A situação vivida no nosso País desde 17 de Junho deste ano, no que se refere à problemática da proteção de pessoas e bens, exige que todos – cidadãos, investigadores, técnicos e, sobretudo, responsáveis políticos nos vários órgãos e instituições do Estado Democrático – se interroguem sobre o papel que cada um deve desempenhar, para garantia do disposto no artigo 27.º da Constituição da Republica Portuguesa (Todos têm o direito à liberdade e à segurança).
A morte de 107 cidadãos (até a esta data) e as circunstâncias em que as mesmas ocorreram, em consequência de duas vagas de incêndios florestais ocorridos no período de 4 meses, é por si só razão, mais do que suficiente, para nos questionarmos sobre modelos de organização, estratégias, serviços, competências e perfis, colocados ao serviço do sistema de proteção civil.
A catástrofe do incêndio florestal de Pedrogão Grande motivou a realização de 3 relatórios de análise sobre o mesmo. Um elaborado pela designada Comissão Técnica Independente, constituída no âmbito da Assembleia da República. Outro, encomendado pelo Governo ao Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, dirigido pelo professor Domingos Xavier Viegas. Um terceiro documento, elaborado pelo Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil, por iniciativa própria.
Os referidos documentos possuem ângulos de abordagem diferentes, o que permite enriquecer a reflexão a propósito de uma das mais graves catástrofes ocorridas em Portugal, nas últimas décadas. Mas estes documentos não são programas de Governo, pelo que cabe ao Executivo fazer escolhas, afetar recursos e assumir decisões políticas.
Todos os relatórios convergem numa conclusão: o atual sistema português de proteção civil está esgotado!
Esta é uma nova e dolorosa realidade, percecionada desde há muito por aqueles (nos quais me incluo) que andam a «pregar no deserto» sobre esta matéria sem que os decisores políticos – a vários níveis e instâncias – tenham dado qualquer atenção aos alertas e às propostas formuladas.
Genericamente, no nosso País o processo de decisão politica não tem o hábito de incorporar conhecimento e estudo, preferindo-se seguir as recomendações de círculos fechados, tantas vezes distantes da realidade social e culturalmente multifacetada do país.
A vaga de incêndios que assolou o Centro e Norte de Portugal no segundo fim de semana de outubro e que culminou com a morte de mais 43 pessoas (a acrescentar às 64 de Pedrogão Grande), representa apenas o acentuar da falência dos mecanismos de proteção de pessoas e bens, quando atingidas por eventos extremos.
Face ao quadro em presença, chegou o momento para dar-se relevância, importância e reconhecimento político à proteção civil, enquanto função de soberania do Estado de Direito.
Chegou a hora de se deixar de olhar com desconfiança para os «extraterrestres» que se dedicam ao estudo das catástrofes e dos seus efeitos, com o objetivo de preveni-las, promover a preparação para as enfrentar e a elas responder, bem como organizar a recuperação para o restabelecimento da normalidade das comunidades, passando a dar atenção às suas recomendações e propostas.
Entre as muitas lições que se podem tirar deste ciclo dramático de incêndios florestais é que a aplicação do conhecimento disponível constitui um indispensável instrumento para a boa decisão politica.
Faça-se então uso dele e feche-se o ciclo da decisão empírica, alicerçada no tradicional «saber de experiência feita» que, na nova realidade ambiental, só significa decidir mal e com consequências gravosas.
É esta a expectativa que tenho relativamente às decisões da reunião do Conselho de Ministros deste fim de semana.
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