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Bruno Carvalho: «Há situações em que não podemos ser meros espectadores»

Em menos de um mês, A Guerra a Leste: 8 Meses no Donbass, do jornalista Bruno Amaral de Carvalho, já está a preparar a terceira edição. O AbrilAbril conversou com o autor sobre a sua experiência numa guerra fora dos holofotes.

Bruno Amaral de Carvalho perto da estação ferroviária completamente destruída de Mariupol, um episódio descrito no seu livro <em>A Guerra a Leste: 8 Meses no Donbass</em>.
Créditos / Bruno Carvalho

A um mundo de distância (e, para nós, o Donbass está mesmo num outro mundo), torna-se difícil acreditar que no meio daquela massa anónima existam mesmo pessoas. Que por ali andem criaturas dotadas com as suas próprias vontades, gostos, idiossincrasias engraçadas (para os outros). Que sejam, no fundo, como nós.

No Donbass estão os outros. Não lhes sabemos os nomes, não lhes é conhecida opinião ou vontade. Limitam-se a ser. Uns tantos mil que sobrevivem numa pequena cidade devastada por prolongadas batalhas, outros tantas centenas a combater em batalhões separatistas. Uma, duas, três, dez crianças que morrem na leva diária de bombardeamentos contra populações que vivem em terras com nomes que tão dificilmente sabemos pronunciar.

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Bruno Carvalho: «Nenhum jornalista é mais imparcial por esconder as suas convicções»

De regresso do Donbass, onde trabalhou nos últimos meses, Bruno Carvalho falou ao AbrilAbril sobre o papel do jornalista em situação de guerra, os perigos a que se sujeitou e a ausência de pluralidade na comunicação social.

Numa cena do documentário Salvador, Itália (2018), Nanni Moretti entrevista um torturador chileno, preso pelos crimes cometidos durante a ditadura de Pinochet. Sendo confrontado pelo torcionário pela forma tendenciosa como estaria a conduzir a conversa, Moretti, embora dê todo o espaço para o torturador afirmar tudo o que lhe interessa, esclarece rapidamente: Ele, o realizador, o homem, não é imparcial.

 Nanni Morreti não renunciou à parcialidade.

Foi o ponto de partida para a conversa com Bruno Amaral de Carvalho, jornalista que passou seis dos últimos nove meses na região do Donbass, a cobrir os efeitos devastadores da guerra na Ucrânia nestas populações, martirizadas por oito longos anos de guerra civil, bombardeamentos e milhares de vítimas. 

Das fornalhas de Azovstal, em Mariupol, aos massacrados bairros de Donetsk, das movimentações relâmpago das tropas ucranianas e russas na região de Luhansk aos referendos promovidos pelas autoridades pró-russas nas quatro províncias anexadas, Bruno Carvalho não foi apenas o único jornalista português a acompanhar, de perto, a guerra no Donbass. Foi um de poucos jornalistas europeus que se recusou a ceder ao unanimismo prevalente nas redacções.

Um jornalista tem de abdicar das suas convicções para cumprir correctamente as suas funções? O código deontológico exige um trabalho independente, mas nunca imparcial ou que atente contra a consciência do jornalista...

Todas as pessoas têm convicções, incluindo os jornalistas. Eu prefiro o Joe Strummer ao Sid Vicious, gosto mais de García Márquez do que de Vargas Llosa, sou mais Maradona do que Pelé, prefiro Gillo Pontecorvo a Steven Spielberg. Cada um de nós traz um mundo dentro de si.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Nenhum jornalista é mais independente ou imparcial por esconder as suas convicções. Por isso é que há um conjunto de ferramentas jornalísticas para contornarmos o mais possível a influência das nossas escolhas no nosso trabalho. Até porque há outros factores no jornalismo que também têm influência nas nossas abordagens aos acontecimentos. Por exemplo, a linha editorial, que depende muito das convicções e dos interesses de quem financia os meios de informação.

Eu nunca escondi as minhas convicções porque sou um cidadão consciente dos seus direitos e disposto a exercê-los também como forma de os defender. Os jornalistas não têm menos direitos do que o resto da população.

Felizmente, tive um grande jornalista como professor que dizia aos seus alunos que o primeiro objectivo de quem trabalha na imprensa deve ser a ambição de mudar o mundo. Nesse sentido, o Oscar Mascarenhas valorizava os alunos que tinham uma vida cívica activa, fosse em teatros, associações desportivas, humanitárias ou políticas. Vivemos num mundo que nos quer impôr a não política. Ou seja, a ideia de que a política deve ser exclusiva dos que exercem cargos políticos e a democracia quer-se fechada nas instituições, com cidadãos cada vez menos activos e incómodos.

Faz-me confusão que haja quem ache que os jornalistas devem abdicar dessa intervenção enquanto cidadãos na vida colectiva. Sobretudo quando houve vários jornalistas que o fizeram. Recordo o caso do Mário Mesquita, do Alfredo Maia, da Carla Castelo e de tantos outros. A Comissão da Carteira estabelece algumas incompatibilidades, não apenas no exercício da actividade política, e apenas cargos a tempo inteiro são incompatíveis com o jornalismo.

Acabaste por te tornar mais notório do que muitas das tuas reportagens. Não é uma posição desconfortável para um jornalista, que supostamente não devia ser notícia?

Isso aconteceu, sobretudo, quando diferentes figuras me atacaram, como a ex-candidata presidencial Ana Gomes, a jornalista Fernanda Câncio, o secretário de Estado João Galamba, a escritora Inês Pedrosa, entre outros. O Correio da Manhã fez eco dessas acusações, assim como a revista Visão. Admito também que, para alguns jornalistas, o facto de eu ser um outsider os tenha deixado desconfortáveis. De repente, alguém que nunca esteve nos principais meios portugueses publicava reportagens no Público e na CNN.

Devido a esses ataques, o Público, com o qual tinha um compromisso verbal, apenas me comprou uma reportagem. Essas pessoas tentaram desacreditar-me e eu não podia ficar calado. Houve acusações, colando-me à ideia de eu que era putinista ou pró-russo, que num contexto de guerra são perigosas. Imagina que eu era capturado pelas forças ucranianas e que esses soldados compravam essas acusações contra mim.

Ainda assim, recebi muitas mensagens de solidariedade de muita gente, incluindo jornalistas, mas o Sindicato dos Jornalistas evitou defender-me. Houve vários jornalistas com muitos anos de experiência que me disseram que nunca viram nada assim.

Naturalmente, tive de assumir publicamente a minha própria defesa, assumindo um destaque que nunca me foi confortável, quando a única coisa que queria era dedicar-me, de forma plena, ao meu trabalho no Donbass.

Porque é que achas que, num estado de direito democrático, com uma imprensa livre e plural, as redacções tenham tomado a opção consciente de rejeitar qualquer investigação a um dos lados de uma guerra na zona do Donbass?

Repara, ao longo de todos estes meses foram vários os jornalistas portugueses e estrangeiros que me contactaram para os ajudar a entrar no Donbass. Eles queriam. Em vários desses casos, as direcções de informação não os deixaram ir. Portanto, há, desde logo, uma intencionalidade em cobrir apenas um lado da guerra, o que deixa a descoberto a excepcionalidade da CNN. Até agora, nas últimas décadas, estes meios sempre tiveram repórteres no lado do invasor. O problema é que agora o invasor não se chama Estados Unidos da América.

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FMJD lança campanha de solidariedade com presos políticos na Ucrânia

No dia 11 de Novembro, assinalar-se-ão 250 dias desde a detenção dos irmãos Kononovich, membros da Juventude Comunista sequestrados pelas forças ucranianas e expostos «a abusos e à tortura». #FreeKononovich já está nas ruas.

Acção da União das Juventudes Comunistas de Espanha, no âmbito da campanha #FreeKononovich 
Créditos

Mikhail Kononovich, primeiro-secretário da União da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia, e o seu irmão, Aleksander, foram detidos pelos Serviços de Segurança da Ucrânia no início do mês de Março. A perseguição destes jovens dirigentes comunistas foi apenas um primeiro passo na supressão dos direitos políticos na Ucrânia, por decisão do governo de Volodymyr Zelensky.

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Sequestrados dois dirigentes da Juventude Comunista da Ucrânia

Ainda não se conhece a situação de Mikhail Kononovich, primeiro-secretário da União da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia, e do seu irmão, Aleksander, detidos pelos Serviços de Segurança da Ucrânia.

 Aleksander e Mikhail Kononovich, da União da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia 
Créditos / peoplesdispatch

A denúncia partiu da Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD), uma organização, fundada em 1945, que agrega dezenas de movimentos e organizações antifascistas, contra a guerra nuclear e pela defesa da paz, da qual faz parte a União da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia, ilegalizada em 2015.

Mikhail e Aleksander Kononovich foram sequestrados pelos Serviços de Segurança da Ucrânia (SBU), não sendo possível, lamenta o comunicado da FMJD, descartar a hipótese de que tenham já sido assassinados. Foram acusados, sem que nenhuma prova tenha sido divulgada, de serem simultaneamente espiões russos e bielorussos.

Mikhail esteve envolvido nas fortes mobilizações para impedir a privatização de terrenos agrícolas públicos por parte do governo de Volodymyr Zelensky, que permitiria a sua alienação a grupos económicos estrangeiros.

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8 de Março: marcha de mulheres enfrenta neo-nazis em Kiev

Uma manifestação de mulheres e LGBT celebrando o Dia Internacional da Mulher foi atacada por contra-manifestantes neo-nazis no centro da cidade. A manifestação prosseguiu, após intervenção policial.

Aspecto da Marcha das Mulheres em Kiev, Ucrânia, a 8 de Março, por ocasião do Dia Internacional da Mulher. No cartaz pode ler-se «a minha cadela aprendeu a palavra não. E tu?»
Créditos / Informator.ua

O Dia Internacional da Mulher foi celebrado em Kiev com manifestações convocadas por diferentes organizadores mas que convergiram num único desfile que, segundo a agência ucraniana Uniam, levou cerca de um milhar de manifestantes à praça Mykhayliv, no centro da capital ucraniana.

Uma maioria de mulheres mas também alguns homens desfilaram entoando slogans feministas e em defesa da igualdade de género, erguendo a voz «contra a violência doméstica, sexual e psicológica» e exibindo cartazes, em muitos casos artesanais, com palavras de ordem como, por exemplo, «não à violência, assédio, prostituição, violação» e «meu corpo, meu assunto», entre tantas outras. Bandeiras arco-íris do movimento LGBT foram desfraldadas, confirmando a anunciada adesão deste à manifestação.

Na sua página no Facebook, a Marcha das Mulheres afirmou que a iniciativa foi preparada para confrontar «a violência da extrema-direita, a violência doméstica, sexual, económica e psicológica», bem como a pressão e a violência da estrutura patriarcal». Diversos manifestantes expressaram à Uniam o seu apoio à Convenção de Istambul1, em particular à protecção das mulheres da violencia que sobre elas se exerce, da luta pela igualdade de oportunidades epela abolição de estereótipos de género.

Manifestantes atacados, polícia interveio

A manifestação decorreu de forma animada e pacífica mas, à chegada à praça Mykhayliv, a Marcha das Mulheres teve de enfrentar uma contra-manifestação de algumas dezenas de oponentes. Homens e mulheres empunhavam cartazes com palavras de ordem como «Deus! Pátria! Patriarcado!», «o feminismo destrói a família ucraniana», e «o feminismo moderno desfigura a imagem divina da Mulher», e bandeiras das organizações neo-nazis Movimento Tradição e Ordem e Frente Nacionalista Cristã.

Apesar de separados por um impressionante cordão policial, as altercações sucederam-se entre os dois grupos de manifestantes. Algumas tentativas de agressão foram prontamente reprimidas pela polícia e vários extremistas foram presos, com a a agência Tass a informar da sua libertação, pouco depois dos incidentes.

Os participantes na Marcha das Mulheres não desmobilizaram com os confrontos e a manifestação continuou combativa até ao seu final.

Uma boa cobertura fotográfica e em vídeo da marcha do evento pode ser encontrada em notícia publicada pelo sítio Informator (legendas apenas em russo e ucraniano).

Um impressionante dispositivo policial

Depois de, em 2017 e em 2018, as celebrações do Dia Internacional da Mulher terem sido atacadas e interrompidas em diversas localidades da Ucrânia, o governo de Piotr Pososhenko recebeu alertas de governos e ONGs para garantir a impossibilidade de se repetirem os acontecimentos.

Na véspera, 7 de Março, a Amnistia Internacional (AI) chamou as autoridades ucranianas a garantirem que os participantes nos eventos assinalando o Dia Internacional da Mulher seriam protegidos de actos violentos, publicou a Rádio Europa Livre (Radio Free Europe, RFL), um insuspeito meio de comunicação social do governo norte-americano para o Leste Europeu. Na mesma notícia referia-se que Oksana Pokalchuk, a directora do escritório ucraniano da AI, afirmara que as autoridades ucranianas «falharam a adequada protecção» nesses eventos nos últimos dois anos e que tal conduzira a «ferimentos em pacíficos manifestantes».

Não foi a primeira vez que a AI criticou as autoridades ucranianas por falhas no impedimento ou na investigação de «numerosas» violações de direitos humanos cometidos contra activistas, segundo a RFL, em particular sobre os defensores dos direitos da mulher, membros da comunidade LGBT, opositores políticos e minorias étnicas.

