes das do ensino secundário regular. É-nos «dada» menos matéria e há disciplinas que não temos, porque o nosso horário é orientado para a componente profissional, iminentemente prática. Sim, optámos por um curso profissional conhecendo essas dificuldades ao acesso ao ensino superior, mas isso não signfica que aceitemos ser impedidos desse direito. E a verdade é que muitos estudantes do ensino profissional sentem que não somos, nem estamos preparados para os exames nacionais.

Jorge, como é que é a vida de um professor «obrigado» a leccionar todo o ano lectivo apenas para o exame do fim do ano?

Nenhum professor deve sentir-se obrigado a leccionar para os exames, desvalorizando o seu papel enquanto docente, o conjunto das aprendizagens que os seus alunos devem desenvolver e que não podem ser avaliados num exame, como são competências de caráter mais procedimental e prático, ou mesmo mais gerais respeitantes à formação integral do indivíduo.

Como passa um professor pelo período dos exames nacionais?

A avaliação dos exames surge quase como um «quarto período», em que se mobilizam recursos humanos, equipamentos e materiais, para responder à «máquina» dos exames e provas e, praticamente, se pára de ensinar, aprender e reflectir pedagogicamente, ou seja, pára a escola de fazer o seu papel primordial.

E, em termos pedagógicos e de aprendizagem, este método de avaliação é benéfico para os estudantes?

JG: Em primeiro lugar, os exames não deveriam ser usados como filtros para a progressão e selecção dos alunos. Em segundo lugar, perde-se a função importante de regulação do próprio sistema educativo que a existência de provas deste género poderiam ter. Ao fechar-se o «carimbo» da nota do exame do aluno, não se chega a aprofundar a discussão necessária sobre os resultados globais e a resposta que o sistema educativo está a dar, o combate às assimetrias e a adequação das políticas educativas.

Se soubessem que seriam ouvidos pelo Governo sobre esta matéria, que diriam?

SB: Primeiramente, referiria a injustiça na qual assentam os exames, assim como os rankings que procuram segregar cada vez mais aquelas escolas que se inserem em contextos mais complicados. Em segundo lugar, diria que é preciso levar os estudantes a participar na construção de um sistema educativo mais justo, assente na cooperação e na procura de conhecimento. Assim como mais investimento para a Educação.

LR: Eu diria para o Governo ouvir os estudantes, sobre todas as questões ligadas à escola. Para cada aluno, [os exames nacionais] são um bicho de sete cabeças, que exige o estudo intensivo de uma quantidade enorme de matéria. Os estudantes não são computadores, não são máquinas para decorar milhões de textos e enormes quantidades de matéria. Não deveríamos ser sobrecarregados por causa de um exame que acontece no fim do ano, quase esquecendo todo o trabalho de um ano lectivo.

JG: A existência de mecanismos de avaliação do sistema educativo, que promovessem a sua avaliação e melhoria, sem contribuírem para a desvalorização da escola pública (p.e. os designados rankings), nem condicionar a progressão dos alunos e o aprofundamento das assimetrias.


A escola pública, conquista da Revolução de Abril, exige reflexão constante e profunda. São inúmeros os problemas com os quais este pilar da democracia se confronta, decorrentes de um subfinanciamento protagonizado nas últimas décadas por diversos governos. No entanto, como factor de emancipação individual e social, a escola merece ser olhada como alavanca para o desenvolvimento e não como despesa.

Em concreto, no que aos métodos de avaliação diz respeito, o factor do conhecimento e aprendizagem têm de ser os elementos centrais a considerar, tendo a avaliação contínua como a melhor ferramenta e, por consequência, também o acesso ao ensino superior deve ter isso em conta.

O fim dos exames nacionais não resolveria todos os problemas que a escola pública enfrenta. No entanto, uma medida que venha a abolir estas provas pode concretizar-se, mesmo que outros problemas persistam.

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Também neste domínio a escola está fora-da-lei (totalmente fora da lei!), e eu posso afirmá-lo e confirmá-lo. Sei que este discurso não é comum, mas eu também não me preocupo com isso: faço afirmações e fundamento-as.

Um teste, um exame, pouco (ou mesmo nada) avalia. Avalia, sim, a capacidade de memória a curto prazo, a capacidade de reter informação para colocar num teste e... esquecer. Se tu fizeres o mesmo teste passado um mês, a nota desce...

O que está na lei é que a avaliação deve ser formativa, contínua e sistemática. Ora, um teste não é formativo, um teste não é contínuo (é periódico) e não é sistemático (porque incide numa parte de uma matéria de uma disciplina)... Ou seja, está fora-da-lei.

Pior ainda, os professores dão a nota final a partir das notas de testes. A nota de teste é feita numa escala intervalar, de variável contínua, mas a nota de pauta, de um a cinco, é uma escala ordinal variável.

Um exame de acesso ao ensino superior não é só uma coisa... É um instrumento de darwinismo social, que desvia o jovem uma centésima daquele que seria o seu destino enquanto profissional e pessoa realizada socialmente.

Como é que funciona a avaliação contínua na Open Learning? Não poderá ser demasiado subjectiva?

Não. Ela funciona em três dimensões curriculares: a dimensão da subjectividade, a dimensão da comunidade e a dimensão da consciência planetária universal.

As crianças, os jovens e os adultos vão partir de necessidades concretas, fazendo o levantamento de tecnologias sociais, saberes populares, tudo o mais que está na sua comunidade, para dar resposta a um problema ou uma necessidade comunitária: esse é o currículo de comunidade.

Vou dar um exemplo: uma menina entrou numa salinha onde eu estava, numa escola, e disse para a pessoa que lá estava

- Oh fulana (que era a tutora), acho que já sei fazer raiz quadrada (repara: eu acho que já sei fazer);

- Mas porque é que tu foste aprender raiz quadrada?, perguntou a tutora;

- Olha, é que o meu pai pediu ajuda para projectar um campo de jogos: marcações para a linha de penalty, para o lançamento da bola de basquetebol... e ele não sabe. Nós fizemos um projecto, estou a trabalhar com mais três amigos e, no meio de tudo, estudámos o que era o segmento de recta; o que era um ângulo recto, agudo, obtuso; aprendemos a fazer uma circunferência; a calcular a área de um círculo; o que era o quadrado; o que era um cubo; acabámos na raiz quadrada.

A tutora pegou no telemóvel e pôs a câmara a gravar o que estava a acontecer. Gravou-a enquanto descrevia as planificações diárias do seu trabalho. A menina descreveu uma semana inteira de trabalho em cinco minutos, explicou tudo, tudo a ser gravado

- E agora o que é que queres?, perguntou a tutora;

- Quero que me passe uma raiz quadrada para ver se tudo aquilo que eu fiz, eu aprendi.

A turora passou uma raiz quadrada de seis dígitos (por exemplo, 390497) e a criança rapidamente resolveu a raiz quadrada. A tutora assistiu, confirmou que está certa e mostrou para a câmara. E agora?

- Agora que já sei vou para lá, para ajudar.

A rapariga desfez uma necessidade social da própria comunidade. Quando ela sai, a tutora pára a gravação, manda para a plataforma digital de aprendizagem, para o arquivo daquela criança, com a data e a prova de aprendizagem que ela mostrou através da construção de todo o conhecimento e a manifestação da produção de uma raiz quadrada.

Resta só acrescentar a idade da menina: 6 anos.

É uma ocorrência diária?

Cada criança, cada jovem, faz a sua planificação, diariamente, com o seu tutor: diz onde vai estar, o que vai estar a fazer e com quem vai estar no dia seguinte, as horas, etc...

Não será, num momento como este, em que ainda são precisas notas de acesso ao ensino superior, em que as notas, e as notas dos exames, determinam o futuro dos jovens, demasiado perigoso para não estar a ensinar estas crianças a fazer testes e exames?

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Os rankings das escolas só «confundem e distorcem a realidade»

A qualidade das escolas não pode ser aferida pelos resultados dos exames, defende a Fenprof. Os rankings servem a «propaganda e a publicidade em torno das “boas” escolas, e o fatalismo e análise catastrofista das “más”».

CréditosJosé Coelho / Lusa

Pelo 22.º ano consecutivo, foram divulgados extensos quadros interactivos dos rankings das escolas públicas e privadas do país. Apesar dos esforços para fazer leituras de maior complexidade, utilizando critérios para desconstruir e contextualizar os números em bruto, «a análise resultante não traduz nem a complexidade da realidade, nem torna credível a suposta avaliação que faz das escolas».

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'Rankings'? Vira o disco e toca o mesmo

Para além das manobras de marketing dos condecorados colégios que envolvem o lançamento destes rankings, que conclusões podemos retirar? Uma coisa é certa: as desigualdades à entrada são as mesmas à saída.

