A sessão explora a vida e o trabalho de Paulo Freire (1921-1997) uma das figuras fundamentais na históia da pedagogia mundial. Formado em Direito, que nunca exerceu, a vida de Freire é, toda ela, dedicada à educação de crianças e de adultos analfabetos, construindo métodos (Método Paulo Freire) de ensino alternativos às lógicas conservadoras em prática na altura: respeitando as características humanas do aluno.
Os últimos dias, pela visibilidade e importância que estes acontecimentos têm, obrigam-nos a perguntar: que fiz eu para evitar que a violência física, psicológica e verbal faça parte das nossas vidas? Sabendo ser este um combate de proporções inimagináveis, já que a economia mundial, designadamente dos países ricos, depende muito da evolução tecnológica dirigida ao negócio de armamento, há medidas que podem e devem ser tomadas para evitar que a violência se instale, cresça e se desenvolva para níveis que tornem ainda mais difícil fazer-lhe frente. Tenho para mim que o discurso belicista não se resolve com a sua oposição através de outro discurso belicista. Estou certo de que a dignidade humana – numa perspectiva ecológica da partilha do espaço – e as políticas que a desenvolvam deverão ser preocupações dos Estados e devem merecer da parte da ONU acções que vão muito para lá de discursos de circunstância. Chamo o tema da violência ao debate porque tenho a consciência da sua existência na Escola, através de relatos fidedignos, da verificação de diversas situações instáveis e das queixas que centenas de professores fazem em relação às suas escolas, às suas turmas, à impreparação para fazerem face a situações de conflito ou à incapacidade para resolver problemas por falta de condições de trabalho. O tema da violência tem de estar presente nas preocupações de governantes e governados. A alta-pressão existente sobre uma população docente envelhecida e desgastada retira-lhes disponibilidade para reflectir sobre o acto educativo na sua essência e sobre a relação entre professores e alunos, destes com o pessoal auxiliar das escolas, daqueles com os pais e encarregados de educação e de todos com todos. E isto será a base da resolução do problema. A desvalorização que é feita sobre a própria escola é assustadora. Não que as pessoas lhe retirem a importância que realmente tem, mas porque as suas afirmações sobre a Escola são despidas do seu papel no plano da formação pessoal e social dos cidadãos. A Escola enquanto vazadouro de conteúdos, sujeita à pressão dos objectivos, tratada como igual de Vila Real de Santo António a Valença do Minho, é a norma e, descurando-se a adaptação, mais do que dos currículos, das condições de exercício da profissão de professor, consoante as características locais sociais, continua a prestar um mau serviço quer aos alunos e às famílias, quer às comunidades e ao país. «O estabelecimento de um programa integrador de medidas educativas para a Paz e a Não-Violência, a par da educação para os media, cuja inexistência é um dos factores mais significativos de promoção da violência social, deve ser encarado como urgência nacional e uma necessidade social inadiável.» Em 2007 a FENPROF aprovou uma resolução, que fez chegar ao governo e à Assembleia da República, que se intitulava «Por uma Cultura de Paz e de Não-Violência nas Escolas – Dar mesmo prioridade à convivência escolar». Perante o aumento da indisciplina e da violência nas escolas, muitas vezes manifestada através da palavra ou das atitudes, em 2015 a FENPROF voltou a divulgar o seu documento – infelizmente, oito anos depois da sua primeira divulgação, com a mesma actualidade e necessidade. Considera o documento da FENPROF que «o sistema educativo vai gradualmente deixando de valorizar as competências que privilegiem as atitudes perante os outros, a instituição escolar e as relações inter-pessoais, para dar cada vez mais ênfase ao plano cognitivo». Inverter esta situação é uma tarefa de dimensões gigantescas que não depende só da vontade dos responsáveis pela implementação de políticas ajustadas, assim como não depende apenas da