Em mês de eleições, Poroshenko não quis arriscar as críticas ocidentais e mobilizou para enquadrar os manifestantes um impressionante dispositivo policial, compreendendo centenas de membros da temida polícia de choque ucraniana.

A elite e os neo-nazis contra os direitos da mulher

A prevenção da AI tinha toda a razão de ser. Apesar de a estação americana não o referir, as semanas que precederam o dia 8 de Março foram férteis em ameaças aos manifestantes, feitas não só pelos neo-nazis mas também por deputados e jornalistas que integram a elite no poder em Kiev. Andrey Manchuk, em artigo publicado no sítio ukraina.ru (em russo), descreveu várias dessas situações.

Segundo Manchuk, «nacionalistas ucranianos» colocaram recentemente online um «vídeo escandaloso», «apelando directamente» a represálias contra os participantes nas celebrações do Dia Internacional da Mulher, em Kiev e outras cidades ucranianas.

No vídeo, os nacionalistas, de cara descoberta por «conscientes da sua impunidade», como sublinha o articulista, afirmam que «as feministas defendem o ódio aos homens e desrespeitam a nossa Pátria e as tradições culturais e religiosas da Ucrânia». Vão mais longe: «uma feminista não é uma mulher, é uma doença».

Na opinião de Manchuk, este verdadeiro «terror anti-feminista» apenas é possível por o establishment político ucraniano ser «extremamente hostil à celebração do 8 de Março», que vê como uma celebração «comunista» e «pró-soviética», hostilidade que estendem à actual Federação Russa, que manteve este feriado, um dos mais importantes no tempo da URSS.

«Quanto ao 8 de Março, penso que cada vez mais ucranianos compreendem que não podemos viver no mesmo ritmo do país agressor. Esta sincronicidade na celebração de algumas datas com um país que está a tentar destruir o nosso Estado enfraquece-nos […], lutamos pela sua abolição», cita Menchuk como tendo afirmado Vladimir Vyatrovich, director do Instituto para a Memória Nacional da Ucrânia. Terá ainda muito a fazer para convencer os ucranianos: segundo Manchuk, uma recente sondagem do Canal 24 terá dado 55% dos ucranianos como desejando que o feriado continuasse a realizar-se «como nas décadas anteriores».

A elite ucraniana é diferente da maioria da população. Iryna Gerashchenko, presidente da Verkhovna Rada (parlamento), escreveu na sua página que «beberia um copo» no dia 8 de Março para «não o festejar». Manchuk considera esta declaração «particularmente chocante»: o Dia Internacional da Mulher é «universalmente considerado um dos mais importantes» eventos celebratórios, «simbolizando o triunfo do progresso social», esta atitude sendo possível apenas «por o país se encontrar num rumo retrógrado» relativamente ao progresso social.

Gerashchenko é membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (Parliamentary Assembly of the Council of Europe, PACE) mas esta democrática instituição europeia, que na sua página inicial apela, por ocasião do 8 de Março, para a necessidade de luta contra a violência sobre as mulheres, deve desconhecer não só as afirmações do seu membro como a verdadeira situação na Ucrânia: uma delegação da PACE, que esteve recentemente no país a convite de Gerashchenko, concluiu que «o ambiente geral da Ucrânia deverá permitir a realização de eleições democráticas».

A agência Uniam junta-se ao coro contando a «verdadeira» história do Dia Internacional da Mulher. Em artigo citado por Manchuk, a agência noticiosa oficial apresenta-o como o «feriado das prostitutas em protesto», que terá sido dirigido por comunistas os quais, mais tarde, «apresentaram as prostitutas às mulheres trabalhadoras». Este «verdadeiro relato» tem sido amplamente reproduzido nas redes sociais, segundo Manchuk.,

Para Elena Suslova, da organização patriótica Centro de Consulta e Informação da Mulher, apenas «cerca de 20 países têm este dia como feriado» e, na sua maioria, são «países que votam nas nações Unidas com a Rússia contra a Ucrânia».

Todo este ambiente, segundo Manchuk, prepara uma «descomunização» do Dia Internacional da Mulher, «privando-o do seu significado original» de luta e «substituindo-o por uma versão festiva tipo “Dia da Mãe”». Processo que se interrompe neste eleitoral mês de Março por os candidatos não quererem alienar os votos de milhões de mulheres e homens que ainda vêm o 8 de Março como um feriado a manter.

Mas a inconveniência da celebração do Dia Internacional da Mulher, para as autoridades ucranianas, vai mais longe do que um simples «complexo anti-soviético». Afinal, conclui Manchuk, cada sua celebração «chama a atenção para a situação das mulheres ucranianas, que mais do que ninguém sofrem com a crise sócio-económica, discriminação e violência» que afectam a sociedade ucraniana enquanto o presidente Poroshenko reúne em Kiev o Fórum Familiar da Ucrânia.

«Elas não podem brindar como Gerashchenko, porque perderam os seus empregos, ou têm de trabalhar por tostões e são forçadas a emigrar», sublinha Manchuk, trabalhando em condições penosas como as «da mulher que, no ano passado, deu à luz numa fábrica polaca e tentou matar o filho na casa de banho». Das que «vivem na zona de conflito no Donbass e caem nas redes de escravatura sexual», das que não «têm possibilidade de dar à luz» e são forçadas a abortar «porque pura e simplesmente não têm meios de manter os filhos». Ou das reformadas «forçadas a viver no limiar da sobrevivência».

A tragédia de todas estas mulheres, conclui Manchuk, mostra a «crescente urgência» de celebrar o 8 de Março na Ucrânia.


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O número de assassinatos com motivos políticos tem vindo a crescer na Ucrânia desde o início da guerra. São exemplo, nos últimos dias, os casos de Maxim Ryndovskiy, um atleta de MMA (artes marciais mistas), torturado e assassinado por um grupo neo-nazi em Kiev, e Denis Kireev, que havia participado, em nome da Ucrânia, nas negociações com a Federação Russa, assassinado sumariamente pelos SBU.

«A FMJD convoca as suas organizações membros, toda a juventude e pessoas de todo o mundo a expor esta situação», exigindo, junto das representações diplomáticas da Ucrânia, por todo o mundo, acção no sentido de travar um possível assassinato, sem julgamento nem possibilidade de defesa, violando os princípios da declaração universal dos direitos humanos.

«​​Liberdade para Mikhail e Aleksander Kononovich!»

Em Portugal, a Juventude Comunista Portuguesa (JCP), filiada na FMJD, denunciou, em comunicado, o «hediondo acto» cometido pelos SBU, exigindo o assegurar da «integridade física dos dois dirigentes juvenis» e o fim «desta criminosa detenção». 

«O caminho da paz, que a juventude e os povos do mundo reclamam, não se faz com o corte de direitos fundamentais nem com mais armas, violência e destruição»​​​​​, argumentam os jovens comunistas, «a solidariedade e ajuda aos povos que sofrem as dramáticas consequências da guerra não pode ser confundida com a legitimação da xenofobia, da violência, da censura e discriminação».

«​​A juventude, e em particular os jovens comunistas ucranianos, que viram o Partido Comunista da Ucrânia ser alvo de um processo de ilegalização em 2015, podem contar com a profunda solidariedade da JCP e dos jovens comunistas portugueses», reafirmando, uma vez mais, a necessidade de pôr termo à guerra.

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Agora, «após meses de abuso, tortura e violação dos seus direitos cívicos num centro de detenção em Kiev, a pretexto de uma falsa acusação com um claro viés ideológico, a única solução é a sua libertação incondicional e o fim da repressão e perseguição política da oposição», defende a Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD).

A campanha de solidariedade, convocada para a próxima semana, tem como objectivo aumentar a pressão social, «à escala global», pela libertação dos irmãos Kononovich, que pertencem a uma organização que integra a FMJD: a ilegalizada Juventude Comunista Leninista da Ucrânia.

«Apelamos a todos os jovens anti-imperialistas e antifascistas que redobrem os seus esforços e a sua solidariedade» nesta campanha. O apelo, dirigido à juventude, sugere a dinamização de acções nas ruas, pressionando «as instituições e embaixadas ucranianas nos nossos países».

Ainda antes da invasão russa, Mikhail esteve directamente envolvido nas fortes mobilizações populares para impedir a privatização de terrenos agrícolas públicos por parte do governo de Volodymyr Zelensky, que permitiria a sua alienação a grandes grupos económicos estrangeiros.

A Federação Mundial da Juventude Democrática foi fundada em 1945, agregando dezenas de movimentos e organizações antifascistas contra a guerra nuclear e na defesa da paz. A Juventude Comunista Portuguesa (JCP) integra a FMJD, em Portugal.

As acções e declarações de apoio no âmbito desta campanha já estão a ser divulgadas nas redes sociais através do hashtag #FreeKononovich.

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Agora, nunca me verão dizer que não deve haver jornalistas no lado controlado pela Ucrânia. Essa é a grande diferença. 

Hoje, jornalistas como Kapucinsky, Hemingway ou Robert Fisk são vistos como exemplos. O primeiro escreveu um grande livro sobre o trabalho que fez quando acompanhava a guerra civil em Angola, no lado controlado pelo MPLA, o segundo esteve no lado republicano da guerra civil espanhola e o terceiro fez uma entrevista ao Bin Laden. Entrámos num nível tal de controlo editorial e político, onde encaixo a proibição de canais russos na Europa, que são vários os meios que rasgaram de forma aberta e pública as antigas declarações de amor à objectividade e imparcialidade.

Sob a acusação de ser um espião russo, prenderam um jornalista basco na Polónia [Pablo González, colaborador frequente do Público espanhol e ao serviço do La Sexta TV, está preso há mais de 9 meses, sem julgamento] quando cobria a crise dos refugiados e ninguém parece demasiado preocupado com isso. Voltámos à guerra fria e ao maccarthismo.

Como analisas a cobertura da guerra feita pelos orgãos noticiosos portugueses? Notas algum contraste em relação a outros meios mainstream europeus?

Não. Em geral, seguem a mesma linha. Há excepções, contudo. Por exemplo, três canais italianos, incluindo a RAI, tiveram repórteres no lado controlado pelos russos. A Grécia também. De resto, há uma informação muito uniforme, o que não deixa de ser curioso.

Durante muitos anos justificava-se essa uniformidade porque a maioria dos meios não queria gastar dinheiro a enviar jornalistas para determinados cenários de guerra. Então, todos compravam as mesmas reportagens das principais agências. Agora, houve uma aposta muito grande em enviar repórteres mas a abordagem é praticamente igual em todo o lado. Algo que falta muito e, parece-me intencional, é a ausência de contexto.

O objectivo é claro: que não haja uma leitura histórica do conflito.

As populações de Donetsk, Mariupol, estranhavam a tua presença? Em certo momento eras dos únicos jornalistas a trabalhar na região. Com tão pouca presença mediática europeia, não estranhavam um português? Estavam satisfeitas por alguém as ouvir? 

Houve um momento em que era o único repórter a trabalhar para meios ocidentais em todo o lado controlado pelos russos. Não olho para isso como um feito mas como uma tragédia. É a morte do jornalismo.

Naturalmente, havia muita surpresa e também desconfiança. Afinal de contas, eu venho de um país cujos impostos são usados também para financiar as armas que matam civis em Donetsk. No Hospital de Traumatologia da cidade, houve vários pacientes que se recusaram a falar comigo por isso mesmo, por ser um jornalista de um país da NATO. Numa reportagem num mercado, houve uma idosa que gritou comigo e outro repórter acusando-nos de sermos responsáveis pelo que lhes estava a acontecer. Mas aconteceu em muitas ocasiões o contrário, entendendo o nosso trabalho, agradecendo e até encorajando.

Em Mariupol, a situação era tão desesperante que nos pediam ajuda para comunicarmos com familiares a viver no estrangeiro. Ali, até de enfermeiros fizemos para salvar a vida a uma idosa que apanhou com os fragmentos de uma mina anti-pessoal. Evitar quase sempre trabalhar em excursões organizadas pelas forças russas tornava o trabalho mais livre mas também mais perigoso. Foi um trabalho que exigiu muito tacto e sensibilidade com os civis, também com os militares, mas creio que a avaliação geral é positiva.

Já trabalhaste noutros cenários de guerra e conflito. Todos os conflitos são diferentes, mas há alguma características no Donbass que destaques?

Estive, em 2017, num acampamento das FARC, na Colômbia, num momento prévio à entrega de armas mas já durante o processo de paz. Havia uma tensão natural e prosseguiam os assassinatos de líderes sociais. Contudo, era um contexto totalmente diferente. No ano seguinte, visitei o Donbass e foi o meu primeiro contacto com a guerra civil que havia começado em 2014. Aí já ouvi alguns bombardeamentos, mas esporádicos. Apesar da violação constante dos Acordos de Minsk, havia já um conflito de baixa intensidade.

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Gustavo Petro quer escrever uma «história nova» para a Colômbia

A candidatura do Pacto Histórico, coligação de forças progressistas e de esquerda, venceu as eleições presidenciais na Colômbia. Petro definiu o triunfo como «histórico» e defendeu a aposta na paz.