Acção de protesto contra os Exames Nacionais em Setúbal, 26 de Junho de 2020.
Créditos / Exames não

Desde sexta-feira, temos sido bombardeados com faustosos títulos na comunicação social: «No top 50 há 47 privados e só três públicas», «A melhor escola pública do País está em 34.º lugar», «Liderança, ambição e exigência: a receita das escolas para chegar ao topo» e, logo de seguida, temos «Este é o colégio que lidera o novo ranking», que foi «criado […] por iniciativa de Belmiro de Azevedo».

Estas manchetes de jornal servem para quê e para quem? Se fossemos inocentes tenderíamos a atestar que era informação frugal, sem qualquer tipo de segundas intenções para além de informar.

Estes rankings são sobre os resultados obtidos pelos estudantes nos exames nacionais mas, no meio de tanto alarido, coloca-se o fundamental de lado e discute-se o acessório e até apreciações demasiadas subjectivas.

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A realidade na retoma das aulas à distância

Começa hoje o ensino online a partir de casa. As desigualdades estão à vista: famílias sem computador ou internet e pais a trabalhar que não podem acompanhar os filhos, são apenas alguns exemplos.

Créditos / brasil.elpais.com

São 1,2 milhões de alunos que iniciam hoje o ensino à distância, por decisão governamental, com o objectivo de mitigar os efeitos nefastos da pandemia. A opção de confinar também os estudantes foi sendo adiada e tem particular importância na área da Educação, pelas consequências para a formação integral e o crescimento das crianças e jovens.

Esta situação é de grande complexidade porque exige medidas políticas para que não se deixe ninguém para trás e que seja feita uma articulação com o ensino que se mantém presencial para os filhos dos trabalhadores dos 140 serviços considerados essenciais.

Recorde-se que as 721 escolas abertas no território continental estão ainda preparadas para servir refeições aos alunos carenciados, na sequência de orientações que o Ministério da Educação tem dado nesta matéria.

Em comunicado recente, a tutela refere que cabe às escolas definir «as formas e organização para prestar especial apoio presencial aos alunos em risco ou perigo sinalizados pelas comissões de protecção de crianças e jovens e aos alunos cuja escola considere ineficaz a aplicação do regime não presencial e em especial perigo de abandono escolar». Resta saber como funcionará, no concreto, esta orientação.

Depois da primeira experiência no ano passado, e pese embora os dados careçam de análises mais profundas, são já diversos os especialistas que apontam para os perigos que as medidas restritivas podem ter, agora e no futuro, no desenvolvimento das crianças e jovens. Questão que assume maior preocupação pelo facto de as desigualdades se terem acentuado ainda mais neste contexto.

Não obstante o País estar confrontado pela segunda vez com a exigência do ensino à distância, o Governo optou por não resolver alguns dos principais problemas que subsistem no seio destas famílias.

Veja-se que os pais que têm de ficar em casa com os filhos perdem um terço do salário, num período em que as despesas domésticas aumentam. Para mais, os pais que estão em regime de teletrabalho têm ainda a «obrigação» de dar assistência às crianças, porque persiste a medida de que, se um dos pais estiver em teletrabalho, o outro não pode accionar a assistência ao filho.

«se um dos pais estiver em teletrabalho, o outro não pode accionar a assistência ao filho»

Têm sido muitos os exemplos concretos que passam em diversos órgãos de comunicação e nas redes sociais da realidade difícil com que os pais se confrontam entre responder ao trabalho e às tarefas de cuidar de um filho.

Recentemente, a Comissão para Igualdade entre Homens e Mulheres da CGTP-IN alertou em comunicado para esta questão, particularmente penalizadora das crianças que não têm o acompanhamento a que têm direito, exigindo a imediata alteração à lei no sentido de garantir os direitos dos trabalhadores e dos seus filhos.

Também a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego emitiu um parecer no qual defende que «a possibilidade de qualquer trabalhador executar as suas funções em regime de teletrabalho nunca pode colidir com a imprescindível assistência e cuidados que os seus filhos carecem, sob pena de colocar a integridade física e psicológica das crianças em perigo, o que constitui crime, facto que o empregador deve estar ciente».

Soma-se ainda a esta realidade o facto de que são sobretudo as mulheres que se encontram nesta situação, o que revela ainda desigualdades no seio da distribuição de tarefas nas famílias e que, sendo os seus salários em média mais baixos do que os dos homens, as famílias são empurradas para a decisão de cortar o salário mais pequeno.

Todos estes factores contribuem para o facto de se ter registado uma significativa diminuição no pedido de apoios à família à Segurança Social, na sequência do segundo confinamento.

Se em 2020 foram feitos mais de 170 mil pedidos, neste ano registam-se apenas cerca de 22 mil, segundo dados do Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Assim, só 13% dos trabalhadores que pediram este apoio no ano passado o fizeram novamente, o que significa que, tanto a redução de 30% do rendimento, como o impedidmento de acesso a este apoio quando um dos membros do casal esteja em teletrabalho, levou a que muitas famílias optem por outras soluções que não a de cuidar dos seus filhos a tempo inteiro.

Para resolver estas questões, o BE e o PCP têm defendido o pagamento a 100% aos trabalhadores que tenham que estar em casa com os filhos e a eliminação da proibição de acesso ao apoio quando outro progenitor esteja em teletrabalho. O PCP defende ainda que deve ser alargado até aos 16 anos a possibilidade de acesso a este apoio.

Recorde-se que ainda no ano passado o PCP levou estas propostas a votação na Assembleia da República, que foram chumbadas com os votos contra de PS, PSD e CDS-PP e a abstenção de Chega e Iniciativa Liberal. Todavia, os comunistas já anunciaram que vão insistir nestas medidas e que no próximo dia 18 de Fevereiro a discussão relativa aos apoios sociais será tida novamente no Parlamento.

Faltam computadores e internet

Perante o contexto de ensino em casa, teletrabalho e perda de rendimentos, muitas são as famílias que não conseguem assegurar o acesso à internet ou que a ligação tenha qualidade, nem comprar um computador para os seus filhos.

Pese embora o Governo ter anunciado a distribuição de mais 335 mil computadores, estes equipamentos só começam a ser distribuídos até ao final de Março, já bem depois do início das aulas.

Na realidade, ainda não há dados certos sobre quantos alunos do ensino obrigatório estão ainda arredados de aceder as aulas nesta modalidade. Num estudo elaborado no ano passado para o site Iniciativa Educação, estimava-se que cerca de 50 mil alunos do ensino básico não tinham acesso à internet. E, no mesmo período, a Associação Nacional de Dirigentes Escolares, garantia que mais de 200 mil estudantes não tinham computador.

Recorde-se que a chamada tarifa social de internet, que determinaria um desconto na internet básica, esteve prometida pelo Executivo em 2020, mas fonte oficial da Secretaria de Estado das Comunicações comunicou ao JN que a medida só poderá «estar em vigor no segundo semestre», ou seja, no terceiro período lectivo.

A difícil situação dos professores

Nesta equação, também os professores são confrontados com inúmeras dificuldades para as quais a Federação Nacional dos Professores (Fenprof / CGTP-IN) tem vindo a alertar.

Desde logo, em comunicado à imprensa, a estrutura sindical denunciou que a retoma do ensino à distância está a ser feita sem que Governo tivesse resolvido os problemas que se verificaram no ano lectivo passado, como são os casos do atraso na distribuição de computadores e a criação de condições para acesso à banda larga de internet, para alunos e professores.

«os pais que têm de ficar em casa com os filhos perdem um terço do salário, num período em que as despesas domésticas aumentam»

Para a Fenprof devem considerar-se não só os problemas inerentes ao processo de ensino-aprendizagem, como também as condições de trabalho dos docentes neste regime, que implicam a disponibilização de equipamentos e a intensificação e desregulação do tempo de trabalho. Para mais, não está resolvida a questão dos apoios aos professores com filhos menores de 12 anos e que se encontrem em teletrabalho.

Esta realidade levou a que o PCP tenha apresentado, na semana passada, propostas como a aprovação de um regime mais justo de recrutamento e mobilidade, a vinculação de docentes, e a garantia do direito aos 30 dias de tempo de trabalho para efeitos de Segurança Social para os professores a termo com horário incompleto.

Não é só ligar o computador para que se aprenda

Está longe de ser consensual que o ensino online e à distância seja uma boa opção para a aprendizagem, sendo maioritária a opinião de que esta situação só deve ser aplicada numa situação limite como aquela em que nos encontramos.

Para além disso, toda a gestão deste processo exige uma actualização pedagógica da forma e dos conteúdos a leccionar. Diversos especialistas apontam para o facto de que as crianças até aos dez anos apenas conseguem estar atentas durante 15 minutos a uma aula online.