vontade política dos governantes. É necessário haver uma conjugação de esforços e o mais importante é que as famílias e as comunidades se sintam parte da solução. A Escola reflecte as condições de vida dos seus corpos sociais – de todos, aqui se incluindo também quem nelas trabalha. Más condições de vida e de trabalho das comunidades escolares determinam indisponibilidades para dirigir preocupações para o que é essencial no plano colectivo. A iliteracia, as elevadas taxas de desemprego, a precarização das relações laborais, a estagnação salarial, entre outros aspectos, condicionam a procura de soluções para problemas também eles condicionados pela situação social de cada um. Perante a existência de fenómenos de indisciplina e de violência num número significativo de escolas, é necessário «tomarem-se medidas que reforcem a autoridade do professor, mas que, ao mesmo tempo, protejam a identidade do aluno e que, principalmente, revertam a situação a favor do estabelecimento de um clima saudável de convivência inter e intra-geracional». Exige-se, assim: 1. O lançamento de um debate, sob a tutela do governo ou da Assembleia da República ou, ainda, do Conselho Nacional de Educação, envolvendo as escolas e os agrupamentos de escolas, «por uma Cultura de Paz e de Não-Violência» que saia do debate exclusivo no plano do foro legal, estabelecendo as bases para um compromisso com as famílias e as comunidades educativas, em geral; 2. A atribuição de recursos humanos, adequados em quantidade e qualidade da formação, financeiros e materiais, que promovam o desenvolvimento de planos de actividade neste âmbito e promovam os seus projectos educativos, através de: a) Criação de condições que promovam a mediação entre a escola e as famílias; b) Respeito e promoção da diversidade cultural, religiosa e étnica como forma de combater fenómenos de xenofobia e racismo; c) Reforço da autonomia das escolas e agrupamentos de escolas, através do estabelecimento de um modelo de efectiva gestão democrática, capaz de desenvolver conceitos fundamentais para a democracia, tais como a elegibilidade e colegialidade dos órgãos e a participação de todos a todos os níveis, de acordo com as suas competências e responsabilidades perante o colectivo escolar; d) Redução do número de alunos por professor, de turmas por professor e de níveis de aprendizagem por docente; e) Criação de equipas multidisciplinares que favoreçam o acompanhamento de percurso escolar dos alunos e a mediação de conflitos; f) Desenvolvimento de uma política que promova, efectivamente, o apoio educativo aos alunos, designadamente aos que têm necessidades educativas especiais; 3. Adopção de programas de cooperação entre as escolas, os municípios e os operadores sociais que respondam às necessidades de ocupação dos tempos livres de crianças e jovens, com a disponibilização orçamental do Estado para a criação de espaços de convívio e tempos livres, bibliotecas e espaços desportivos de bairro, particularmente dos que apresentam fenómenos de maior desagregação social; 4. O reforço do orçamento para a cultura, favorecendo-se a fruição e a prática de actividade cultural enquanto factor de excelência para a convivência social em contexto de vivência colectiva; 5. A criação, no quadro da Assembleia da República ou do Conselho Nacional de Educação, com a atribuição de um orçamento específico adequado aos objectivos a atingir, de um «Observatório para a Não-Violência e para a Convivência Escolar»; 6. A integração obrigatória nos planos anuais de actividades das escolas e agrupamentos de escolas de projectos de promoção da convivência escolar, que envolvam a participação da comunidade estudantil; 7. Garantia de apoio jurídico e judicial a todos os profissionais de educação que estejam a ser ou tenham sido vítimas de todo o tipo de formas de violência física, psicológica e verbal em contexto escolar ou com ele relacionado; 8. O estabelecimento de contratos de co-responsabilização das famílias em relação aos seus educandos e à escola, envolvendo os professores e os alunos que contribuam para uma