Gustavo Petro e Francia Márquez, do Pacto Histórico, celebrando o triunfo nas eleições presidenciais na Colômbia 
Créditos / @petrogustavo

Com a totalidade dos votos escrutinados, a candidatura do Pacto Histórico, integrada por Gustavo Petro e Francia Márquez, obteve 11 281 013 votos (50,44%) na segunda volta das eleições presidenciais, celebradas este domingo.

Já a candidatura apoiada pelas forças de direita, composta por Rodolfo Hernández e Marelen Castillo, alcançou 10 580 412 votos (47,31% dos votos válidos), informaram as autoridades eleitorais colombianas.

Conhecidos os resultados, Petro e Francia Márquez dirigiram-se para o coliseu Movistar Arena, em Bogotá, onde se juntaram a milhares de apoiantes que ali festejavam o triunfo do Pacto Histórico, num país onde os governos, por norma, são conservadores de direita e extrema-direita.

«É história aquilo que estamos a escrever neste momento, uma história nova para a Colômbia, para a América Latina, para o mundo», disse o novo presidente eleito, sublinhando que aquilo que aí vem é «uma mudança real» e que não irá trair o eleitorado que «gritou ao país, à história, que a partir de hoje a Colômbia muda».

Num discurso conciliador, Gustavo Petro afirmou que não se trata de uma «mudança para nos vingarmos, uma mudança para construir mais ódios, uma mudança para aprofundar o sectarismo na sociedade colombiana».

O chefe do novo governo, que tomará posse a 7 de Agosto, destacou ainda que a força expressa pelo povo nas urnas vem de longe, de gerações que já não estão, porque as forças que contribuíram para o triunfo do Pacto são um acumulado de cinco séculos de resistência e rebeldia contra a injustiça, a discriminação e a desigualdade.

A paz como aposta central

Num coliseu em festa, Gustavo Petro sublinhou que o objectivo primordial do seu mandato é a paz. «Significa que não vamos, a partir deste governo, utilizar o poder em função de destruir o oponente. Significa que nos perdoamos. Significa que a oposição que teremos […] será sempre bem-vinda ao Palácio de Nariño para dialogar sobre os problemas da Colômbia», afirmou, citado pela Prensa Latina.

Falando para milhares de pessoas, Petro disse que «não pode continuar o clima político que acompanha os colombianos neste século de ódios, de confrontos, literalmente de morte, de perseguições, de isolamento».

Com o governo que irá liderar, acaba-se a perseguição política, a perseguição jurídica, «haverá apenas respeito e diálogo», disse, insistindo na criação de um grande pacto, que deve abranger toda a sociedade.

«Alcançámos um governo do povo»

Francia Márquez, vice-presidente eleita da Colômbia, saudou todos os sectores que tornaram possível o triunfo do Pacto Histórico, tendo afirmado que, ao cabo de 214 anos, se deu um passo muito importante: «alcançámos um governo do povo.»

«Vamos reconciliar este país, pela paz, sem medo, pela vida, pelas mulheres, pelos direitos da comunidade diversa LGTBQI+, pelos direitos da Mãe Terra, para erradicar o racismo estrutural», afirmou.

Lembrando todos aqueles que sofrem a violência e desigualdade no país, teve ainda palavras de reconhecimento para quem perdeu a vida nas lutas da Colômbia.

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O que acontece hoje é de uma dimensão totalmente diferente. Caem cerca de cem projécteis todos os dias em Donetsk. Em média, há mais de um morto por dia na cidade. Mais de 2 100 feridos desde Fevereiro. E estamos a falar de uma cidade que não está em disputa, não tem combates terrestres, não tem homens a combater no seu interior. Mariupol, sim, estava em disputa e foi, de facto, um inferno. Havia mortos por todas as partes. 

Parece-me que é um erro dizer que esta guerra é apenas entre a Rússia e a Ucrânia. Há milhares de combatentes estrangeiros do lado ucraniano, armas ocidentais, estrategas militares ocidentais a assessorar operações, quando não a comandar, Kiev tem o apoio da inteligência dos satélites ocidentais, etc... Do outro lado, há combatentes das diversas realidades nacionais da Federação Russa, há os soldados do Donbass a combater desde 2014, assim como os cidadãos mobilizados desse mesmo território, há o grupo Wagner... Ou seja, há uma complexa teia diversa de afinidades e contradições.

Do ponto de vista mais geral, esta guerra representa um momento histórico de grande significado porque põe frente a frente duas realidades geopolíticas que se vinham confrontando de forma económica, política e também militar, mesmo que de forma indirecta, sobretudo no Médio Oriente, em que o Ocidente vê o seu poder questionado. É ingénuo acreditar que a guerra vai acabar sem que Washington ou Moscovo tenham uma palavra a dizer. A implicação do Ocidente é, hoje, tão óbvia que isso tem um preço nas nossas economias. 

Como vês a situação actual do Donbass? Depois da realização de referendos sem particular credibilidade, com enormes migrações internas, milhões de pessoas a abandonar a região, é expectável uma estabilização da situação?

A credibilidade dos processos eleitorais há muito que é algo secundário no contexto internacional. Há uma avaliação subjectiva em função dos interesses de cada país. O Kosovo tornou-se independente sem referendo, Juan Guaidó foi reconhecido presidente por muitos países sem qualquer eleição. Isso parece-me particularmente grave. À luz do que vi, de facto, não foram referendos que cumprissem aquilo que consideramos serem processos democráticos, embora não me pareça haver grandes dúvidas sobre a vontade daquela gente.

Basta ver o histórico eleitoral desde 1991 até 2014. Há um padrão praticamente inalterado de vitórias de forças pró-russas e comunistas. Toda a gente que entrevistei me disse que pouco lhe importava o não reconhecimento dos referendos por parte do Ocidente, uma vez que o Ocidente pouco se importou com a situação destas pessoas nos últimos oito anos. Parece-me que teria sido um passo para a paz se a Ucrânia e a Rússia aceitassem a realização de referendos com todas as garantias dando a palavra às populações com observadores dos dois lados. Não me parece que haja espaço para isso quando Kiev não cumpriu sequer os Acordos de Minsk em que estava previsto dar autonomia a estes territórios.

A Ucrânia não vai aceitar nunca a anexação do Donbass e das restantes regiões, incluindo a Crimeia, e, nesse sentido, a única perspectiva de estabilização virá com o fim da guerra que dependerá mais de Washington do que de Kiev. Sozinha, a Ucrânia não tem condições de manter esta dinâmica militar.

As populações do Donbass fazem ideia da dimensão do apoio à figura de Zelensky na União Europeia? Nos meios de comunicação, institucionais, nas redes sociais...

Sim, há essa noção. Para eles, o inimigo não é apenas Zelensky. São também os Estados Unidos e a União Europeia. E até a ONU é uma instituição questionada, sobretudo Guterres, acusando-o de declarações parciais. Há uma visão da Europa, não isenta de preconceitos, em que somos vistos como individualistas, demasiado apegados ao dinheiro e ao consumo, pouco dados aos valores da família e da comunidade, pouco solidários e, naturalmente, somos considerados fantoches dos norte-americanos. Mas também sabem que há gente que protesta, que não está de acordo com determinadas políticas e que se mobiliza contra a guerra.

O que me parece grave é que os líderes europeus fazem tudo para meter gasolina na fogueira como foi o caso de Josep Borrell, dizendo que a Europa era um jardim e o resto do mundo uma selva. Isto significa reforçar, no resto do mundo, o antagonismo ao eurocentrismo e a esta ideia de que a Europa é um oásis civilizacional no meio dos selvagens. 

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Entrevista
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Autor de Artigo Livre: 
João Manso Pinheiro

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Este apagamento, de entre os vários motivos que levaram as redacções ocidentais a recusar-se a cobrir o que se passava no Donbass durante «o maior acontecimento geopolítico do pós-guerra fria», será talvez o mais flagrantemente antideontológico. Sem jornalismo e com a censura de órgãos de comunicação social «do outro lado», aquela gente é reduzida a coisa nenhuma. Não existem. Sem semblante de humanidade, é facil odiarmos os nossos "inimigos" (ou pior: "os maus").

Longe da vista, longe do coração.

Em A Guerra a Leste: 8 Meses no Donbass, publicado pela Caminho, o jornalista Bruno Carvalho furou a redoma que o Ocidente colocou sobre toda esta região. O livro é tanto sobre o autor como sobre estes outros apagados: tradutores, colegas de profissão, condutores e, acima de tudo, os que vivem e lutam pelo Donbass.

Conhecemo-los agora pelo nome: Luís Castañeda, colombiano, que veio estudar para Donetsk nos anos 80 e nunca mais voltou. Ekaterina, de Odessa, que em 2014 presenciou o massacre na casa sindical da cidade. Alexander, de 59 anos, antigo mineiro que sabe, hoje, distinguir artilharia pelo som. A família de Dima, que com a mulher e os quatro filhos viveu mais de um mês numa cave em Mariupol ou o soldado benfiquista que, em terras lusas, trabalhou na construção civil e hoje vigia estradas.

Não há «lugares errados para se fazer jornalismo».

O Donbass está condenado a ser um «lugar errado»?

O que define um «lugar errado» não é a sua geografia. É o seu enquadramento político no contexto mundial. Há não muito tempo, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, dizia que a Europa é um jardim e, em contraposição, o resto do mundo uma selva. Imediatamente, veio-me à memória as imagens de seres humanos, africanos, expostos numa feira belga em 1958 como se fossem animais num jardim zoológico.

«Queria sublinhar a importância de se ouvir o que as populações têm a dizer. Não há nada mais democrático do que resolver este conflito auscultando-as e tomando decisões que respeitem essas escolhas.»

A herança colonial europeia está viva nas relações do Ocidente com os países do chamado Sul Global e não espanta que haja uma aproximação cada vez maior desses Estados com potências como a China, a Rússia, o Irão ou o Brasil. Quando alguém não nos trata como iguais, procuramos quem nos trate com dignidade e respeito. Nesse sentido, a imprensa hegemónica, alinhada com o poder, define quais são os lugares e quem são os líderes errados. Os talibans já foram os bons e agora são os maus. O Donbass continuará a ser um lugar «errado» enquanto não estiver debaixo do controlo de Kiev ou de qualquer outro aliado dos Estados Unidos e da União Europeia.

N'A Guerra a Leste, vários cidadãos das repúblicas de Donetsk e Lugansk (assim como a refugiados de diversas partes da Ucrânia) assumem uma posição separatista e, noutros casos, favorável à intervenção russa. É uma oportunidade de ver uma perspectiva praticamente inédita no panorama mediático europeu. Também havia, no Donbass, quem defendesse o outro lado? Seja a posição ucraniana ou simplesmente contra a adesão à Federação Russa?

Evidentemente, há gente que defende a manutenção do Donbass na Ucrânia ou a independência dessas repúblicas. Contudo, parecem-me opções minoritárias. Há também quem recorde com nostalgia a União Soviética. Antes da guerra, talvez houvesse espaço para um modelo confederal como tem a Suíça ou para um modelo de regiões com uma autonomia alargada. Os Acordos de Minsk previam essa possibilidade e eu acrescentava que podia ter sido adoptada uma solução como aquela encontrada no âmbito do Acordo de Dayton que criou duas entidades territoriais dentro da Bósnia, uma para a comunidade bósnia e outra para a comunidade sérvia.

Julgo que as opções eram muitas se houvesse vontade política dos actores em confronto, mas queria sublinhar a importância de se ouvir o que as populações têm a dizer. Não há nada mais democrático do que resolver este conflito auscultando-as e tomando decisões que respeitem essas escolhas.

O que aconteceu aos comunistas desta região? Apontas como, na última vez em que participaram em eleições (2013, foram banidos a seguir a 2014), tiveram cerca de 30% dos votos em algumas zonas do Donbass

Os comunistas eram uma força imprescindível desde o fim da União Soviética no Leste da Ucrânia. Sobretudo porque transportavam consigo essa herança histórica. Com a sublevação das regiões do Donbass em 2014, os comunistas foram importantes no processo de criação das autoproclamadas repúblicas.

Contudo, o contexto de guerra e a influência de Moscovo favoreceram a existência de governos quase de unidade nacional com um papel diminuído das forças comunistas. Mantêm a sua intervenção política num ambiente muito complexo, onde a maioria dos homens se encontra a combater. Lembro-me de estar em Donetsk no 1.º de Maio de 2022 e de haver uma manifestação, organizada pelo Partido Comunista, composta por mulheres e homens sem idade para participarem na guerra. Nas últimas eleições presidenciais, como aconteceu em praticamente toda a Rússia, os candidatos apoiados por Vladimir Putin arrasaram, incluindo no Donbass. Há muitas explicações para este facto. Uma delas é que ninguém quer mudar de presidente a meio de uma guerra e a outra é que há de facto muita gente que defende a intervenção russa no Donbass.

O apoio à intervenção da Rússia pode ser entendida como um apoio ao regime de Putin ou é um caso de interesses confluentes? Os separatistas garantem a independência e os grandes poderes económicos russos ganham acesso àquela que era a região mais industrializada da Ucrânia

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Censura: Pavlo Sadokha lidera campanha para proibir livro de Bruno Carvalho

Líder da Associação de Ucranianos, fazendo juz às suas origens extremistas, quer declarar novo livro do jornalista «ilícito». Ameaças não impedem apresentação de A Guerra a Leste: 8 Meses no Donbass na Bucholz, em Lisboa (9 de Abril às 18h30).