Nesse sentido, num artigo do Público, diversos especialistas explicam que é contraproducente a solução encontrada por muitas escolas de transferir os horários semanais do ensino presencial para o online, fazendo aulas completas por videoconferência. É uma opção a que Marco Bento, investigador da Universidade do Minho que há seis anos investiga turmas em regime de ensino híbrido, classifica de «uma aberração».


No mesmo sentido, António Dias de Figueiredo, professor catedrático aposentado da Universidade de Coimbra, que há mais de 40 anos trabalha no âmbito da tecnologia na educação, explica que «a idade é uma questão incontornável. Numa criança pequena, nem o melhor ensino à distância é possível».

Estes especialistas invocam as recomendações que o Departamento de Educação do estado norte-americano do Illinois enviou às escolas em Março do ano passado, no qual se defende que deve definir-se o tempo de aulas remotas síncronas, consoante o nível de ensino.

As orientações assentam na consideração da capacidade de «atenção sustentada» dos alunos, tendo em conta as idades. Assim, as crianças do 1.º e 2.º ano conseguem estar atentas entre cinco a dez minutos numa aula online. A capacidade de concentração pode chegar aos 15 minutos para alunos do 3.º ao 5.º ano, mas apenas a partir do 6.º ano os estudantes conseguem aguentar uma aula completa, mas nunca uma sucessão de lições online.

Deste modo, a sugestão destes especialistas é que se troque uma parte das aulas síncronas por trabalho assíncrono, sendo importante que seja dado feedback aos alunos para que estes aprendam efectivamente com as tarefas. Neuza Pedro, professora do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, defende que deve ser comedido o número de tecnologias a utilizar, que tem de haver um trabalho colaborativo entre os professores, e uma comunicação «muito atenta e regular com os pais».

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Uma coisa é desde já clara: as desigualdades à entrada são desigualdades à saída. Não é porque na altura da realização do exame em que estão todos sentados à mesma hora com a mesma prova à frente, que se iguala seja o que for.

Uns estudaram numa qualquer escola pública, muitas vezes a quilómetros de distância de casa, porque a escola da vila fechou nos últimos anos, para assistir às aulas em salas com mais de 30 estudantes, por vezes sem professor colocado e com chuva a cair-lhes na cabeça.

Outros estudaram no dito «colégio do Belmiro», com uma espectacular arquitectura, uma sensacional piscina, um novíssimo gimnodesportivo e uma cantina-restaurante com cinco pratos à escolha.

«Não há nada que possa substituir a justeza da avaliação contínua e o incentivo ao desenvolvimento do sentido crítico e artístico dos estudantes»

Uns puderam adquirir materiais extra para aprender e até pagar explicações, outros tiveram de se contentar com a falta de condições para o estudo em casa, que as aulas à distância evidenciaram, tendo por vezes de partilhar o computador com o irmão mais novo ou até com os pais em teletrabalho. Alguns destes estudantes tiveram mesmo de ir trabalhar.

O caso é então mais grave: avaliar os estudantes com tão rígida régua não só falha em igualar como agrava as desigualdades – os estudantes com dificuldades socio-económicas são prejudicados e desviados do acesso ao Ensino Superior.

As escolas privadas continuam a não fornecer dados sobre a composição socio-económica dos seus estudantes e respectivas famílias, talvez para não entristecer insuspeitos convictos da superioridade da iniciativa privada na Educação.

Fenprof denuncia manipulação das estatísticas na educação

Rankings das escolas não são «credíveis nem legítimos»

A Fenprof tece fortes críticas aos rankings das escolas e lembra que os exames nacionais «são apenas um elemento de avaliação e não a medida de tudo o que se faz na escola».

Alunas do Colégio Nossa Senhora do Rosário no Porto, 14 de Dezembro de 2016. A escola, que ocupa o primeiro lugar do ranking pelo terceiro ano consecutivo, cobrava mensalidades de cerca de 500 euros no ano lectivo passado
CréditosJosé Coelho / Agência LUSA

O comunicado da Federação Nacional de Professores (Fenprof/CGTP-IN) lembra que este é o 16.º ano consecutivo em que os rankings construídos a partir dos resultados dos alunos são divulgados. Mas, apesar de terem vindo a ser introduzidos novos critérios e indicadores, os rankings continuam longe de ter «credibilidade ou legitimidade» e, por isso, a estrutura «demarca-se desta divulgação, denunciando a forma abusiva como as escolas são catalogadas como "boas" e "más", "melhores" e "piores"».

Os professores lembram que, desde que começaram a ser divulgados os resultados, foram criticando «estas ordenação de escolas» por serem «redutoras, injustas e perversas». Sublinhando que «os professores não desvalorizam os resultados escolares», a federação sindical alerta que «não se deve confundir exames com avaliação, nem avaliação com mais e melhor educação».

Os exames nacionais, cujos resultados dos alunos determinam a ordenação das escolas no ranking, «são apenas um elemento de avaliação e não a medida de tudo o que se faz na escola», diz a Fenprof, lembrando que a escola deve «ajudar os alunos a entender o mundo e realizarem-se como pessoas».

As escolas que têm ocupado os lugares cimeiros têm sido, ano após ano, escolas privadas. Para os professores a explicação é simples: estas «selecionam os seus alunos, trabalhando assim com grupos mais homogéneos do que os das escolas públicas, o que favorece a obtenção de médias de classificação mais elevadas». O objectivo é introduzir a «ideia, errada, de que o ensino privado tem mais qualidade que o público».

Este exercício de manipulação é denunciado pela Fenprof, nomeadamente pela entrega prévia das classificações a diversos órgãos de comunicação social, o que permite «o espetáculo mediático» a que hoje se assiste. Esta opção «impede outros (as escolas, outras instituições, a comunidade científica) de atempadamente se debruçarem» sobre os resultados dos rankings, sem a pressão «de toda a demagogia que habitualmente acompanha» a sua divulgação mediática.

De acordo com o Público, na lista de escolas que mais inflacionam as notas relativamente aos resultados dos exames nacionais, dois terços são escolas privadas. Pelo contrário, na lista das 16 escolas que dão notas mais baixas que os resultados dos alunos nos exames, 11 são públicas.

Países pioneiros abandonaram rankings após efeitos perversos

Países como a Irlanda acabaram por abandonar a prática, depois de ter revelado efeitos perversos, ao colocar numa situação cronicamente frágil as escolas com resultados mais fracos.

«As escolas com piores classificações entraram num processo de acentuar os fatores de guetização e de resultados progressivamente piores», disse à Lusa o professor catedrático António Teodoro, especialista em educação.

Nos últimos lugares das tabelas de rankings elaborados anualmente por vários órgãos de comunicação social a partir de dados do Ministério da Educação, encontram-se consecutivamente escolas inseridas em contextos sociais mais desfavoráveis.

«Esses bairros, como o do Cerco (Porto), por exemplo, são bairros de grande exclusão social», defendeu. «Se não for quebrado esse ciclo de pobreza, a todos os níveis, obviamente que a escola pode dar o seu contributo, mas não pode tudo, nem pode o essencial», observou.

Com Lusa

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Fenprof denuncia manipulação das estatísticas na educação
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Tal como no passado, na época dos dois mil milhões de euros cortados na Escola Pública pelo último governo PSD/CDS-PP, há quem queira abrir guerra à Escola que Abril conquistou. Nem por acaso, o próprio Nuno Crato, ponta de lança para a Educação desse governo de desgraça nacional, já veio reclamar na sua página do Twitter os méritos dos resultados nos rankings dos seus tempos de Ministro…

Há quem queira, também, no que toca aos exames, mudar tudo para que fique tudo igual. Ilustrativo disto são os planos de 12 milhões de euros para a digitalização da avaliação externa, substituindo os «obsoletos» exames em papel.

Todas as parangonas servem ainda para que não se discuta o essencial:  a Escola Pública e a urgência da sua valorização e reforço do financiamento.

Não há nada que possa substituir a justeza da avaliação contínua e o incentivo ao desenvolvimento do sentido crítico e artístico dos estudantes e não há como o fazer com turmas sobrelotadas, com falta de professores, funcionários, psicólogos e outros técnicos ou sem obras nas escolas degradadas. 

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Autor de Artigo Livre: 
Maria Rita Santos

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Em comunicado, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof/CGTP-IN) lamenta que João Costa, ministro da Educação do Governo PS, «não consiga cessar o contributo do Ministério para um exercício de consequências nada inclusivas e que vão ao arrepio do perfil do aluno enunciado».

«Desde que surgiram, em 2001, os rankings não facilitam, antes dificultam o trabalho das escolas, em particular das que, encontrando-se em zonas de maior complexidade social, são rotuladas de “piores”, o que não constitui um estímulo, pelo contrário, discrimina e desmoraliza alunos, pais e professores, contribuindo para uma cada vez maior estratificação da população escolar».

Os propósitos deste exercício, impingido anualmente pelos orgãos de comunicação social, é reforçar as narrativas que defendem um maior poder do diretor (a suposta autonomia da escola pública), ou os cheques-ensino.