sã convivência, para o aumento da frequência e para o desenvolvimento do sucesso escolares. Esta medida deve ser objecto de negociação com os parceiros educativos e deve ser objecto de regulamentação especifica; 9. Inclusão desta matéria nos planos de estudo da formação inicial e contínua, designadamente quanto à gestão de conflitos e à promoção de um sociedade que promova a Paz e a Não-Violência; 10. Desenvolvimento de planos de formação contínua que não envolvam só os professores, mas que sejam alargados ao pessoal auxiliar das escolas, aos pais e aos alunos; 11. Alargamento da obrigatoriedade de frequência – através da criação das condições adequadas a nível de equipamentos educativos e reforço de recursos humanos – à educação pré-escolar, a partir dos 3 anos de idade; 12. Consagração de uma política de combate à indisciplina e à violência que envolva e comprometa a sociedade portuguesa e favoreça o desenvolvimento da consciência social dos portugueses e do bem comum. A importância do estabelecimento de um programa integrador de medidas para educar para a Paz e a Não-Violência, a par da educação para os media, cuja inexistência é um dos factores mais significativos de promoção da violência social, devem ser encaradas como urgência nacional e uma necessidade social inadiável. A forma leviana como são tratadas a violência israelita sobre o Povo Palestino ou a ocupação dos seus territórios, em nome da existência de um preconceituoso estado judaico; as notícias festivaleiras de um ataque à integridade física, psicológica e moral de jogadores e equipa técnica da equipa de futebol de um clube desportivo; ou a utilização de um festival cançoneteiro, visto por 200 milhões de almas, com um desfecho claramente condicionado e de promoção do sionismo e do neo-nazismo que tem o apoio da maior potência militar do planeta, os Estados Unidos da América, a sua não desmontagem, o pacto político de comprometimento dos países satélites da América de Trump, entre muitos outros aspectos, como o condicionamento dos órgãos de comunicação social à agenda de grandes grupos económicos ou à agenda política de governo e presidente da República devem fazer-nos pensar sobre o atraso com que esta matéria está a ser tratada. «A iliteracia, as elevadas taxas de desemprego, a precarização das relações laborais, a estagnação salarial, entre outros aspectos, condicionam a procura de soluções para problemas também eles condicionados pela situação social de cada um.» Se nos perguntarmos todos os dias sobre o que fizemos para evitar a situação por que este mundo em que vivemos está a passar, talvez sejamos capazes de desenvolver um conceito ecológico da Paz e da Não-Violência que deve fazer parte das preocupações da nossa sobrevivência como espécie. Embora não seja esse o problema mais premente... esse é o da sobrevivência da espécie. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Por uma política de Paz e Não-Violência nas Escolas
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Obras como A Pedagogia do Oprimido, um dos livros mais citados de sempre em trabalhos de ciências sociais, tornaram-se clássicos internacionais, pelas perspectivas revolucionárias que introduziu na área da pedagogia e ensino.
Rejeitando o ensino bancário (que vê no aluno um mero sujeito passivo no qual o professor deposita informação), Paulo Freire defende uma educação emancipadora que, para além de ensinar, humaniza o educando e o educador no combate aos factores desumanizadores da sociedade: a injustiça, a opressão e a exploração do homem.
Paulo Freire, o 25 de Abril e o colonialismo português
Este livro, agora editado, reúne, nas palavras das suas organizadoras «a presença e a palavra do educador em entrevistas, em debate e em escritos autobiográficos. É a reflexão e a memória de Paulo Freire por ele mesmo, uma memória que nunca foi feita na primeira pessoa, que se faz no plural mesmo quando diz de si, mesmo quando expõe a sua sensibilidade e os modos como foi realizando sua leitura do mundo», referem Adelaide Gonçalves, Débora Dias e Fernando de la Cuadra.