Pavlo Sadokha, com elementos da Associação de Ucranianos em Portugal, a empunhar três bandeiras do batalhão neo-nazi ucraniano Sector Direito (Pravyy Sektor). Um dos elementos usa uma t-shirt com uma imagem do colaborador nazi Stepan Bandera, responsável político pelo massacre de dezenas de milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. 
Créditos / Facebook de Yaroslav Shevchyshyn

«No 50.º aniversário da revolução de Abril e do fim da ditadura fascista, pretende-se coartar a liberdade de expressão usando contra mim todo o tipo de calúnias e mentiras», refere nas suas redes sociais Bruno Amaral de Carvalho. O jornalista, ao longo de oito meses, cobriu a guerra na Ucrânia na região do Donbass, acompanhando os efeitos devastadores impingidos às populações, martirizadas por oito longos anos de guerra civil, bombardeamentos e milhares de vítimas.

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Bruno Carvalho: «Nenhum jornalista é mais imparcial por esconder as suas convicções»

De regresso do Donbass, onde trabalhou nos últimos meses, Bruno Carvalho falou ao AbrilAbril sobre o papel do jornalista em situação de guerra, os perigos a que se sujeitou e a ausência de pluralidade na comunicação social.

Numa cena do documentário Salvador, Itália (2018), Nanni Moretti entrevista um torturador chileno, preso pelos crimes cometidos durante a ditadura de Pinochet. Sendo confrontado pelo torcionário pela forma tendenciosa como estaria a conduzir a conversa, Moretti, embora dê todo o espaço para o torturador afirmar tudo o que lhe interessa, esclarece rapidamente: Ele, o realizador, o homem, não é imparcial.

 Nanni Morreti não renunciou à parcialidade.

Foi o ponto de partida para a conversa com Bruno Amaral de Carvalho, jornalista que passou seis dos últimos nove meses na região do Donbass, a cobrir os efeitos devastadores da guerra na Ucrânia nestas populações, martirizadas por oito longos anos de guerra civil, bombardeamentos e milhares de vítimas. 

Das fornalhas de Azovstal, em Mariupol, aos massacrados bairros de Donetsk, das movimentações relâmpago das tropas ucranianas e russas na região de Luhansk aos referendos promovidos pelas autoridades pró-russas nas quatro províncias anexadas, Bruno Carvalho não foi apenas o único jornalista português a acompanhar, de perto, a guerra no Donbass. Foi um de poucos jornalistas europeus que se recusou a ceder ao unanimismo prevalente nas redacções.

Um jornalista tem de abdicar das suas convicções para cumprir correctamente as suas funções? O código deontológico exige um trabalho independente, mas nunca imparcial ou que atente contra a consciência do jornalista...

Todas as pessoas têm convicções, incluindo os jornalistas. Eu prefiro o Joe Strummer ao Sid Vicious, gosto mais de García Márquez do que de Vargas Llosa, sou mais Maradona do que Pelé, prefiro Gillo Pontecorvo a Steven Spielberg. Cada um de nós traz um mundo dentro de si.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Nenhum jornalista é mais independente ou imparcial por esconder as suas convicções. Por isso é que há um conjunto de ferramentas jornalísticas para contornarmos o mais possível a influência das nossas escolhas no nosso trabalho. Até porque há outros factores no jornalismo que também têm influência nas nossas abordagens aos acontecimentos. Por exemplo, a linha editorial, que depende muito das convicções e dos interesses de quem financia os meios de informação.

Eu nunca escondi as minhas convicções porque sou um cidadão consciente dos seus direitos e disposto a exercê-los também como forma de os defender. Os jornalistas não têm menos direitos do que o resto da população.

Felizmente, tive um grande jornalista como professor que dizia aos seus alunos que o primeiro objectivo de quem trabalha na imprensa deve ser a ambição de mudar o mundo. Nesse sentido, o Oscar Mascarenhas valorizava os alunos que tinham uma vida cívica activa, fosse em teatros, associações desportivas, humanitárias ou políticas. Vivemos num mundo que nos quer impôr a não política. Ou seja, a ideia de que a política deve ser exclusiva dos que exercem cargos políticos e a democracia quer-se fechada nas instituições, com cidadãos cada vez menos activos e incómodos.

Faz-me confusão que haja quem ache que os jornalistas devem abdicar dessa intervenção enquanto cidadãos na vida colectiva. Sobretudo quando houve vários jornalistas que o fizeram. Recordo o caso do Mário Mesquita, do Alfredo Maia, da Carla Castelo e de tantos outros. A Comissão da Carteira estabelece algumas incompatibilidades, não apenas no exercício da actividade política, e apenas cargos a tempo inteiro são incompatíveis com o jornalismo.

Acabaste por te tornar mais notório do que muitas das tuas reportagens. Não é uma posição desconfortável para um jornalista, que supostamente não devia ser notícia?

Isso aconteceu, sobretudo, quando diferentes figuras me atacaram, como a ex-candidata presidencial Ana Gomes, a jornalista Fernanda Câncio, o secretário de Estado João Galamba, a escritora Inês Pedrosa, entre outros. O Correio da Manhã fez eco dessas acusações, assim como a revista Visão. Admito também que, para alguns jornalistas, o facto de eu ser um outsider os tenha deixado desconfortáveis. De repente, alguém que nunca esteve nos principais meios portugueses publicava reportagens no Público e na CNN.

Devido a esses ataques, o Público, com o qual tinha um compromisso verbal, apenas me comprou uma reportagem. Essas pessoas tentaram desacreditar-me e eu não podia ficar calado. Houve acusações, colando-me à ideia de eu que era putinista ou pró-russo, que num contexto de guerra são perigosas. Imagina que eu era capturado pelas forças ucranianas e que esses soldados compravam essas acusações contra mim.

Ainda assim, recebi muitas mensagens de solidariedade de muita gente, incluindo jornalistas, mas o Sindicato dos Jornalistas evitou defender-me. Houve vários jornalistas com muitos anos de experiência que me disseram que nunca viram nada assim.

Naturalmente, tive de assumir publicamente a minha própria defesa, assumindo um destaque que nunca me foi confortável, quando a única coisa que queria era dedicar-me, de forma plena, ao meu trabalho no Donbass.

Porque é que achas que, num estado de direito democrático, com uma imprensa livre e plural, as redacções tenham tomado a opção consciente de rejeitar qualquer investigação a um dos lados de uma guerra na zona do Donbass?

Repara, ao longo de todos estes meses foram vários os jornalistas portugueses e estrangeiros que me contactaram para os ajudar a entrar no Donbass. Eles queriam. Em vários desses casos, as direcções de informação não os deixaram ir. Portanto, há, desde logo, uma intencionalidade em cobrir apenas um lado da guerra, o que deixa a descoberto a excepcionalidade da CNN. Até agora, nas últimas décadas, estes meios sempre tiveram repórteres no lado do invasor. O problema é que agora o invasor não se chama Estados Unidos da América.

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FMJD lança campanha de solidariedade com presos políticos na Ucrânia

No dia 11 de Novembro, assinalar-se-ão 250 dias desde a detenção dos irmãos Kononovich, membros da Juventude Comunista sequestrados pelas forças ucranianas e expostos «a abusos e à tortura». #FreeKononovich já está nas ruas.

Acção da União das Juventudes Comunistas de Espanha, no âmbito da campanha #FreeKononovich 
Créditos

Mikhail Kononovich, primeiro-secretário da União da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia, e o seu irmão, Aleksander, foram detidos pelos Serviços de Segurança da Ucrânia no início do mês de Março. A perseguição destes jovens dirigentes comunistas foi apenas um primeiro passo na supressão dos direitos políticos na Ucrânia, por decisão do governo de Volodymyr Zelensky.

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Sequestrados dois dirigentes da Juventude Comunista da Ucrânia

Ainda não se conhece a situação de Mikhail Kononovich, primeiro-secretário da União da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia, e do seu irmão, Aleksander, detidos pelos Serviços de Segurança da Ucrânia.

 Aleksander e Mikhail Kononovich, da União da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia 
Créditos / peoplesdispatch

A denúncia partiu da Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD), uma organização, fundada em 1945, que agrega dezenas de movimentos e organizações antifascistas, contra a guerra nuclear e pela defesa da paz, da qual faz parte a União da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia, ilegalizada em 2015.

Mikhail e Aleksander Kononovich foram sequestrados pelos Serviços de Segurança da Ucrânia (SBU), não sendo possível, lamenta o comunicado da FMJD, descartar a hipótese de que tenham já sido assassinados. Foram acusados, sem que nenhuma prova tenha sido divulgada, de serem simultaneamente espiões russos e bielorussos.

Mikhail esteve envolvido nas fortes mobilizações para impedir a privatização de terrenos agrícolas públicos por parte do governo de Volodymyr Zelensky, que permitiria a sua alienação a grupos económicos estrangeiros.

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8 de Março: marcha de mulheres enfrenta neo-nazis em Kiev

Uma manifestação de mulheres e LGBT celebrando o Dia Internacional da Mulher foi atacada por contra-manifestantes neo-nazis no centro da cidade. A manifestação prosseguiu, após intervenção policial.

Aspecto da Marcha das Mulheres em Kiev, Ucrânia, a 8 de Março, por ocasião do Dia Internacional da Mulher. No cartaz pode ler-se «a minha cadela aprendeu a palavra não. E tu?»
Créditos / Informator.ua

O Dia Internacional da Mulher foi celebrado em Kiev com manifestações convocadas por diferentes organizadores mas que convergiram num único desfile que, segundo a agência ucraniana Uniam, levou cerca de um milhar de manifestantes à praça Mykhayliv, no centro da capital ucraniana.

Uma maioria de mulheres mas também alguns homens desfilaram entoando slogans feministas e em defesa da igualdade de género, erguendo a voz «contra a violência doméstica, sexual e psicológica» e exibindo cartazes, em muitos casos artesanais, com palavras de ordem como, por exemplo, «não à violência, assédio, prostituição, violação» e «meu corpo, meu assunto», entre tantas outras. Bandeiras arco-íris do movimento LGBT foram desfraldadas, confirmando a anunciada adesão deste à manifestação.

Na sua página no Facebook, a Marcha das Mulheres afirmou que a iniciativa foi preparada para confrontar «a violência da extrema-direita, a violência doméstica, sexual, económica e psicológica», bem como a pressão e a violência da estrutura patriarcal». Diversos manifestantes expressaram à Uniam o seu apoio à Convenção de Istambul1, em particular à protecção das mulheres da violencia que sobre elas se exerce, da luta pela igualdade de oportunidades epela abolição de estereótipos de género.

Manifestantes atacados, polícia interveio

A manifestação decorreu de forma animada e pacífica mas, à chegada à praça Mykhayliv, a Marcha das Mulheres teve de enfrentar uma contra-manifestação de algumas dezenas de oponentes. Homens e mulheres empunhavam cartazes com palavras de ordem como «Deus! Pátria! Patriarcado!», «o feminismo destrói a família ucraniana», e «o feminismo moderno desfigura a imagem divina da Mulher», e bandeiras das organizações neo-nazis Movimento Tradição e Ordem e Frente Nacionalista Cristã.

Apesar de separados por um impressionante cordão policial, as altercações sucederam-se entre os dois grupos de manifestantes. Algumas tentativas de agressão foram prontamente reprimidas pela polícia e vários extremistas foram presos, com a a agência Tass a informar da sua libertação, pouco depois dos incidentes.

Os participantes na Marcha das Mulheres não desmobilizaram com os confrontos e a manifestação continuou combativa até ao seu final.

Uma boa cobertura fotográfica e em vídeo da marcha do evento pode ser encontrada em notícia publicada pelo sítio Informator (legendas apenas em russo e ucraniano).

Um impressionante dispositivo policial

Depois de, em 2017 e em 2018, as celebrações do Dia Internacional da Mulher terem sido atacadas e interrompidas em diversas localidades da Ucrânia, o governo de Piotr Pososhenko recebeu alertas de governos e ONGs para garantir a impossibilidade de se repetirem os acontecimentos.

Na véspera, 7 de Março, a Amnistia Internacional (AI) chamou as autoridades ucranianas a garantirem que os participantes nos eventos assinalando o Dia Internacional da Mulher seriam protegidos de actos violentos, publicou a Rádio Europa Livre (Radio Free Europe, RFL), um insuspeito meio de comunicação social do governo norte-americano para o Leste Europeu. Na mesma notícia referia-se que Oksana Pokalchuk, a directora do escritório ucraniano da AI, afirmara que as autoridades ucranianas «falharam a adequada protecção» nesses eventos nos últimos dois anos e que tal conduzira a «ferimentos em pacíficos manifestantes».

Não foi a primeira vez que a AI criticou as autoridades ucranianas por falhas no impedimento ou na investigação de «numerosas» violações de direitos humanos cometidos contra activistas, segundo a RFL, em particular sobre os defensores dos direitos da mulher, membros da comunidade LGBT, opositores políticos e minorias étnicas.

Em mês de eleições, Poroshenko não quis arriscar as críticas ocidentais e mobilizou para enquadrar os manifestantes um impressionante dispositivo policial, compreendendo centenas de membros da temida polícia de choque ucraniana.