«A Fenprof não compreende e lamenta que o ministro do perfil do aluno no século XXI e da educação inclusiva tenha, também ele, cedido e disponibilizado os dados para a elaboração de listas ordenadas das supostas melhores e piores escolas secundárias».

Os rankings constituem «um dos muitos ataques que são desferidos a uma Escola Pública». O factor decisivo de resistência a todos esses ataques continua mesmo a ser o elevado sentido de responsabilidade, também social, dos professores.

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O ensino superior é um direito. É um direito! Devia ser obrigatório até ao final da universidade. É um absurdo haver exame de acesso, que não avalia absolutamente nada, nada, é apenas um embuste. Para além disso, é um instrumento de darwinismo social.

Houve um período na história da educação portuguesa em que não houve exame de acesso. Qual foi o argumento para introduzir estes exames? É que as notas do secundário, sem exame de acesso, eram menores... depois quando introduziram os exames de acesso, as notas pioraram... O problema não está aí, está no facto de que nem na universidade se pratica a avaliação.

Perguntava mais especificamente sobre as crianças da Open Learning e de outras escolas com modelos alternativos... alternativos. Não será um problema para o aluno que nunca fez testes, ser, em certo ponto do seu percurso, forçado a fazê-los?

Já nos apontavam esse problema há 40 e tal anos. Diziam: mas estes alunos não fazem teste... depois como como é que é, vão ser capazes de responder bem às perguntas? Completamente.

Aliás, deixa-me que te conte um pequeno episódio. Eu falo sempre da minha prática... Quando foi feita a primeira prova de aferição, há 22 anos, em 2000, exactamente, eu fui aplicador da prova. Como os nossos alunos não faziam testes, fui pedir um teste à EB 2 3: um teste de sexto ano, os nosso alunos ainda estavam no quarto. Iam fazer na segunda-feira seguinte a prova de português.

Levei o teste e fizemos cópias para aqueles que queriam ver o que era um teste (porque eles nunca tinham visto um teste na vida deles, excepto alguns que tinham vindo de outras escolas).

- Olhem, o teste é isto. É um texto com perguntas de interpretação, perguntas de gramática e uma composição escrita, só isso, só que são só 50 minutos;

- Porque é que são 50 minutos? perguntaram eles;

- Meus filhos, não sei.. ninguém sabe... eu já perguntei, ninguém me soube dizer, são 50, pronto, acabou;

- Se acabarmos antes dos 50, podemos ir embora?

- Não, tens de ficar aqui, a perder tempo... acabou! toca de fazer... (Estava a ficar zangado já com aquilo).

Conseguiram gerir bem as regras arbitrárias dos testes?

Olharam para o teste e voltaram a chamar-me. Era um texto retirado do Cavaleiro da Dinamarca, da Sophia de Mello Breyner (como eles não têm livros de estudo, didácticos, eles lêem obras completas, já tinham lido os livros todos da Sophia).

- Olha aqui esta pergunta, o que foi que o cavaleiro viu ao longe? E tem aqui cinco linhas, é para passar o cavaleiro viu ao longe, x, y, z, etc... que está no primeiro parágrafo? É? Não, professor... eu faço uma setinha aí e depois a pessoa vai ver em cima... está aqui, não vou estar aqui a perder tempo a passar...

Eu fiquei louco. Era para passar, tinham de o fazer... Expliquei-lhe o que era um item de transcrição simples, o que era escolha múltipla, tudo isso. Estávamos a perder tempo.

- Toca de fazer! fiquei encostado à mesa e eles a olhar para mim. 

- O que é que foi?

- Oh professor, o que é que está aí a fazer? Vá embora, vá trabalhar, a gente olha para o relógio e quando passarem os 50 minutos, a gente leva-lhe as provas.

- Não, eu tenho que ficar.

E diz um moço que estava lá há 2, ou 3, meses: eu sei porque é que fica, fica para não deixar copiar! Um aluno dos meus pergunta-me: o que é que ele disse? O que é copiar?

O que é copiar...

Foi aí que caí em mim. Eu estava ali a representar o papel do professor que fica na sala, no dia do teste, no pressuposto que aqueles jovens são potencialmente desonestos, ou seja, mesmo que o professor esteja calado, o não-verbal fala mais alto, está a transmitir valores: o valor da falsidade, da mentira, da corrupção.

Tiveram bom resultado nesses testes de aferição?

Sim, os melhores. Eu estava no Conselho Nacional de Educação, à época. Estive a orientar os correctores e tive acesso, os nossos tiveram os melhores resultados. Eram praticamente 100% de respostas certas.

Nós temos ex-alunos com 60 anos, são pessoas realizadas, pessoas sociáveis, pessoas com um quadro de valores que nos orgulha. Todos entraram na universidade (aqueles que quiseram). Muito mais do que entrar na universidade, elas são pessoas, cidadãos, de pleno direito, são autónomas, são responsáveis, são solidárias.

A falta de professores sente-se um pouco por todo o mundo ocidental. Em Portugal, apenas 1% dos profissionais, numa média de todos os graus de escolaridade, tem menos de 30 anos. Como é que se mobiliza uma sociedade a aderir, de novo, à escola?

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Zero em comportamento

Num mundo tão assim o tempo inteiro, não digo que não possa ser útil. Mas pergunto-me porque andamos tão preocupados com calendários e formalidades, e tão pouco em perguntar uns aos outros: como correu o teu dia?

Créditos / Maria Lis

A meio de um dos dias da semana passada, um amigo de doze anos chegou a casa e afirmou convicto que não queria voltar à escola. Eu engoli em seco e quando espreitei, lá estava um nó-cego para me entreter.

Num dia como outros soa o alarme de fim de recreio e um bando de miúdos regressa à sala de aula. Distribuem-se pelas mesas e preparam os cadernos, as mãos e canetas para um sumário ditado, primeiro dito do que feito.

O professor entra pouco depois e o sumário é ele que o traz – vieram essas linhas já de casa, entrelaçadas com os objectivos, as metas, as médias, as benditas tabelas feitas a regra e esquadro, iguais para todas as crianças de determinada idade - bem sabemos que nos movemos todos a um tempo, partilhamos uma sorte.

E traz o professor aqueles planos, arrancados à sua própria sobrecarga, dividem casa com o seu fardo burocrático, papéis e cartas, avaliações e notas, currículos e pautas – é um milagre que consiga ter tino e tempo para pensar nos sumários e seria um milagre maior se tivesse tempo para traçar um des-sumário, já lá iremos.

Estes miúdos distribuídos pelas mesas têm entre onze e doze anos. Ainda trazem as brincadeiras interrompidas, a novidade por contar, a vontade de um tempo-sem-rédea que não se perde por decreto no caminho do recreio à sala. Mas o professor apressado, de sumário na ponta da língua, amarrou os olhos ao alvoroço do momento e tomou por desrespeito que uma das crianças não lhe cumprisse uma ordem curta e imediata – conclusão, o meu amigo pequeno viu-se a braços com uma falta disciplinar. Uma falta disciplinar equivale desde logo a uma falta injustificada à aula em causa, fora outras possíveis consequências – mas o facto de ter regressado a casa certo de que não queria voltar à escola é de longe a mais importante.

«Ainda trazem as brincadeiras interrompidas, a novidade por contar, a vontade de um tempo-sem-rédea que não se perde por decreto no caminho do recreio à sala.»

Este episódio, assim contado, pode pecar por falta de detalhes e aprofundamento, mas deixa a descoberto um lugar ferido para onde vale a pena olhar.

Se numa primeira investida instintiva tornarmos a atenção para o professor, facilmente tropeçamos na sua sobrecarga. Ao professor que trabalha, tantas vezes, além das 46 horas semanais no cumprimento do imenso trabalho imposto à volta dos papéis, não lhe sobra tempo para estar com as crianças. Estar com as crianças, entenda-se, com tempo para isso, e para daí colher os frutos de partilha e de confiança que assim se constroem. Estar com as crianças de corpo presente e inteiro, disponível para ouvi-las e vê-las, disponível também para aprender a desaparecer-lhes da vista e aconchegar de longe o lugar onde se põem a teste.

Um professor que trabalhe tantas e tão duras horas, exposto ao desafio de olhar a cada um dos seus tantos alunos e de raramente o conseguir, exposto às consequências da falta de vagar para se nutrir, exposto ao barulho, ao espaço da escola onde convivem tantas vidas, tantos desejos e anseios, tanta descoberta e tanto cansaço ao mesmo tempo – não pode ser um professor disponível.