Com base no método cubano «Sim, eu posso» e no Círculo de Cultura do brasileiro Paulo Freire, em 37 anos de luta, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) alfabetizou mais de 100 mil pessoas. A 14 de Novembro, o MST celebra o Dia Nacional da Alfabetização, uma data importante para estes trabalhadores, que iniciaram as primeiras experiências com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) a par das experiências isoladas de luta pela terra em várias regiões do Brasil, entre os anos 80 e 90. No seu portal, o MST explica que, ao longo do processo de luta pela terra e a reforma agrária, os sem-terra edificaram o método, um processo de educação de jovens e adultos, tendo em conta a necessidade de alfabetização e o acesso à educação pública dos trabalhadores rurais. A partir dos anos 90 do século passado, o MST definiu linhas políticas e deu início ao desenvolvimento de acções pedagógicas contra o analfabetismo nos territórios. O marco histórico na EJA, revela o organismo, foi o lançamento do Projeto de Alfabetização do MST, em 1991, no assentamento da antiga fazenda Annoni, em Sarandi, no estado do Rio Grande do Sul, que contou com a presença do educador Paulo Freire. Entre 1991 e 1993, o projecto foi desenvolvido em parceria com o Instituto Cultural Francisco de Assis, o Ministério da Educação (MEC), a Caritas e a Ação de Educação Católica (AEC), envolvendo 100 turmas de alfabetização. Esta experiência viria a constituir a base para a construção do projecto político-pedagógico do movimento no domínio da EJA nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária. Tiago Manggini, do sector de educação do MST, explica que, ao longo da sua trajectória de luta, o movimento organizou diversas campanhas de alfabetização que, entre outros objectivos, visaram «lutar por políticas públicas e criar uma mística buscando ampliar o processo de alfabetização e escolarização de jovens e adultos». O movimento procurou desencadear um «processo de alfabetização de todos os jovens e adultos dos assentamentos e acampamentos coordenados pelo MST que não tiveram acesso à leitura e à escrita, contribuindo para que essas áreas se tornassem territórios livres do analfabetismo», disse Manggini. Cristina Vargas, igualmente militante no sector de educação do MST, destaca como a experiência histórica do MST demonstra que a luta por educação é paralela à luta pela terra, desenvolvendo experiências concretas de alfabetização e reflexão acerca da realidade de vida dos trabalhadores do campo. «A luta do MST pela reforma agrária acontece ao mesmo tempo em que o movimento reivindica o acesso ao conhecimento, e ele também se coloca para construir um processo de educação de forma reflectida, tendo como base a acção – reflexão – acção. Dessa forma, constitui a sua história e as suas acções na luta pela Educação do Campo», refere Vargas. Em 1996 e 1997, o MST firma o primeiro convénio de EJA com o MEC, que envolveu 500 turmas de alfabetização e a formação e capacitação de 500 monitores – uma parceria que seria fundamental para o enraizamento dos projectos de alfabetização do MST nos acampamentos e assentamentos. Neste período, foi importante o estabelecimento de parcerias com governos estaduais: Paraná, em 1996, e Sergipe, em 1995. Também nesta fase, foi firmada uma parceria entre o MST, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o MEC, que visava a criação de 680 turmas de alfabetização envolvendo dez mil educandos. Em 1997, merecem destaque, nesta área, a realização do 1.° Encontro Nacional dos Educadores e das Educadoras da Reforma Agrária, bem como a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Segundo o MST, isto foi o «resultado de anos de lutas dos movimentos populares do campo, que por meio da pareceria com universidades e movimentos sociais possibilitou a alfabetização e escolarização de jovens e adultos, capacitação de educadores e realização de cursos de graduação e pós-graduação», voltados para os trabalhadores ligados aos movimentos de luta pela reforma agrária no Brasil. Tiago Manggini sublinha que os sem-terra não viam a EJA apenas como alfabetização, percebendo-a como «um processo de escolarização vinculado à formação humana nas suas várias dimensões». Foi nesta altura que, mercê da força e da expressão ganha pela EJA, foi cunhado o lema da alfabetização nos assentamentos e acampamentos «Sempre é tempo de aprender». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
MST alfabetizou mais de 100 mil pessoas no Brasil
Contribuir para que assentamentos e acampamentos fossem «territórios livres de analfabetismo»
Enraizamento da Educação de Jovens e Adultos (EJA)
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O livro-homenagem «assinala momentos-chave da trajectória de Paulo Freire, o seu itinerário internacionalista» e a aplicação do seu método pedagógico, primeiro no Brasil, depois no Chile, seguido por países da América Latina, Estados Unidos, Europa, África, Ásia e Oceânia.
Para além de vários artigos, Paulo Freire Centenário. Um educador no mundo, conta com vários textos inéditos em Portugal: a conferência Sou Projecto, no seu retorno ao Chile, em 1991, e o artigo Círculos de Cultura, escrito em 1968.
São também republicados dois textos de difícil acesso em Portugal: Alfabetização e consciencialização – Paulo Freire e Militantes da Base - Frente Unitária de Trabalhadores (Base - FUT), resultante de uma conversa tida em 1974 e só publicada em 1981; e Não há educação neutra, uma entrevista de Paulo Freire ao Jornal da Educação (do grupo O Jornal, que antecedeu a Revista Visão), em 1977.