A elite e os neo-nazis contra os direitos da mulher

A prevenção da AI tinha toda a razão de ser. Apesar de a estação americana não o referir, as semanas que precederam o dia 8 de Março foram férteis em ameaças aos manifestantes, feitas não só pelos neo-nazis mas também por deputados e jornalistas que integram a elite no poder em Kiev. Andrey Manchuk, em artigo publicado no sítio ukraina.ru (em russo), descreveu várias dessas situações.

Segundo Manchuk, «nacionalistas ucranianos» colocaram recentemente online um «vídeo escandaloso», «apelando directamente» a represálias contra os participantes nas celebrações do Dia Internacional da Mulher, em Kiev e outras cidades ucranianas.

No vídeo, os nacionalistas, de cara descoberta por «conscientes da sua impunidade», como sublinha o articulista, afirmam que «as feministas defendem o ódio aos homens e desrespeitam a nossa Pátria e as tradições culturais e religiosas da Ucrânia». Vão mais longe: «uma feminista não é uma mulher, é uma doença».

Na opinião de Manchuk, este verdadeiro «terror anti-feminista» apenas é possível por o establishment político ucraniano ser «extremamente hostil à celebração do 8 de Março», que vê como uma celebração «comunista» e «pró-soviética», hostilidade que estendem à actual Federação Russa, que manteve este feriado, um dos mais importantes no tempo da URSS.

«Quanto ao 8 de Março, penso que cada vez mais ucranianos compreendem que não podemos viver no mesmo ritmo do país agressor. Esta sincronicidade na celebração de algumas datas com um país que está a tentar destruir o nosso Estado enfraquece-nos […], lutamos pela sua abolição», cita Menchuk como tendo afirmado Vladimir Vyatrovich, director do Instituto para a Memória Nacional da Ucrânia. Terá ainda muito a fazer para convencer os ucranianos: segundo Manchuk, uma recente sondagem do Canal 24 terá dado 55% dos ucranianos como desejando que o feriado continuasse a realizar-se «como nas décadas anteriores».

A elite ucraniana é diferente da maioria da população. Iryna Gerashchenko, presidente da Verkhovna Rada (parlamento), escreveu na sua página que «beberia um copo» no dia 8 de Março para «não o festejar». Manchuk considera esta declaração «particularmente chocante»: o Dia Internacional da Mulher é «universalmente considerado um dos mais importantes» eventos celebratórios, «simbolizando o triunfo do progresso social», esta atitude sendo possível apenas «por o país se encontrar num rumo retrógrado» relativamente ao progresso social.

Gerashchenko é membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (Parliamentary Assembly of the Council of Europe, PACE) mas esta democrática instituição europeia, que na sua página inicial apela, por ocasião do 8 de Março, para a necessidade de luta contra a violência sobre as mulheres, deve desconhecer não só as afirmações do seu membro como a verdadeira situação na Ucrânia: uma delegação da PACE, que esteve recentemente no país a convite de Gerashchenko, concluiu que «o ambiente geral da Ucrânia deverá permitir a realização de eleições democráticas».

A agência Uniam junta-se ao coro contando a «verdadeira» história do Dia Internacional da Mulher. Em artigo citado por Manchuk, a agência noticiosa oficial apresenta-o como o «feriado das prostitutas em protesto», que terá sido dirigido por comunistas os quais, mais tarde, «apresentaram as prostitutas às mulheres trabalhadoras». Este «verdadeiro relato» tem sido amplamente reproduzido nas redes sociais, segundo Manchuk.,

Para Elena Suslova, da organização patriótica Centro de Consulta e Informação da Mulher, apenas «cerca de 20 países têm este dia como feriado» e, na sua maioria, são «países que votam nas nações Unidas com a Rússia contra a Ucrânia».

Todo este ambiente, segundo Manchuk, prepara uma «descomunização» do Dia Internacional da Mulher, «privando-o do seu significado original» de luta e «substituindo-o por uma versão festiva tipo “Dia da Mãe”». Processo que se interrompe neste eleitoral mês de Março por os candidatos não quererem alienar os votos de milhões de mulheres e homens que ainda vêm o 8 de Março como um feriado a manter.

Mas a inconveniência da celebração do Dia Internacional da Mulher, para as autoridades ucranianas, vai mais longe do que um simples «complexo anti-soviético». Afinal, conclui Manchuk, cada sua celebração «chama a atenção para a situação das mulheres ucranianas, que mais do que ninguém sofrem com a crise sócio-económica, discriminação e violência» que afectam a sociedade ucraniana enquanto o presidente Poroshenko reúne em Kiev o Fórum Familiar da Ucrânia.

«Elas não podem brindar como Gerashchenko, porque perderam os seus empregos, ou têm de trabalhar por tostões e são forçadas a emigrar», sublinha Manchuk, trabalhando em condições penosas como as «da mulher que, no ano passado, deu à luz numa fábrica polaca e tentou matar o filho na casa de banho». Das que «vivem na zona de conflito no Donbass e caem nas redes de escravatura sexual», das que não «têm possibilidade de dar à luz» e são forçadas a abortar «porque pura e simplesmente não têm meios de manter os filhos». Ou das reformadas «forçadas a viver no limiar da sobrevivência».

A tragédia de todas estas mulheres, conclui Manchuk, mostra a «crescente urgência» de celebrar o 8 de Março na Ucrânia.


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O número de assassinatos com motivos políticos tem vindo a crescer na Ucrânia desde o início da guerra. São exemplo, nos últimos dias, os casos de Maxim Ryndovskiy, um atleta de MMA (artes marciais mistas), torturado e assassinado por um grupo neo-nazi em Kiev, e Denis Kireev, que havia participado, em nome da Ucrânia, nas negociações com a Federação Russa, assassinado sumariamente pelos SBU.

«A FMJD convoca as suas organizações membros, toda a juventude e pessoas de todo o mundo a expor esta situação», exigindo, junto das representações diplomáticas da Ucrânia, por todo o mundo, acção no sentido de travar um possível assassinato, sem julgamento nem possibilidade de defesa, violando os princípios da declaração universal dos direitos humanos.

«​​Liberdade para Mikhail e Aleksander Kononovich!»

Em Portugal, a Juventude Comunista Portuguesa (JCP), filiada na FMJD, denunciou, em comunicado, o «hediondo acto» cometido pelos SBU, exigindo o assegurar da «integridade física dos dois dirigentes juvenis» e o fim «desta criminosa detenção». 

«O caminho da paz, que a juventude e os povos do mundo reclamam, não se faz com o corte de direitos fundamentais nem com mais armas, violência e destruição»​​​​​, argumentam os jovens comunistas, «a solidariedade e ajuda aos povos que sofrem as dramáticas consequências da guerra não pode ser confundida com a legitimação da xenofobia, da violência, da censura e discriminação».

«​​A juventude, e em particular os jovens comunistas ucranianos, que viram o Partido Comunista da Ucrânia ser alvo de um processo de ilegalização em 2015, podem contar com a profunda solidariedade da JCP e dos jovens comunistas portugueses», reafirmando, uma vez mais, a necessidade de pôr termo à guerra.

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Agora, «após meses de abuso, tortura e violação dos seus direitos cívicos num centro de detenção em Kiev, a pretexto de uma falsa acusação com um claro viés ideológico, a única solução é a sua libertação incondicional e o fim da repressão e perseguição política da oposição», defende a Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD).

A campanha de solidariedade, convocada para a próxima semana, tem como objectivo aumentar a pressão social, «à escala global», pela libertação dos irmãos Kononovich, que pertencem a uma organização que integra a FMJD: a ilegalizada Juventude Comunista Leninista da Ucrânia.

«Apelamos a todos os jovens anti-imperialistas e antifascistas que redobrem os seus esforços e a sua solidariedade» nesta campanha. O apelo, dirigido à juventude, sugere a dinamização de acções nas ruas, pressionando «as instituições e embaixadas ucranianas nos nossos países».

Ainda antes da invasão russa, Mikhail esteve directamente envolvido nas fortes mobilizações populares para impedir a privatização de terrenos agrícolas públicos por parte do governo de Volodymyr Zelensky, que permitiria a sua alienação a grandes grupos económicos estrangeiros.

A Federação Mundial da Juventude Democrática foi fundada em 1945, agregando dezenas de movimentos e organizações antifascistas contra a guerra nuclear e na defesa da paz. A Juventude Comunista Portuguesa (JCP) integra a FMJD, em Portugal.

As acções e declarações de apoio no âmbito desta campanha já estão a ser divulgadas nas redes sociais através do hashtag #FreeKononovich.

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Agora, nunca me verão dizer que não deve haver jornalistas no lado controlado pela Ucrânia. Essa é a grande diferença. 

Hoje, jornalistas como Kapucinsky, Hemingway ou Robert Fisk são vistos como exemplos. O primeiro escreveu um grande livro sobre o trabalho que fez quando acompanhava a guerra civil em Angola, no lado controlado pelo MPLA, o segundo esteve no lado republicano da guerra civil espanhola e o terceiro fez uma entrevista ao Bin Laden. Entrámos num nível tal de controlo editorial e político, onde encaixo a proibição de canais russos na Europa, que são vários os meios que rasgaram de forma aberta e pública as antigas declarações de amor à objectividade e imparcialidade.

Sob a acusação de ser um espião russo, prenderam um jornalista basco na Polónia [Pablo González, colaborador frequente do Público espanhol e ao serviço do La Sexta TV, está preso há mais de 9 meses, sem julgamento] quando cobria a crise dos refugiados e ninguém parece demasiado preocupado com isso. Voltámos à guerra fria e ao maccarthismo.

Como analisas a cobertura da guerra feita pelos orgãos noticiosos portugueses? Notas algum contraste em relação a outros meios mainstream europeus?

Não. Em geral, seguem a mesma linha. Há excepções, contudo. Por exemplo, três canais italianos, incluindo a RAI, tiveram repórteres no lado controlado pelos russos. A Grécia também. De resto, há uma informação muito uniforme, o que não deixa de ser curioso.

Durante muitos anos justificava-se essa uniformidade porque a maioria dos meios não queria gastar dinheiro a enviar jornalistas para determinados cenários de guerra. Então, todos compravam as mesmas reportagens das principais agências. Agora, houve uma aposta muito grande em enviar repórteres mas a abordagem é praticamente igual em todo o lado. Algo que falta muito e, parece-me intencional, é a ausência de contexto.

O objectivo é claro: que não haja uma leitura histórica do conflito.

As populações de Donetsk, Mariupol, estranhavam a tua presença? Em certo momento eras dos únicos jornalistas a trabalhar na região. Com tão pouca presença mediática europeia, não estranhavam um português? Estavam satisfeitas por alguém as ouvir? 

Houve um momento em que era o único repórter a trabalhar para meios ocidentais em todo o lado controlado pelos russos. Não olho para isso como um feito mas como uma tragédia. É a morte do jornalismo.

Naturalmente, havia muita surpresa e também desconfiança. Afinal de contas, eu venho de um país cujos impostos são usados também para financiar as armas que matam civis em Donetsk. No Hospital de Traumatologia da cidade, houve vários pacientes que se recusaram a falar comigo por isso mesmo, por ser um jornalista de um país da NATO. Numa reportagem num mercado, houve uma idosa que gritou comigo e outro repórter acusando-nos de sermos responsáveis pelo que lhes estava a acontecer. Mas aconteceu em muitas ocasiões o contrário, entendendo o nosso trabalho, agradecendo e até encorajando.

Em Mariupol, a situação era tão desesperante que nos pediam ajuda para comunicarmos com familiares a viver no estrangeiro. Ali, até de enfermeiros fizemos para salvar a vida a uma idosa que apanhou com os fragmentos de uma mina anti-pessoal. Evitar quase sempre trabalhar em excursões organizadas pelas forças russas tornava o trabalho mais livre mas também mais perigoso. Foi um trabalho que exigiu muito tacto e sensibilidade com os civis, também com os militares, mas creio que a avaliação geral é positiva.

Já trabalhaste noutros cenários de guerra e conflito. Todos os conflitos são diferentes, mas há alguma características no Donbass que destaques?

Estive, em 2017, num acampamento das FARC, na Colômbia, num momento prévio à entrega de armas mas já durante o processo de paz. Havia uma tensão natural e prosseguiam os assassinatos de líderes sociais. Contudo, era um contexto totalmente diferente. No ano seguinte, visitei o Donbass e foi o meu primeiro contacto com a guerra civil que havia começado em 2014. Aí já ouvi alguns bombardeamentos, mas esporádicos. Apesar da violação constante dos Acordos de Minsk, havia já um conflito de baixa intensidade.

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Gustavo Petro quer escrever uma «história nova» para a Colômbia

A candidatura do Pacto Histórico, coligação de forças progressistas e de esquerda, venceu as eleições presidenciais na Colômbia. Petro definiu o triunfo como «histórico» e defendeu a aposta na paz.

Gustavo Petro e Francia Márquez, do Pacto Histórico, celebrando o triunfo nas eleições presidenciais na Colômbia 
Créditos / @petrogustavo

Com a totalidade dos votos escrutinados, a candidatura do Pacto Histórico, integrada por Gustavo Petro e Francia Márquez, obteve 11 281 013 votos (50,44%) na segunda volta das eleições presidenciais, celebradas este domingo.