Tornemos então a atenção para as crianças. Elas, que se juntam em bando e lhe ganham a força, elas que também embatem na sua violência potencial. Elas que passam tantas horas do seu dia na escola, elas a quem sentimos não dever explicação alguma sobre isso. Vão para onde as mandamos e mandamo-las para a escola – um lugar de promessa, do sonho feito paredes-meias com os outros, edificando hojes e amanhãs. Mas é mesmo? É isso que lá fazemos? E como é que fazemos?

«Se numa primeira investida instintiva tornarmos a atenção para o professor, facilmente tropeçamos na sua sobrecarga. Ao professor que trabalha, tantas vezes, além das 46 horas semanais no cumprimento do imenso trabalho imposto à volta dos papéis, não lhe sobra tempo para estar com as crianças.»

Se prestarmos atenção, também nelas há o empecilho da falta de tempo. Movem-se, do acordar ao deitar, ao ritmo de acompanhar os adultos nas suas próprias tarefas de existir, o que não é coisa pouca. Quantas vezes se vestem com pressa, se lavam num ápice, correm rua acima e abaixo para não perder o alarme de entrada na sala? Quanto tempo têm para brincar? Porque será que lhes separamos o tempo de brincar do tempo de aprender?

Claro que a escola não se faz apenas de crianças e professores. Sobre os restantes adultos que a compõem, as inquietações e as perguntas não são muito diferentes.

Eu, que trabalho a brincar durante todo o dia, quantas vezes me confronto com os colegas que «a bem da civilidade futura» decidem que as crianças não podem procurar com o corpo inteiro os brinquedos dentro do baú? «Dentro do baú não se entra, não são selvagens», «ali não se brinca», «acolá não se descobre». Tudo nos parece a cada passo uma falta de respeito, pior, uma falta de respeito que nos é dirigida em particular, como se fosse suposto que uma criança com quem não tivemos tempo de construir uma relação de confiança, confiasse em nós, nas nossas decisões e julgamentos, nos limites que desenhamos com os lápis que trazemos.

Quanto nos esquecemos uns dos outros. Usamos o espaço da escola como mais um onde construímos sobrevivência. Num mundo tão assim o tempo inteiro, não digo que não possa ser útil. Mas pergunto-me porque andamos tão preocupados com calendários e formalidades, e tão pouco em perguntar uns aos outros: como correu o teu dia?

E se ousássemos, todos nós, os que compomos as escolas com o nosso tecido humano, fazer perguntas sobre o tempo? E se de cada resposta fizéssemos nova pergunta? E assim sucessivamente? E se assim desfizéssemos sumários, desarrumássemos espaços, sossegássemos alarmes?

De pequenino é que se torce o pepino. Mas, e se não o torcêssemos? O que acontecia à nossa turma, à nossa escola, ao nosso bairro, ao nosso mundo?

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Não há falta de professores. Ou melhor, há falta de professores e há uma fartura de dadores de aula.

Em 1971/72, tive a minha primeira crise profissional. Dava aula, como qualquer pessoa, dava aula porque tinha feito o meu estágio, de vários anos, ouvindo aula, por isso dava aula. O modo como o professor aprende, é o modo como o professor ensina. Eu dava aula, mas percebi que nem todos aprendiam.

Sendo a educação um direito de todos, criei um dilema moral: se eu continuasse a dar aula, eles não iriam aprender... Eu resolvi esse problema, deixando de estar na sala de aula.

Mais tarde, encontrei uma turma de analfabetos que era o lixo da escola. Perguntei porque é que não tinham aprendido a ler e eles disseram que todos os anos (eles tinham já 14 anos, estavam prestes a sair), as pessoas lhes tentavam ensinar o A E I O U, o PA PE PI PO PU. Olhei para aquilo e fiquei na segunda crise.

Eu tinha, perante mim, uma turma, enorme, de jovens analfabetos, que tinham sido ensinados durante seis anos pelo A E I O U, o PA PE PI PO PU.

A Cartilha Maternal.

Era isso que eu sabia fazer. Agora, a pergunta é: se eles continuassem a ensinar com essa metodologia, eles iriam aprender? Não... Já tinham feito seis tentativas.

Se eu continuasse a fazer isso, seria anti-ético. Eu tomei uma decisão ética, deixei de ser professor para ser tutor (ou melhor, professor-tutor). Foi uma decisão ética e é essa a decisão que as pessoas têm que tomar. Não são coitadinhos. Têm de tomar uma decisão ética e dizer: eu vou mudar a minha prática (juntamente com os outros, claro, sozinho não se consegue nada).

Se os professores não são responsáveis, quem é responsável é um burocrata ministerial, que determina que eles façam deste ou daquele modo, o responsável passa a ser um modelo de gestão e administração errado, em que o diretor de escola recebe uma ordem e, mesmo que não concorde, tem de cumprir, porque tem obediência hierárquica. É uma indignidade. Uma pouca-vergonha.

Os professores têm que ser professores, não podem ser dadores de aula. Têm que dizer que são dignos e que vão ensinar tudo, a todos. Porque isso é possível, é urgente e necessário.

E onde se vão buscar esses professores? Os nossos formandos, nas universidades, aprendem a dar aulas.

Saem de lá já mortos. Não sei, não quero criticar a universidade. Posso-te é dizer que, em Setembro, centenas de professores portugueses, que tomaram a decisão ética de mudar, vão mudar.

Vou informar o ministro e o secretário de estado que isso vai acontecer. Aquilo que a Open Learning vai fazer no particular, vai também acontecer na escola pública. Porque esses jovens e velhos, de todas as idades, que hoje tomam essa decisão ética, vão ter uma formação consentânea com mudança e inovação.

«A cultura começa por todas as pessoas poderem comer o que devem comer, por ter uma casa como devem ter uma casa e por ter um vestuário que querem, depois é que começam a ter interesses culturais», dizia Agostinho da Silva. Como é que uma escola moderna convive com a pobreza e a carência? Acabamos, muitas vezes, por dizer, só, que estas crianças não estão interessadas.

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Crianças e trabalhadores estão entre os mais pobres em Portugal

Há mais de 330 mil crianças em risco de pobreza, segundo o relatório «Portugal, Balanço Social 2021», que mostra também que 11,2% das pessoas empregadas em Portugal são pobres.

A crise afectou especialmente os mais pobres
Créditos

De acordo com o relatório, apresentado esta terça-feira, e da autoria dos investigadores Susana Peralta, Bruno Carvalho e Mariana Esteves, da Nova School of Business & Economics, uma das faculdades da Universidade Nova de Lisboa, «as crianças [0 aos 17 anos] são um dos grupos da população mais vulnerável a situações de pobreza e exclusão social».

«A taxa de risco de pobreza entre as crianças aumentou entre 2018 e 2019 (de 18,5% para 19,1%). Isto significa que há, em 2019, mais de 330 mil menores pobres em Portugal», lê-se no relatório.

Por outro lado, a pobreza afetava 25,5% das famílias monoparentais, ou seja, cerca de um quarto de todos os agregados familiares, tendo esse valor diminuído 8,4 pontos percentuais em relação a 2018, apesar de estas famílias continuarem a ser o tipo de agregado com maior taxa de risco de pobreza.

No que diz respeito a carências habitacionais e alimentares, e já em relação a 2020, «mais de uma em cada quatro crianças vivia em casas com telhado, paredes, janelas e chão permeáveis à água ou apodrecidos», enquanto 11% das habitações não tinha aquecimento adequado.

«A incapacidade de comer, pelo menos de dois em dois dias, uma refeição de carne, peixe (ou equivalente vegetariano), manteve-se estável nos últimos três anos, com uma ligeira melhoria em 2020 (de 1,9% para 1,8%)», referem os investigadores.

Já no que diz respeito à escolaridade, o documento salienta o «papel importante» que esta tem na mitigação da transmissão intergeracional da pobreza, salientando que nos anos anteriores à escolaridade obrigatória, o rendimento das famílias está relacionado com a frequência da creche e do ensino pré-escolar e revelando que «quase sete em cada 10 crianças pobres não tem acesso a creche e, entre os 4 e os 7 anos, as mais pobres são as que menos frequentam o pré-escolar».

«No ensino obrigatório, são estas crianças que tiveram piores resultados do que as de meios socioeconómicos menos desfavorecidos, no Estudo Diagnóstico para os alunos do 3.º ano, realizado pelo Instituto de Avaliação Educativa em janeiro de 2021, para apurar os atrasos na aquisição de competências em virtude da crise pandémica», destaca.

As crianças são também uma das faces mais preocupantes quando se fala da taxa de risco da pobreza persistente, ou seja, «percentagem de pessoas que está em risco de pobreza num ano e também o esteve na maioria dos três anos anteriores», já que em 2019 essa taxa era de 9,8%, mas o valor entre as crianças chegava aos 30,3%.

Quer isto dizer que praticamente três crianças em cada 10 estiveram numa situação de pobreza em pelo menos um dos anos do período em análise, ou seja, entre 2016 e 2019, valor que baixa para 10,5% se só for considerado um ano, ainda que 8,9% das crianças tenham sido pobres nos quatro anos.

