Hillary Clinton foi formalmente nomeada candidata do Partido Democrata às eleições presidenciais de 8 de Novembro, numa convenção mais complicada que a sua vitória já assegurada faria supor. A situação complicou-se quando, na véspera da convenção, milhares de correios electrónicos do Comité Nacional Democrático (DNC) – que funciona na prática como a direcção executiva do partido – foram tornados públicos pela WikiLeaks.
Os emails demonstram o que os apoiantes de Bernie Sanders já vinham reclamando há meses: que o aparelho partidário dificultou sistematicamente a campanha de Sanders. No rescaldo, a líder do DNC, Debbie Wasserman Schultz, pediu a demissão, embora tenha pretendido manter-se no cargo até ao fim da Convenção, plano que acabou por não se realizar após continuada contestação.
Alguma atenção tem sido dada à fonte da pirataria que obteve os emails, mas sendo estes genuínos, algo que não foi contestado, a fonte é secundária ao tema da isenção do Partido perante Sanders e a sua campanha. Diz muito sobre Clinton, que sua campanha tenha pretendido deflectir a atenção culpando a Rússia, ou que tenha convidado Schultz, já depois do escândalo, para um lugar de honra na sua campanha.
A campanha de Sanders foi muito mobilizadora, como demonstrou a adesão às suas iniciativas, ou a vitória no processo das primárias em 22 estados, com percentagens muito expressivas entre a população jovem. A força dessa base foi afectando a própria campanha de Clinton, forçando-a a modificar posições e a abordar certos temas como a desigualdade económica.
A verdade é que Bernie conseguiu dar esperança e unir um eleitorado progressista e, para surpresa de muitos, poderia ter ganho a nomeação. Daí o aparelho partidário ter sabotado a campanha de Sanders. Campanha, que olhou além da nomeação e conseguiu alterar o discurso político. A plataforma política do Partido apresentada à Convenção é, segundo analistas, a mais progressista de sempre.
«Para a esquerda progressista, o desafio é aproveitar o momento da campanha singular de Sanders e manter uma base de activismo.»
Os apoiantes de Sanders estenderam a sua campanha à Convenção, chegando mesmo a apupá-lo quando este declarou que os democratas se deveriam unir contra Trump e eleger Clinton. A toada de contestação esteve também marcada entre os cartazes, com manchas de protestos contra a Parceria Trans-Pacífica (TPP). Este é um dos temas que permitem aferir a força da base de apoio da campanha de Sanders.
Clinton apoiou o TPP enquanto Secretária de Estado, mas afastou-se de Obama durante a campanha, em parte fruto da pressão exercida pela base eleitoral de Sanders e os sindicatos. Mas é uma posição de pouca dura, como sugerido pela nomeação de Tim Kaine para candidato vice-presidencial, um apoiante do TPP, assim como pelas palavras do Governador McAuliffe, um amigo dos Clinton de longa data, que afirmou claramente que Clinton iria apoiar o TPP depois das eleições.
As palavras de McAuliffe alimentam uma desconfiança generalizada nas posições de Clinton: cerca de dois terços dos estadunidenses não têm confiança nela. Aliás, esta eleição presidencial promete ser singular ao opor dois candidatos impopulares nos seus partidos: sondagens de Junho indicam que um terço dos eleitores democratas têm uma opinião desfavorável de Clinton (semelhante aos números de Trump entre os Republicanos).
Uma questão relevante é determinar o que farão os apoiantes de Sanders. É certo que muitos não irão votar em Clinton, uma perda significativa num país onde as taxas de abstenção em eleições presidenciais rondam os 40%.
Para a esquerda progressista, o desafio é aproveitar o momento da campanha singular de Sanders e manter uma base de activismo. A Cimeira do Povo, realizada em Junho, reuniu organizações políticas e sindicais com vista a construir um movimento político e social, que continue após as eleições.
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