Com constrangimento e humildade dou comigo a revisitar o que tenho dito e escrito ao longo dos últimos anos, alertando para a fragilidade dos argumentos de suporte das manifestações de glória dos governantes deste país, quando confrontados com resultados conjunturalmente favoráveis sobre a área ardida de incêndios florestais, ou quando, na presença de insucessos na mesma matéria, prometem que «agora é que vai ser».
Nuns casos ou noutros, com algumas exceções, sempre tem prevalecido uma visão superficial desta problemática, condicionada por ciclos eleitorais, ímpetos de afirmação pessoal e lamentáveis défices de incorporação de conhecimento.
Intervindo num seminário realizado no início deste ano na Universidade de Lisboa denunciei a falta de relatórios de monitorização do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros e publicado no Diário da República em maio de 2006, importante instrumento estratégico da política florestal.
Na mesma ocasião interroguei os presentes sobre se seria necessário haver uma catástrofe humana nas florestas portuguesas para finalmente interrompermos o ciclo laboratorial de soluções, sempre diferentes das anteriores, adotadas por sucessivos governos. No passado sábado, ao coligir as informações que me chegavam da catástrofe de Pedrógão Grande, senti-me angustiado por ter prognosticado uma catástrofe anunciada.
Em 2013, na sequência dos graves incêndios registados no País, e dos quais resultou a morte de oito Bombeiros, tive oportunidade de percorrer várias zonas da região norte e centro. Perante aldeias isoladas (exclusivamente habitadas por um reduzido e dependente número de idosos), face aos contínuos de combustível vertical e horizontal concentrados em vastas zonas rurais e florestais, perante os sucessivos avisos da comunidade científica para a previsibilidade da ocorrência de verões cada vez mais quentes e prolongados, entre outros fatores, constatei estarem reunidas as condições para a tempestade perfeita. Outra vez.
Agora há um derradeiro e decisivo caminho a percorrer. Iniciar desde já a identificação do que falhou (é irresponsável, perante a morte de 64 pessoas, alguém afirmar que não falhou nada). Depois fazer a análise das conclusões e equacionar uma estratégia de intervenção a curto médio e longo prazo, numa perspetiva integrada das dimensões técnica, científica e política, com informação e conhecimento incorporado e sem a tradicional fobia das demissões, uma forma sempre ligeira de fazer esquecer a responsabilidade de muitos, em troca da cabeça de alguns.
Finalmente, e porque estamos numa República e num Estado de Direito Democrático (embora às vezes pareça estarmos numa Monarquia), urge reclamar ao Governo e à Assembleia da República que coloque esta matéria na agenda política, em permanência, até que os 64 nossos concidadãos que perderam a vida no inferno das chamas de Pedrógão Grande saiam da nossa memória coletiva. E isso vai demorar muito tempo!
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