Ter emprego não impede de ser pobre

Estar empregado não é suficiente para afastar uma pessoa da situação de pobreza. Em 2020, mais de uma em cada dez pessoas (11,2%) empregadas em Portugal eram pobres, uma subida em relação aos 9,6% registados no ano anterior. A crise sanitária também aumentou em 2,2 pontos percentuais (p.p.) a taxa de risco de pobreza, que passou para 18,4% em 2020, atingindo particularmente as mulheres, pessoas acima dos 65 anos e famílias monoparentais, revela o relatório anual. Em 2020 havia mais 228 mil pessoas em situação de pobreza.

Mariana Esteves, uma das investigadoras autoras do relatório, apontou, ao site Eco, a «precariedade laboral» e os «salários baixos» que não conseguem suportar «custos de vida elevados» como causas para esta situação. Agravadas pela pandemia que tornou ainda mais evidentes as desigualdades sociais.

Por seu lado, a investigadora Susana Peralta, na apresentação do relatório anual, salientou que as políticas públicas desenhadas pelo Governo durante o início da pandemia «não foram suficientes» para evitar este aumento de pessoas em situação de pobreza.

«É muita gente que vai parar à pobreza. Obviamente que os apoios sociais não foram capazes de neutralizar o suficiente os efeitos da crise», referiu. «Temos políticas sociais que deixam franjas da população desprotegidas. A nossa manta social está um bocado esburacada.»

É preciso taxar o capital e ter políticas que promovam a igualdade

Já em Março deste ano, Susana Peralta tinha sublinhado ao AbrilAbril outro dado importante: «os sectores mais afectados pela crise são aqueles que as pessoas não puderam fazer a migração para o teletrabalho e têm comparativamente os salários mais baixos».

Um resultado que confere com outro dado presente nas conclusões do relatório: «estudos não representativos mostram que as pessoas que se identificam com os mais pobres são as que reportam maior perda de rendimento».

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«As novas formas de trabalho têm de impedir a perda de direitos»

Carlos Farinha Rodrigues, do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), é um dos maiores especialistas na investigação da pobreza e das desigualdades em Portugal. Em conversa com o AbrilAbril sublinha que é preciso ir além das políticas sociais e envolver todas as políticas públicas no combate a esses flagelos.

Carlos Farinha Rodrigues é professor no ISEG.
Dá aulas no ISEG e é especialista em pobreza e desigualdade.CréditosDR / DR

É possível dizer-se que existe um crescimento das desigualdades e da pobreza durante a pandemia?

Usamos certas metodologias e certos dados para avaliar oficialmente a pobreza. E esses dados geralmente têm um leque temporal de um ou dois anos. O Instituto Nacional de Estatística (INE) libertou, há pouco tempo, os dados mais recentes sobre a pobreza, mas esses números referem-se a 2019. O que esses indicadores mostravam era que a tendência decrescente das desigualdades e da pobreza se mantinham. Os dados de 2019, em muitos sectores, são os melhores dos últimos anos, alguns até os melhores desde que há estatísticas. Agora todos nós temos a sensação que isso não corresponde à situação actual. Temos um conjunto de indicadores indirectos e não oficiais que nos permitem dizer que, indiscutivelmente, a desigualdade e a pobreza estão a aumentar durante a pandemia. Nós temos indicadores do recurso às instituições de solidariedade social, como a Caritas e o Banco Alimentar, que evidenciam um aumento da pobreza e da procura crescente a estas instituições. Por outro lado, em termos de desigualdades, basta vermos que esta crise não está a atingir de igual forma todos os sectores: por exemplo, os funcionários públicos e os pensionistas não têm sofrido cortes em termos de rendimento, mas há outros sectores que viram praticamente os seus rendimentos destruídos. Por isso, apesar de não haver dados oficiais, não tenho dúvidas em afirmar que a pobreza e as desigualdades aumentaram muito com a pandemia. Conhecendo as relações entre pobreza e desemprego é possível prever que isso se verifique, apesar de parte dos impactos negativos ter sido absorvido pelas políticas públicas.

Falou que havia sectores de trabalhadores que não foram tocados. Mas talvez mais desigual que isso tem sido o facto de, enquanto o trabalho continua a ser muito afectado pelas crises, haver valorizações dos activos de capital mesmo em plena crise, que não tem correspondido a igual valorização dos rendimentos de quem trabalha. Pode dizer-se que isso aumenta as desigualdades?

Claro que sim. Assistimos, a nível europeu e nos países desenvolvidos, a uma desvalorização progressiva do factor trabalho. Em Portugal, mesmo num período em que houve uma diminuição das desigualdades até 2019, vê-se que mesmo assim a parte do trabalho nos rendimentos tem vindo a diminuir. Há outro aspecto importante, há hoje formas de precarização novas do trabalho que levam à desvalorização dos salários, como é o caso da uberização em vários sectores da economia.

Como é que seria possível, em termos de políticas públicas, contrariar isso de uma forma estrutural e não apenas com subsídios sociais que são necessários para acudir as pessoas e as famílias a curto prazo?

Neste momento ainda estamos muito ocupados com as medidas de emergência para acudir às consequências sociais da pandemia. Mas a partir daqui, temos de pensar num modelo de recuperação económica que seja inclusiva e que não deixe ninguém de fora. Em crises anteriores, em que houve austeridade, corte de salários e aumento de impostos, vimos que um dos factores que servia de amortecimento a esta perda acentuada de rendimentos foi novas formas informais de trabalho. O que aconteceu nesta pandemia é que parou tudo e esses sectores foram fortemente afectados.

«Um dos desafios que temos de conseguir é trazer essas pessoas para o mercado trabalho normal, dando-lhe direitos e deveres»

Há ainda um aspecto adicional que é extremamente negativo, é que são sectores que têm uma relação muito frágil com o mercado de trabalho ou simplesmente inexistente, e como consequência disso não têm sistemas de protecção social. Um dos desafios que temos de conseguir é trazer essas pessoas para o mercado trabalho normal, dando-lhe direitos e deveres. Assegurando que têm as suas contrapartidas. Há um segundo aspecto, que acho muito importante, que é as mutações que estão a existir no mercado de trabalho. Essas mudanças não começaram hoje, vinham de antes da pandemia, mas o que esta fez foi acelerar de uma forma radical certas formas que eram atípicas de trabalho. Se há dois anos me perguntassem o que eu achava do teletrabalho, eu não teria dúvidas em dizer que era algo que iria crescer na nossa economia, mas nunca me passaria pela cabeça que, em pouco tempo, seria maioritária em determinados sectores. É preciso perceber estas novas formas emergentes do mercado de trabalho, e elas exigem políticas públicas que tenham a flexibilidade suficiente para não deixar essas pessoas de fora.

Mas não são necessárias políticas públicas que regulamentem essas novas formas, como a uberização, e não permitam essa total precarização e exploração das pessoas? Políticas que tenham a coragem de contrariar estes gigantes das novas tecnologias que exploram milhões de pessoas sem assumir nenhuma relação e responsabilidade laboral em relação a elas?

Estas novas formas de trabalho têm de ser regulamentadas em termos de protecção social e em sede fiscal. O que acontece, é que estas novas formas têm conseguido fugir às suas contrapartidas em termos de impostos. Há que garantir direitos e deveres a todos os que participam no mercado de trabalho e impedir a existência de abusos. Muitos dos problemas que decorrem da uberização passam pela inactividade das políticas públicas ou não impedirem determinadas situações. Não estando regulamentadas, não impedem as formas abusivas de trabalho.

Afirma muitas vezes que os apoios sociais, como o Rendimento Social de Inserção (RSI), são muito importantes e que infelizmente foram denegridos por parte da população. Diz ainda que o principal problema é que cumpram a sua função, o que significa que, num segundo momento, as pessoas conseguem refazer a sua vida e não ter a necessidade de receber ajudas sociais. O que falhou?

Isso exige uma resposta em várias partes. Sou da opinião que as políticas sociais são fundamentais para responder a situações de crise e de empobrecimento de determinados sectores da população. Acho que temos muito que fazer ao nível das políticas sociais. É preciso dizer que as políticas sociais só por si não resolvem o problema da pobreza ou das desigualdades de uma forma estrutural. Isto implica a actuação das políticas públicas no seu todo, englobando as políticas económicas. Se queremos combater estruturalmente as desigualdades temos de ir às fontes, e isso implica políticas públicas que não são só políticas sociais. É preciso reconhecer a importância das políticas sociais, mas saber que elas só por si não conseguem resolver todos os desequilíbrios.

