Depois de semanas de luta e a realização de greves por todo o país, a Portaria de Extensão do Contrato Colectivo de Trabalho para os trabalhadores das IPSS foi emitida a 2 de Novembro de 2022. Com ela, «os trabalhadores ficaram a ganhar, no papel, em direitos e no salário», destaca o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP/CGTP-IN), mas as Misericórdias rapidamente arranjaram justificações para não aplicar nenhuma das conquistas.
«A portaria veio igualar todos os trabalhadores do sector social, mutualidades, misericórdias e IPSS», explicou Catarina Fachadas, trabalhadora da Santa Casa de Lisboa e dirigente do CESP, ao AbrilAbril: «os trabalhadores da misericórdias, que fazem exactamente o mesmo trabalho, e recebem exactamente o mesmo financiamento do Estado que as IPSS, não podem ganhar menos».
A aplicação da portaria por parte da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) garantiria, para além dos aumentos salariais, que estes trabalhadores receberiam pelo trabalho feito em dias feriados (neste momento, um feriado é como outro dia qualquer), horários reduzidos e as diuturnidades, valor que é acrescentado ao salário para valorizar os anos de trabalho. Não sendo a UMP uma entidade patronal (social), a direcção escudou-se atrás desta desculpa para não aplicar estas medidas.
A total inacção do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social nos últimos meses, permitindo a discriminação de milhares de trabalhadores das misericórdias, ganha nova luz, no entanto, face aos acontecimentos das últimas semanas.
Depois de anos a garantir que seria impossível negociar um Contrato Colectivo de Trabalho (CCT), «precisamente porque não se constituiu como associação patronal», eis senão quando (num momento de grande luta no sector pela aplicação da portaria) a Federação Nacional da Educação (FNE/UGT) anuncia a celebração de um CCT nas misericórdias.
Um negócio cozinhado nos bastidores: nunca as misericóridas tiveram tanto interesse em fazer aplicar um contrato colectivo
A verdade é que, mesmo podendo, eventualmente, estar «dentro da legalidade a realização deste CCT», sobre o qual o CESP levanta «muitas dúvidas», as direcções das Misericóridas não podem «andar a pressionar e até a chantagear os trabalhadores para assinarem a declaração», subscrevendo o contrato colectivo da UGT.
O CESP revela que as Santas Casas da Misericórdia estão a entregar uma declaração para os trabalhadores assinarem, na qual dizem escolher um contrato colectivo que não se aplica aos seus associados. No documento, o trabalhador «declara que escolhe o Contrato Colectivo celebrado entre a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e a Federação Nacional da Educação (FNE) e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 14, de 15.04.2023, distribuído a 17.04.2023, para regular as relações laborais entre as partes», denuncia o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP/CGTP-IN), através de comunicado. O sindicato alerta que «nenhum trabalhador é obrigado a assinar esta declaração e que as instituições não podem coagir a que assinem». Por outro lado, acrescenta, «aos nossos associados não se aplica este contrato colectivo de trabalho, apenas se pode aplicar aos sócios dos sindicatos que o negociaram». A estrutura sindical regista que aos seus associados «tem de ser aplicado o contrato colectivo de trabalho das IPSS, por via da Portaria de extensão nº 259/2022 de 27/10 (CCT CNIS-FEPCES), que prevê o pagamento das diuturnidades e o pagamento dos feriados a 100%». Hoje também, o CESP faz saber que a União das Misericórdias Portuguesas tem em seu poder, desde o passado dia 16 de Dezembro, uma proposta do sindicato para negociar a revisão do Acordo de Empresa, que se aplica a todos os trabalhadores da UMP. Mas esta, critica o sindicato, além de não apresentar contrapropostas, recusa-se a reunir, «para não haver negociação» e manter assim os salários inalterados. «A UMP quer miséria, quer baixos salários, quer trabalhadores sem direito», acusa o CESP, que simultaneamente exige o cumprimento integral do acordo de 2022, e respectivo pagamento de retroactivos, e a negociação do acordo para este ano. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Trabalho|
Sindicato denuncia coacção nas misericórdias
Trabalhadores reivindicam aumentos salariais
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E em que consiste o negócio preparado pelo Governo PS, a UMP e a UGT? O CCT da UGT consagra «as cargas horárias de 40 horas semanais (quando nas IPSS temos 35h, 37h ou 38h, consoante as categorias), continua a não estabelecer o pagamento das diuturnidades, continua a não ter o pagamento do trabalho em dia feriado». No fundo, o objectivo é, muito literalmente, boicotar qualquer tentativa de igualar os direitos dos trabalhadores do sector social e neutralizar os efeitos da portaria.
Os trabalhadores que aderirem a este CCT da UGT (cada um terá de o fazer, se quiser, individualmente), «vão continuar a ser penalizados em relação aos trabalhadores das IPSS e a UMP vai continuar a encaixar apoios do Estado: estes valores que não vão ser pagos aos trabalhadores (há muito tempo) é dinheiro que as Misericórdias estão a arrecadar».
«Temos relatos de trabalhadores de várias zonas do país, mais de meios pequenos como o Alentejo, mas também de zonas como Braga, em que trabalhadores que estão mesmo a ser pressionados a assinar este acordo de adesão individual». A dirigente sindical do CESP deixa o alerta: «ninguém é obrigado a assinar este contrato. Ao assinar, o trabalhador vai perder aquilo que já ganhou com a portaria que saiu Novembro».
O sindicato vai começar, já amanhã, uma campanha de contacto nas Misericórdias de todo o país para informar os trabalhadores das consequências nefastas que o CCT carrega e do direito, de cada um, a decidir, por si, se quer ou não aderir. «O que nós esperamos é que o Ministério reúna, já, com quem de direito (neste caso o secretariado da UMP), para exigir que eles comecem a informar as misericórdias de que têm que aplicar a portaria», defende Catarina Fachadas.
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