Já a candidatura apoiada pelas forças de direita, composta por Rodolfo Hernández e Marelen Castillo, alcançou 10 580 412 votos (47,31% dos votos válidos), informaram as autoridades eleitorais colombianas.

Conhecidos os resultados, Petro e Francia Márquez dirigiram-se para o coliseu Movistar Arena, em Bogotá, onde se juntaram a milhares de apoiantes que ali festejavam o triunfo do Pacto Histórico, num país onde os governos, por norma, são conservadores de direita e extrema-direita.

«É história aquilo que estamos a escrever neste momento, uma história nova para a Colômbia, para a América Latina, para o mundo», disse o novo presidente eleito, sublinhando que aquilo que aí vem é «uma mudança real» e que não irá trair o eleitorado que «gritou ao país, à história, que a partir de hoje a Colômbia muda».

Num discurso conciliador, Gustavo Petro afirmou que não se trata de uma «mudança para nos vingarmos, uma mudança para construir mais ódios, uma mudança para aprofundar o sectarismo na sociedade colombiana».

O chefe do novo governo, que tomará posse a 7 de Agosto, destacou ainda que a força expressa pelo povo nas urnas vem de longe, de gerações que já não estão, porque as forças que contribuíram para o triunfo do Pacto são um acumulado de cinco séculos de resistência e rebeldia contra a injustiça, a discriminação e a desigualdade.

A paz como aposta central

Num coliseu em festa, Gustavo Petro sublinhou que o objectivo primordial do seu mandato é a paz. «Significa que não vamos, a partir deste governo, utilizar o poder em função de destruir o oponente. Significa que nos perdoamos. Significa que a oposição que teremos […] será sempre bem-vinda ao Palácio de Nariño para dialogar sobre os problemas da Colômbia», afirmou, citado pela Prensa Latina.

Falando para milhares de pessoas, Petro disse que «não pode continuar o clima político que acompanha os colombianos neste século de ódios, de confrontos, literalmente de morte, de perseguições, de isolamento».

Com o governo que irá liderar, acaba-se a perseguição política, a perseguição jurídica, «haverá apenas respeito e diálogo», disse, insistindo na criação de um grande pacto, que deve abranger toda a sociedade.

«Alcançámos um governo do povo»

Francia Márquez, vice-presidente eleita da Colômbia, saudou todos os sectores que tornaram possível o triunfo do Pacto Histórico, tendo afirmado que, ao cabo de 214 anos, se deu um passo muito importante: «alcançámos um governo do povo.»

«Vamos reconciliar este país, pela paz, sem medo, pela vida, pelas mulheres, pelos direitos da comunidade diversa LGTBQI+, pelos direitos da Mãe Terra, para erradicar o racismo estrutural», afirmou.

Lembrando todos aqueles que sofrem a violência e desigualdade no país, teve ainda palavras de reconhecimento para quem perdeu a vida nas lutas da Colômbia.

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O que acontece hoje é de uma dimensão totalmente diferente. Caem cerca de cem projécteis todos os dias em Donetsk. Em média, há mais de um morto por dia na cidade. Mais de 2 100 feridos desde Fevereiro. E estamos a falar de uma cidade que não está em disputa, não tem combates terrestres, não tem homens a combater no seu interior. Mariupol, sim, estava em disputa e foi, de facto, um inferno. Havia mortos por todas as partes. 

Parece-me que é um erro dizer que esta guerra é apenas entre a Rússia e a Ucrânia. Há milhares de combatentes estrangeiros do lado ucraniano, armas ocidentais, estrategas militares ocidentais a assessorar operações, quando não a comandar, Kiev tem o apoio da inteligência dos satélites ocidentais, etc... Do outro lado, há combatentes das diversas realidades nacionais da Federação Russa, há os soldados do Donbass a combater desde 2014, assim como os cidadãos mobilizados desse mesmo território, há o grupo Wagner... Ou seja, há uma complexa teia diversa de afinidades e contradições.

Do ponto de vista mais geral, esta guerra representa um momento histórico de grande significado porque põe frente a frente duas realidades geopolíticas que se vinham confrontando de forma económica, política e também militar, mesmo que de forma indirecta, sobretudo no Médio Oriente, em que o Ocidente vê o seu poder questionado. É ingénuo acreditar que a guerra vai acabar sem que Washington ou Moscovo tenham uma palavra a dizer. A implicação do Ocidente é, hoje, tão óbvia que isso tem um preço nas nossas economias. 

Como vês a situação actual do Donbass? Depois da realização de referendos sem particular credibilidade, com enormes migrações internas, milhões de pessoas a abandonar a região, é expectável uma estabilização da situação?

A credibilidade dos processos eleitorais há muito que é algo secundário no contexto internacional. Há uma avaliação subjectiva em função dos interesses de cada país. O Kosovo tornou-se independente sem referendo, Juan Guaidó foi reconhecido presidente por muitos países sem qualquer eleição. Isso parece-me particularmente grave. À luz do que vi, de facto, não foram referendos que cumprissem aquilo que consideramos serem processos democráticos, embora não me pareça haver grandes dúvidas sobre a vontade daquela gente.

Basta ver o histórico eleitoral desde 1991 até 2014. Há um padrão praticamente inalterado de vitórias de forças pró-russas e comunistas. Toda a gente que entrevistei me disse que pouco lhe importava o não reconhecimento dos referendos por parte do Ocidente, uma vez que o Ocidente pouco se importou com a situação destas pessoas nos últimos oito anos. Parece-me que teria sido um passo para a paz se a Ucrânia e a Rússia aceitassem a realização de referendos com todas as garantias dando a palavra às populações com observadores dos dois lados. Não me parece que haja espaço para isso quando Kiev não cumpriu sequer os Acordos de Minsk em que estava previsto dar autonomia a estes territórios.

A Ucrânia não vai aceitar nunca a anexação do Donbass e das restantes regiões, incluindo a Crimeia, e, nesse sentido, a única perspectiva de estabilização virá com o fim da guerra que dependerá mais de Washington do que de Kiev. Sozinha, a Ucrânia não tem condições de manter esta dinâmica militar.

As populações do Donbass fazem ideia da dimensão do apoio à figura de Zelensky na União Europeia? Nos meios de comunicação, institucionais, nas redes sociais...

Sim, há essa noção. Para eles, o inimigo não é apenas Zelensky. São também os Estados Unidos e a União Europeia. E até a ONU é uma instituição questionada, sobretudo Guterres, acusando-o de declarações parciais. Há uma visão da Europa, não isenta de preconceitos, em que somos vistos como individualistas, demasiado apegados ao dinheiro e ao consumo, pouco dados aos valores da família e da comunidade, pouco solidários e, naturalmente, somos considerados fantoches dos norte-americanos. Mas também sabem que há gente que protesta, que não está de acordo com determinadas políticas e que se mobiliza contra a guerra.

O que me parece grave é que os líderes europeus fazem tudo para meter gasolina na fogueira como foi o caso de Josep Borrell, dizendo que a Europa era um jardim e o resto do mundo uma selva. Isto significa reforçar, no resto do mundo, o antagonismo ao eurocentrismo e a esta ideia de que a Europa é um oásis civilizacional no meio dos selvagens. 

Tipo de Artigo: 
Entrevista
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Autor de Artigo Livre: 
João Manso Pinheiro

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Que um livro que relata a experiência do repóter de guerra nas regiões do Donbass seja agora, em Portugal, alvo de uma tentativa descarada de censura por parte de uma Associação de Ucranianos liderada pelo antigo assessor (Pavlo Sadokha) de um partido de extrema-direita fascista ucraniano (Svoboda), não espanta: em ambos os países «há quem queira que regresse o tempo em que se censurava literatura e se prendiam escritores e jornalistas».

«Na sua visão unilateral e totalitária, esta associação quer impor em Portugal aquilo que acusa Moscovo de fazer: impor o pensamento único e acrítico, impedir o pluralismo e instaurar a perseguição e o assédio sobre quem não segue a sua linha».

A Guerra a Leste: 8 Meses no Donbass vai ser apresentado amanhã, 9 de Abril, às 18h30, na livraria Bucholz, em Lisboa, com a participação do Major-General Carlos Branco e Zeferino Coelho, histórico editor da Caminho. As sessões sucedem-se com a apresentação do livro em Coimbra (11 de Abril, às 18h, na Casa Municipal de Cultura), com a presença de Manuel Pires da Rocha, e no Porto (na Universidade Popular) com a promoção da Unicepe.

«São todas e todos bem-vindos à apresentação do livro que será, entre outras coisas, mais uma oportunidade para exercermos o direito à liberdade de expressão», afirma o autor.

Uma associação capturada pelas lógicas e narrativas da extrema-direita saudosista do neo-nazismo

A campanha para ilegalizar o livro A Guerra a Leste: 8 Meses no Donbass não conseguiu, até agora, apesar das várias tentativas, censurar a divulgação da obra e impedir que a população portuguesa (e estrangeira) aceda à mesma. Pressões públicas contra a livraria Bucholz, em Lisboa, onde vai ser apresentada a obra; contra a editora Leya (que editou o livro, na chancela Caminho); e contra a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Criança e Jovens, falharam.

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Pavlo Sadokha: O que se esconde por trás do cargo de dirigente associativo?

Foi assessor de um deputado do Svoboda, partido de extrema-direita inspirado na figura de Stepan Bandera (cuja colaboração com os nazis Sadokha nega) e tem ligações a movimentos como o Azov e o Sector Direito. 

Créditos / CNN Portugal

Já praticamente ninguém fica indiferente ao rosto deste ucraniano, a viver em Portugal há 21 anos. Em 2010, Pavlo Sadokha passou a presidir à Associação dos Ucranianos em Portugal e, desde Fevereiro, último passo do conflito que vigora na Ucrânia desde 2014, tem assumido a tarefa de alimentar a xenofobia, violando princípios do nosso regime democrático.

Qualquer relação com a actuação do regime de Kiev desde o golpe de Estado apoiado pelos EUA, UE e NATO, e no qual os militantes do Svoboda desempenharam um papel decisivo, não é mera coincidência, mas já lá vamos. 

Esta quinta-feira, o Setenta e Quatro traçou o percurso de Pavlo Sadokha e a relação deste com a extrema-direita. O online recorda que, entre 2012 e 2014, Sadokha foi assessor do deputado do Svoboda, Yuriy Syrotiuk, eleito nas legislativas de 2012 e ex-chefe de imprensa do partido de extrema-direita. 

Pavlo Sadokha e outros elementos da Associação dos Ucranianos em Portugal com bandeiras do ultranacionalista Sector Direito/Yaroslav Shevchyshyn Créditos

Syrotiuk «tornou-se ainda mais conhecido ao ser detido por causa dos confrontos entre militantes de extrema-direita (Svoboda e Sector Direito) e a polícia, em frente ao parlamento ucraniano, a 31 de Agosto de 2015», onde mais de 90 polícias ficaram feridos, regista o Setenta e Quatro. Os deputados preparavam-se para aprovar uma emenda constitucional para dar mais autonomia a Donetsk e Lugansk, por causa dos Acordos de Minsk de 2015, a que a extrema-direita ucraniana sempre deu combate no sentido de não serem cumpridos.  

A investigação lembra que a ideologia de Yuriy Syrotiuk já era bem conhecida antes de Pavlo Sadokha ser seu assessor, tendo sido alvo de uma «polémica nacional por comentários xenófobos e de pureza da identidade ucraniana contra a cantora Gaitana, filha de mãe ucraniana e pai congolês, por ir representar o país no Festival Eurovisão da Canção de 2012». 

«A Ucrânia não será representada por uma pessoa que não é da nossa raça. Ela não é uma representante orgânica da nossa cultura. O telespectador vai acabar por acreditar que o nosso país está noutro continente, em algum lugar de África», disse Syrotiuk, citado pelo Kyiv Post a 21 de Fevereiro de 2012. 

Dando corda à campanha persecutória e xenófoba, Sadokha, que mais tarde acabaria por se afastar do Svoboda, alega que, quando entrou na associação, «a comunidade em Portugal tinha uma clara posição contra Yanukovitch, desde o início que sabíamos que era pró-russo». O dirigente assume ao Setenta e Quatro que a ida para assessor de Syrotiuk tinha como objectivo «ter mais poderes cá em Portugal». Ter, sobretudo, «mais autoridade» junto do então embaixador ucraniano, Oleksandr Nykonenko, nomeado por Yanukovitch, e, por inerência, influência junto da diáspora ucraniana. 

A função permitiu-lhe ter «mais possibilidade de oficialmente escrever cartas, pedidos, exigências», de que é exemplo a carta onde defendia o Svoboda (ver caixa), depois de, em 2012, o Conselho da Europa ter alertado para a falta de medidas de combate ao racismo por parte do Estado ucraniano. Nas legislativas de 2012, o Svoboda conseguiu eleger 37 deputados em 450, passou a receber financiamento estatal e as campainhas soaram.

Numa resolução de Dezembro de 2013, o Parlamento Europeu manifestou «preocupação com o crescente sentimento nacionalista na Ucrânia, expresso no apoio ao partido Svoboda», tendo em conta os seus «pontos de vista racistas, antissemitas e xenófobos», mas Sadokha voltou a discordar e subscreveu uma carta aberta ressalvando que a Ucrânia não precisa de condenações por causa de «equívocos falsos e difamatórios», pedindo para se retirar a resolução.