«as políticas sociais só por si não resolvem o problema da pobreza ou das desigualdades de uma forma estrutural»

As políticas económicas devem promover o crescimento inclusivo e defender o trabalho nas suas várias formas. Uma segunda questão refere-se à forma como a nossa arquitectura de protecção social tem sido construída, e aí podemos ver duas coisas, a crise que estamos a passar demonstrou a importância das políticas públicas. A crise da Covid-19 fez com que largos sectores da população e do pensamento económico, que tinham barafustado contra o Estado Social, vão agora, durante algum tempo, estar calados. Se não fosse o Estado Social e as políticas públicas as consequências desta crise teriam sido trágicas. Se há uma diferença entre esta crise e a anterior (da Troika) é que, desta vez, houve uma atitude pró-activa das políticas públicas, tentando minorar os seus impactos, o que da outra vez não aconteceu, até pelo contrário. Não significa isso que as políticas que foram implementadas foram suficientes. Não foram. Mas de qualquer forma elas tentaram atenuar e, em alguns casos, terão conseguido adiar alguns dos piores desenvolvimentos. Agora, uma das características da nossa política social é que ela é muito fragmentada e devíamos ter políticas integradas que fossem mais eficientes no combate à pobreza e na afectação dos recursos. Temos uma miríade de políticas, a maioria delas com valores muito baixos que não permitem uma resposta eficaz. Nesse sentido, tenho defendido que precisamos de coordenar as políticas sociais dando-lhe consistência e integrando-as.


Não podemos pensar que a política social vem só do Ministério da Segurança Social. É necessário que haja uma coordenação que tenham em conta a parte da Economia, Fiscalidade e Segurança Social. Em relação ao RSI, consiste numa medida que correspondia, há 20 anos, a uma nova forma de pensar as políticas sociais, conjugando os apoios financeiros às famílias com processos efectivos de inclusão social. Usando uma conhecida parábola: era preciso dar peixes porque as pessoas precisavam de comer, mas simultaneamente ensinar-lhes a pescar. Claramente, esta medida foi pensada com essas duas componentes e eu sempre defendi que se tirarmos esta componente de inclusão social, o RSI não passaria de um «subsidiozeco». O que aconteceu, é que ao longo dos anos houve vários ataques a esta medida, muitos deles da parte governamental, e a forma mais simples de combater este apoio social é desvalorizando esta segunda componente. E isso é feito de duas formas: ou deixando-a a navegar sem nenhum apoio efectivo ou dizendo que a inclusão na sociedade é a inclusão no mercado de trabalho. Aquilo que acontece é que para muitos isso será assim, mas para muitos outros isso passa sobretudo por outro tipo de medidas. Uma forma de valorizar esta medida é fazer com que ela se articule com outras políticas sociais dando-lhe meios. E também combater o estigma, que toda a direita e muitos governos fizeram, que foi associar esta medida a um apoio a quem supostamente não quer trabalhar ou, pior ainda, uma medida para os ciganos que não quereriam, alegadamente, trabalhar. Isso é desmentido pelos números e pela realidade, mas infelizmente esta ideia passou.

Uma pergunta final. Estamos num momento de desenvolvimento tecnológico em que há previsões, e já começa a verificar-se em alguns sectores, de uma diminuição do trabalho devido à automação e à inteligência artificial. Não terão de ser pensadas políticas sociais independentemente do trabalho? E estudadas formas de rendimentos mínimos universais? Se se concretizar, o que alguns prevêem, uma diminuição abruta e generalizada dos postos de trabalho?

Essa é uma questão que dava para estarmos quatro ou cinco dias a falar. Estamos a assistir ao desenvolvimento de sectores com a necessidade de utilização de menos recursos de trabalho. Mas a história mostra-nos que grande parte das inovações tecnológicas o que fizeram foi substituir certos tipos de trabalho por outros tipos de trabalho. Vejo com alguma desconfiança essa visão mais pessimista de perda abrupta do trabalho e do emprego. O que temos de perceber é que o trabalho vai existir de formas muito diferentes. Temos muita dificuldade em lidar com isso, tanto as políticas públicas, como até os sindicatos, não estão ainda preparados para isso.

«Em vez de trabalharmos as mesmas horas e deitarmos parte dos trabalhadores para fora do mercado de trabalho, temos de trabalhar menos horas para que todos possam trabalhar»

Nós temos de pugnar para que as novas formas signifiquem um reforço de direitos e não uma perda de direitos das pessoas que estão a trabalhar. Se olharmos para um horizonte de tempo maior, provavelmente as novas tecnologias vão permitir que trabalhemos menos horas por dia. Em vez de trabalharmos as mesmas horas e deitarmos parte dos trabalhadores para fora do mercado de trabalho, temos de trabalhar menos horas para que todos possam trabalhar. Temos de ter uma visão aberta para os novos desafios que as tecnologias nos colocam. Não poderemos parar a maré com um balde. É preciso uma transição que garanta que o surgimento dessas novas tecnologias seja acompanhado pelo reforço dos direitos das pessoas. Isso é essencial. Há um aspecto que ultimamente está na moda, a questão do Rendimento Básico Universal. Acompanhei isso desde os anos 90, quando estava em Inglaterra. Conheço alguns dos estudiosos e proponentes iniciais da ideia. Não tenho dúvidas que a formulação inicial era extremamente generosa. Agora o desenvolvimento que tem tido essa ideia leva-me a ter muitas reticências. Primeiro, grande parte dessas propostas tem implícito que isso substituiria o Estado Social. Acho que, como esta crise demonstrou, seria um gigantesco erro. Também tem exigências de financiamento que ainda ninguém é capaz ainda de quantificar. E esse é o outro problema. Terceiro, eu próprio tenho algumas questões éticas em relação a alguns dos princípios, como a ideia que todos nós devemos ter a liberdade de decidir se queremos trabalhar ou não trabalhar. É uma ideia atraente, mas é uma ideia perigosa. Parte de um conceito de liberdade que é exclusivamente individual. Para mim, a liberdade é algo que se constrói na relação com os outros. Acho que muitas pessoas que defendem o Rendimento Básico Universal acabam por defender a ideia que a sua liberdade é um valor supremo mesmo contra os outros. Claramente que aí não alinho. Um último aspecto, quando falamos no surgimento de novas formas de trabalho conjugado com o aparecimento de novas tecnologias, há um aspecto que é importante referir: tem de se pensar que muito do trabalho que é socialmente útil, não é valorizado pelo mercado e não é recompensado. Refiro-me a trabalhos como o de criar crianças, o doméstico e o de cuidar. Essa é uma fronteira que as políticas sociais têm de pensar em valorizar.

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É essa reforma sempre adiada de taxar devidamente o capital, que o professor auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais João Rodrigues afirmou, também nessa data, ao AbrilAbril, ser cada vez mais necessária. Para isso é preciso conhecimento social e acção política. «O problema da esquerda é que conhece razoavelmente a pobreza, mas muito mal a riqueza para saber como são as formas mais eficientes de a taxar», ironiza. O investigador do CES sublinha a necessidade de uma política justa que possa minimizar os efeitos da crise pandémica.

«Vivemos numa sociedade brutalmente desigual, em que há ricos a aforrar e a ver os seus activos valorizarem à boleia da política monetária europeia, que não tem tido direcção orçamental no sentido de aumentar o investimento público e, no fundo, acaba sobretudo por valorizar os activos financeiros. Tudo isto fazendo com que as desigualdades de riqueza estejam a crescer», afirmou, juntando que para além de tudo isso, os sucessivos governos têm sido alérgicos a taxar a riqueza e o capital. «O PCP e o BE insistem e bem que é necessário o englobamento de todos os rendimentos, em pé de igualdade, para efeitos de IRS. Para além disso, é preciso pensar na criação de outras formas de impostos que possam onerar aqueles que têm muito património», defendeu o economista de Coimbra.


Com agência Lusa

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A pergunta é: porque é que as crianças não estão interessadas? Essa é que é a pergunta.

É exatamente neste tipo de escolas, como a Open Learning e as escolas públicas que eu acompanho, que se dá a igualdade de oportunidades. A escola é um berço de desigualdades (conforme ela funciona), um berço de desigualdades.

Eu trabalhei em escolas rodeadas de muitas favelas, com jovens que já estavam fora da escola, analfabetos aos 13, 14 anos, todos eles, todos eles, aprenderam tudo. Ou seja, demos-lhes a oportunidade de serem úteis à sua comunidade, em ter uma vida digna, através de uma nova educação.

O que é preciso hoje, não é arranjar projectinhos para as escolas ou fazer mais umas pesquisas... Já está tudo pesquisado, falta é fazer o que é preciso! Hoje! Não é a melhorar esse sistema, esse sistema está morto há muito tempo! É preciso uma nova construção social, uma construção social de aprendizagem e educação. É essa nova construção social que vai substituir a que está aí há 200 anos e que só cria desigualdade: infelicidade nos professores e desinteresse nos alunos.

