Petrogal: Um caso de privatização prejudicial aos interesses do País

A Petrogal é mais um caso, entre muitos, dos malefícios causados pela privatização contra os interesses do país, das populações e dos trabalhadores.

Créditos / Fiequimetal

Os trabalhadores da Petrogal estão em luta. Há quinze dias atrás saíram das refinarias do Porto e de Sines e rumaram em manifestação a Lisboa, onde deram expressão ao seu protesto nas concentrações efectuadas frente à Administração, no Ministério do Trabalho e na Autoridade de Supervisão dos Fundos de Pensões. Neste último sábado iniciaram uma greve que vai prolongar-se até quinta-feira.

Estão em causa neste conflito que já dura há mais de três anos, a defesa dos direitos e da contratação colectiva, o combate a um «banco de horas» que visa pôr os trabalhadores a trabalhar mais e a ganhar menos salário, a manutenção dos direitos sociais, contra a destruição dos actuais regimes de complementos de reformas e de assistência na saúde.

Para atingir as suas pretensões a Administração denunciou em 2013 o Acordo Autónomo da Empresa (acordo complementar ao ACT/Petrolíferas Privadas), usando como instrumento de chantagem sobre os trabalhadores o regime da caducidade previsto no código do trabalho, coisa que não é novidade, pois tem sido esse um dos principais recursos a que o patronato deita a mão para «limpar» os direitos de quem vive do seu trabalho.

Acontece, porém, que a Administração invocou dificuldades económicas para «fundamentar» a denúncia da contratação colectiva. Passados três anos, confirmaram-se serem falsos as os motivos apresentados. De facto, os lucros da Petrogal/Galp ultrapassaram, só neste período e sem contar com a circulação de dinheiros fora do país, 1,5 biliões de euros.

Em 2016, o Presidente executivo recebeu em salários 1,6 milhões de euros, os outros sete administradores arrecadaram mais de 10 milhões e o principal accionista, Américo Amorim reforçou a posição como maior multimilionário em Portugal.

Trata-se de um comportamento próprio da sociedade capitalista em que vivemos, onde a ganância em acumular riqueza por parte de quem detém o poder de explorar a força de trabalho não tem limites, razão pela qual uma ínfima parte da população acumula riquezas incalculáveis à custa da pobreza e miséria de milhões de seres humanos.

Há quem lute para combater tal sistema, assente na exploração do homem pelo homem, e quem se limite a declarações de discordância, mais ou menos piedosas, para aliviar a má consciência de pactuar, ou mesmo beneficiar do sistema que criticam.

A situação torna-se mais grave quando o poder político instituído se deixa capturar pelo poder económico. É, infelizmente, a situação vivida em Portugal há várias décadas, com a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e as privatizações, como instrumentos do processo de recuperação pelos grupos económicos do domínio da economia do País e dos privilégios que detinham antes da Revolução de 25 de Abril.

A Petrogal é mais um caso, entre muitos, dos malefícios causados pela privatização contra os interesses do país, das populações e dos trabalhadores.

No quadro dos direitos fundamentais que constitucionalmente são atribuídos aos trabalhadores, a Constituição da República Portuguesa consagra (art.º 56º) o direito das Associações Sindicais exercerem a contratação colectiva para defenderem e promoverem a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.

Ao contrário do que prometeu antes das eleições legislativas, o actual Governo do PS não só não tomou nenhuma medida legislativa para pôr fim à chantagem patronal, que utiliza o regime da caducidade das convenções para impor o retrocesso ao passado, eliminando direitos e agravando as condições de trabalho, como se tem oposto à reposição plena do direito de negociação colectiva, votando contra as propostas de outros partidos na Assembleia da República.

Ainda há poucos dias isso voltou a acontecer, com os deputados do PS a juntarem-se aos deputados do PSD e do CDS/PP na rejeição das propostas apresentadas pelo do PCP, quer no que respeita à revogação da caducidade inscrita no código do trabalho, quer sobre a reposição do regime do tratamento mais favorável aos trabalhadores.

O caso da Petrogal é paradigmático quanto às graves responsabilidades políticas que o actual Governo do PS tem na situação de boicote negocial imposto pela Administração, assim como pela impunidade com que esta actua contra os trabalhadores e os sindicatos representativos.

