A assinatura, por mais de metade dos países da ONU, do Tratado de Interdição de Armas Nucleares e a atribuição do Prémio Nobel da Paz à Campanha Internacional pela Abolição das Armas Nucleares revelam que, na opinião pública mundial, existe uma consciência crescente do risco para a vida no planeta representado pela existência de cerca de 15 mil engenhos desse tipo, em poder de um número restrito de países.
É certo que o Tratado Internacional começa apenas a ter existência prática depois de ratificado pelo menos por 55 países; e que a credibilidade do Nobel da Paz tem andado por níveis rasteiros, sobretudo desde a atribuição do galardão a entidades e figuras como a União Europeia e Barack Obama, militantes da guerra com abundantes provas dadas.
Porém, a reacção dos meios mais belicistas, com a NATO à cabeça, e logo em cima da aprovação do Tratado de Interdição, revela que as decisões agora tomadas contra as armas de extermínio massivo inquietaram os valentes generais da aliança, os políticos e interesses a quem servem de guarda-costas.
«Não aceitaremos qualquer argumento contido no Tratado», postulou o Conselho do Atlântico algumas horas apenas depois de o documento ter recebido as primeiras das 122 assinaturas recolhidas com a aprovação.
Quem fez suas estas palavras definitivas da NATO foi o ministro português dos Negócios Estrangeiros, certamente por considerar essencial e benéfico para todos nós, mesmo não tendo armas desse tipo, ficar na dependência dos que estão dispostos a usá-las «como meio de defesa», é claro. A NATO, como se sabe, nunca ataca ninguém, apenas se defende, como faz no Afeganistão e na Líbia.
Prevenindo o caso de o ministro português, neste caso por redução ao absurdo, ou qualquer um dos seus colegas de países de alguma forma associados à NATO, ou não, se sentir atraído pelo conteúdo do Tratado de Interdição de Armas Nucleares, o Conselho do Atlântico tratou de se antecipar com o habitual espírito dissuasor, o qual, vindo de quem vem, jamais poderá ser qualificado como ameaça: «apelamos aos nossos parceiros e a todos os países que tenham a intenção de assinar o tratado a reflectirem seriamente sobre as implicações», adverte.
Os signatários não digam depois que não estavam informados, caso a NATO venha a acertar contas com eles. Porque «o objectivo fundamental da nossa capacidade nuclear é preservar a paz e desencorajar a agressão», explica o Conselho do Atlântico; já o Tratado de Interdição, acrescenta, «arrisca-se a fazer o contrário, criando divisões e divergências».
É verdade que a argumentação atlantista parece propaganda para imbecis, mas quando se dispõe da força bruta e do poder discricionário para a usar, a credibilidade nas tomadas de posição não precisa de ser uma preocupação dos porta-vozes.
«Apelamos aos nossos parceiros e a todos os países que tenham a intenção de assinar o tratado a reflectirem seriamente sobre as implicações.»
conselho do atlântico
Por exemplo, convencidos ou não da bondade de tais teses «defensivas» e «pacifistas», os portugueses e o seu Parlamento, tal como os povos dos 28 outros Estados da NATO e respectivas assembleias legislativas, não serão chamados a pronunciar-se sobre o Tratado antinuclear aprovado pela maioria dos membros da ONU, porque a aliança atlantista, sem qualquer mandato ou mecanismo democrático, já falou por eles, já o deitou para o lixo.
Vale a pena reflectir uns instantes sobre a atitude de dois países da União Europeia e que não integram a NATO, a Irlanda e a Áustria, que foram dos primeiros a subscrever o Tratado, apesar de os seus governos nada terem de progressistas e de estarem perfeitamente alinhados com o sistema económico e político dominante.
Se os Parlamentos de Viena e Dublin ratificam ou não o documento, esse é outro aspecto, mas que será sempre decorrente do respeito pela democracia e de um acto de soberania nacional. O que não acontece com os povos reféns dos interesses agressivos, expansionistas e minoritários dos quais a NATO é um instrumento de poder.
As posições intransigentes de todos os possuidores de armas nucleares, com maior ou menor disponibilidade para abdicar delas em função dos outros, ou mais ou menos declarações de prontidão para negociar a redução de arsenais, dependendo, ainda e sempre da atitude dos outros, revela até que ponto estão congelados os passos no sentido da desnuclearização militar.
Com a agravante de ganharem terreno as teorias manipuladoras sobre o uso «limitado» de armas de extermínio e que parecem capazes de fragilizar a barreira do medo, que foi um poderoso dissuasor durante a guerra fria.
Os sinais de uma irresponsabilidade associada a uma nova inconsciência, a roçar pela loucura da suposta invulnerabilidade, perceptíveis sobretudo nos responsáveis da Coreia do Norte e dos Estados Unidos da América, colocam a ameaça de extermínio nuclear num patamar de risco nunca antes atingido. Daí que os cientistas que gerem o «relógio do juízo final» continuem a adiantá-lo e a aproximá-lo cada vez mais da hora fatal.
A aprovação do Tratado de Interdição de Armas Nucleares na ONU e a atribuição do Nobel à Campanha Internacional de Abolição chegaram, portanto, num momento decisivo e determinante que agita positivamente a opinião pública, apesar da continuada propaganda belicista.
As duas novas realidades são encorajadoras e mobilizadoras de vontades para todos os que, no mundo, ainda acreditam que é possível travar a fatalidade nuclear, apesar das ameaças da NATO, dos destrambelhamentos em Washington e Pyongyang, da proliferação de engenhos em países teoricamente não nucleares como é o caso de Itália, Alemanha, Holanda, Bélgica e Turquia – transformados em arsenais atlantistas – e de Israel, que os possui clandestinamente.
Neste cenário confrontam-se duas posições, agora claramente definidas com a ajuda do Tratado da ONU e da atribuição do Nobel: a belicista, claramente minoritária nos interesses que serve, mas dotada com o poder absoluto de extermínio e a eficácia de uma propaganda global tentando fazer crer que é possível usar a bomba nuclear como qualquer outra arma de guerra; e a que defende o fim das armas nucleares e de extermínio, verdadeiramente transversal à sociedade global, que procura favorecer o desarmamento total de maneira equilibrada e controlada. Ambas as posições têm ganho influência, o que demonstra como o problema nuclear atingiu um ponto crítico.
Por enquanto prevalece a assustadora realidade de cada um de nós, cidadãos do mundo, ser um refém das armas de extermínio, independentemente da nacionalidade e da localização no planeta. É vital, para todos os seres humanos, inverter a relação de forças; e os últimos êxitos revelam que foram alcançados avanços importantes nessa direcção.
O caminho está aberto; agora é preciso percorrê-lo em união cada vez mais ampla e sem perder tempo, porque o inimigo dispõe de armas letais – e não apenas as nucleares: a irresponsabilidade e, principalmente, o desprezo pela vida humana.
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