Bandera, o herói da extrema-direita

Em Janeiro de 2010, o então presidente ucraniano, Viktor Yushchenko, resolveu atribuir ao colaboracionista da Alemanha nazi Stepan Bandera, considerado o fundador do «nacionalismo» ucraniano, o título póstumo de Herói da Ucrânia. A decisão havia de ser revogada pelo sucessor de Yushchenko, Viktor Yanukovych, que declarou o título póstumo ilegal, e que um tribunal ratificou, tendo o título sido anulado em 2011.

Pavlo Sadokha esteve entre os que se manifestaram contra, tendo sido um dos subscritores de uma carta assinada por líderes de associações ucranianas em Portugal, Alemanha, Itália, Espanha e Grécia, e onde se lia que, «como um dos mais brilhantes combatentes do Estado Independente e Conciliar da Ucrânia, [Stepan Bandera] é um símbolo da Ucrânia Independente».

«É um herói não para uma parte da Ucrânia, mas para cada ucraniano consciente, independentemente do local de residência: no oeste ou no leste da Ucrânia, ou no exterior. Stepan Bandera e a Organização dos Nacionalistas Ucranianos, chefiada por ele, tornaram o nascimento do Estado ucraniano mais perto [de acontecer] do que qualquer outra pessoa, dando a coisa mais preciosa para este objectivo sagrado: as suas próprias vidas», referia a missiva citada pelo Setenta e Quatro

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Ucrânia volta a assinalar aniversário do nascimento do fascista Bandera

Há vários anos que fascistas e nacionalistas ucranianos realizam marchas de tochas para louvar a figura do colaborador nazi. Em Dezembro, o Parlamento decretou que o dia é feriado nacional na Ucrânia.

Marcha em honra de Stepan Bandera em Kiev
Créditos / Twitter

Milhares de pessoas participaram esta terça-feira em marchas de tochas realizadas em várias cidades da Ucrânia, promovidas por partidos de extrema-direita (Pravi Sektor e Svoboda) e organizações abertamente neonazis (C14 e Natsionalni Korpus) para assinalar o 110.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera, líder nacionalista ucraniano e colaborador das SS nazis.

De acordo com a agência TASS, em Kiev, a mobilização, que juntou cerca de 2000 pessoas, contou com a participação de deputados do Parlamento ucraniano, militantes de forças de extrema-direita e representantes das regiões da Ucrânia.

Ao longo do trajecto, os manifestantes exibiram tochas, bandeiras nacionais e de organizações fascistas, e fizeram ouvir «palavras de ordem contra a Rússia», revela a mesma fonte.

Em meados de Dezembro, o Parlamento ucraniano aprovou uma resolução sobre a «comemoração de datas memoráveis e aniversários», em que se inclui o do nascimento de Stepan Bandera. O dia 1 de Janeiro passou então a ser um feriado nacional. Por seu lado a região de Lvov, no Ocidente do país, declarou 2019 como ano de Stepan Bandera.

Bandera, colaborador nazi e herói nacional

Stepan Bandera foi um líder destacado da Organização de Nacionalistas Ucranianos, surgida no final dos anos 20 para lutar pela criação de um Estado ucraniano independente. Com esse objectivo, a sua ala militar – Exército Insurgente Ucraniano (UPA, na sigla ucraniana) – colaborou com as forças nazis, lutando contra polacos e contra o avanço do Exército Vermelho, na Segunda Guerra Mundial.

Estima-se que, entre 1943 e 1944, tenha sido responsável pela limpeza étnica de dezenas de milhares de polacos na região ocidental da Ucrânia – algo que foi reconhecido pelo Parlamento da Polónia, em 2016, como um «genocídio».

Bandera colaborou com os nazis, ajudando a recrutar e a formar unidades de «nacionalistas ucranianos» para combater os soviéticos durante a guerra. Membros do seu movimento são acusados de participar em massacres, nomeadamente de judeus, polacos, comunistas, e de participar na organização de campos de concentração nazis.

No final do conflito mundial, o UPA continuou activo, colaborando com os serviços secretos de vários países ocidentais em actividades contra a União Soviética e contra a Polónia socialista, cujo exército combateu.

Actualmente, Stepan Bandera é visto como um herói nacional da Ucrânia – um estatuto que lhe foi reconhecido em 2010 pelas autoridades do país. Em 2015, já depois do golpe fascista de Fevereiro de 2014 em Kiev, o Parlamento ucraniano passou a considerar as actividades da Organização de Nacionalistas Ucranianos e do Exército Insurgente Ucraniano como «luta pela independência da Ucrânia».

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Mas Sadokha não se ficou pelas palavras de elogio a Bandera, cujo lema era «limpar» a Ucrânia de indivíduos de outras nacionalidades, em especial de russos e polacos, alargando o objectivo de «purificação» étnica a ciganos, húngaros, checos e judeus, tendo colaborado activamente com o exército alemão. O presidente da Associação de Ucranianos em Portugal integrou a visita de um grupo de ucranianos, em Outubro de 2019, à campa do líder de extrema-direita ucraniano em Munique, na Alemanha, rendendo-lhe homenagem.

Além de Sadokha, refere o online, «vários membros da Associação de Ucranianos em Portugal têm fotos nas suas redes sociais em apoio a Stepan Bandera, imagens com a bandeira ultranacionalista vermelha e preta e a empunhar uma faixa do Sector Direito». 

Sadokha também recusa o que os livros de História ensinam sobre Bandera. «Todas estas histórias de que foi colaborador da Alemanha nazi, que trabalhava com a Gestapo, não passam de propaganda russa. É igualmente como falam agora do [neonazi Movimento] Azov», disse ao Setenta e Quatro.

Russo foi banido e o PC da Ucrânia ilegalizado 

Com o golpe de Estado de 2014 e a deposição do presidente Yanukovich, o Svoboda integrou por alguns meses a coligação governamental, até à realização de novas eleições. Desde então, o russo, de acordo com o programa do Svoboda, foi banido como segunda língua oficial e o Partido Comunista da Ucrânia foi proibido, com o processo de ilegalização a ficar concluído em 2015.

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Que segurança encontram em Lisboa ucranianos que fugiram da lei marcial?

Atribuir a gestão do apoio a uma associação com posições nacionalistas, indicada pela Embaixada da Ucrânia, deixa os refugiados numa posição vulnerável, alerta João Ferreira, vereador do PCP na Câmara de Lisboa.   

Refugiados ucranianos trazidos pela caravana humanitária Missão Ucrânia à sua chegada a Portugal. Lisboa, 19 de Março de 2022  
CréditosRodrigo Antunes / Agência Lusa

Numa altura em que as atenções se concentram na Câmara Municipal de Setúbal, que no início de Abril interpelou o Governo (sem sucesso) sobre a associação que colabora com autarquias de Norte a Sul no âmbito do apoio aos imigrantes do Leste da Europa, o Município de Lisboa aprovou, na última sexta-feira, um protocolo de colaboração com a Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP), com base numa indicação da Embaixada.

O mesmo visa «garantir às pessoas refugiadas da Ucrânia, referenciadas pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e que pretendam fixar-se no concelho de Lisboa, apoio social imediato, logo na fase inicial de acolhimento e integração», prevendo-se a atribuição de apoio financeiro, no montante de 320 mil euros até 2023.

A decisão de atribuir a gestão do apoio aos ucranianos a uma associação, cujo responsável, Pavlo Sadokha, tem vindo a tecer considerações provocatórias e xenófobas, levou os eleitos do PCP na Câmara de Lisboa a votar contra o protocolo de colaboração, por considerarem que a AUP «não reúne condições de idoneidade». E tendo em conta existirem outras associações de imigrantes ucranianos com intervenção na cidade de Lisboa e outras de âmbito mais geral, com intervenção reconhecida junto dos imigrantes ucranianos e reconhecidas pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM).

«Através da sua intervenção pública e de declarações dos seus dirigentes, [a AUP] tem pautado a sua acção por condenáveis ataques a princípios elementares do nosso regime democrático, manifestando um desrespeito pelos valores da democracia e da liberdade, como o são as manifestações de ódio dirigidas contra o PCP», lê-se na declaração de voto dos vereadores comunistas. 

Estima-se que existam actualmente na cidade de Lisboa cerca de cinco mil refugiados ucranianos e que num futuro próximo esse número possa chegar aos 7500. Ao AbrilAbril, João Ferreira alerta para a possibilidade de haver origens e convicções diferentes entre os que fogem da guerra e para os perigos que decorrem de o Município colocar nas mãos de uma associação com posições nacionalistas o apoio a estes refugiados, e também os seus dados. 

«É natural que haja, inclusive, gente que foge de uma lei marcial que determina a incorporação obrigatória dos homens na guerra», ou seja, pessoas que neste momento são perseguidas na Ucrânia. João Ferreira reforça que a obrigação do Estado português é acolher todas estas pessoas, «sem excepção», em vez de, através da Câmara de Lisboa, «colocar nas mãos da Embaixada, por interposta entidade, gente que está numa enorme vulnerabilidade, como os refractários (desertores)».

Para o vereador, o facto de esta situação «não suscitar nem um décimo da indignação e da atenção» concedida à Câmara de Setúbal «também demonstra um bocadinho o que eram as reais intenções dos tais comentários, manchetes e reacções indignadas» relativamente ao município sadino.

Na declaração de voto, os eleitos comunistas salientam o empenho na elaboração de uma resposta por parte do Município às necessidades dos refugiados da guerra na Ucrânia que chegam ao nosso país, nomeadamente à cidade de Lisboa, tendo sido co-autores do Programa Municipal de Emergência «VSI TUT – Todos Aqui». Neste sentido, e tendo em conta a experiência de intervenção e a inserção no terreno, indagam o porquê de a Câmara Municipal de Lisboa não ter considerado assegurar esta resposta através de meios próprios, «reforçados para o efeito e em articulação com entidades da Rede Social da cidade». 

O protocolo da Câmara de Lisboa com a AUP contou com votos a favor de PSD, PS, BE e Livre.

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Por cá, e a propósito das similitudes que apontámos no início deste artigo, a sugestão foi deixada recentemente pelo presidente da Refugiados Ucrânianos (Maksym Tarkivskyy), quando disse não perceber como é que Portugal «continua a ter um partido como o PCP» e, prosseguindo na ingerência, nem por que as organizações não filtram as pessoas que lá trabalham. Mas já em Fevereiro de 2017, Pavlo Sadokha se tinha insurgido contra a Assembleia da República pela decisão de condenar a Ucrânia perante a ilegalização do Partido Comunista ucraniano. 

Sadokha foi alimentando a extrema-direita

Desde 2014, a extrema-direita organizou-se e criou vários batalhões. Do Svoboda nasceu o Batalhão Sich, que acabou integrado nas forças de segurança de voluntários de Kiev, passando a denominar-se 4.ª Companhia Sich do Regimento de Kiev, uma unidade especial de polícia, continuando a receber financiamento do Svoboda. O logótipo é um cossaco (em homenagem ao povo cossaco de Zaporíjia) e as letras C14 – referência à expressão neonazi «We must secure the existence of our people and a future for white children» (Temos de garantir a existência do nosso povo e um futuro para as crianças brancas) do supremacista branco norte-americano David Lane. 

De acordo com o relatado pelo Svoboda no seu site, Pavlo Sadokha foi uma das pessoas que se deslocou, em Outubro de 2014, a Kiev para dar munições, medicamentos e alimentos ao Batalhão Sich. «Trouxemos 180 conjuntos de uniformes impermeáveis, 80 pares de boinas, muitos cobertores, uma estação de rádio e 28 caixas de agasalhos [doados] por ucranianos na Europa», disse então Sadokha, citado pelo Svoboda. «Como estava ligado a Yuriy Siriutuk, eram eles quem eu conhecia das organizações nacionalistas», afirmou ao Setenta e Quatro.

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Câmara de Setúbal: moções de censura chumbadas e imigrantes reconhecem apoio

As moções do PSD e do PS não passaram na Assembleia Municipal. Na reunião, imigrantes de várias nacionalidades reconheceram o trabalho de acolhimento realizado pela autarquia e manifestaram indignação face às notícias dos últimos dias. 

Créditos / Setúbal Mais

A Assembleia Municipal de Setúbal chumbou esta terça-feira duas moções de censura ao executivo camarário apresentadas por PS e PSD à boleia das notícias plantadas pela Embaixada da Ucrânia, de que refugiados daquele país estariam a ser recebidos por cidadãos russos com alegadas ligações ao Kremlin.

Apesar de não terem carácter vinculativo, a moção do PSD pedia a demissão do presidente da Câmara de Setúbal, André Martins (CDU), enquanto a moção do PS visava a censura da gestão autárquica, não apenas na questão da recepção aos refugiados ucranianos, tendo sido ambas rejeitadas. O documento do PS contou com votos a favor, além do próprio, do BE, IL e Ch, a abstenção do PSD e do PAN e o voto contra da CDU. A moção do PSD foi votada favoravelmente também pelo Ch, tendo merecido a abstenção do PAN, IL e PS, e o voto contra da CDU e do BE. 