A Acção Internacionalista de Paulo Freire
O evento terá lugar no dia 22 de Abril, pelas 18h30, n'A Voz do Operário, consumando um encontro entre a universidade e vários colectivos sociais e da área da educação.
Diversas entidades brasileiras e da América Latina, entre as quais o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), organizam este ano actividades para lembrar o centenário de Paulo Freire. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), além de integrar iniciativas de universidades e organizações populares, está a realizar uma jornada específica com o objectivo de enraizar o pensamento do educador no movimento. Segundo Rosana Fernandes, membro da coordenadora nacional do MST e coordenadora político-pedagógica da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), estão a ser desenvolvidas acções de âmbito artístico e cultural, bem como debates sobre o legado de Paulo Freire, no curso da Realidade Brasileira. Além disso, destaca a iniciativa de construir uma simbologia nos centros de formação, escolas, espaços comunitários, especialmente nos assentamentos, com a instalação de bustos do pensador brasileiro. «A ideia foi inspirada pelo busto de José Martí, em Cuba, por respeito, por acreditar nesse legado e no seu pensamento. É uma obra de arte, mas que significa Paulo Freire vivo, vivo nas nossas acções, vivo nas nossas práticas. Esta iniciativa é uma forma de o homenagear e, ao mesmo tempo, de reafirmar o nosso compromisso com a educação popular e com o legado de Paulo Freire», afirma. O primeiro busto foi entregue ao assentamento Conquista da Fronteira, em Hulha Negra, no Rio Grande do Sul, no dia 26 de Maio, quando foi inaugurado o Bosque Paulo Freire na Escola 15 de Junho. A escolha foi para marcar os 30 anos da visita do educador a um assentamento do MST. «Esse assentamento representa um dos territórios onde Paulo Freire esteve presente, com todas as condições adversas para chegar lá, estrada de chão, chuva, falta de infra-estruturas para o acolher naquele dia 25 de Maio de 1991», recorda Rossana Fernandes. A afirmação é de Carlos Bellé, cuja trajectória de vida se mistura com a da editora Expressão Popular, que ajudou a fundar. São já 20 anos a contribuir para a formação política no Brasil. A livraria e editora Expressão Popular surgiu em 1999 no seio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na sequência da campanha de construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF). Numa entrevista que concedeu ao Brasil de Fato há dois anos, Carlos Bellé, que integra a equipa da editora desde o seu início, falou sobre o seu surgimento: «Estávamos naquele recuo político da queda do Muro de Berlim, do "não existe alternativa", "o capitalismo venceu", "não tem mais outro jeito", "vai ter que viver nessa miséria de divisão da sociedade entre ricos e pobres"», disse, referindo-se ao contexto em que nasce a Expressão Popular. Em seu entender, o surgimento da editora decorreu também do declínio que então se verificava ao nível da formação em organizações populares, sociais e político-partidárias da esquerda brasileira que tinham surgido no período da redemocratização. A Expressão Popular nasceu então com o intuito de «fornecer subsídio político e ideológico para formar a militância e a classe trabalhadora». Bellé sublinha que a editora, com as suas características, «só tem sentido se contribuir para a formação de um militante entendido em todas as suas necessidades, desde a formação humana até a capacitação intelectual e política». O preço acessível dos livros é um objectivos da editorial, para que, assim, possa «apoiar militantes e trabalhadores que queiram aprimorar as suas formações», refere o Brasil de Fato, explicando que muitos autores que «se identificam com a missão da editora e querem contribuir para um projecto de transformação social» não cobram direitos. Ao longo do seu percurso, a Expressão Popular passou por diversos momentos de agitação política, dando sempre o seu contributo para a «disputa de ideias». Quando nasceu, o Brasil passava pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Posteriormente, durante os governos petistas (2003-2015), assumiu «o papel de debater e ajudar a compreender o modelo de actuação política», apontando temas para a discussão com a militância, refere o portal brasileiro. Mais recentemente, viveu o golpe contra Dilma Rousseff e enfrenta agora o governo de Jair Bolsonaro. «A nossa militância precisa de ler para entender o momento