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PPP: O maior cego é o que não quer ver

As PPP revelaram-se – na prática – uma das formas mais eficazes e mais seguras de espremer o Estado português, e de colocar milhões de euros nos bolsos de meia dúzia de grupos capitalistas e, evidentemente, do conjunto de intermediários e facilitadores do negócio.

CréditosNuno Veiga / Agência Lusa

Foram ainda uma das razões porque o investimento público efectivo caiu a pique, com o Estado a «investir» cada ano mais de mil milhões de euros de recursos públicos no pagamento de PPP sem qualquer investimento efectivo realizado neste ano, e, no essencial, nos últimos anos, para pagar rendas a concessionários.

Mas continua a haver quem não queira ver, e antes nos queira fazer de parvos.

Nazaré da Costa Cabral, a presidente do Conselho Superior do Conselho das Finanças Públicas, foi chamada à defesa do modelo e produziu um texto, «Parcerias público-privadas, para que vos quero?», que aponta para a necessidade de repetir o processo: «As razões que presidiram à celebração das primeiras PPP estão hoje de regresso e até com maior intensidade: necessidade de realização de investimento (público) num quadro de limitado espaço orçamental. Assim é que, por um lado, se reclama investimento robusto associado à transição climática, mas, por outro lado, se enfrenta a herança de uma dívida pública pesada que tarda em regressar aos valores pré-crise. Acrescem as necessidades de investimento em infraestruturas 'hard' - v.g. TGV ou aeroporto - ou 'soft', nomeadamente em áreas sociais nucleares, como é o caso da saúde, educação e (agora também) habitação. A estas razões junta-se a circunstância de ser esperada para os próximos anos a redução significativa dos encargos com as atuais PPP. O momento parece ser, portanto, favorável a um novo ciclo de PPP, de segunda geração

Antes, a autora reconhece a forma habilidosa como a União Europeia – e os seus famosos critérios – atraíram os Estados (ou melhor, facilitaram a venda política do processo aos cidadãos) para este mecanismo de favorecimento do grande capital: «Inicialmente, o enquadramento contabilístico associado ao Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC 1995) favoreceu, entre nós, o recurso às PPP: dadas as regras de distribuição de risco, os ativos PPP estariam fora do balanço do Estado e o financiamento excluído da dívida pública. Estava pois, encontrada a fórmula para, num contexto de maiores restrições orçamentais, suprir necessidades de investimento público, justamente recorrendo às PPP (estas consubstanciando investimento privado).» Ou, trocado por miúdos: a UE aceitava fingir que este tipo de endividamento público não era endividamento público, fingindo que este investimento público era investimento privado. 

Entretanto, a presidente do BEI1, Nadia Calviño, deu uma esclarecedora entrevista ao Público, onde afirma que «Confirmámos que as nossas prioridades estão alinhadas e que o grupo BEI será um parceiro-chave. Tem-no sido, é e continuará a sê-lo e aprofundaremos a nossa cooperação para investir em importantes infra-estruturas, como o comboio de alta velocidade entre Lisboa e Porto, projectos de habitação, de gestão da água, infra-estruturas rodoviárias, portos e outras que são fundamentais, como mobilidade e regeneração urbana.» E anuncia, só para a primeira etapa do comboio de alta velocidade Lisboa – Porto, um financiamento de três mil milhões, sob a forma de empréstimo, para os «143 Km do Porto-Soure, incluindo 47 Km de variantes».

«Reparem, existem 3,7 mil milhões para financiar a obra Porto-Oiã-Soure, e o Estado abre uma PPP para a primeira parte – Porto-Oiã – onde transfere 1,7 mil milhões desse financiamento e se compromete a pagar por ele 4,3 mil milhões em 31 anos.»

Ora, Carlos Fernandes, vice-presidente da IP, já explicou publicamente que este projecto – o troço Porto-Soure – vai receber 729 milhões de euros de fundos europeus no âmbito do Connecting Europe Facilty (CEF): «... a primeira parceria público-privada (Porto-Oiã) prevê a candidatura a 480 milhões de euros de fundos comunitários, e a segunda (Oiã-Soure) espera obter 249 milhões de fundos comunitários». 

Ou seja, o Estado entrega ao «parceiro» da PPP 3729 milhões de financiamento público garantido e de apoios públicos garantidos. E depois vai pagar, ao vencedor do concurso público, só para a primeira fase dessa obra, de acordo com Resolução do Conselho de Ministros n.º 12-A/2024, um total de cerca de 4,3 mil milhões de euros (4.269.507.412,38) até 2055, repartidos por 31 anos: «Autorizar a realização da despesa inerente à celebração do contrato de concessão, em regime de parceria público-privada, para a conceção, projeto, construção, financiamento, manutenção e disponibilização do troço entre Porto (Campanhã) e Oiã do Projeto da LAV, correspondente à designada PPP1, no montante máximo de 1 661 364 717,55 euros, expresso em valor atual líquido (...) com início previsto para 2025, e repartido por 31 anos a que corresponde um montante de 4 269 507 412,38 euros expresso a preços correntes (...)».

Reparem, existem 3,7 mil milhões para financiar a obra Porto-Oiã-Soure, e o Estado abre uma PPP para a primeira parte – Porto-Oiã – onde transfere 1,7 mil milhões desse financiamento e se compromete a pagar por ele 4,3 mil milhões em 31 anos. 

Logo, e ao contrário do que afirma a presidente do Conselho Superior do Conselho das Finanças Públicas, o Estado já tem o financiamento da obra garantido, e vai lançar um concurso público para saber quem recebe esse financiamento, e o usa para extorquir ao Estado o pagamento desse financiamento mais uma bela renda anual entre 2025 e 2055.

Acima destas verbas, o Estado irá ainda pagar ao «concessionário» as dezenas de decisões de tribunais arbitrais que o condenarão a mais umas centenas de milhões de euros de despesas, como acontece hoje em dia, sem que o Estado (e o conjunto de assessores e gestores pagos a peso de ouro) feche o buraco sem fim de colocar nos cadernos de encargos das PPP o recurso a Tribunais Arbitrais e a possibilidade de «Reequilíbrio Financeiro das Concessões».

Todo este cenário reflecte o quanto o Estado português – e o conjunto das suas instituições – está capturado pelo interesse privado. A factura acaba sempre a ser paga por quem trabalha, pelos que produzem a riqueza que estes parasitas desperdiçam, distribuem ou se apropriam.  

  • 1. BEI: Banco Europeu de Investimento, cujos accionistas são os Estados-Membro da União, incluindo Portugal.

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