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Espólio do Notícias da Amadora sobre censura vai para a Torre do Tombo

O Arquivo Nacional da Torre do Tombo vai receber um espólio do antigo semanário Notícias da Amadora, constituído pelos cortes efectuados pela censura, entre 1958 e 1974. No total, foram censurados 502 autores.

CréditosMário Cruz / Agência Lusa

Segundo o doador, Orlando César, que dirigiu o semanário entre 1994 e o seu encerramento, em Outubro de 2006, serão entregues 2776 peças jornalísticas de diferentes géneros e 397 notícias breves, que se referem a 516 edições. Foram censurados 502 autores, num total de 1399 artigos assinados.

O autor mais censurado foi o director histórico do jornal, Orlando Gonçalves (1921-1994), «particularmente as suas 'Notas Semanais' (editoriais)», que em 18 de Abril de 1974 foi preso por razões políticas.

O jornalista tornou-se proprietário e director do jornal em 1963, função que manteve até à sua morte, em 1994, altura em que o seu filho Orlando César, jornalista desde 1970, assumiu a direcção até ao fecho do semanário.

O acervo que vai ser entregue ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) «vale pelo seu conjunto, enquanto prova do que foi ocultado aos portugueses, no caso do Notícias da Amadora, durante 16 anos», de 1958 a 1974. «Vale pela identificação das diferentes temáticas ocultadas por contrariarem o discurso da propaganda oficial e a noção de realidade construída pela ditadura. Constituem testemunhos e provas que atestam a realidade verdadeira», disse o jornalista.

«Há uma selecção a que procedi no âmbito da minha investigação, que designámos como cadernos de 'Censura 16', publicados entre 2001 e 2004», disse Orlando César à Lusa. «Traduzem-se em 40 publicações de 24 páginas constituídas por provas cortadas, que se enquadram em dez temáticas: Censura e campo jornalístico, Política interna e resistência, Sindicalismo e luta política, Mulheres e sociedade, Conflitos e política internacional, Capitalismo e sociedade, Jovens e sociedade, Emigração e movimentos sociais, Política de espírito e cultura e Vivências e sociedade». 

São 781 as peças divulgadas, correspondentes a 28% do total, de 222 autores.

O Notícias da Amadora decidiu guardar as provas da censura, isto é, os textos jornalísticos que por força de lei eram previamente enviados ao Serviço de Censura, antes da sua publicação, «para que se faça um juízo rigoroso sobre o que representou o salazarismo, enquanto factor do atraso social e cultural do país e da sociedade, mas também para memória futura», disse Orlando César.

«É uma prova documental do que foi a censura durante a ditadura. Daí a importância de estar acessível numa instituição especializada, credível e de referência como o ANTT».

«É importante disponibilizar esse espólio para conhecimento e estudos futuros. O conhecimento dos mecanismos de controlo social do passado servem também para nos elucidar sobre as práticas presentes de censura e os seus mecanismos», enfatizou.

O antigo semanário é considerado um dos mais censurados pela ditadura. «Censura opressiva com [Oliveira] Salazar e que se manteve mais sofisticada e contundente com [Marcelo] Caetano, pelo menos no caso do Notícias da Amadora. Marcelo Caetano citou, de resto, o Notícias da Amadora no seu livro Depoimento, publicado em 1974, no Rio de Janeiro», disse o jornalista, reforçando que o aparelho censório se focou-se nele por ser «um órgão de imprensa de resistência e de oposição à ditadura».

O Notícias da Amadora começou a circular em 1958. Sob a direcção de Orlando Gonçalves passou a ter uma circulação nacional.


Com agência Lusa

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