No primeiro caso, o Ministério do Trabalho demitiu-se de exercer as suas competências, nomeadamente quanto ao dever de assegurar a resolução dos conflitos de trabalho e promover a negociação colectiva, enquanto no segundo caso já interveio de forma activa para apoiar os ataques desferidos contra os trabalhadores.

São exemplos concretos dessa intervenção: i) a publicação do aviso de caducidade do acordo autónomo – contrariando o compromisso assumido pelo Governo em não publicar quaisquer avisos de cessação de vigência de acordos negociados e publicados após a entrada em vigor do código do trabalho, ou quaisquer outros, até serem tomadas medidas legislativas sobre o actual regime; ii) a emissão de despachos ministeriais a limitar o exercício do direito de greve.

É intolerável, imoral e indigno do Estado Democrático, que o Governo tivesse cedido aos interesses privados de um grupo económico, dando provimento à publicação do aviso de caducidade do acordo autónomo, quando se mostrou serem falsas as razões apresentadas pela Administração para denunciar o acordo e, por outro lado, quando o próprio Ministério do Trabalho foi conivente, e até mesmo protagonista, no desenvolvimento de um processo que está, todo ele, eivado de irregularidades processuais, para atingir o fim último perseguido pela Petrogal, a caducidade do acordo.

Mas as responsabilidades do Governo neste processo vão mais longe. Depois de a Petrogal ter sido condenada em mais de uma dezena de tribunais, relativamente a inúmeras tentativas de impedir o pleno exercício do direito de greve na empresa, o Governo anterior do PSD/CDS inaugurou, e o actual Governo do PS continuou, a emissão de despachos administrativos a caucionar as ilegalidades da Administração.

Com o pretexto de a empresa ter de satisfazer serviços mínimos socialmente impreteríveis (que os trabalhadores asseguram, evidentemente), os despachos mais não são que autênticos manuais de procedimentos anti-greves, uma vez que são elaborados para impor aos trabalhadores que mantenham as fábricas em laboração.

Ou seja, o que a Administração não obteve em tribunal – a permissão para violar o direito de greve, sendo condenada e até acusada de «manobras dilatórias» – alcançou agora por meio de despachos ministeriais, sem que o Governo tenha competência para praticar actos públicos que extravasam o estrito âmbito delimitado pela lei e pela Constituição. Acresce que tais actos administrativos são praticados à revelia das decisões judicias já transitadas em julgado e às quais as entidades públicas estão também vinculadas.

Dando como garantida a protecção do Governo, a Administração da Petrogal tem levado mais longe o ataque aos trabalhadores, suspendendo o pagamento de prestações retributivas, incluindo os subsídios de creche e infantários às crianças filhas dos trabalhadores, complementos de reforma e outros direitos sociais.

Os direitos fundamentais dos trabalhadores, bem como o princípio constitucional que determina que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, não podem ser alienados em nome de um qualquer «deus mercado», como se os grupos económicos estivessem isentos desse cumprimento e das suas responsabilidades sociais.

Pode não dar muito jeito ao Governo afrontar as empresas «exportadoras». Mas a sua opção está entre escolher continuar a reforçar o poder da Administração, tornando-se cúmplice na violação da legalidade e na liquidação de direitos conquistados com duras lutas e sofrimento ao longo de muitos anos de trabalho, ou cumprir e fazer cumprir a Constituição.

Por muitos que sejam os obstáculos colocados no seu caminho, os trabalhadores não desistirão de defender os seus legítimos direitos. Apesar das medidas administrativas que visam condicionar a sua acção, os trabalhadores vão continuar a lutar, sabendo que é na luta, assente na força da razão, que hão-de vencer.

A privatização da Petrogal/Galp não foi prejudicial apenas no plano dos direitos dos trabalhadores. O processo que se desenrolou nas duas últimas décadas, com destaque para os negócios obscuros e esquemas fraudulentos, que ficaram conhecidos como GALPADAS, provocaram sobretudo graves prejuízos à economia nacional e não serviram os interesses das populações. Voltaremos a este assunto.

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