Numa altura em que a autarquia não sai da agenda mediática e está inclusive a ser alvo de investigação no âmbito do trabalho de acolhimento de refugiados, foram vários os que, provenientes de vários países do Leste da Europa, e também da Ucrânia, intervieram na sessão de ontem para partilhar as experiências que viveram desde que chegaram ao nosso país, mais concretamente a Setúbal, e relatar o apoio que encontraram, como é possível perceber pelos vídeos da Assembleia Municipal de Setúbal contidos neste artigo.

«Era necessário vender uma notícia má, que se vende melhor»

Valentina nasceu na Moldávia, mas vive em Setúbal há 22 anos. Tem dupla nacionalidade, é membro da Associação de Imigrantes dos Países de Leste Edinstvo (que significa «união», em russo), apresentada pela imprensa como sendo «pró-Putin», e foi uma das intervenientes na reunião de ontem. Desta associação, contou Valentina, fazem parte imigrantes moldavos, russos «contados pelos dedos», georgianos, bielorussos, «mas a maior parte dos associados são ucranianos».

Esta técnica administrativa do Hospital de São Bernardo sublinha a «ajuda» de Igor e Yulia Kashin (que trabalhou como técnica superior na Câmara de Setúbal), visados numa notícia do Expresso de 29 de Abril como «espiões russos», na realização de cursos de Português, entre outras iniciativas, para melhor integração dos imigrantes, e expressou indignação perante as notícias vindas a público.

«Estão a denegrir a imagem destas pessoas sem provas. Chamar [alguém] de espião é muito grave e, tendo em conta que este casal tem dois filhos que estudam na escola, alguém pensou no bullying que estes adolescentes estão a sofrer? Ou era necessário vender uma notícia má, que se vende melhor?», indagou Valentina. 

Ouvido na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, esta terça-feira, Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, admitiu não ter qualquer dado concreto relativamente à Câmara de Setúbal. 

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Meses depois, e de acordo com a investigação, Pavlo Sadokha desenvolveu contactos com o Sector Direito, tendo estabelecido igualmente ligações com a extrema-direita no nosso país, como a célula portuguesa da rede neonazi Divisão Misantrópica (Misanthropic Division). 

«Nos dois anos que se seguiram ao início da guerra, Sadokha enviou mantimentos ao batalhão ultranacionalista, cujo símbolo é o tridente ucraniano numa bandeira vermelha e preta – a tal referência à palavra de ordem nazi. Fê-lo pelo menos duas vezes, em Julho de 2015 e Julho de 2016. E dois militantes do grupo de extrema-direita agradeceram num vídeo, divulgado no site da Associação de Ucranianos em Portugal», refere o  Setenta e Quatro.

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Os promotores alegam que o livro «exerce violência psicológica contra os ucranianos, incluindo crianças» e exigem que se «tomem todas as medidas legais necessárias para evitar a violência psicológica contra as crianças ucranianas em Portugal, considerando se é lícito vender propaganda russa de agressão contra a Ucrânia».

Pavlo Sadokha, líder da Associação de Ucranianos em Portugal desde 2010, foi assessor do Svoboda, partido de extrema-direita na Ucrânia. Em 2014, durante o golpe de Estado em Kiev, participou na entrega de mantimentos e material de guerra a batalhãos neo-nazis como o Pravyy Sektor, Sich e Azov. Sadokha é admirador confesso de Stepan Bandera, colaborador ucraniano do exército nazi durante a Segunda Guerra Mundial, responsável político de vários massacres que vitimaram dezenas de milhares de judeus.

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Recordemos que os comunistas russos já tiveram diversos choques com as autoridades russas. Para além das questões económicas, houve militantes comunistas detidos em manifestações. A forma de regime também é questionada no sentido em que os comunistas russos, aos quais se juntaram os comunistas de Donetsk e Lugansk, defendem um regresso ao modelo soviético.

Há, certamente, contradições entre as forças que apoiam a intervenção militar e diferentes visões sobre como o conflito deve ser resolvido. Independentemente de estarmos de acordo ou não, a questão central apresentada pelos comunistas russos é a da necessidade de derrota do fascismo na Ucrânia e, naturalmente, a ilegalização dos comunistas ucranianos, e agora de praticamente toda a oposição, tem peso nessa análise. 

Dos comunistas do Donbass com quem contactaste, qual era a posição deles em relação à Rússia de Putin (abstraindo-nos, um pouco, sobre toda a questão da invasão militar)

Vladimir Putin defende uma economia de mercado com alguma intervenção do Estado. Os comunistas defendem uma economia planificada. Há também visões distintas sobre como se deve organizar a sociedade.

Contudo, recordo que o presidente russo habilmente soube recuperar e valorizar a memória do passado soviético, sobretudo na preservação dos símbolos e dos monumentos, abdicando de confrontar uma história que é querida para uma parte substancial da população. Depois do desastre dos anos 90, com uma economia em colapso e com um presidente que abdicou da sua soberania, os russos parecem apostar na estabilidade económica e na preservação das suas fronteiras.

Dizes, a certo ponto, que não pertences a lado nenhum. É um contraste grande com a realidade no Donbass, onde tanto a população como alguns dos combatentes internacionais estão imersos numa luta de morte pelo direito a pertencer ao seu lugar

Mesmo que permaneça essa sensação de não pertencer a lado nenhum e ao mesmo tempo ser de todo o lado, ter um lugar donde se é também é um direito. Respeito muito a luta dos povos pela sua independência e autodeterminação e muitos desses combatentes estrangeiros acabaram por encontrar naquela luta e naquela terra o seu espaço. Foram recebidos de braços abertos por quem combatia e acabaram por obter a nacionalidade por parte das autoridades separatistas. Faz lembrar o título do enorme livro do jornalista Joseph North, Nenhum Homem é Estrangeiro [No Men Are Strangers, de 1958]

A luta que se trava no Donbass está muito longe de ser meramente uma disputa de territórios. Como mencionas n'A Guerra a Leste, há um confronto grande em termos de toponímia: Bakhmut mudou de nome para Artyomovsk em 1924, homenageando o revolucionário bolchevique Fyodor Sergeyev (Artyom). Voltou a mudar com a leis de descomunização de Poroshenko, em 2016. A recente conquista da cidade ditou a recuperação do nome soviético: Artyomovsk. No terreno, o confronto é muito ideológico?

«Respeito muito a luta dos povos pela sua independência e autodeterminação e muitos desses combatentes estrangeiros acabaram por encontrar naquela luta e naquela terra o seu espaço.»

Eu não diria que isso é sempre visível mas está presente. As tropas russas classificam o inimigo de fascista e essa é uma escolha que revela uma opção ideológica. Uma das consignas mais comuns no Donbass, mesmo que praticamente todos só saibam falar apenas russo, é «no pasarán», repetindo aquilo que aprenderam dos combatentes estrangeiros inspirados na guerra civil de Espanha.

Há bandeiras imperiais russas, bandeiras nacionalistas, bandeiras soviéticas, bandeiras religiosas. Do outro lado, nas minhas visitas às posições conquistadas às forças ucranianas encontrei simbologia neonazi em bandeiras, em murais, em autocolantes, também propaganda nacionalista. Há batalhões neonazis a combater pela Ucrânia que envergam todo o tipo de parafernália fascista. Aqui incluo estrangeiros, incluindo portugueses. Mas há ainda, sobretudo nas zonas mais mineiras e industriais, o culto do trabalho e do operariado, herança soviética.

Foi morto (poucos dias antes desta entrevista), o norte-americano «Texas», de Austin, nos EUA (que se juntou, após 2014, ao lado separatista) alegadamente por militares russos. Referes os encontros que tiveste com ele nesses oito meses. No final do livro destacas ainda a morte, em combate, do colombiano Alexis Castillo. O que estas pessoas procuraram no Donbass?

Tanto um como outro decidiram partir para o Donbass para combater o fascismo. As ondas do impacto do massacre de Odessa, na Casa dos Sindicatos, onde meia centena de manifestantes anti-Maidan morreu queimada, baleada e espancada, chegaram a todo o mundo.

O Alexis juntou-se às milícias separatistas inspirado pelas Brigadas Internacionais compostas por antifascistas de todo o mundo que combateram o franquismo nas trincheiras de Espanha em 1936. Foi contra a vontade do Partido Comunista dos Povos de Espanha, no qual militava na época. Aderiu posteriormente ao Partido Comunista de Donetsk.

O «Texas» tinha uma trajectória diferente. Talvez procurasse também a redenção pessoal. Esteve preso por posse de drogas, tinha servido no exército norte-americano. Depois contou-me que tinha encontrado o seu lugar. Era uma personagem muito peculiar. Houve outros tantos que caíram em combate. E na minha última viagem conheci um combatente brasileiro, que ascendeu a capitão do exército russo, de alcunha «MacGyver».

«Num jardim, em frente a uma escola, há várias sepulturas improvisadas. Numa das covas abertas, a espera de um cadáver, há uma placa: este lugar já está reservado». Há uma geração inteira de jovens e crianças que só conheceram a guerra, que dura já há 10 anos. Reparaste nalgum impacto desta realidade na juventude?

Quem tem agora 20 anos, tinha 10 quando a guerra começou. E se tem 20 anos, a não ser que esteja a estudar, está a combater na linha da frente. É uma absoluta falta de perspectiva de vida.

Conheço muitos que optaram por partir para a Rússia e começar a vida num lugar onde há alguma esperança. As aulas são à distância há cerca de dois anos, os órfãos foram transferidos para territórios seguros dentro da Rússia, as brincadeiras na rua são sempre limitadas.

Vi corpos de crianças em pedaços, famílias desfeitas. Da última vez, um só bombardeamento ucraniano atingiu uma casa no bairro de Petrovsky onde morreram três irmãos pequenos. A mãe já tinha perdido o marido na guerra e agora perdeu todos os filhos numa única noite. Ficou sem casa. É este o grau de barbárie. 

Acompanhaste, primeiro, a destruição e, meses depois, o início do processo de reconstrução de Mariupol. Na tua primeira visita, quando chegaste perto de Azovstal, presenciaste o enterro de civis nos canteiros da cidade. Foi a tua experiência mais violenta nos oito meses no Donbass?

Foi a experiência mais intensa porque foram dias seguidos de combates comigo nas ruas a absorver tudo o que via. Nunca tinha estado num cenário deste tipo. Havia mortos enterrados em qualquer lado mas também havia mortos nas ruas, nas praias, dentro de edifícios. Depois acompanhei a trasladação de muitos desses cadáveres para cemitérios nos arredores. Mas diria que um dos dias mais duros foi em Donetsk quando um bombardeamento das forças ucranianas provocou a morte de mais de uma dezena de civis numa praça movimentada da cidade. 

Ainda em Mariupol, relatas o momento em que mandaste uma mensagem a uma familiar de uma senhora na cidade, avisando-a de que a mesma estava viva. Estamos um pouco habituados, no Ocidente, a pensar nos jornalistas como fotógrafos da National Geographic, que não devem intervir com os sujeitos que observam. 

«As minhas reportagens televisivas podiam não ser fartas em qualidade estética mas a vontade e o empenho em fazer o melhor jornalismo possível estavam lá.»

Naturalmente, a guerra não pode ser um jardim zoológico. Há situações em que não podemos ser meros espectadores. E esta era uma delas. Fiz bem mais do que isso. Com outro camarada jornalista, salvámos a perna de uma mulher vítima de uma mina anti-terrestre colocada pelas forças ucranianas fazendo-lhe um garrote. Trata-se do mais elementar dever de ajudar o próximo em situações de desastre. Com isso não estava a tomar partido de ninguém ou a ajudar alguma das forças militares. Estava tão somente a ajudar civis.

«Éramos um pouco piratas». A certa altura, acabas por imprimir uns papeis a dizer PRESS e colas no material em segunda-mão que encontras. Este jornalismo improvisado, sem meios e agarrando as oportunidades à medida que vão surgindo (como fazes várias vezes ao longo dos teus oito meses de trabalho) consegue ir mais longe do que o jornalismo tradicional, que estaciona os repórteres em hotéis longe da frente?

Trata-se mais de vontade do que de capacidade. De facto, um jornalista de uma grande estação televisiva de um país como os Estados Unidos pode viajar num carro blindado com seguranças privados e toda uma equipa que o assessora na produção das reportagens. Mas, ainda assim, não havia nenhum daquele lado.

Com os nossos parcos recursos, apesar de haver naturalmente dinheiro envolvido porque não é barato arranjar um condutor, e é justo que assim seja porque aquela gente está a arriscar-se como nós, procurávamos estar onde estavam os acontecimentos. Éramos muito atrevidos, digamos assim. As minhas reportagens televisivas podiam não ser fartas em qualidade estética mas a vontade e o empenho em fazer o melhor jornalismo possível estavam lá. 

Foi essa qualidade do Donbass, de lugar pária, que atraiu este «jornalista outsider»? Habituado a estar no outro lado, nos bairros de Caracas, em áreas controladas pelas FARC, juntos dos independentistas bascos e agora nas regiões separatistas da Ucrânia

Sem dúvida. Eu gosto de dar voz a quem não tem voz. 

Oito meses no Donbass depois, ainda acreditas que «o Jornalismo deve servir para fazer do mundo um lugar melhor»?

Independentemente do estado actual do jornalismo, continuo a acreditar que deve servir para fazer do mundo um lugar melhor. Para morder os pés dos poderosos e denunciar injustiças. Para dar aos cidadãos toda a informação que precisam para construir as suas opiniões e posições em absoluta liberdade.

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