actual, se organizar melhor, desenvolver melhor a luta e projectar uma sociedade alternativa e socialista», afirma Carlos Bellé. Para esse efeito, a editora adequa-se aos períodos históricos que os trabalhadores enfrentam. Miguel Yoshida, coordenador editorial, explica que o processo de escolha dos temas passa pela abordagem à luta de classes contemporânea, à agroecologia, à pedagogia socialista – que abarca as experiências de educação, cultura e literatura emancipadoras ao longo da história – e inclui a publicação de livros clássicos marxistas. Actualmente, a editora conta com 587 títulos publicados, 150 pontos de distribuição em todo o país, e prossegue a missão de chegar a cada vez mais trabalhadores. Entre os autores publicados contam-se Paulo Freire, Florestan Fernandes, Augusto Boal, Ademar Bogo, Eduardo Galeano, Rosa Luxemburgo, entre muitos outros. Em Junho de 2017, nasceu o Clube do Livro. A ideia é criar uma rede de leitores que tenham acesso mensal a títulos, a partir de uma assinatura fixa mensal, a fim de enriquecer os debates políticos sobre a conjuntura. «O Clube é um grande instrumento de formação política em termos de Brasil», diz Bellé. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Na visita, foi inaugurado o primeiro projecto de alfabetização de trabalhadores assentados e acampados do MST: «Então essa simbologia de colocar o primeiro busto neste assentamento, onde tem uma escola de educação básica, e em que alguns educadores estavam presentes no dia que Freire esteve no assentamento, é bastante significativa.» «Paulo Freire veio de coração aberto, desarmado e cheio de esperança para encontrar e ouvir os jovens, corajosos e dispostos a fazerem, 26 anos depois, um pouco daquilo que ele sonhava ter feito na década de 1960, um sonho interrompido pela ditadura», afirmou a educadora popular Isabela Camini, durante o Acto Político-Cultural «Viva Paulo Freire: Um Educador do Povo». Segundo a educadora, numa mensagem deixada após a visita ao assentamento, Paulo Freire reconheceu na organização do MST a potencialidade para enfrentar a pobreza e tornar os Sem Terra herdeiros do sonho de alfabetizar a nação, por meio da consciencialização, pelo diálogo e por amor à humanidade. A criação dos bustos de Paulo Freire ficou nas mãos do escultor Murilo Sá Toledo, de Santana de Parnaíba, em São Paulo. Rosana Fernandes diz que a relação do MST com o artista plástico é antiga, a partir de obras que ele produziu para o movimento e da sua afinidade com as ideias e lutas do MST e a defesa da reforma agrária, o que acontece com muitos artistas de diferentes áreas. «O escultor Murilo Sá é uma expressão do que nós consideramos ser um artista popular, um artista que defende e produz as suas obras vinculadas às questões sociais, dos povos indígenas especialmente, dos povos negros, da resistência de lutadores e lutadoras que deixam legados históricos na nossa história brasileira particularmente», refere. Ao ser convidado para criar o busto, Murilo afirmou que sentiu a importância de ressaltar a imagem de Freire no momento que o Brasil atravessa actualmente: “Freire é atacado injustamente, um verdadeiro preconceito, um conceito de quem realmente não conhece o Paulo Freire e as suas acções.» Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
MST homenageia Paulo Freire
Internacional|
«A nossa militância precisa de ler para entender o momento e se organizar melhor»
Duas décadas de vida
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Bustos foram criados por Murilo Sá Toledo
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No debate, em que serão tratadas questões do pensamento e acção internacionalista do educador, participarão Judite Primo (Cátedra Unesco - Universidade Lusófona), Jorge Ramos do Ó (Instituto de Educação - Universidade de Lisboa), Paula Guimarães (Associação Portuguesa para a Cultura e Educação Permanente - APCEP/Instituto de Educação - Universidade de Lisboa) e com Débora Dias (CHAM - NOVA).
Paulo Freire Centenário. Um educador no mundo, apresentado na sessão da Voz do Operário, representa também um importante contributo para as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril em Portugal, expondo o pensamento de uma das mais importantes figuras da pedagogia mundial sobre as repercussões da revolução de Abril, o impacto dramático do colonialismo português, a educação em Portugal e a repressão aos seus escritos durante o fascismo português.
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