Essa nova construção social já está pensada ao nível da socialização, da história da educação, da filosofia da educação, há muitos anos, só que as escolas não são geridas pela pedagogia.

O que me apraz, neste momento, saber, é que há muitos directores de agrupamento que me pedem ajuda, muitos professores, muitas famílias, que tomaram consciência da necessidade de mudar. E vão mudar.

Agostinho da Silva entendia que, neste momento, ainda não era possível concretizar essa tal escola do futuro. Seria ainda necessário criar uma espécie de escola mista. É possível uma escola moderna sobreviver numa economia de mercado?

Os nossos alunos essão preparados para respeitar regras, ou seja, dançar conforme a música, mas não se esquecem daquilo que são, mesmo dentro desta selva capitalista que nós temos aí, o capitalismo selvagem. Aquilo que é preciso pensar é que o sistema não muda todo, de um só modo, e que as escolas não mudam todas ao mesmo tempo. Mudam aqueles que tomam consciência e tomam decisões éticas.

Em Setembro, o que vamos fazer é avançar com turmas piloto em várias escolas. O resto vai continuar a dar as suas aulas, os seus costumes, e que deus os proteja (e nos perdoe, não é), mas nós vamos trabalhar com aqueles que tomaram uma decisão ética.

São eles que vão dar o exemplo (acabamos como no início, sobre o exemplo), vão dar exemplo daquilo que deve ser feito. Tudo vai ser avaliado pelos próprios agrupamentos e pelo Ministério.

Esse passo era indispensável?

Temos necessidade de uma nova construção social.

Já estou na recta final. Daqui a pouco tempo, vou ficar só com o Open Learning e mais algumas escolinhas, outros que façam porque eu já estou com quase 72 anos e tenho direito a parar um pouquinho. Mas hei-de morrer em chão de escola, com certeza, porque é assim que os professores se devem comportar.

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Autor de Artigo Livre: 
João Manso Pinheiro

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Paulo Freire não foi o primeiro, nem o último, a construir, na prática, uma educação emancipadora que, para além de ensinar, humaniza o educando e o educador no combate aos factores desumanizadores da sociedade: a injustiça, a opressão e a exploração do homem. O seu legado é, porém, incontornável.

«A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele».

Partindo não da abstracção mas da experiência real da pessoa, envolvendo-a no seu próprio acto emancipador de aprendizagem, o método que Paulo Freire desenvolveu foi, pela primeira vez, utilizado no sertão de Rio Grande do Norte, com cerca de 300 trabalhadores, brutalmente explorados, da cana de açúcar. Angicos foi a localidade escolhida para ser palco da experiência.

Em 40 horas, Paulo Freire e os 300, humilhados e ofendidos, gente que nasceu para recolher a garapa da cana para a sociedade rica da metrópole, ancançou a alfabetização. Um pequeno, grande, passo para a sua emancipação: saber ler e escrever.

«Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens educam-se entre si, mediatizados pelo mundo».

A experiência de Paulo Freire no Brasil foi imediatamente alvo dos ataques dos sectores mais reaccionários da sociedade. Em 1964, o golpe militar instituiu a ditadura e ordenou, rapidamente, a prisão do pedagogo, que só voltaria ao país em 1980.

Wagner Moura interpreta, Felipe Hirsch realiza, Itamar Vieira Junior é um dos argumentistas

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MST alfabetizou mais de 100 mil pessoas no Brasil

Com base no método cubano «Sim, eu posso» e no Círculo de Cultura do brasileiro Paulo Freire, em 37 anos de luta, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) alfabetizou mais de 100 mil pessoas.

Campanha de Alfabetização «Sim, eu posso» em Alagoas 
Créditos / MST Alagoas

A 14 de Novembro, o MST celebra o Dia Nacional da Alfabetização, uma data importante para estes trabalhadores, que iniciaram as primeiras experiências com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) a par das experiências isoladas de luta pela terra em várias regiões do Brasil, entre os anos 80 e 90.

No seu portal, o MST explica que, ao longo do processo de luta pela terra e a reforma agrária, os sem-terra edificaram o método, um processo de educação de jovens e adultos, tendo em conta a necessidade de alfabetização e o acesso à educação pública dos trabalhadores rurais.

A partir dos anos 90 do século passado, o MST definiu linhas políticas e deu início ao desenvolvimento de acções pedagógicas contra o analfabetismo nos territórios. O marco histórico na EJA, revela o organismo, foi o lançamento do Projeto de Alfabetização do MST, em 1991, no assentamento da antiga fazenda Annoni, em Sarandi, no estado do Rio Grande do Sul, que contou com a presença do educador Paulo Freire.

Entre 1991 e 1993, o projecto foi desenvolvido em parceria com o Instituto Cultural Francisco de Assis, o Ministério da Educação (MEC), a Caritas e a Ação de Educação Católica (AEC), envolvendo 100 turmas de alfabetização. Esta experiência viria a constituir a base para a construção do projecto político-pedagógico do movimento no domínio da EJA nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária.

Jornada de Alfabetização no Maranhão / Juliana Adriano

Contribuir para que assentamentos e acampamentos fossem «territórios livres de analfabetismo»

Tiago Manggini, do sector de educação do MST, explica que, ao longo da sua trajectória de luta, o movimento organizou diversas campanhas de alfabetização que, entre outros objectivos, visaram «lutar por políticas públicas e criar uma mística buscando ampliar o processo de alfabetização e escolarização de jovens e adultos».

O movimento procurou desencadear um «processo de alfabetização de todos os jovens e adultos dos assentamentos e acampamentos coordenados pelo MST que não tiveram acesso à leitura e à escrita, contribuindo para que essas áreas se tornassem territórios livres do analfabetismo», disse Manggini.

Cristina Vargas, igualmente militante no sector de educação do MST, destaca como a experiência histórica do MST demonstra que a luta por educação é paralela à luta pela terra, desenvolvendo experiências concretas de alfabetização e reflexão acerca da realidade de vida dos trabalhadores do campo.

«A luta do MST pela reforma agrária acontece ao mesmo tempo em que o movimento reivindica o acesso ao conhecimento, e ele também se coloca para construir um processo de educação de forma reflectida, tendo como base a acção – reflexão – acção. Dessa forma, constitui a sua história e as suas acções na luta pela Educação do Campo», refere Vargas.

A campanha de alfabetização do MST tem como objectivo acabar com o analfabetismo nos territórios da reforma agrária / MST Bahia

Enraizamento da Educação de Jovens e Adultos (EJA)

Em 1996 e 1997, o MST firma o primeiro convénio de EJA com o MEC, que envolveu 500 turmas de alfabetização e a formação e capacitação de 500 monitores – uma parceria que seria fundamental para o enraizamento dos projectos de alfabetização do MST nos acampamentos e assentamentos.

Neste período, foi importante o estabelecimento de parcerias com governos estaduais: Paraná, em 1996, e Sergipe, em 1995. Também nesta fase, foi firmada uma parceria entre o MST, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o MEC, que visava a criação de 680 turmas de alfabetização envolvendo dez mil educandos.

Em 1997, merecem destaque, nesta área, a realização do 1.° Encontro Nacional dos Educadores e das Educadoras da Reforma Agrária, bem como a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.

Segundo o MST, isto foi o «resultado de anos de lutas dos movimentos populares do campo, que por meio da pareceria com universidades e movimentos sociais possibilitou a alfabetização e escolarização de jovens e adultos, capacitação de educadores e realização de cursos de graduação e pós-graduação», voltados para os trabalhadores ligados aos movimentos de luta pela reforma agrária no Brasil.

Tiago Manggini sublinha que os sem-terra não viam a EJA apenas como alfabetização, percebendo-a como «um processo de escolarização vinculado à formação humana nas suas várias dimensões». Foi nesta altura que, mercê da força e da expressão ganha pela EJA, foi cunhado o lema da alfabetização nos assentamentos e acampamentos «Sempre é tempo de aprender».

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A longa metragem, que ainda não tem data de início de produção, já tem o argumento fechado: para além do realizador Felipe Hirsch, também colaborararam a guionista Juuar e o escritor Itamar Vieira Junior, vencedor do prémio LeYa e do prémio Oceanos.

Para além do papel de protagonista, que já está atribuído a Wagner Moura, actor e realizador de Marighella, filme sobre a vida do revolucionário comunista brasileiro Carlos Marighella, o projecto também conta com a participação do multi-instrumentista Egberto Gismonti, responsável pela banda sonora.

O filme conta com o apoio da família do pedagogo, assim como do Instituto Paulo Freire, organização que pretende dar continuidade, e reiventar, o «legado freiriano na promoção de uma educação emancipadora, combatendo todas as formas de injustiça, de discriminação, de violência, de preconceito, de exclusão e de degradação das comunidades de vida, com vistas à transformação social e ao fortalecimento da democracia participativa, da ética e da garantia de direitos».

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